Acessibilidade / Reportar erro

Arquivos pessoais: um balanço da literatura recente publicada em periódicos brasileiros

Personal archives: an overview of recent literature published in Brazilian journals

Resumo

O artigo revisita a discussão sobre arquivos pessoais, que por muito tempo ocuparam posição marginal no escopo da teoria arquivística, a despeito do interesse que suscitam entre pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. Ao longo das últimas décadas, as discussões sobre os conjuntos documentais acumulados por indivíduos ganharam corpo e espessura, sobretudo no campo da Arquivologia, com um aumento significativo de teses, dissertações, encontros e seminários dedicados ao tema, além de dossiês e edições especiais em revistas da área. Este trabalho, caracterizado como uma revisão de literatura, de caráter descritivo e abordagem qualiquantitativa, examina a produção bibliográfica recente sobre os arquivos pessoais, a partir dos artigos publicados em periódicos brasileiros nos últimos quatro anos, de modo a obter um panorama das múltiplas vertentes em que as reflexões teóricas e metodológicas têm se apresentado no cenário dos estudos arquivísticos.

Palavras-chave:
arquivos pessoais; revisão de literatura; periódicos brasileiros; arquivologia

Abstract

The article revisits the discussion on personal archives, which have long held a peripheral position within archival theory despite their appeal to researchers across various knowledge areas. Over the past decades, discussions on documents accrued by individuals have gained depth and prominence, particularly in archival science. This surge is evident in the notable increase in theses, dissertations, conferences, and seminars dedicated to the subject, along with the publication of dossiers and special editions in relevant journals. Descriptive and quali-quantitative in nature, this review of literature examines the recent bibliographic output on personal archives. It specifically delves into articles published in Brazilian journals over the past four years, seeking to offer an encompassing perspective on the varied dimensions in which theoretical and practical reflections have unfolded in the field of archival science.

Keywords:
personal archives; literature review; Brazilian journals; archival studies

1 Introdução

Quarenta e cinco anos atrás, nas páginas de Arquivo & Administração, Heloísa Bellotto discutia a “Problemática atual dos arquivos particulares”, numa inciativa seminal de conceituar e a explorar as características dos “[…] arquivos que não são públicos, isto é, os que guardam documentação que originalmente não foi produzida pelo estado.” (Bellotto, 1978BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Problemática atual dos arquivos particulares. Arquivo & Administração, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 1978. , p. 5). Da definição óbvia e reconhecidamente injusta, tendo em vista o fato de que muitos desses arquivos contêm documentos públicos ou são custodiados por instituições públicas, como reconheceu a autora, Bellotto derivou outra, tomando por base a caracterização da entidade responsável pela acumulação documental: “[…] o arquivo particular, este seria o conjunto de documentos produzidos por entidade particular ou pessoa, no decurso de suas atividades, formando um conjunto orgânico e preservado para informação administrativa, jurídica ou histórica.” (Bellotto, 1978BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Problemática atual dos arquivos particulares. Arquivo & Administração, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 1978. , p. 5, grifo nosso). Quanto à tipologia desses arquivos, é curioso observar que, com base na literatura daquela época, Bellotto fazia equivaler os arquivos de pessoas aos arquivos privados, enquanto aqueles de origem institucional se dividiam entre “econômicos” e “sociais”, num amplo quadro em que as imprecisões terminológicas restam sintomáticas do pioneirismo de uma abordagem que, em nosso esforço de levantamento bibliográfico, configura um dos primeiros exercícios de sistematização teórica publicados em periódico brasileiro a respeito dos arquivos cuja proveniência escapa às entidades de natureza pública.

Vale pontuar que, no Brasil, a aquisição de arquivos pessoais remonta à longa tradição das seções de manuscritos das bibliotecas públicas, a exemplo da Biblioteca Nacional, bem como à atuação das academias de letras, dos institutos históricos e das seções de arquivo e documentação dos museus.1 1 A Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, cujo acervo (hoje composto de cerca de 900 mil itens) começou a ser constituído a partir de documentos trazidos pela família real portuguesa em 1808, abriga, para além de documentos avulsos e manuscritos literários, arquivos pessoais. Entre os museus, destaca-se o acervo da Seção de Arquivo Histórico do Museu Imperial, em Petrópolis, composto majoritariamente por documentação de origem privada. Para uma visão mais abrangente das instituições custodiadoras de arquivos pessoais no Brasil, ver o mapeamento de Venâncio (2016). Com o tempo, na esteira do aquecimento do interesse de pesquisadores afiliados sobretudo ao campo dos estudos históricos e literários pelos documentos acumulados por pessoas, os quais, segundo Petrone (1968PETRONE, Maria Thereza Schorer. Um comerciante do ciclo do açúcar paulista: Antônio da Silva Prado (1817-1829). Revista de História, São Paulo, v. 36, n. 73, p. 115-138, 1968. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.1968.126817 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
, p. 115), permitem colher “[…] com mais facilidade certos pormenores necessários à reconstrução do passado”, surgiram instituições de custódia especialmente dedicadas a preservá-los, dentre as quais figuram, como pioneiras, o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (fundado em 1962), o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa (em 1972) e o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC), no Rio de Janeiro (em 1973).

A incorporação de arquivos pessoais aos acervos de arquivos públicos, centros de documentação e de memória impôs aos profissionais da área o desafio de organizá-los e descrevê-los, evidenciando a complexidade de sua composição e impondo questões teóricas e metodológicas para as quais a arquivística tradicional oferecia poucas respostas. Assim, paulatinamente e a reboque da prática, começa a surgir no cenário brasileiro toda uma produção bibliográfica que, por um lado, procura oferecer subsídios para o tratamento documental, com perspectivas metodológicas variadas, e, por outro, busca teorizar sobre a lógica de constituição desses arquivos. São exemplos representativos desta primeira seara o manual de procedimentos do CPDOC, cuja primeira edição data de 1980,2 2 Intitulado Metodologia de organização de arquivos pessoais: a experiência do CPDOC, o manual teve três reedições, publicadas nos anos de 1986, 1994 e 1998 (Heymann, 2009). e os artigos “Arquivos pessoais: uma proposta de descrição”, de Ana Maria de Almeida Camargo (1988CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais: uma proposta de descrição. Arquivo: Boletim Histórico e Informativo, Brasília, v. 9, n. 1, p. 21-24, jan./jun. 1988.), e “A vontade de guardar: lógica da acumulação em arquivos privados”, de Aurélio Vianna, Maurício Lissovsky e Paulo Sérgio Moraes de Sá (1986VIANNA, Aurélio; LISSOVSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes. A vontade de guardar: lógica da acumulação em arquivos privados. Arquivo & Administração , Belo Horizonte, v. 10-14, n. 2, p. 62-76, jul./dez. 1986. ).

Vinte anos depois daquele primeiro esforço de definição, Bellotto voltava ao tema dos arquivos privados, sublinhando o aquecimento do debate em torno dos documentos acumulados por pessoas no próprio campo da Arquivologia (Bellotto, 1998BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos pessoais em face da teoria arquivística tradicional: debate com Terry Cook. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 201-207, 1998. ). Com efeito, ao longo das últimas décadas, a discussão em torno dos dilemas teóricos e metodológicos impostos pelos arquivos de pessoas se adensou consideravelmente. Neste movimento, é impossível não aludir à revisão e atualização do manual do CPDOC, em sua quarta edição, de 1998CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Metodologia de organização de arquivos pessoais: a experiência do CPDOC. 4 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1998., e à publicação de Tempo e circunstância, de Camargo e Goulart (2007CAMARGO, Ana Maria de Almeida; GOULART, Silvana. Tempo e circunstância: a abordagem contextual dos arquivos pessoais. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2007. ), obra que introduziu importante renovação metodológica ao reconhecer os atributos funcionais e preconizar a abordagem dos arquivos pessoais pelo prisma dos contextos originários dos documentos, rompendo, assim, com o recurso às categorias classificatórias temáticas, não raro ambíguas, que vinham sendo tradicionalmente empregadas no arranjo e na descrição.

Se na década de 1970, a relevância desses arquivos se afirmava por seu valor secundário e pelo interesse que suscitavam para a pesquisa histórica (Bellotto, 1978BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Problemática atual dos arquivos particulares. Arquivo & Administração, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 1978. ), cumpre reconhecer que hoje eles figuram na pauta dos estudos arquivísticos: não só o número de teses e dissertações defendidas nos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação e afins aumentou sensivelmente,3 3 Uma pesquisa preliminar no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, empregando a expressão “arquivos pessoais” como termo de busca, revela a existência de 152 trabalhos acadêmicos (mestrado, mestrado profissional e doutorado) defendidos entre os anos de 2003 e 2023 nos programas de pós-graduação brasileiros. Vale destacar que parcela importante desta produção tem saído, para além da Ciência da Informação, dos programas de pós-graduação em História, Literatura e Educação. como também surgiram encontros e seminários especialmente dedicados à temática, realizados em edições regulares,4 4 A Associação de Arquivistas de São Paulo promove, periodicamente, o Encontro Arquivos Pessoais: Experiências, reflexões, perspectivas (com edições em 2015, 2017, 2019 e 2023). A Fundação Casa de Rui Barbosa também já teve uma atuação bastante importante na organização de eventos sobre a temática, entre os quais se destacam as duas edições do Encontro Arquivos Pessoais e Cultura, em 2014 e 2016. e os periódicos da área passaram a publicar dossiês e edições especiais sobre os arquivos de pessoas.5 5 Veja-se, por exemplo, Estudos Históricos (v. 11, n. 21, 1998), Revista do Arquivo Público Mineiro (v. 45, n. 2, 2009), Revista do Arquivo (v. 2, n. 4, 2017) e Officina (v. 2, n. 2, 2023).

Nosso objetivo, neste trabalho, é passar em revista a produção bibliográfica recente sobre os arquivos pessoais, de modo a obter um panorama das múltiplas vertentes em que as reflexões teóricas e metodológicas têm se apresentado no cenário dos estudos arquivísticos. Para tanto, delimitamos um universo de análise caracterizado por artigos publicados em periódicos brasileiros entre os anos de 2020 e 2023, os quais figuraram como objeto de uma revisão de caráter descritivo e abordagem qualiquantitava, pautada pela leitura, na íntegra, dos itens que constituem o corpus documental selecionado.

