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Um Museu Nacional em Brasília: considerações sobre a formação de seu acervo

A National Museum in Brasília: about it’s collection formation

Resumo

Este artigo propõe uma análise sobre o percurso de criação do Museu Nacional da República em Brasília, museu público administrado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, e sobre aspectos relativos à formação de seu acervo. Interessou-nos entender sua trajetória de funcionamento, colecionamento e gestão, o que o fez configurar-se como um museu de artes visuais desde sua inauguração em 2006, levantando, assim, considerações acerca das políticas da área cultural e das relações dessas com a memória social.

Palavras-chave:
Museu Nacional da República; Brasília; museu; formação de acervo; artes visuais

Abstract

This article proposes an analysis of the creation process of the National Museum of the Republic in Brasília, a public museum managed by the Department of Culture and Creative Economy of the Federal District, and aspects of the formation of its collection. We are interested in understanding its trajectory of operation, collection, and management, which made it configure itself as a museum of visual arts since its opening in 2006, thus raising considerations about the policies of the cultural area and their relations with social memory.

Keywords:
National Museum of the Republic; Brasilia; museum; collection formation; visual arts

1 Introdução

O prédio, um imenso domo branco, chama atenção na paisagem da Esplanada em Brasília. A caminhada da rodoviária do Plano Piloto1 1 O Plano Piloto é originalmente o projeto urbanístico de Brasília, elaborado por Lucio Costa. Atualmente designamos “Plano Piloto” a Região Administrativa I, que compreende a área construída em decorrência deste plano inicial. até a praça do Conjunto Cultural da República é árida sobre o concreto e sob nenhuma sombra. Ao subir a longa rampa de acesso principal, adentrando o prédio, descobre-se uma galeria circular e um mezanino com exposições de obras de arte em curadorias diversas e que mudam ao longo do ano. Exceto por uma placa discreta com uma pequena nota explicativa localizada perto da base da rampa, não encontramos indicações da vocação daquele espaço. Assim se apresenta para o passante, muitas vezes em seu turismo cívico ou itinerário de rotina, o Museu Nacional da República, Museu da República, Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Museu Nacional Honestino Guimarães, Museu Nacional de Brasília ou Museu Nacional (MuN).

Figura 1 -
Museu Nacional da República, vista da Praça do Conjunto Cultural da República

Afora a quantidade de nomes e apelidos dados para o lugar, todos eles incluem a palavra museu em destaque. De fato, como se pode constatar, trata-se de um museu. Entretanto, se é um museu, onde está seu acervo? Do que trata essa coleção? Este artigo busca delinear o trajeto de construção do acervo do MuN desde sua inauguração em 2006 até 2018, anos iniciais da instituição e período de sua primeira gestão.

Em um primeiro momento, buscamos compreender os processos de concepção e construção do MuN e seu funcionamento. Em seguida, o trabalho investigativo procura esboçar a genealogia de seu acervo com o intuito de entender o processo de aquisição/colecionamento dessas obras, além de tentar identificar possíveis missão e vocação para um museu ainda desprovido de um plano museológico consolidado2 2 Houve alguns esforços para a construção de um plano museológico para o MuN e, mais atualmente, esse plano passa por revisão e reformulação para publicação. Na carência de profissionais da área de museologia no quadro de servidores da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, foi realizada a contratação de consultoria via Prodoc/Unesco para esse trabalho, em colaboração com a equipe de servidores que atuam no referido equipamento, sob a coordenação da servidora Daniele Pestana. . Essa história recente será aqui abordada com o suporte de outras pesquisas acadêmicas, dados institucionais, entrevistas e informações veiculadas em jornais.

O artigo busca, ainda, compreender o modo de atuação curatorial e gestão de acervo do Museu Nacional da República, o que contribuiu para a conformação de sua vocação desde sua inauguração, desdobrando-se na análise do percurso de criação de um “museu nacional” em Brasília.

Além de consultas nos arquivos oficiais para a pesquisa de documentos - arquivos da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF) e o Arquivo Público do Distrito Federal -, coletou-se informações por meio de entrevistas com agentes envolvidos, bem como em artigos publicados nos periódicos de ampla circulação naquele período. Analisamos o catálogo de obras do acervo do MuN e a documentação existente acerca da aquisição das mesmas.