2 Delimitação do universo de análise

Tendo em vista a necessidade de definir o escopo de nossa análise, optamos por privilegiar, neste trabalho, os artigos publicados em periódicos brasileiros, classificados na área de Comunicação e Informação e indexados na Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI).6 6 A pesquisa na base e a coleta das referências se deu na primeira quinzena dezembro de 2023. Neste sentido, cumpre esclarecer que os artigos do dossiê “Arquivos pessoais em cenários híbridos” publicado por Officina (v. 2, n. 2) não integram o escopo das fontes, dado que a edição da revista foi publicada em 29 de dezembro, quando a etapa de coleta de referências já havia se encerrado. Composto por seis artigos, derivados de comunicações apresentadas no 4o Encontro “Arquivos Pessoais: experiências, reflexões, perspectivas”, o dossiê constitui um importante elemento indicador da tendência de crescimento do interesse pelos arquivos de pessoas no campo da Arquivologia.

Na pesquisa das referências, empregamos como termos de busca as expressões “arquivo pessoal” e “arquivos pessoais”, considerando sua ocorrência no título, no resumo e nas palavras-chave. Como delimitador temporal, estabelecemos o período compreendido entre os anos de 2020 e 2023. Assim, foram recuperadas, preliminarmente, 113 referências, conforme demonstra a Tabela 1.

Tabela 1 -
Resultados da pesquisa na BRAPCI

A configuração final do corpus documental, no entanto, resultou bastante reduzida. Sobre isto, cumpre observar que das 24 referências obtidas pela busca por “arquivo pessoal” no resumo dos trabalhos constantes da base, 12 delas coincidiam com aquelas já recuperadas pelos outros dois critérios de localização do termo, quais sejam, título e palavras-chave. Excluídas as repetições, das 12 referências restantes apenas três tratavam especificamente de arquivos pessoais, sendo que as demais traziam, no corpo do resumo, o adjetivo “pessoal” empregado para qualificar outros objetos. Deste modo, das 24 referências recuperadas, apenas três foram consideradas. Vale também mencionar que, ao operarmos a busca com o termo “arquivos pessoais”, as referências localizadas no título e no resumo coincidiam integralmente com aquelas já recuperadas na busca anterior. A coincidência permite cogitar que o mecanismo de busca não diferencia a flexão gramatical para indicativo de número de substantivos e adjetivos. Curiosamente, para a expressão no plural, quando selecionada sua localização nas palavras-chave, o mecanismo de busca retornou 27 resultados, sendo que deles apenas um não coincidia com as referências recuperadas anteriormente.

Deste modo, numa análise preliminar em que foram excluídas as redundâncias e os trabalhos que se mostravam impertinentes ao escopo temático da pesquisa, constituímos um universo documental inicial composto por 32 referências. Em seguida, sistematizamos os dados de cada referência em planilha eletrônica padronizada, procedimento pelo qual foi possível observar com maior atenção os itens selecionados. Como desdobramento desta segunda etapa de tratamento das fontes, observamos o surgimento de novos casos de impertinência, resultando na exclusão de 12 referências: duas relativas a trabalhos publicados em revistas estrangeiras (a peruana Biblos e a portuguesa Páginas a&b), seis que ostentavam as expressões “arquivo pessoal” ou “arquivos pessoais” no título ou nas palavras-chave, mas que em seu conteúdo apenas tangenciavam o tema, e outras quatro que não configuravam artigos, e sim resumos de comunicações apresentadas em evento científico. Por fim, chegamos à delimitação de um corpus documental composto por 20 artigos (Quadro 1).

Quadro 1 -
Configuração do corpus documental

A terceira etapa da revisão consistiu na análise do universo documental, a partir de critérios quantitativos e qualitativos, tabulando dados a respeito dos periódicos em que os artigos foram publicados, do perfil de seus autores e da relação entre as palavras-chave. Numa fase posterior, a leitura integral dos artigos nos permitiu, ainda, elaborar uma síntese de seus conteúdos.

3 A produção sobre arquivos pessoais

A partir da sistematização dos dados relativos aos artigos que compõem nosso corpus documental foi possível delinear o perfil dos periódicos em que a produção sobre arquivos pessoais se concentrou nos últimos quatro anos. Cumpre observar que, no necessário esforço de delimitação do universo de busca, privilegiamos apenas periódicos brasileiros inseridos na grande área de Comunicação e Informação, de acordo com a tabela de classificação das áreas de conhecimento da Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES), indexados na BRAPCI. A Tabela 2 relaciona os periódicos, seus editores, o conceito que receberam na última avaliação Qualis/CAPES (quadriênio 2017-2020), bem como a quantidade de artigos de nosso corpus documental publicados em cada um deles.

Tabela 2 -
Perfil dos periódicos

Os dados acima evidenciam que a quase totalidade dos periódicos é editada por universidades públicas, o que confirma o papel fundamental dessas instituições como centros de produção e difusão da pesquisa e do conhecimento especializado. Apenas um dos periódicos listados é editado por associação profissional e ainda não se encontra avaliado pela CAPES. Dois periódicos - Ágora e Archeion Online - concentram 50% dos artigos selecionados, sendo que o restante do corpus documental se encontra disperso entre as demais publicações. Percebe-se, ainda, que a maior parte dos artigos que compõem nosso universo de análise foi veiculada em revistas classificadas no estrato B da avaliação Qualis Periódicos, enquanto que apenas três (15% do total) foram publicados em revistas qualificadas no estrato A. A constatação fria, obtida a partir de indicadores quantitativos, merece ser matizada à luz das próprias limitações dos métodos de avaliação de periódicos. Como bem observou Silva (2014SILVA, Márcia Regina Barros da. Fator de impacto e Qualis: se ganha o que se perde, a rede esvaziada. In: ARAÚJO, José Fábio Marinho de; VALENTE, Cristina de Melo (org.). Ator-rede a além… no Brasil: as teorias que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá? Campina Grande: EDUEPB, 2014. p. 266-274. ), o valor dos conteúdos dos artigos produzidos no Brasil, elemento que deveria figurar como o mais importante, não tem sido central no ato de construir os indicadores de impacto da produção científica.

A sistematização inicial dos elementos referenciais dos artigos possibilitou também que isolássemos as autorias, excluindo eventuais repetições, de modo a traçar o perfil dos autores que vêm se dedicando às reflexões sobre os arquivos pessoais. Para tanto, consideramos a mais alta titulação por eles obtida (Gráfico 1), de acordo com as informações disponíveis nas notas biográficas constantes em cada publicação. Evidentemente, como a data-baliza mais antiga do recorte temporal remonta ao ano de 2020, é possível que este quadro tenha sofrido alterações pontuais, especialmente nos casos de autores que detinham titulação de mestre ou de graduado, tendo em vista que possam ter dado continuidade aos seus estudos. Não foi possível, nem figurou entre nossos objetivos, rastrear os dados relativos à continuidade de estudos em outras fontes de informação, como, por exemplo, a Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).

Gráfico 1 -
Titulação dos autores

Dentre os autores portadores do título de doutor, percebe-se que a maioria defendeu tese nas áreas da Ciência da Informação (33%) ou da História (22%). As demais áreas de doutoramento são: Ciências Agrárias, Comunicação e Cultura, Difusão do Conhecimento, Estudos Literários, Letras, Literatura e Cultura, Multimeios e Sociologia. A predominância da Ciência da Informação também se verificou entre os mestres (62%), sendo que os demais autores nesta categoria obtiveram seus títulos em programas de pós-graduação em Gestão de Documentos e Arquivos e em Comunicação, Linguagens e Cultura Amazônicas. Quanto aos cinco autores graduados, quatro são bacharéis em Arquivologia, sendo que dois deles têm dupla titulação em Biblioteconomia e em História, e um é formado em Filosofia.

O leque variado de áreas de formação dos autores, a despeito do recorte imposto à seleção das fontes analisadas, evidencia que o debate a respeito dos arquivos pessoais tem sido realizado por pesquisadores inseridos, majoritariamente, nas áreas da Arquivologia e da Ciência da Informação, sem que se desconsidere, com isso, a dilatação do interesse pelos arquivos pessoais e sua inserção na agenda da pesquisa em outros campos do conhecimento, o que se traduz na variedade de abordagens e referenciais teóricos empregados numa produção multifacetada, o que se faz notar quando analisamos, ainda que de maneira não sistemática, as palavras-chave associadas aos estudos selecionados.

Neste sentido, verifica-se que a metade dos artigos analisados traz, entre as palavras-chave, nomes próprios de pessoas e instituições, elemento indicativo de que parcela considerável da produção atual se constitui de estudos de caso circunscritos a fundos e/ou repositórios específicos. Já as demais palavras-chave empregadas pelos autores para representar o conteúdo de seus artigos permitem vislumbrar a extensão dos desdobramentos temáticos dos estudos sobre arquivos pessoais, os quais se relacionam com os campos da memória, do patrimônio, da literatura, da etnografia, do cinema, do marketing, da tipologia documental, da preservação digital, das práticas religiosas, entre outros, seja sob a forma de reflexões teórico-epismológicas, seja pelo prisma da prática arquivística, relacionada às funções que constituem o tratamento documental.

4 Síntese da literatura recente

Para além da tabulação dos dados referenciais dos itens que compõem o corpus documental, nossa análise se pautou também pela leitura integral dos artigos selecionados, com o objetivo de extrair uma síntese da produção recente sobre os arquivos pessoais. Trata-se de um quadro marcado pela pluralidade de abordagens, o que procuramos apresentar a seguir, num percurso que se orienta pela ordem cronológica das fontes. Convém pontuar que tal opção não determina uma chave de leitura capaz de imprimir um sentido de evolução ao debate teórico. Justo ao contrário, pelo panorama abaixo vislumbra-se que a construção das ideias se forja num movimento essencialmente dialético, marcado por rupturas e continuidades.

Abreu, Lacerda e Heymann (2020ABREU, Jorge Phelipe Lira; LACERDA, Aline Lopes; HEYMANN, Luciana Quillet. Gestão de Informações Pessoais (PIM) em perspectiva: contribuições para o tratamento de arquivos pessoais digitais. Ciência da Informação em Revista, Maceió, v. 7, n. esp., p. 28-40, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.28998/cirev.2020v7nespb . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.28998/cirev.2020v7nes...
) focalizam os arquivos pessoais digitais sob a perspectiva dos estudos sobre Gestão de Informações Pessoais (PIM), tomando-os como referencial para identificar as razões e estratégias que incidem sobre a produção, avaliação e manutenção de documentos em diferentes ambientes tecnológicos. Neste sentido, apontam que se o computador pessoal pode ser considerado como “[…] domínio comum em que os documentos são criados, manipulados e armazenados” (Abreu; Lacerda; Heymann, 2020ABREU, Jorge Phelipe Lira; LACERDA, Aline Lopes; HEYMANN, Luciana Quillet. Gestão de Informações Pessoais (PIM) em perspectiva: contribuições para o tratamento de arquivos pessoais digitais. Ciência da Informação em Revista, Maceió, v. 7, n. esp., p. 28-40, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.28998/cirev.2020v7nespb . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.28998/cirev.2020v7nes...
, p. 30), também sugerem que o e-mail tem assumido novas funções para além da comunicação, como gerenciamento de tarefas, compartilhamento e arquivamento de documentos. A avaliação é discutida com base nos padrões de arquivamento digital, de localização de arquivos e categorização dos documentos praticados pelos indivíduos, os quais influenciam a percepção dos valores que se relacionam com aqueles observados pela literatura arquivística, quais sejam, valor probatório, informacional, narrativo e social/cultural. O estudo também explora as práticas de preservação digital em arquivos pessoais (backup de sistema, uso mídias de armazenamento externo, de contas de e-mail e de redes sociais como arquivo e a conservação de equipamentos antigos), concluindo que, se por um lado, os estudos de PIM são orientados por uma lógica comercial que passa ao largo da arquivística, por outro, constituem um referencial valioso para auxiliar o desenvolvimento de métodos de tratamento de arquivos pessoais, especialmente no que diz respeito à identificação das práticas e dos critérios pelos quais as pessoais produzem e avaliam seus documentos.

Em estudo de caso, Araújo e Lima (2020ARAÚJO, Letícia Oliveira; LIMA, Gillian Leandro de Queiroga. Uma proposta de arranjo documental para o acervo pessoal de Pedro Moacir Maia: “retratos” a partir de uma memória individual. Informação em Pauta, Fortaleza, v.5, n. 2, 178-200, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.60816.178-200 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5...
) propõem um quadro de arranjo para o arquivo do intelectual baiano Pedro Moacir Maia, fundamentado na Norma Brasileira de Descrição Arquivística. Para tanto, os autores descrevem as circunstâncias da organização original dos documentos, quando de sua transferência para o Mosteiro de São Bento da Bahia, cogitando uma acumulação iniciada pelo titular e continuada por sua esposa, dado que o conjunto ostenta documentos póstumos, e identificando a existência de pastas/dossiês rotulados por assunto, o que evidenciaria algum nível de organização anterior. A fundamentação teórica reconhece a posição antagônica dos arquivos de pessoas no interior da teoria arquivística, “[…] atrelada primeiramente aos documentos governamentais e de organizações” (Araújo; Lima, 2020ARAÚJO, Letícia Oliveira; LIMA, Gillian Leandro de Queiroga. Uma proposta de arranjo documental para o acervo pessoal de Pedro Moacir Maia: “retratos” a partir de uma memória individual. Informação em Pauta, Fortaleza, v.5, n. 2, 178-200, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.60816.178-200 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5...
, p. 181). Neste sentido, discute a lógica particular de constituição dos arquivos pessoais e os princípios do respeito aos fundos e da ordem original, considerando-os meios para garantir a manutenção da organicidade. Este ponto é demonstrado a partir da análise da relação entre documentos mantidos pelo titular em uma mesma pasta, todos eles referentes a um mesmo evento de sua trajetória, o que nos permite supor que, para os autores, a organicidade se apresenta como qualidade essencialmente atrelada à disposição física dos documentos: “A relação orgânica presente na pasta […] demonstra a relação existente entre os documentos […] Deste modo, a desintegração dessa composição romperia com o vínculo orgânico do acervo.” (Araújo; Lima, 2020ARAÚJO, Letícia Oliveira; LIMA, Gillian Leandro de Queiroga. Uma proposta de arranjo documental para o acervo pessoal de Pedro Moacir Maia: “retratos” a partir de uma memória individual. Informação em Pauta, Fortaleza, v.5, n. 2, 178-200, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.60816.178-200 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5...
, p. 194). Quanto ao arranjo, os autores colocam em evidência a identificação das espécies e dos tipos documentais. As conclusões sublinham, por um lado, a importância da teoria arquivística no tratamento dos arquivos pessoais e, por outro, a dimensão social desses arquivos como dispositivos de memória individual e coletiva, capazes de transmitir a memória de seu produtor e a memória coletiva por meio de documentos cujo conteúdo representaria a mentalidade de uma determinada época.

O artigo de Britto e Corradi (2020BRITTO, Augusto César Luiz; CORRADI, Analaura. O valor narrativo em arquivos pessoais compreendido como “escrita de si”. Ponto de Acesso, Salvador, v. 14, n. 2/3, p. 104-131, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.30446 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.3044...
), baseado em revisão de literatura, aborda os arquivos pessoais como elementos centrais da escrita de si, partindo da premissa de que esta característica se revela “[…] na preservação de documentos já existentes, que o titular julgou importante manter e que irão compor um conjunto que forma o seu discurso narrativo.” (Britto; Corradi, 2020BRITTO, Augusto César Luiz; CORRADI, Analaura. O valor narrativo em arquivos pessoais compreendido como “escrita de si”. Ponto de Acesso, Salvador, v. 14, n. 2/3, p. 104-131, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.30446 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.3044...
, p. 106). Interessados em compreender o processo de elaboração do discurso pessoal nos arquivos, os autores recorrem a conceitos e noções de outros campos de estudo, entre eles a Filosofia e a Literatura, como “função do autor” e “morte do sujeito” (de Foucault), “pacto autobiográfico” (Lejeune) e “sujeito midiático” (Klinger). Tais conceitos, defendem os autores, são fundamentais para sustentar a ideia de que a acumulação e a seleção de documentos constituem uma constante performance do titular do arquivo, “[…] inserido dentro do contexto midiático onde o privado desperta curiosidade e o sujeito sente a necessidade de se expor.” (Britto; Corradi, 2020BRITTO, Augusto César Luiz; CORRADI, Analaura. O valor narrativo em arquivos pessoais compreendido como “escrita de si”. Ponto de Acesso, Salvador, v. 14, n. 2/3, p. 104-131, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.30446 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.3044...
, p. 128). Neste sentido, o estudo ilumina o aparecimento de documentos contemporâneos, como os blogs e as redes sociais, entendidos como resposta ao desejo de autoexposição do sujeito, considerando que os pressupostos teóricos da escrita de si podem qualificar tanto o tratamento técnico dos arquivos pessoais quanto as reflexões daqueles que os utilizam como fonte de pesquisa.

O marketing, tomado como ferramenta para conferir visibilidade e facilitar a comunicação entre os arquivos e seus usuários, é objeto de interesse do estudo de caso apresentado por Carneiro, Córdula, Silva Júnior e Silva (2020SILVA, Valdir de Lima; ROSA, Maria Nilza Barbosa. O Arquivo pessoal de Heliton Santana: fonte de informação e memória. Revista Fontes Documentais, Aracaju, v. 3, n. 3, p. 76-92, 2020. ), no qual os autores assumem a premissa de que os usuários de arquivo equivalem a consumidores das informações constantes dos documentos os quais consultam e utilizam. O estudo descreve a elaboração um plano de marketing para o Arquivo Afonso Pereira, centro de pesquisa sediado em João Pessoa (PB) e que responde pela custódia do fundo de seu patrono, no intuito de fomentar sua visibilidade junto à sociedade local. Com base em revisão de literatura e de pesquisa na legislação, os autores enquadram os arquivos pessoais no escopo mais amplo dos arquivos privados, definido-os como “[…] a composição de documentos pessoais de cunho privado e público do titular, [os quais] representam a sua própria história, sendo capazes de viabilizar o acesso à memória de si que está integrada a esses documentos” (Carneiro et al., 2020SILVA, Valdir de Lima; ROSA, Maria Nilza Barbosa. O Arquivo pessoal de Heliton Santana: fonte de informação e memória. Revista Fontes Documentais, Aracaju, v. 3, n. 3, p. 76-92, 2020. , p. 102). A elaboração do plano de marketing considerou o levantamento de oportunidades e ameaças dos fatores externos e internos (econômicos, socioculturais, tecnológicos e concorrência). Como conclusão, as ações de divulgação propostas compreendem a produção de material educativo (folders, banners, redes sociais), a realização de palestras e a distribuição de brindes como forma de fidelizar o usuário para a consulta frequente.

Costa e Roncaglio (2020COSTA, Thiara de Almeida Costa; RONCAGLIO, Cynthia. Análise da legislação brasileira referente à produção, custódia, preservação e acesso aos arquivos de ciência. Ágora: Arquivologia em Debate, Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 499-511, 2020. ), por seu turno, abordam os arquivos de cientistas, reconhecendo que tais conjuntos documentais passaram a receber maior atenção por parte do governo e de diversos grupos sociais a partir do movimento de redemocratização do Brasil. Discutem a ambiguidade do termo “arquivos de ciência”, que abarca arquivos institucionais e pessoais. Neste sentido, as autoras analisam a legislação arquivística, levantando um corpus documental composto de 20 atos normativos relativos aos arquivos de ciência, publicados entre 1937 e 2018. A pesquisa reconhece a Lei 8.159/1991 (Brasil, 1991BRASIL. Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ano 129, n. 6, p. 1, 9 jan. 1991. ) como um marco fundamental por instituir a declaração de interesse público e social de arquivos privados relevantes para a história e o desenvolvimento científico nacional, categoria em que se enquadra um número expressivo de arquivos de cientistas. A respeito desses arquivos, as autoras traçam a origem das solicitações de reconhecimento e observam que o instituto da declaração “[…] se refere muito mais ao atendimento de demandas particulares do que ao estabelecimento de estratégias para a organização, a preservação e a divulgação de acervos de interesse público.” (Costa; Roncaglio, 2020COSTA, Thiara de Almeida Costa; RONCAGLIO, Cynthia. Análise da legislação brasileira referente à produção, custódia, preservação e acesso aos arquivos de ciência. Ágora: Arquivologia em Debate, Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 499-511, 2020. , p. 504). O artigo encampa, ainda, os atos normativos mais recentes, como a Lei de Acesso à Informação (Brasil, 2011BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , [...]. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, ano 148, n. 221-A, p. 1, 18 nov. 2011. ) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Brasil, 2018BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, ano 155, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018.), reconhecendo a função da legislação como instrumento para a execução das políticas arquivísticas e concluindo que a promulgação de atos normativos relativos à preservação dos arquivos de ciência avança a passos lentos no contexto brasileiro.