A construção do acervo de um museu implica em um processo cotidiano de reconhecimento e de formulação de sentidos e, além disso, pressupõe o debate e a eleição de critérios, o estabelecimento de plano de metas, dentro de padrões especialmente formulados segundo a realidade existente (Lourenço, 1999LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem o moderno. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo , 1999., p. 13). Essas implicações são ainda mais pertinentes quando se trata de um museu público. O estudo sobre a formação do acervo do Museu Nacional da República constituiu-se com o objetivo de propiciar a aproximação dos objetos reunidos ali com a construção de significados/narrativas, de maneira a evitar a “sacralização” pelo acúmulo compulsivo. Afinal, “[...] juntar peças não faz um museu, por mais deslumbrantes que sejam as fachadas” (Lourenço, 1999LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus acolhem o moderno. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo , 1999., p. 17).

O acervo de um museu é entendido inicialmente pelas obras que o constituem, consideradas individualmente em suas complexidades e questões. No caso do Museu Nacional da República, em uma análise sucinta, é evidente a predominância das artes visuais. Interessa-nos, neste artigo, identificar o processo de formação deste acervo e suas linhas de organização, buscando o entendimento da história de sua construção, aspectos importantes para a compreensão do perfil traçado para a instituição, assim como as práticas e políticas de aquisição e colecionamento, de forma a sistematizar informação que se encontrava dispersa.

Deve-se ressaltar que, quando tratamos de museus públicos, devemos considerar os sentidos da preservação da memória artística, da criação de narrativas da história da arte e, além disso, da formação de valor cultural através de seus acervos, ou seja, da importância atribuída aos bens ali reunidos em virtude das qualidades - estéticas, cognitivas, afetivas, éticas, pragmáticas (Meneses, 2003MENESES, Ulpiano Bezerra. Preservação de acervos contemporâneos: problemas conceituais. In: AJZENBERG, Elza (org.). Arteconhecimento. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da USP, 2003.) - a eles conferidas, de seu reconhecimento como fatos da cultura.

Sobre esse “valor cultural”, Ulpiano Bezerra de Meneses assim discorre:

Se valor é a capacidade reconhecida, em algo, de responder a uma necessidade, valor cultural seria, então, a capacidade reconhecida de responder a uma necessidade (qualquer necessidade: material, espiritual, psicológica, econômica, afetiva, etc.) pela mediação prioritária dos sentidos (Meneses, 2003MENESES, Ulpiano Bezerra. Preservação de acervos contemporâneos: problemas conceituais. In: AJZENBERG, Elza (org.). Arteconhecimento. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da USP, 2003., p. 102).

Para ele, estão englobados como valor cultural diferentes categorias de valores: cognitivos (produzir conhecimento, informar), estéticos (aguçamento da percepção sensorial, aprofundamento da ponte entre o eu e o mundo), afetivos (relações subjetivas ou identitárias), sígnicos, éticos e pragmáticos. O autor ressalta ainda que os valores são historicamente instituídos, sendo mutáveis, dependentes de escolhas e interesses, tendo, portanto, uma dimensão política inerente (Meneses, 2003MENESES, Ulpiano Bezerra. Preservação de acervos contemporâneos: problemas conceituais. In: AJZENBERG, Elza (org.). Arteconhecimento. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da USP, 2003.). Assim, interessa-nos também refletir sobre as seguintes questões: por que colecionar? Quais os valores culturais que se busca construir através da formação do acervo do Museu Nacional da República?

Articulado à formação de valor está́ o processo de construção de reconhecimento empreendido em uma coleção pública. Esse reconhecimento é estabelecido por múltiplos fatores que não apenas os inerentes aos objetos, mas a eles vinculados contextualmente, num jogo entre vários agentes. Assim, com essas reflexões, procuramos enfatizar o caráter de construção cultural e histórica, e não de uma “naturalização” destes processos.