A descrição documental constitui o enfoque do trabalho de Ross e Britto (2020ROSS, Gilvane Pase dal; BRITTO, Augusto César Luiz. Análise arquivística do instrumento de pesquisa “Sumário Vida e Obra de Alberto Pasqualini”. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 845-869, 2020. ), no qual analisam o instrumento de pesquisa do arquivo de Alberto Pasqualini, elaborado por iniciativa da viúva do titular. Partindo da premissa de que os instrumentos descritivos configuram ferramentas auxiliares na recuperação das informações contidas em um acervo e que devem, portanto, ser produzidos a partir do conhecimento específico da Arquivologia, o estudo busca analisar a aderência do instrumento aos princípios da descrição documental. Contextualiza o titular, político gaúcho e teórico do trabalhismo, e a composição do arquivo, cujos “[…] documentos tangem desde sua atuação na Revolução de 1930, passado [sic] pelos cargos públicos que assumiu […] até documentos referentes à sua intimidade (festas, enfermidade e falecimento).” (Ross; Britto, 2020ROSS, Gilvane Pase dal; BRITTO, Augusto César Luiz. Análise arquivística do instrumento de pesquisa “Sumário Vida e Obra de Alberto Pasqualini”. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 845-869, 2020. , p. 849). Analisa a estrutura do instrumento de pesquisa e, com base na literatura, classifica-o como um catálogo, por privilegiar os itens documentais. Quanto à estrutura do arranjo, os autores observam o destaque conferido a certos documentos em detrimento de outros, defendendo que “Os documentos não deveriam ser arranjados de acordo com julgamentos subjetivos que superestima [sic] algumas peças documentais e que, consequentemente, podem induzir o usuário em sua pesquisa” (Ross; Britto, 2020ROSS, Gilvane Pase dal; BRITTO, Augusto César Luiz. Análise arquivística do instrumento de pesquisa “Sumário Vida e Obra de Alberto Pasqualini”. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 845-869, 2020. , p. 863). O estudo conclui que, apesar de não observar os conceitos e princípios arquivísticos, a organização do arquivo pela viúva do titular constituiu iniciativa louvável, por ter dado estrutura lógica ao conjunto documental e garantido sua preservação ao longo do tempo.

Silva e Rosa (2020SILVA, Valdir de Lima; ROSA, Maria Nilza Barbosa. O Arquivo pessoal de Heliton Santana: fonte de informação e memória. Revista Fontes Documentais, Aracaju, v. 3, n. 3, p. 76-92, 2020. ) procuram compreender a trajetória do artista e militante paraibano Heliton Santana, bem como a constituição de seu arquivo, reconhecendo que o caráter oscilante entre o público e o privado, bem como os espaços ocupados pelos arquivos pessoais são fatores que contribuem “[…] para uma incompreensão da dinâmica dessa categoria de arquivos.” (Silva; Rosa, 2020SILVA, Valdir de Lima; ROSA, Maria Nilza Barbosa. O Arquivo pessoal de Heliton Santana: fonte de informação e memória. Revista Fontes Documentais, Aracaju, v. 3, n. 3, p. 76-92, 2020. , p. 77). Buscando entender a lógica do arquivo como fonte de informação, a pesquisa documental implicou a leitura de cada documento do acervo, complementada pelas entrevistas com a viúva, as filhas, a irmã e com companheiros de militância e trabalho do titular, evidenciando a dispersão do arquivo em diferentes espaços, como a Arquidiocese da Paraíba e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil, Pesada, Montagem e do Mobiliário, em João Pessoa, e o arquivo privado de Valdir Lima e a Biblioteca do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Dom Oscar Romero, em Santa Rita (PB). A partir da discussão sobre a condição dos arquivos pessoais como escrita de si, o estudo demonstra como o arquivo analisado, considerado representante da memória individual de seu titular, expande seu potencial nas relações com o coletivo, ligando-se à trajetória dos movimentos sociais no estado da Paraíba.

Tenaglia (2020TENAGLIA, Mônica. O arquivo de Stanley Kubrick: acumulação, tratamento documental e novos usos e significados. Archeion Online , João Pessoa, v. 8, n. 2, p. 19-35, 2020. ), por sua vez, focaliza o arquivo de Stanley Kubrick no que tange à sua composição, ao seu tratamento e aos usos a ele emprestados após sua aquisição pela University of the Arts London, a partir de pesquisa bibliográfica e do relato de sua própria experiência, dado que trabalhou com o arquivo entre os anos de 2008 e 2013. Percorre a biografia do titular, desde suas primeiras atividades como fotógrafo até sua consagração como diretor de cinema. Analisa o histórico da custódia, assinalando o caráter instrumental dos documentos na viabilização das relações de trabalho na execução de ideias e tarefas do titular, o que se alinha à personalidade do cineasta, anotador compulsivo e entusiasta de sistemas de arquivamento. Descreve as etapas do tratamento documental, iniciado com a prospecção da ordem original, etapa em que se definiu a estratégia de arranjo pela ordenação cronológica, de acordo com a sequência dos filmes de Kubrick, e a criação de séries adicionais relativas a outras atividades e aos documentários dirigidos por sua filha. No interior das séries, “[…] a documentação foi organizada de acordo com as etapas da produção fílmica, ou seja, desenvolvimento, pré-produção, produção, pós-produção, distribuição e marketing.” (Tenaglia, 2020TENAGLIA, Mônica. O arquivo de Stanley Kubrick: acumulação, tratamento documental e novos usos e significados. Archeion Online , João Pessoa, v. 8, n. 2, p. 19-35, 2020. , p. 30). Observa que, curiosamente, o arquivo apresenta escassez de documentos audiovisuais, o que se deve à decisão do titular de destruí-los para evitar reutilização ou reedição não autorizada de sua obra. Para além do atendimento ao pesquisador especializado, elenca as atividades de difusão realizadas a partir do arquivo, entre as quais se destacam uma disciplina de graduação, a supervisão de projetos de estudantes de conservação e restauro de documentos e um programa de história oral realizado com familiares do titular, evidenciando os novos significados atribuídos ao arquivo a partir de sua utilização por um público diverso.

Num estudo de natureza exploratória, fundamentado em revisão de literatura e pesquisa documental, Campos (2021CAMPOS, José Francisco Guelfi. Recortes de jornal em arquivos: origens de uma prática social. Em Questão, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 52-75, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.19132/1808-5245272.52-75 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.19132/1808-5245272.52...
) aborda os desafios teóricos e práticos advindos da presença, não raro abundante, dos recortes de jornal em arquivos pessoais. Sustenta que a acumulação de recortes reflete uma prática social ainda pouco estudada e procura contextualizá-la na longa tradição da produção de cadernos de recortes, demonstrando como esta tradição responde tanto às necessidades informacionais dos indivíduos quanto à materialização dos laços afetivos e à acumulação de capital cultural, na esteira da teoria da distinção social de Pierre Bourdieu. A partir de exemplos colhidos em arquivos, o autor demonstra os atributos funcionais dos recortes de jornal, determinados pelos contextos de acumulação e uso desses documentos. Deste modo, defende que embora os recortes de jornal venham sendo tradicionalmente negligenciados no plano do arranjo e da descrição, eles são passíveis do mesmo tipo de tratamento destinado aos demais documentos de arquivo, reforçando a primazia do contexto sobre o conteúdo e a importância de se definir as espécies e tipos documentais próprias do universo dos textos jornalísticos, para o que se faz essencial o diálogo interdisciplinar, em especial com a Diplomática e com as Ciências da Comunicação e da Linguagem.

Partindo da constatação de que, atualmente, é raro encontrar arquivo de pessoa que não contenha, muitas vezes em grande volume, fotografias em suportes tradicionais e em meio digital, Mariz e Cordeiro (2021MARIZ, Anna Carla Almeida; CORDEIRO, Rosa Inês de Novais. O contexto de produção e as fotografias nos arquivos pessoais: um estudo nos artigos de periódicos da Ciência da Informação e Arquivologia. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto, v. 12, n. 2, p. 194-217, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v12i2p194-217 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075....
) revisam a literatura com o objetivo de verificar como o contexto de produção das fotografias em arquivos pessoais tem sido abordado na bibliografia da área, a partir de levantamento realizado na BRAPCI, com baliza temporal de 1978 a 2018. Ao discutirem o lugar dos arquivos pessoais na literatura, as autoras destacam a posição marginal dos conjuntos de documentos acumulados por pessoas, reflexo de uma Arquivologia que se orientou tradicionalmente para o estudo dos arquivos institucionais, e o fato de que tais arquivos foram tratados, por muito tempo, de acordo com as práticas da Biblioteconomia, na esteira da tradição das coleções de manuscritos das bibliotecas. Com relação aos resultados, o estudo aponta o aumento de publicações sobre arquivos pessoais, com especial aquecimento a partir do ano de 2010. Dos 65 artigos analisados, 40% consistiam em estudos de caso, corroborando a tendência aos estudos empíricos. As autoras perceberam, com base na análise de conteúdo, a ausência de menção às fotografias em 77% dos artigos revisados, assinalando, ainda, que nos demais o tema foi tratado de modo apenas tangencial. Assim, o estudo conclui que a literatura não tem acompanhado a realidade do aumento de documentos fotográficos nos arquivos.

A patrimonialização de arquivos pessoais constitui o cerne dos dois artigos de Mattos e Mendes (2021MATTOS, Renato; MENDES, Juliana Maia. Arquivos pessoais e patrimônio: a Declaração de Interesse Público e Social como instrumento de patrimonialização de arquivos. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 31, n. 63, p. 1-21, 2021. , 2023MENDES, Juliana Maia; MATTOS, Renato. A Declaração de Interesse Público e Social e a patrimonialização de arquivos pessoais no Brasil. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 66, p. 1-19, 2023. ). No primeiro estudo, os autores procuram identificar e problematizar os critérios empregados na avaliação do interesse público e social, a partir dos casos de Glauber Rocha, Darcy Ribeiro, Berta Gleizer Ribeiro, Oscar Niemeyer e Paulo Freire. Ressaltam que o reconhecimento da condição de patrimônio recai, geralmente, sobre os arquivos de personalidades de destaque em atividades públicas e identificam as estratégias ligadas à patrimonialização de arquivos, quais sejam, a avaliação, a institucionalização, os investimentos sociais e políticos e os dispositivos de patrimonialização agenciados por organismos internacionais, como a Unesco, ou por ações do poder público. Reconhecendo que os arquivos ocupam posição periférica no campo do patrimônio, o estudo cobra atuação mais proativa do Conselho Nacional de Arquivos “[…] no processo de identificação e reconhecimento de arquivos privados que devam ser reconhecidos e salvaguardados por políticas públicas.” (Mattos; Mendes, 2021MARIZ, Anna Carla Almeida; CORDEIRO, Rosa Inês de Novais. O contexto de produção e as fotografias nos arquivos pessoais: um estudo nos artigos de periódicos da Ciência da Informação e Arquivologia. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto, v. 12, n. 2, p. 194-217, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v12i2p194-217 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075....
, p. 14). Entre as conclusões, destaca-se a crítica em relação à pretensa imparcialidade do processo de avaliação, dado que as decisões “[…] se assentam frequentemente em juízos de valor relativos não ao acervo avaliado, mas nas personalidades a eles associados.” (Mattos; Mendes, 2021MARIZ, Anna Carla Almeida; CORDEIRO, Rosa Inês de Novais. O contexto de produção e as fotografias nos arquivos pessoais: um estudo nos artigos de periódicos da Ciência da Informação e Arquivologia. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto, v. 12, n. 2, p. 194-217, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v12i2p194-217 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075....
, p. 17). No segundo artigo, os autores observam o alargamento da concepção de patrimônio a partir da década de 1980 e a revitalização no campo cultural brasileiro, desde os anos 2000, fenômeno que “[…] abarcou as instituições ligadas aos arquivos, bibliotecas e centros de documentação e memória, além dos próprios produtores e custodiadores dos arquivos privados.” (Mendes; Mattos, 2023MENDES, Juliana Maia; MATTOS, Renato. A Declaração de Interesse Público e Social e a patrimonialização de arquivos pessoais no Brasil. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 66, p. 1-19, 2023. , p. 5). Com base em pesquisa documental, os autores analisam dois dispositivos de patrimonialização de arquivos privados: o Programa Memória do Mundo e a Declaração de Interesse Público e Social, introduzida pela Lei 8.159/1991, no que concerne aos critérios adotados e à sistemática do processo de avaliação das candidaturas. As conclusões destacam similaridades entre o dispositivo da declaração de interesse público e social e o instrumento do tombamento, na medida em que em nenhum dos casos o Estado assume responsabilidade sobre a posse dos bens patrimonializados e tendo em vista que ambos são normalmente “[…] acionados em situações de risco de perda do bem avaliado.” (Mendes; Mattos, 2023MENDES, Juliana Maia; MATTOS, Renato. A Declaração de Interesse Público e Social e a patrimonialização de arquivos pessoais no Brasil. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 66, p. 1-19, 2023. , p. 13).

Tomando por objeto os arquivos de escritores, Mota (2021MOTA, Mabel Meira. Arquivos pessoais de escritores: notas de pesquisa. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 58-77, 2021. ) contextualiza a emergência do interesse pelos arquivos de pessoas e o surgimento de instituições de custódia dedicadas à sua preservação. Parte da premissa de que os conjuntos de documentos acumulados por indivíduos são, de fato, arquivos, justamente por ostentarem proveniência e contextos de produção e acumulação, considerando também a dimensão intencional, aspecto que, em seu entendimento, tem sido negligenciado. Para examinar os arquivos de escritores, a autora propõe o diálogo da arquivística com a teoria literária e a crítica genética, problematizando a expressão “arquivos literários” em face da inexistência de definições consensuais. Observa que, não raro, os escritores desempenham outras atividades, como o jornalismo, a pesquisa e a docência universitária, a partir do que questiona a “[…] limitação da diversidade de documentos […] a uma única faceta do titular” (Mota, 2021MOTA, Mabel Meira. Arquivos pessoais de escritores: notas de pesquisa. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 58-77, 2021. , p. 68) e “[…] a delimitação do que será considerado no arquivo pessoal como decorrente da atuação literária” (Mota, 2021MOTA, Mabel Meira. Arquivos pessoais de escritores: notas de pesquisa. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 58-77, 2021. , p. 69). Além disso, explora a existência, no interior dos arquivos, de documentos representativos das demais atividades exercidas pelos escritores, bem como de outros documentos que atestam episódios de suas vidas pública e privada, como a correspondência. Reconhecendo que o escritor, a literatura e o próprio arquivo oscilam entre o público e o privado, propõe que a contextualização desses arquivos responda a duas perguntas centrais, ligadas às preocupações e expectativas dos indivíduos no processo de arquivamento e aos significados atribuídos ao arquivo por seu titular e seus herdeiros. Nesta chave de interpretação, analisa a configuração do arquivo do intelectual baiano Ildásio Torres, evidenciando a qualidade instrumental do arquivo em relação ao processo criativo do escritor e identificando os contornos de sua dimensão prospectiva.

Severino (2021SEVERINO, Ivana Bittencourt dos Santos. Arquivos pessoais e processo de criação: a dança em cena. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 3-17, 2021. ) apresenta o projeto de organização do arquivo da bailarina Lia Robatto, fundo aberto composto de aproximadamente 10 mil itens documentais, sob custódia do Centro de Memória da Bahia. Discute os dilemas em torno do arquivamento e tratamento dos documentos relacionados à criação artística nas artes performáticas, geralmente caracterizadas pela efemeridade. Analisa a composição do arquivo, observando que a documentação reflete, prioritariamente, as atividades da titular no exercício profissional, embora também contenha documentos representativos de seus relacionamentos sociais, suas obras e sua inserção na sociedade. Destaca o respeito à ordem original dada pela titular aos seus documentos, indicativa “[d]aquilo que ela priorizou como sendo ‘testemunho de si’” (Severino, 2021SEVERINO, Ivana Bittencourt dos Santos. Arquivos pessoais e processo de criação: a dança em cena. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 3-17, 2021. , p. 6). O uso da metodologia da identificação arquivística possibilitou traçar a proveniência, bem como o vínculo entre os documentos e as atividades da titular. Além disso, ainda no quadro metodológico, a identificação dos tipos documentais, focaliza os chamados “documentos de processo” (termo apropriado da Crítica Genética para encampar os documentos de variadas manifestações artísticas, para além do manuscrito), considerando a dinâmica da produção documental no campo da dança, identificando as etapas do processo criativo da bailarina e reconhecendo que “[…] na atividade artística as formas documentais produzidas nos bastidores da criação estão em constante processo de inacabamento” (Severino, 2021SEVERINO, Ivana Bittencourt dos Santos. Arquivos pessoais e processo de criação: a dança em cena. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 3-17, 2021. , p. 10). Conclui que a identificação e nomeação desses documentos contribuiu para o tratamento das fontes informacionais e para o próprio registro da obra, conferindo materialidade à efemeridade típica da criação artística.

Também na seara dos estudos de caso se enquadra o trabalho de Silva (2021SILVA, Larissa Fernandes. Arquivo pessoal Átila Almeida: organização e preservação de acervo permanente pelas lentes da Arquivologia. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 119-137, 2021. ), cujo objetivo é apresentar o quadro de arranjo do arquivo do intelectual paraibano Átila de Almeida, custodiado pela Universidade Estadual da Paraíba. Identifica, de antemão, que o arquivo compreende, além de documentos referentes à vida do titular, documentos de seu pai e de sua esposa. Apresenta revisão de literatura para afirmar a arquivologia como campo científico, bem como para fundamentar as atividades de conservação e preservação nos arquivos permanentes. Descreve as etapas do tratamento técnico, composto por diagnóstico, identificação de tipos documentais e elaboração do quadro de arranjo, reconhecendo que “[…] a riqueza de organizar documentos de um Arquivo Pessoal é trazer não só olhar técnico da área, mas também a humanização de preservar documentos utilizados pelo autor ou objetos significativos” (Silva, 2021SILVA, Larissa Fernandes. Arquivo pessoal Átila Almeida: organização e preservação de acervo permanente pelas lentes da Arquivologia. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 119-137, 2021. , p. 133). O quadro de arranjo apresentado se divide em nove séries (formação pessoal, produção autoral, coleções, produção de texto, documentos biográficos, iconográfico, correspondências, homenagens, documentos de terceiros). As subséries são nomeadas a partir de critérios variados, como, por exemplo, função (identificação pessoal), assunto (acadêmico, produção literária de terceiros) e espécies (panfletos, santinhos e orações).

No artigo de Trotta (2021TROTTA, Luis Felipe Dias. Difusão de acervos arquivísticos: a experiência do AMLB, as novas tecnologias e os desafios da área. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 50-66, 2021. ), os arquivos pessoais são abordados a partir das iniciativas de difusão desenvolvidas no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, instituição responsável pela custódia de mais de uma centena de arquivos de escritores. Considerando a difusão como parte essencial do trabalho arquivístico, o autor sublinha que “[…] um acervo pode perder grande parte de seu valor quando não recebe ações de difusão e divulgação.” (Trotta, 2021TROTTA, Luis Felipe Dias. Difusão de acervos arquivísticos: a experiência do AMLB, as novas tecnologias e os desafios da área. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 50-66, 2021. , p. 53). Dentre as iniciativas de difusão de acervo, identifica que as exposições e a publicação de instrumentos de pesquisa têm sido as atividades mais visíveis, destacando que as exposições têm tomado por mote as efemérides, como a celebração do nascimento ou do falecimento de titulares dos arquivos custodiados. Além disso, descreve outras iniciativas, como a realização de palestras, cursos, visitas técnicas mediadas facultadas a estudantes universitários e profissionais de diversas áreas, intercâmbios com outras instituições para a realização de eventos e empréstimo de documentos para exposições. Além disso, aponta o papel desempenhado pela digitalização de documentos, entendida como elemento constitutivo da difusão, e assinala as novas possibilidades de abordagem dos acervos a partir do manejo das redes sociais. Pondera, no entanto, que tais ações demandam “[…] o aprofundamento de técnicas não só de manipulação das redes sociais, mas também de marketing, design, entre outros.” (Trotta, 2021TROTTA, Luis Felipe Dias. Difusão de acervos arquivísticos: a experiência do AMLB, as novas tecnologias e os desafios da área. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 50-66, 2021. , p. 56). Conclui que a difusão deve ser encarada como função prioritária, uma vez que, por meio dela, “[…] é possível construir, através do conhecimento desse patrimônio, a noção de seu valor.” (Trotta, 2021TROTTA, Luis Felipe Dias. Difusão de acervos arquivísticos: a experiência do AMLB, as novas tecnologias e os desafios da área. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 50-66, 2021. , p. 62).