2 Um “Museu Nacional” em Brasília

Um museu já estava previsto no Relatório do Plano Piloto de Brasília, elaborado em 1957 por Lucio Costa, idealizado para fazer parte do Setor Cultural da nova capital. De fato, Brasília foi inaugurada com um museu-monumento3 3 Apesar de a expressão “museu-monumento” servir para caracterizar os museus com projetos arquitetônicos marcantes surgidos a partir dos anos 1990, aqui usamos a mesma expressão para marcar um monumento que é denominado museu. O Museu da Cidade foi inaugurado no dia 21 de abril de 1960, junto com a solenidade oficial da cidade de Brasília e a transferência da Capital Federal. O monumento foi projetado por Oscar Niemeyer com o objetivo de expor “painéis, fotos, desenhos, maquetes, manuscritos - abrangendo desde o concurso para o Plano Piloto, a construção de estradas, edifícios, aos problemas materiais e econômicos que vão surgindo durante a construção da Nova Capital” (Niemeyer, 1959), embora esse plano não tenha objetivamente sido cumprido e o prédio de forma arrojada, com uma grande escultura da cabeça de Juscelino Kubitschek e frase gravadas em suas fachadas colabora junto a sua discreta entrada, para que, muitas vezes as pessoas não associam aquele monumento à existência de um acervo em seu interior (Silva, 2022). , o Museu da Cidade ou Museu Histórico de Brasília, localizado na Praça dos Três Poderes. Entretanto, o Museu Nacional da República, objeto específico de nossa pesquisa, começou a ser construído em 1999 e foi inaugurado em 15 de dezembro de 2006 no Setor Cultural Sul.

O projeto de Lucio Costa traz menções a museus, mas não trata especificamente de um museu nacional como pilar constituinte do projeto da cidade. Contudo, diferentes museus hoje existem, dentro de um contexto de uma cidade planejada, com um desenvolvimento complexo e multifacetado. Para o planejamento urbano da cidade foi imaginado um setor cultural com um museu já desde a década de 1950. E previsto em uma área do Eixo Monumental, como aparece no Relatório do Plano Piloto de Brasília:

Ao longo dessa esplanada - o mall, dos ingleses - extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e desfiles, foram dispostos os ministérios e autarquias. Os das Relações Exteriores e Justiça ocupando os cantos inferiores, contíguos ao edifício do Congresso e com enquadramento condigno, os ministérios militares constituindo uma praça autônoma, e os demais ordenados em sequência - todos com área privativa de estacionamento -, sendo o último o da Educação, a fim de ficar vizinho do setor cultural, tratado à maneira de parque para melhor ambientação dos museus, da biblioteca, do planetário, das academias, dos institutos etc (Costa, 2014COSTA, Lucio. Brasília, cidade que inventei: relatório do Plano Piloto de Brasília. 3. ed. Brasília: IPHAN, 2014 [1957]., p. 35).

A construção de um museu “Nacional”, assim como de um Congresso Nacional, Teatro Nacional, Biblioteca Nacional, todos localizados no Eixo Monumental em Brasília, parece atualizar as aspirações nacionalistas ou, pelo menos, a busca por uma identidade nacional brasileira vivida pelo modernismo e materializada no projeto de construção de Brasília. O nome, mesmo que se considere sua arbitrariedade4 4 A partir de 2013, o Decreto 8.124 da Presidência da República instrui sobre a denominação de museu nacional, atribuindo essa competência ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ouvido o respectivo Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, e respeitadas as denominações já existentes na data de publicação do Decreto (Brasil, 2013). - “nacional” por estar na capital federal -, nos faz pensar sobre as intencionalidades em torno da delimitação dos sentidos de “nação” e “nacionalidade” que se propõe, evidenciando, ainda, o lugar de Brasília nessa dinâmica por uma “comunidade imaginada” (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.).

Benedict Anderson (2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.) cunha o termo “comunidade imaginada” para tratar do fenômeno do nacionalismo em contexto europeu. O historiador britânico define “nação” como uma comunidade política socialmente inventada por pessoas que percebem afinidades entre si e se identificam como parte de um mesmo grupo.

Para essa reflexão, que alcança o sentido de identidade, é legítimo recorrer também às contribuições mais contemporâneas de Stuart Hall (2004HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.) em sua pesquisa sobre a constituição das identidades culturais e das culturas nacionais como resultados de processos de formação e transformação forjadas em um sistema representacional:

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso - um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos [...]. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas (Hall, 2004HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004., p. 50-51).