Bandeira e Juvêncio (2022BANDEIRA, Fernando Corteze de Souza; JUVÊNCIO, Carlos Henrique. Religiões afro-brasileiras, produções documentais e arquivos pessoais. Revista Bibliomar, São Luís, v. 21, n. 1, p. 30-46, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.18764/2526-6160v21n1.2022.2 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.18764/2526-6160v21n1....
) tratam da produção documental no âmbito das religiões de matriz africana, em especial o Candomblé e a Umbanda, focalizando um tipo documental específico: o caderno de fundamentos (com suas variantes: caderno de axé, caderno de iaô e caderno de ebomis), produzido sobretudo pelos recém-iniciados nessas religiões “[…] para relatar alguma informação importante vivida e que será colocada em prática posteriormente, servindo apenas de alicerce para consulta” (Bandeira; Juvêncio, 2022BANDEIRA, Fernando Corteze de Souza; JUVÊNCIO, Carlos Henrique. Religiões afro-brasileiras, produções documentais e arquivos pessoais. Revista Bibliomar, São Luís, v. 21, n. 1, p. 30-46, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.18764/2526-6160v21n1.2022.2 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.18764/2526-6160v21n1....
, p. 40), podendo conter também informações sobre o culto. Neste sentido, o estudo enquadra o caderno de fundamentos como documento típico de arquivo pessoal, de caráter autobiográfico, correlato ao diário íntimo. Considerando que o saber em tais religiões se alicerça tradicionalmente na transmissão oral, os autores concebem o caderno de fundamentos como evidência de flagrante tensão entre a oralidade e a escrita, sublinhando a necessidade de uma abordagem centrada no diálogo entre essas duas práticas como meio de compreender a natureza do documento e das próprias religiões. Além disso, ao discutirem os valores primário e secundário dos documentos de arquivo, apontam a utilidade dos cadernos como instrumentos para a pesquisa nos campos da etnografia e da memória religiosa.

No escopo dos trabalhos que configuram estudos de caso, Silva (2022SILVA, Lorena dos Santos. A organização do arquivo pessoal de maria laura mouzinho leite lopes: desafios e perspectivas. Officina: Revista da Associação de Arquivistas de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 82-99, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6...
) coloca em pauta o processo de organização do arquivo da matemática e educadora Maria Laura Mouzinho Leite Lopes, custodiado pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins, refletindo como a organização do arquivo “[…] influencia diretamente no acesso e divulgação eficiente dos documentos que o compõem” (Silva, 2022SILVA, Lorena dos Santos. A organização do arquivo pessoal de maria laura mouzinho leite lopes: desafios e perspectivas. Officina: Revista da Associação de Arquivistas de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 82-99, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6...
, p. 84). Assinala os entraves existentes no tratamento técnico, resultantes das especificidades próprias dos documentos acumulados por indivíduos, reconhecendo que, apesar dos princípios arquivísticos terem sido formulados à luz dos arquivos públicos e institucionais, “[…] só a teoria arquivística pode garantir que haja a manutenção entre o contexto de produção dos documentos e sua relação com o titular do arquivo.” (Silva, 2022SILVA, Lorena dos Santos. A organização do arquivo pessoal de maria laura mouzinho leite lopes: desafios e perspectivas. Officina: Revista da Associação de Arquivistas de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 82-99, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6 . Acesso em: 2 maio 2024.
https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6...
, p. 88). Contextualiza o processo de aquisição e descreve os procedimentos adotados no tratamento documental, cuja primeira etapa compreendeu a identificação do elo entre os documentos e a titular. Apresenta o quadro de arranjo dos documentos textuais, dividido em oito séries (vida pessoal, formação profissional, atuação docente, atuação profissional administrativa, atividades de avaliação e consultoria, participação em associações e sociedades científicas, participação em eventos e cursos, atividades de divulgação científica). As séries foram divididas em subséries e os documentos foram reunidos em dossiês. Destaca a existência de documentos de outros gêneros e discute o estatuto documental dos livros e dos objetos tridimensionais, reconhecendo que foram acumulados pela titular no exercício de suas atividades, embora recebam tratamento diverso, afinado com as especificidades de seus suportes e linguagens.

Rodrigues (2022RODRIGUES, Leandro Garcia. (Des)arquivando ideias. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 1-11, 2022.), por seu turno, reflete sobre os arquivos de escritores a partir a partir de dois episódios de sua trajetória acadêmica e profissional. No relato de seu primeiro contato com um arquivo pessoal, o autor sinaliza, do ponto de vista do pesquisador que se nutre dos documentos como fonte, a contribuição do arquivo para “[…] compreender e até mesmo reformatar os cânones da crítica e da historiografia literárias.” (Rodrigues, 2022RODRIGUES, Leandro Garcia. (Des)arquivando ideias. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 1-11, 2022., p. 3). Neste sentido, em lugar de servir como prova de atividades, eventos ou mesmo da lógica de organização da vida de seu titular, o arquivo constituiria elemento de desestabilização e problematização. Num segundo momento, ao refletir desde a posição de diretor do Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais, direciona sua percepção para questões ligadas, de um lado, aos aspectos gerenciais das instituições de custódia e, de outro, para os dilemas impostos pela composição dos arquivos pessoais e pela “desterritorialização” e “reterritorilização” dos conjuntos documentais, imbricadas no processo de institucionalização. Observa, como característica fundamental dos arquivos pessoais “[…] o sintomático processo (e desejo) de se autoarquivar, de se automuseografar, de deixar à posteridade um registro material de si próprio.” (Rodrigues, 2022RODRIGUES, Leandro Garcia. (Des)arquivando ideias. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 1-11, 2022., p. 9). Conclui assinalando que por meio das pesquisas arquivísticas, as quais define como essencialmente plurais e interdisciplinares, os estudiosos do campo da literatura podem construir novas percepções a respeito da obra literária, entendendo-a como constituição aberta, passível de retoques e de modificações que incidem sobre sua interpretação.

Por fim, Lopes, Rodrigues e Bizello (2023LOPES, Bruna Pimentel; RODRIGUES, Georgete Medleg; BIZELLO, Maria Leandra. Diversidade ou hegemonia de grupos sociais? A literatura feminina nos acervos custodiados pelo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 67, p. 1-19, 2023. ) discutem a representatividade das mulheres nos acervos das instituições arquivísticas e sua relação com as políticas de preservação da memória, a partir de levantamento de dados a respeito da composição do acervo do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Conceituam os chamados arquivos literários, enquadrando-os no escopo dos arquivos pessoais, os quais “[…] são compostos por materiais diversos que permitem a reconstrução da trajetória de vida dos escritores, bem como a compreensão de sua obra a partir de um ponto de vista cronológico, temático e editorial” (Lopes; Rodrigues; Bizello, 2023LOPES, Bruna Pimentel; RODRIGUES, Georgete Medleg; BIZELLO, Maria Leandra. Diversidade ou hegemonia de grupos sociais? A literatura feminina nos acervos custodiados pelo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 67, p. 1-19, 2023. , p. 4). Os resultados apontam que as titulares dos arquivos, em sua maioria, são brancas, nascidas no século XX e em estados da região sudeste, e que se dedicaram ao jornalismo como atividade profissional. Além disso, os dados demonstram que cinco delas mantiveram vínculo familiar com escritores do sexo masculino, cujos arquivos também estão sob custódia da mesma instituição, dado que induz o questionamento a respeito dos critérios de aquisição de seus arquivos. Assim, concluem as autoras que tais arquivos ostentam características bastante hegemônicas, num reflexo do campo literário brasileiro, e sublinham que, apesar da recente publicação de diretrizes de gerenciamento e uso de acervos da Fundação Casa de Rui Barbosa, “[…] não se verificou aspectos que possam evidenciar a adoção de medidas para reverter a baixa representatividade das mulheres mediante uma política ativa de prospecção de arquivos femininos e a aquisição de acervos de escritoras” (Lopes; Rodrigues; Bizello, 2023LOPES, Bruna Pimentel; RODRIGUES, Georgete Medleg; BIZELLO, Maria Leandra. Diversidade ou hegemonia de grupos sociais? A literatura feminina nos acervos custodiados pelo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 67, p. 1-19, 2023. , p. 14).

5 A propósito de um balanço

O interesse despertado pelos arquivos de pessoas junto aos estudiosos da História, da Literatura e de outras áreas de conhecimento não é uma novidade, tendo, inclusive, motivado a aquisição desses arquivos pelas seções de manuscritos das bibliotecas, pelos arquivos públicos, a modo de complementação de seus acervos principais, e o surgimento, a partir da segunda metade do século XX, de entidades especialmente dedicadas à preservação de documentos originalmente acumulados por indivíduos, ligadas, sobretudo, às universidades ou a instituições de pesquisa. Paulatinamente e, em larga medida, em decorrência dos dilemas práticos enfrentados pelos profissionais dedicados a organizá-los e descrevê-los, os arquivos pessoais se afirmaram como objeto de reflexão no campo da Arquivologia, dando origem a uma bibliografia preocupada em discutir questões teóricas e metodológicas para as quais os manuais tradicionais não oferecem respostas. Nas últimas décadas, as discussões sobre os arquivos pessoais ganharam corpo e espessura, com um aumento significativo de teses, dissertações, encontros e seminários dedicados ao tema, além de dossiês e edições especiais em periódicos da área.

Neste trabalho, propusemos revisitar a produção bibliográfica recente sobre os arquivos de pessoas, numa revisão de caráter descritivo e abordagem qualiquantitativa, privilegiando os artigos publicados em periódicos brasileiros nos últimos quatro anos. Quanto aos indicadores mais amplos, pudemos notar que tal produção tem sido veiculada em periódicos de acesso aberto, editados por universidades públicas. Quanto ao perfil dos autores, verificamos que os trabalhos foram assinados ou co-assinados, em sua maioria, por mestres e doutores. O leque variado de áreas de formação dos autores, em que pese a predominância de doutores em Ciência da Informação e em História, evidencia a expansão do interesse suscitado pelos arquivos pessoais e sua inserção na agenda de pesquisa em outros campos disciplinares, o que se traduz na variedade de abordagens e referenciais teóricos empregados numa produção multifacetada. A leitura, na íntegra, dos 20 artigos que compuseram nosso corpus documental possibilitou extrair uma síntese da literatura recente.

Convém observar, não sem alguma curiosidade, que a despeito do evidente aquecimento da produção bibliográfica nas últimas décadas, parte considerável dos trabalhos analisados ainda denuncia a condição marginal ocupada pelos arquivos pessoais no interior da teoria arquivística. Parte considerável da literatura analisada se concentrou em estudos de caso circunscritos a fundos e/ou repositórios específicos, em que se destacam a apresentação e a discussão de iniciativas de arranjo e descrição documental, indicando, pela redundância das estratégias adotadas, quase sempre caracterizadas pela estruturação hierárquica de séries amplas e, não raro, temáticas, certa cristalização da prática em relação aos desafios do tratamento documental, a despeito da existência dos debates teóricos que preconizam a primazia do contexto sobre o conteúdo dos documentos e, até mesmo, a dilatação da própria noção de arquivo, em face dos contornos fluidos dos conjuntos acumulados por indivíduos (Camargo, 2021CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais no mundo LGBT+: o caso Cláudia Wonder. In: CONGRESO DE ARCHIVOLOGÍA DEL MERCOSUR, 13, 2019, Montevideo. Memorias del XIII Congreso de Archivología del Mercosur. Montevideo: IMPO, 2021. p. 450-455. ).

Outra característica das discussões atuais tem sido a vinculação dos arquivos de pessoas ao campo de exercício profissional de seus titulares. Embora tal procedimento resulte, inevitavelmente, na questionável adjetivação dos arquivos a partir de determinadas esferas da atividade humana, como se a partir delas os conjuntos documentais extraíssem seus atributos qualificadores (crítica da qual a própria expressão “arquivo pessoal” não sai incólume), convém notar que tal artifício os insere em espectros mais amplos, como, por exemplo, os dos chamados “arquivos de ciência” ou “arquivos literários”, os quais figuram como objeto de estudo em outras áreas do conhecimento, marcando, assim, possibilidades de intersecções e diálogos interessantes com a Sociologia da Ciência, a Teoria Literária e a Crítica Genética.

A relação entre os arquivos e o conceito de memória, bastante explorada no âmbito dos estudos acadêmicos e das reflexões teóricas dentro e fora da Arquivologia, transparece na bibliografia atual em abordagens que geralmente concebem o arquivo como configuração material da memória individual de seu titular e, por extensão, da memória coletiva, pressupondo certa associação pretensamente inequívoca entre dois elementos cuja associação, como demonstram, por exemplo, Piggott (2005PIGGOTT, Michael. Archives and memory. In: McKEMMISH, Sue et al. (ed.). Archives: recordkeeping in society. Wagga Wagga: Centre for Information Studies, 2005. p. 229-328. ), Millar (2006MILLAR, Laura. Touchstones: considering the relationship between memory and archives. Archivaria, Ottawa, n. 61, p. 105-126, 2006. ) e Hedstrom (2016HEDSTROM, Margaret. Arquivos e memória coletiva: mais que uma metáfora, menos que uma analogia. In: EASTWOOD, Terry; MACNEIL, Heather (org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2016. p. 237-258.), não é necessariamente tão óbvia ou natural.

Também se nota a emergência do debate a respeito do papel da intencionalidade na conformação dos arquivos pessoais e de seus atributos autobiográficos, cujos indícios se revelam nas operações de seleção documental levadas a cabo pelo titular ou por seus sucessores, credenciando a formação do arquivo como um exercício de “escrita de si” assentado na idealização de um legado. A propósito, a questão da transformação dos arquivos pessoais em componentes do chamado patrimônio documental, seja por meio da chancela conferida por programas capitaneados por organizações internacionais, seja pela aplicação de dispositivos previstos na legislação brasileira, como o instituto da declaração de interesse público e social, tem motivado a reflexão a respeito dos critérios de avaliação, evidenciando julgamentos ainda atrelados a uma perspectiva personalista, ancorados quase que exclusivamente no valor atribuído à figura dos titulares, em detrimento de uma apreciação compreensiva da composição dos conjuntos documentais.

Os estudos de tipologia documental também têm ganhado espaço, com pesquisas que focalizam o tema por um prisma mais amplo, ressaltando a relevância da identificação tipológica nas etapas de arranjo e descrição, e por trabalhos que privilegiam espécies e tipos específicos, analisando-os em função das atividades das quais derivam na condição de registros caracterizados por eminente funcionalidade prática, sem desconsiderar, contudo, a dimensão social que os documentos podem adquirir como testemunhos de práticas sociais. Compondo a miríade de desdobramentos e enfoques possibilitada pelas próprias características inusitadas dos conjuntos documentais acumulados por pessoas, abordagens inovadoras procuram prospectar, ainda que timidamente, frente ao grosso da produção atual, os desafios relativos à difusão, especialmente no que tange ao manejo das redes sociais e à aplicação de estratégias de marketing, e as especificidades do tratamento de arquivos nato-digitais, os quais já se apresentam como realidade incontornável do quefazer arquivístico, sinalizando temas que, certamente, merecem maiores e mais densas investidas.

Para além dos artigos, modalidade de comunicação científica privilegiada nesta revisão, cumpre assinalar que a difusão de conhecimento sobre os arquivos pessoais também tem sido levada a efeito a partir da defesa de teses e dissertações dentro e fora da área da Ciência da Informação, da publicação de comunicações orais coligidas em anais de eventos, da edição de livros e coletâneas. Não menos importante, há que se sublinhar, ainda, um movimento que se afirma a partir da prática, qual seja, o da produção de material técnico, como manuais e glossários, por instituições científicas que reconhecem nos arquivos pessoais os pilares estruturantes de suas atividades.7 7 Dentre os mais recentes está o Manual de organização de arquivos pessoais, da Casa de Oswaldo Cruz (2015). Outras iniciativas a destacar são o glossário de documentos do acervo da Fundação Fernando Henrique Cardoso e o Glossário de espécies e tipos documentais em arquivos de laboratório, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (2014), o qual ilumina todo um leque de documentos que podem ser encontrados também em arquivos pessoais de cientistas. Se a revisão dos artigos publicados recentemente em nosso país já oferece um bom panorama da multiplicidade de enfoques conferidos à reflexão sobre os arquivos pessoais, o exame das demais modalidades de produção bibliográfica poderá, na construção de uma visão mais abrangente, descortinar a vastidão de uma temática que, tão diversa quanto os próprios arquivos, desdobra-se em um sem-fim de possibilidades.