A nação é entendida, assim, como algo que produz e é produzido por sentidos - um sistema de representação cultural - para a construção de uma identidade coletivizada. Hall considera, ainda, que essa identificação pela partilha da cultura evidencia um impulso por unificação atravessado por profundas divisões e diferenças através do exercício de diferentes formas de poder. Ele explica que as nações são constituídas por processos complexos de encontros e embates de diversas culturas que são pretensamente unificadas através de processos de conquista violenta e eliminação forçada das diferenças culturais. “Cada conquista subjugou povos conquistados e suas culturas, costumes, línguas, tradições, e tentou impor uma hegemonia cultural mais unificada” (Hall, 2004HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004., p. 60). Assim, uma narrativa de “identidade nacional” unificadora pressupõe uma estrutura de poder também excludente e violenta.

Um museu pode atuar da mesma maneira na elaboração dessas narrativas. Os museus de arte, tal como os conhecemos hoje, surgiram no século XIX na Europa (Poulot, 2003POULOT, Dominique. Museu, nação, acervo. In: BITTENCOURT, José Neves et al. (org.). História representada: o dilema dos museus. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2003.). Antes disso, a exposição de coleções de obras de arte, antiguidades, objetos arqueológicos, entre outros, era realizada em espaços privados: gabinetes de curiosidades ou em salas de palácios da nobreza.

Os testemunhos presentes nos museus são os registros e documentos que a sociedade (por eles representada) produz. Através das proposições sobre o passado e o presente, materializadas pelas exposições que realizam, os museus criam laços de pertencimento com a sociedade. Esta é uma das razões pela qual podemos considerar as instituições museológicas locais de memória com uma função social significativa.

A ausência de definição inicial da vocação do Museu Nacional da República, porém, indicam o papel coadjuvante do programa na metodologia projetual nos museus de Oscar Niemeyer, segundo Simone Neiva Gonçalves (2010GONÇALVES, Simone Neiva Loures. Museus projetados por Oscar Niemeyer de 1951 a 2006: o programa como coadjuvante. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.). A autora defende a hipótese de que a preferência pela definição formal e o desejo de evidenciar os desafios da técnica levaram Oscar Niemeyer a elaborar parte do programa dos museus que criou, justificando assim a volumetria projetada e construída. Gonçalves analisa projetos dos museus criados por Oscar Niemeyer, entre 1951 e 2006, tratando especificamente do Museu Nacional da República em Brasília, seu último projeto de museu. Segundo essa pesquisa:

[...] o museu figura entre os edifícios nos quais os aspectos mais relevantes têm sido relacionados à sua expressão arquitetônica, entendida como enunciado plástico, relegando os aspectos programáticos a um plano secundário. Nos projetos de museus há, quase sempre, uma maior liberdade de especulação formal, nem sempre possível em projetos como, por exemplo, de hospitais ou de salas de concertos, em que os programas são mais herméticos e certas definições programáticas, mais rígidas. Poderíamos dizer que hoje a ênfase formal, com a intenção de atender à ávida demanda pelo consumo de imagem, aliada a fatores como as superficiais políticas culturais brasileiras, oferece a Niemeyer uma liberdade de criação plástica quase sem limites (Gonçalves, 2010GONÇALVES, Simone Neiva Loures. Museus projetados por Oscar Niemeyer de 1951 a 2006: o programa como coadjuvante. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 24).

O Museu Nacional da República com sua forma arquitetônica impressionante é um museu-monumento e um prédio de dimensões extraordinárias, especialmente, para o caso de Brasília, porque insere-se na escala monumental:

Isso sugere que no museu brasiliense, mais uma vez, o programa nasce de uma reelaboração de experiências do arquiteto e sua equipe, como coadjuvante da forma. Nesse caso em particular, o programa atende à sensibilidade do arquiteto em adequar o volume ao conjunto da Esplanada, potencializada e impulsionada pela vontade de Sussekind de concretizar ‘uma estrutura audaciosa [...] a exibir o nível técnico de nossa engenharia’ (Sussekind; Niemeyer, 2002SUSSEKIND, José Carlos; NIEMEYER, Oscar. Conversa de amigos: correspondências entre Oscar Niemeyer e José Carlos Sussekind. Rio de Janeiro: Revan, 2002., p. 29; Gonçalves, 2010GONÇALVES, Simone Neiva Loures. Museus projetados por Oscar Niemeyer de 1951 a 2006: o programa como coadjuvante. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 209).

A monumentalidade do Museu foi resultado da busca do arquiteto em convergência com o plano urbanístico para a Esplanada, assumindo “[...] a ordenação e o senso de conveniência e medida capazes de conferir ao conjunto projetado o desejável caráter monumental. Monumental não no sentido de ostentação, mas no sentido da expressão palpável, por assim dizer, consciente, daquilo que vale e significa” (Costa, 2014COSTA, Lucio. Brasília, cidade que inventei: relatório do Plano Piloto de Brasília. 3. ed. Brasília: IPHAN, 2014 [1957]., p. 29).

Em muitos aspectos, os esforços políticos e o projeto arquitetônico desenvolvido para a construção do MuN se assemelham ao que aconteceu em Curitiba com a construção do Novo Museu, posteriormente chamado Museu Oscar Niemeyer (MON), entre os anos 2000 e 2002. Pedro Henrique Lopes Bório, diplomata e secretário de cultura do Distrito Federal à época da construção do MuN, em entrevista concedida em 2021, declara que “[...] faltava em Brasília um espaço que tivesse condições de receber exposições de maior fôlego, de primeira linha, inclusive internacionais”5 5 Entrevista de pesquisa concedida em 5 de novembro de 2021, na cidade de Brasília. . Nos anos anteriores à sua vinda a Brasília como secretário, Bório esteve envolvido no projeto de inauguração do MON, junto ao governador do Paraná Jaime Lerner. Tanto em Curitiba quanto em Brasília, os museus parecem partir do desejo “cosmopolita” de integração dessas cidades nos cenários nacional e internacional da cultura. E, também segundo Bório, isso era uma empreitada que deveria ser encarada com urgência:

Então nós fomos lá conversar com o próprio Oscar [Niemeyer] e o Oscar era uma figura muito interessante porque ele tinha também um senso prático, experiência da construção de Brasília com o Juscelino [Kubitschek] e uma vez ele me disse assim “olha, o importante é a gente fazer porque”, ele até brincou “depois a gente constrói um anexo”, você imagina. Se precisar fazer uma área maior museológica, educação, etc5.

A idealização dos dois museus, o MON e o MuN, vinha embalada pelo “fenômeno Bilbao”, deflagrado pela construção do Museu Guggenheim de Frank Gehry, inaugurado em 1997, que despertou interesse pela estratégia desenvolvimentista atrelada ao turismo. Construído na zona portuária degradada de Bilbao, cidade no norte da Espanha, o museu passou a fazer parte de um plano de desenvolvimento maior, cujo objetivo era revitalizar e modernizar a cidade industrial. O museu expõe obras de arte moderna e contemporânea, mas seu edifício curvilíneo e revestido de titânio toma o protagonismo e a atenção principal dos visitantes.

Figura 2 -
Museu Guggenheim Bilbao, Espanha

Otília Arantes (1993ARANTES, Otília. Os novos museus. In: ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.) traz contribuições para essa análise dos “novos museus” que, na virada do século XX para o século XXI, ganharam destaque na estrutura das cidades, promovendo uma guinada no setor do turismo e do entretenimento.

Creio não estar exagerando se disser que tudo começou com o Beaubourg [Centro George Pompidou]. Não se trata apenas de uma metáfora da política cultural francesa, mas de um verdadeiro emblema das políticas de animação cultural promovidas pelos Estados do capitalismo central, em função das quais mobilizam então o atual star system da arquitetura internacional, no intuito de criar grandes monumentos que sirvam ao mesmo tempo como suporte e lugar de criação da cultura e reanimação da vida pública. Enquanto vão atendendo às demandas de bens não-materiais nas sociedades afluentes, também vão disseminando imagens mais persuasivas do que convincentes de uma identidade cultural e política da nação, e política porque cultural (Arantes, 1993ARANTES, Otília. Os novos museus. In: ARANTES, Otília. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993., p. 164).

Neste sentido, não é de surpreender que a criação do Museu Nacional da República se apresente para os mais entusiastas como o caminho para enaltecer o sucesso do Plano Piloto - completando o Setor Cultural Sul - e internacionalizar a cidade, incluindo o aniversário de Oscar Niemeyer como celebração. A inauguração do MuN foi noticiada amplamente com peças publicitárias e matérias nos principais jornais de Brasília.