Referências

  • ABREU, Jorge Phelipe Lira; LACERDA, Aline Lopes; HEYMANN, Luciana Quillet. Gestão de Informações Pessoais (PIM) em perspectiva: contribuições para o tratamento de arquivos pessoais digitais. Ciência da Informação em Revista, Maceió, v. 7, n. esp., p. 28-40, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.28998/cirev.2020v7nespb Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.28998/cirev.2020v7nespb
  • ARAÚJO, Letícia Oliveira; LIMA, Gillian Leandro de Queiroga. Uma proposta de arranjo documental para o acervo pessoal de Pedro Moacir Maia: “retratos” a partir de uma memória individual. Informação em Pauta, Fortaleza, v.5, n. 2, 178-200, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.60816.178-200 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.36517/2525-3468.ip.v5i2.2020.60816.178-200
  • BANDEIRA, Fernando Corteze de Souza; JUVÊNCIO, Carlos Henrique. Religiões afro-brasileiras, produções documentais e arquivos pessoais. Revista Bibliomar, São Luís, v. 21, n. 1, p. 30-46, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.18764/2526-6160v21n1.2022.2 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.18764/2526-6160v21n1.2022.2
  • BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos pessoais em face da teoria arquivística tradicional: debate com Terry Cook. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 201-207, 1998.
  • BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Problemática atual dos arquivos particulares. Arquivo & Administração, Belo Horizonte, v. 6, n. 1, p. 5-9, jan./abr. 1978.
  • BRASIL. Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ano 129, n. 6, p. 1, 9 jan. 1991.
  • BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , [...]. Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, ano 148, n. 221-A, p. 1, 18 nov. 2011.
  • BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União : seção 1, Brasília, ano 155, n. 157, p. 59, 15 ago. 2018.
  • BRITTO, Augusto César Luiz; CORRADI, Analaura. O valor narrativo em arquivos pessoais compreendido como “escrita de si”. Ponto de Acesso, Salvador, v. 14, n. 2/3, p. 104-131, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.30446 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.9771/rpa.v14i2/3.30446
  • CAMARGO, Ana Maria de Almeida; GOULART, Silvana. Tempo e circunstância: a abordagem contextual dos arquivos pessoais. São Paulo: Instituto Fernando Henrique Cardoso, 2007.
  • CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais no mundo LGBT+: o caso Cláudia Wonder. In: CONGRESO DE ARCHIVOLOGÍA DEL MERCOSUR, 13, 2019, Montevideo. Memorias del XIII Congreso de Archivología del Mercosur. Montevideo: IMPO, 2021. p. 450-455.
  • CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais: uma proposta de descrição. Arquivo: Boletim Histórico e Informativo, Brasília, v. 9, n. 1, p. 21-24, jan./jun. 1988.
  • CAMPOS, José Francisco Guelfi. Recortes de jornal em arquivos: origens de uma prática social. Em Questão, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 52-75, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.19132/1808-5245272.52-75 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.19132/1808-5245272.52-75
  • CARNEIRO, Daniela Maria da Silva; CÓRDULA, Ana Cláudia Cruz; SILVA , JUNIOR Josemar Elias da; SILVA, Luiz Eduardo Ferreira. Arquivo pessoal Afonso Pereira e estratégias de marketing: sinalizações de aplicação. Archeion Online, João Pessoa, v. 8, n. 1, p. 95-120, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22478/ufpb.2318-6186.2020v8n1.54583 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.22478/ufpb.2318-6186.2020v8n1.54583
  • CASA DE OSWALDO CRUZ. Manual de organização de arquivos pessoais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015.
  • CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Metodologia de organização de arquivos pessoais: a experiência do CPDOC. 4 ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1998.
  • COSTA, Thiara de Almeida Costa; RONCAGLIO, Cynthia. Análise da legislação brasileira referente à produção, custódia, preservação e acesso aos arquivos de ciência. Ágora: Arquivologia em Debate, Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 499-511, 2020.
  • HEDSTROM, Margaret. Arquivos e memória coletiva: mais que uma metáfora, menos que uma analogia. In: EASTWOOD, Terry; MACNEIL, Heather (org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2016. p. 237-258.
  • HEYMANN, Luciana Quillet. O indivíduo fora do lugar. Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 45, n. 2, p. 40-57, dez. 2009.
  • LOPES, Bruna Pimentel; RODRIGUES, Georgete Medleg; BIZELLO, Maria Leandra. Diversidade ou hegemonia de grupos sociais? A literatura feminina nos acervos custodiados pelo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 67, p. 1-19, 2023.
  • MARIZ, Anna Carla Almeida; CORDEIRO, Rosa Inês de Novais. O contexto de produção e as fotografias nos arquivos pessoais: um estudo nos artigos de periódicos da Ciência da Informação e Arquivologia. InCID: Revista de Ciência da Informação e Documentação, Ribeirão Preto, v. 12, n. 2, p. 194-217, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v12i2p194-217 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2178-2075.v12i2p194-217
  • MATTOS, Renato; MENDES, Juliana Maia. Arquivos pessoais e patrimônio: a Declaração de Interesse Público e Social como instrumento de patrimonialização de arquivos. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 31, n. 63, p. 1-21, 2021.
  • MENDES, Juliana Maia; MATTOS, Renato. A Declaração de Interesse Público e Social e a patrimonialização de arquivos pessoais no Brasil. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 33, n. 66, p. 1-19, 2023.
  • MILLAR, Laura. Touchstones: considering the relationship between memory and archives. Archivaria, Ottawa, n. 61, p. 105-126, 2006.
  • MOTA, Mabel Meira. Arquivos pessoais de escritores: notas de pesquisa. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 58-77, 2021.
  • MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS. Glossário de espécies documentais em arquivos de laboratório. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2014.
  • PETRONE, Maria Thereza Schorer. Um comerciante do ciclo do açúcar paulista: Antônio da Silva Prado (1817-1829). Revista de História, São Paulo, v. 36, n. 73, p. 115-138, 1968. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.1968.126817 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.1968.126817
  • PIGGOTT, Michael. Archives and memory. In: McKEMMISH, Sue et al (ed.). Archives: recordkeeping in society. Wagga Wagga: Centre for Information Studies, 2005. p. 229-328.
  • REVISTA ESTUDOS HISTÓRICOS. Rio de Janeiro: FGV, 1988-. v. 11, n. 21, 1998. ISSN 2178-1494.
  • REVISTA DO ARQUIVO. São Paulo: Arquivo Público do Estado de São Paulo, 2015-. v. 2, n. 4, 2017. ISSN: 447-908-X.
  • Revista do Arquivo Público Mineiro . Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro,1896-. v. 45, n. 2, 2009.
  • REVISTA OFFICINA. São Paulo: ARQ-SP, s.d v. 2, n. 2, 2023. ISSN 2764-7773.
  • RODRIGUES, Leandro Garcia. (Des)arquivando ideias. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 1-11, 2022.
  • ROSS, Gilvane Pase dal; BRITTO, Augusto César Luiz. Análise arquivística do instrumento de pesquisa “Sumário Vida e Obra de Alberto Pasqualini”. Ágora: Arquivologia em Debate , Florianópolis, v. 30, n. 61, p. 845-869, 2020.
  • SEVERINO, Ivana Bittencourt dos Santos. Arquivos pessoais e processo de criação: a dança em cena. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 3-17, 2021.
  • SILVA, Larissa Fernandes. Arquivo pessoal Átila Almeida: organização e preservação de acervo permanente pelas lentes da Arquivologia. Archeion Online , João Pessoa, v. 9, n. 2, p. 119-137, 2021.
  • SILVA, Lorena dos Santos. A organização do arquivo pessoal de maria laura mouzinho leite lopes: desafios e perspectivas. Officina: Revista da Associação de Arquivistas de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 82-99, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6 Acesso em: 2 maio 2024.
    » https://doi.org/10.29327/263416.1.2-6
  • SILVA, Márcia Regina Barros da. Fator de impacto e Qualis: se ganha o que se perde, a rede esvaziada. In: ARAÚJO, José Fábio Marinho de; VALENTE, Cristina de Melo (org.). Ator-rede a além… no Brasil: as teorias que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá? Campina Grande: EDUEPB, 2014. p. 266-274.
  • SILVA, Valdir de Lima; ROSA, Maria Nilza Barbosa. O Arquivo pessoal de Heliton Santana: fonte de informação e memória. Revista Fontes Documentais, Aracaju, v. 3, n. 3, p. 76-92, 2020.
  • TENAGLIA, Mônica. O arquivo de Stanley Kubrick: acumulação, tratamento documental e novos usos e significados. Archeion Online , João Pessoa, v. 8, n. 2, p. 19-35, 2020.
  • TROTTA, Luis Felipe Dias. Difusão de acervos arquivísticos: a experiência do AMLB, as novas tecnologias e os desafios da área. Memória e Informação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 50-66, 2021.
  • VENÂNCIO, Renato Pinto. Onde estão os arquivos pessoais? Uma sondagem. In: OLIVEIRA, Isabel Cristina Borges de; OLIVEIRA, Lúcia Maria Velloso de; PANISSET, Bianca Therezinha Carvalho (org.). Arquivos pessoais e cultura: o direito à memória e à intimidade. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2016. p. 59-73.
  • VIANNA, Aurélio; LISSOVSKY, Maurício; SÁ, Paulo Sérgio Moraes. A vontade de guardar: lógica da acumulação em arquivos privados. Arquivo & Administração , Belo Horizonte, v. 10-14, n. 2, p. 62-76, jul./dez. 1986.
  • 1
    A Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, cujo acervo (hoje composto de cerca de 900 mil itens) começou a ser constituído a partir de documentos trazidos pela família real portuguesa em 1808, abriga, para além de documentos avulsos e manuscritos literários, arquivos pessoais. Entre os museus, destaca-se o acervo da Seção de Arquivo Histórico do Museu Imperial, em Petrópolis, composto majoritariamente por documentação de origem privada. Para uma visão mais abrangente das instituições custodiadoras de arquivos pessoais no Brasil, ver o mapeamento de Venâncio (2016VENÂNCIO, Renato Pinto. Onde estão os arquivos pessoais? Uma sondagem. In: OLIVEIRA, Isabel Cristina Borges de; OLIVEIRA, Lúcia Maria Velloso de; PANISSET, Bianca Therezinha Carvalho (org.). Arquivos pessoais e cultura: o direito à memória e à intimidade. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2016. p. 59-73.).
  • 2
    Intitulado Metodologia de organização de arquivos pessoais: a experiência do CPDOC, o manual teve três reedições, publicadas nos anos de 1986, 1994 e 1998 (Heymann, 2009HEYMANN, Luciana Quillet. O indivíduo fora do lugar. Revista do Arquivo Público Mineiro, ano 45, n. 2, p. 40-57, dez. 2009. ).
  • 3
    Uma pesquisa preliminar no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, empregando a expressão “arquivos pessoais” como termo de busca, revela a existência de 152 trabalhos acadêmicos (mestrado, mestrado profissional e doutorado) defendidos entre os anos de 2003 e 2023 nos programas de pós-graduação brasileiros. Vale destacar que parcela importante desta produção tem saído, para além da Ciência da Informação, dos programas de pós-graduação em História, Literatura e Educação.
  • 4
    A Associação de Arquivistas de São Paulo promove, periodicamente, o Encontro Arquivos Pessoais: Experiências, reflexões, perspectivas (com edições em 2015, 2017, 2019 e 2023). A Fundação Casa de Rui Barbosa também já teve uma atuação bastante importante na organização de eventos sobre a temática, entre os quais se destacam as duas edições do Encontro Arquivos Pessoais e Cultura, em 2014 e 2016.
  • 5
    Veja-se, por exemplo, Estudos Históricos (v. 11, n. 21, 1998REVISTA ESTUDOS HISTÓRICOS. Rio de Janeiro: FGV, 1988-. v. 11, n. 21, 1998. ISSN 2178-1494.), Revista do Arquivo Público Mineiro (v. 45, n. 2, 2009Revista do Arquivo Público Mineiro . Belo Horizonte: Arquivo Público Mineiro,1896-. v. 45, n. 2, 2009. ), Revista do Arquivo (v. 2, n. 4, 2017REVISTA DO ARQUIVO. São Paulo: Arquivo Público do Estado de São Paulo, 2015-. v. 2, n. 4, 2017. ISSN: 447-908-X.) e Officina (v. 2, n. 2, 2023REVISTA OFFICINA. São Paulo: ARQ-SP, s.d. v. 2, n. 2, 2023. ISSN 2764-7773.).
  • 6
    A pesquisa na base e a coleta das referências se deu na primeira quinzena dezembro de 2023. Neste sentido, cumpre esclarecer que os artigos do dossiê “Arquivos pessoais em cenários híbridos” publicado por Officina (v. 2, n. 2REVISTA OFFICINA. São Paulo: ARQ-SP, s.d. v. 2, n. 2, 2023. ISSN 2764-7773.) não integram o escopo das fontes, dado que a edição da revista foi publicada em 29 de dezembro, quando a etapa de coleta de referências já havia se encerrado. Composto por seis artigos, derivados de comunicações apresentadas no 4o Encontro “Arquivos Pessoais: experiências, reflexões, perspectivas”, o dossiê constitui um importante elemento indicador da tendência de crescimento do interesse pelos arquivos de pessoas no campo da Arquivologia.
  • 7
    Dentre os mais recentes está o Manual de organização de arquivos pessoais, da Casa de Oswaldo Cruz (2015CASA DE OSWALDO CRUZ. Manual de organização de arquivos pessoais. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015. ). Outras iniciativas a destacar são o glossário de documentos do acervo da Fundação Fernando Henrique Cardoso e o Glossário de espécies e tipos documentais em arquivos de laboratório, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (2014MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS. Glossário de espécies documentais em arquivos de laboratório. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2014. ), o qual ilumina todo um leque de documentos que podem ser encontrados também em arquivos pessoais de cientistas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Fev 2024
  • Aceito
    15 Abr 2024
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2705, sala 519 , CEP: 90035-007., Fone: +55 (51) 3308- 2141 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: emquestao@ufrgs.br