Exemplo disso é a matéria “A nova cara da Esplanada”, da jornalista Sandra Turcato, veiculada no Correio Braziliense em fevereiro de 2003TURCATO, Sandra. A nova cara da Esplanada. Correio Braziliense, Brasília, 5 fev. 2003. Caderno Cultura, p. 20.. O texto apresenta o início da construção do Conjunto Cultural da República, parte do projeto que concluiria o Eixo Monumental, completando as áreas até então vazias destinadas ao Setor Cultural Norte e Sul, além da reforma do Centro de Convenções Ulisses Guimarães. Na matéria, a secretária de turismo Lúcia Flecha de Lima enfatiza a ativação do turismo em pontos como a Torre de TV, o estádio Mané Garrincha, o Complexo Cultural da Funarte, o Memorial JK, entre outros, e declara que “[...] Brasília nasceu para ser um centro de turismo de eventos. Ela está na área central do país e é a capital da República” (Turcato, 2003TURCATO, Sandra. A nova cara da Esplanada. Correio Braziliense, Brasília, 5 fev. 2003. Caderno Cultura, p. 20.).

Dois anos depois, em 2005, o mesmo jornal publica a matéria “De olho no futuro”, de Nahima Maciel, que informa a visita do conselho internacional do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA) às obras do Conjunto Cultural da República. No relato, Pedro Bório recebe um grupo da equipe responsável pela manutenção do MoMA com a intenção de sensibilizá-los para futuros acordos entre as instituições e fica sinalizada uma possível vocação do Museu Nacional da República para a arquitetura. “Os planos de Brasília excedem 100 mil e eles devem ser copiados para serem preservados. Seria interessante se pudéssemos nos beneficiar da experiência deles (MoMA) para fazer a organização e preservação das plantas” (Maciel, 2005MACIEL, Nahima. De olho no futuro. Correio Braziliense, Brasília, 25 abr. 2005. Caderno Cultura, p. 3. ), declara o secretário de cultura à época. A matéria menciona também a participação de Sidney Ruiz Picasso e Daiana Widmaier Picasso, da família do pintor espanhol Pablo Picasso e representantes do Jeu de Paume e Museu Picasso, respectivamente, na visita. As duas corroboram a visão sobre a possível vocação para a arquitetura do museu que está sendo construído e apontam para parcerias e intercâmbios de exposições.

Em entrevista, Bório confirma o relato e acrescenta comentários sobre a necessidade de um programa museológico para a concretização de parcerias de tamanho porte:

[...] quando eu assumi eu comecei a conversar com gente dos meus contatos, então, por exemplo, a Fundação Ludwig na Europa é a maior entidade de arte privada da Europa e em três meses que nós começamos a obra eu trouxe para o Brasil um representante da Fundação que eu levei para visitar o canteiro de obras e ele me trouxe uma carta da Senhora Ludwig que apenas divulgamos para a imprensa na época e que ela dizia “todo o acervo da Fundação Ludwig está à disposição do governo do Brasil pra gente fazer mostras rotativas”. Depois disso vieram à Brasília, visitaram a obra comigo, as netas do Picasso, Diana Widmaier Picasso e a irmã dela, que são hoje as responsáveis pelo grande Museu Picasso de Paris e falaram a mesma coisa. E eu até brinquei com elas: “bom, a gente vai ter que escolher umas coisas como talvez uma mostra de cerâmica, uma mostra de linóleo”, porque você tem aquele outro problema, que é o problema do custo do seguro e da curadoria apropriada dessas mostras. Aí nós chegamos no outro pronto que ainda está pendente, que eu sei que está pendente, que tinha que ter um staff museológico mínimo, mas bom, muito bom, preparado. Como levou anos e anos e anos para se formar lá na Bienal de São Paulo, por exemplo, que não dá pra improvisar, museologia você tem que ter gente treinada desde o momento que o caminhão chega. O cara que tira o caixote do caminhão já tem que saber como é que tira. E o cara que abre, ele tem que entender que não é brincadeira aquele negócio de botar luva para pegar nas peças e tal. Então isso tudo, mas é aquela história, Brasília é assim, quer dizer, se a gente ficar esperando os teus netos não teriam um museu. Então a gente resolveu fazer.6 6 Entrevista de pesquisa concedida em 5 de novembro de 2021, na cidade de Brasília.

O museu enfim saiu do papel, após diversas adaptações formais e estruturais, devido a condições de tempo e orçamento, que resultaram na simplificação do seu programa. Inaugurado o Museu de reconhecida importância, interessa-nos entender como se conformou seu histórico de atuação que o definiu como museu de arte. Em parte, o Museu construído assemelha-se ao projeto esboçado por Mário Pedrosa quando imaginou um museu sem acervo, atentando para a dificuldade de se construir um acervo importante em condições de igualdade com os dos demais museus brasileiros já existentes (Pedrosa, 1995PEDROSA, Mário. Projeto para o Museu de Brasília. In: ARANTES, O. (org.). Política das artes: textos escolhidos I. São Paulo: Edusp, 1995.). Em parte, atende a projeção feita por Niemeyer, quando em carta ao colega calculista José Carlos Sussekind, escreve que “[...] não é um museu de obras fixas, mas um espaço contemporâneo, um museu de ideias, do experimental, que possa receber uma série de exposições e obras do Brasil e do mundo” (Sussekind; Niemeyer, 2002SUSSEKIND, José Carlos; NIEMEYER, Oscar. Conversa de amigos: correspondências entre Oscar Niemeyer e José Carlos Sussekind. Rio de Janeiro: Revan, 2002.).

3 O acervo do Museu Nacional da República

Sobre o modo como se formam os acervos de museus públicos, os planos museológicos, instruídos sob as diretrizes da Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 20097 7 Vale sinalizar que o Museu Nacional da República é anterior a essa normativa, mas sua inauguração acontece em meio a esse debate no campo da Museologia no Brasil. (Brasil, 2009BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ano 146, n. 10, p. 1, 15 jan. 2009.), que institui o Estatuto dos Museus, estabelecem o programa de acervo com orientações sobre a incorporação de objetos, coleções e documentos, por meio de doações ou permuta e prevê o descarte, em forma de transferência a outra instituição, destinação para uso didático, reciclagem ou até mesmo sua destruição. O artigo 38 da referida Lei define que “os museus deverão formular, aprovar ou, quando cabível, propor, para aprovação da entidade de que dependa, uma política de aquisições e descartes de bens culturais, atualizada periodicamente”. Além disso, o Código de Ética para Museus (Icom, 2009CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM). Código de Ética do ICOM para Museus. São Paulo: ICOM, 2009.), elaborado pelo Conselho Internacional de Museus (Icom) dispõe sobre a aquisição e a alienação de coleções. As normas tratam da necessidade de elaboração de uma política de aquisição e do descarte responsável, com pleno conhecimento da importância de cada item, partindo do princípio de que “[...] os museus mantêm acervos em benefício da sociedade e de seu desenvolvimento” (Icom, 2009CONSELHO INTERNACIONAL DE MUSEUS (ICOM). Código de Ética do ICOM para Museus. São Paulo: ICOM, 2009., p. 14)8 8 O Icom é uma organização não-governamental internacional criada em 1946 que mantém relações formais com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), executando parte de seu programa para museus, tendo status consultivo no Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU). O Icom possui um comitê brasileiro fundado em 1948. Além disso, no Brasil, o Conselho Federal de Museologia (Cofem) é o órgão regulamentador e fiscalizador do exercício da profissão de museólogo criado pela Lei 7.287 de 18 de dezembro de 1984 e regulamentado pelo Decreto 91.775 de 15 de outubro de 1985. O Código de Ética elaborado pelo Cofem em 1992 remete ao Icom como entidade norteadora dos programas de acervos dos museus. .

O acervo, enquanto elemento de cultura material, para o fim de que trata esta pesquisa, é peça fundamental em um museu. Questionado se há museu sem acervo, por exemplo, Meneses diz que:

A pergunta correta, pois, deveria ser: há, ainda, relevância e utilidade, entre nós, no papel que possam desempenhar museus com acervo? A resposta é francamente positiva. Estamos imersos num oceano de coisas materiais, indispensáveis para a nossa sobrevivência biológica, psíquica e social. A chamada ‘cultura material’ participa decisivamente na produção e reprodução social. No entanto, disso temos consciência superficial e descontínua. Os artefatos, por exemplo, são não apenas produtos, mas vetores de relações sociais. Que percepção temos desses mecanismos? Não se trata, apenas, portanto, de identificar quadros materiais de vida, listando objetos imóveis, passando por estruturas, espaços e configurações naturais, a ‘obras de arte’. Trata-se, isto sim, de entender o fenômeno complexo da apropriação social de segmentos da natureza física - e, mais ainda, de apreender a dimensão da vida social (Meneses, 2013MENESES, Ulpiano Bezerra. A exposição museológica e o conhecimento histórico. In.: FIGUEIREDO, Betania. G.; VIDAL, Diana G. (org.) Museus: dos gabinetes de curiosidades à museologia moderna. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013., p. 18).

Para este pesquisador, há uma relação direta entre a prática de se constituir acervos e a democratização do conhecimento, através da “[...] função documental do museu (por via de um acervo, completado por um banco de dados) que garantiria sua inteligibilidade” (Meneses, 2013MENESES, Ulpiano Bezerra. A exposição museológica e o conhecimento histórico. In.: FIGUEIREDO, Betania. G.; VIDAL, Diana G. (org.) Museus: dos gabinetes de curiosidades à museologia moderna. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013., p. 19).

Nesse sentido, os museus e seus artefatos são vetores de relações sociais e, portanto, de relações políticas. O acervo de um museu pode ser entendido como a própria materialização de discursos do campo da política. Ao longo da era moderna os museus ocuparam o lugar de instituições de prestígio, atuando diretamente nas relações de trocas culturais. Assim, o processo de musealização de bens materiais, tal como defendido por Brulon (2016BRULON, Bruno. Entendendo a musealização como conceito social: entre o dar e o guardar. In: MENDONÇA, E. Castro (org.). Museologia, musealização e coleções: conexões para reflexão sobre patrimônio. Rio de janeiro: UNIRIO, Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz, 2016. p. 38-54.), deve ser compreendido como um conceito social:

Ao encenar o valor das coisas, em vez de apresentar as coisas em si, os museus ajudam a demonstrar que os valores são construídos socialmente - pelas interações sociais e culturais e pelo próprio processo de musealização - e que eles mesmos, os museus, incorporam valor aos objetos que coletam e expõem (Brulon, 2016BRULON, Bruno. Entendendo a musealização como conceito social: entre o dar e o guardar. In: MENDONÇA, E. Castro (org.). Museologia, musealização e coleções: conexões para reflexão sobre patrimônio. Rio de janeiro: UNIRIO, Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz, 2016. p. 38-54., p. 43).

A função documental que o museu desempenha por meio da “apresentação e performance” (Brulon, 2016BRULON, Bruno. Entendendo a musealização como conceito social: entre o dar e o guardar. In: MENDONÇA, E. Castro (org.). Museologia, musealização e coleções: conexões para reflexão sobre patrimônio. Rio de janeiro: UNIRIO, Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de Santa Cruz, 2016. p. 38-54., p. 52) está permeada por disputas políticas por autoridade, reivindicações de propriedade, direito à memória e visibilidade. Nesta análise sobre a formação do acervo do Museu Nacional da República buscamos compreender também a formação de sua vocação e missão.

Voltando à data de inauguração do Museu Nacional da República, rememoramos a primeira exposição realizada ali em comemoração ao 99º aniversário de Oscar Niemeyer: “Niemeyer por Niemeyer”, com fotografias, maquetes e desenhos das principais obras do arquiteto em seus mais de 70 anos de carreira. A exposição foi inaugurada com uma cerimônia solene e presença do presidente da República, da governadora do Distrito Federal à época e do governador que a antecedeu no dia 15 de dezembro de 2006. Essa mostra esteve aberta à visitação na Galeria Principal e no Mezanino do MuN até 21 de abril do ano seguinte. O conjunto de obras em exposição, entretanto, não constituía acervo da instituição. Destaca-se o fato de que, na ocasião de sua inauguração, o MuN não possuía acervo e que nem mesmo essa coleção, embora tenha composto o marco inicial da instituição, permaneceu em sua guarda. Tratava-se de acervo pessoal do próprio Niemeyer, reunido e organizado especialmente para aquela ocasião pelo curador carioca Marcus Lontra, enteado do arquiteto e Kadu Niemeyer, neto daquele. O que ainda hoje existe no MuN sobre essa exposição é o catálogo que foi produzido para a inauguração, em formato de 25 folhas soltas em papel cartão, com fotografias e texto curatorial, envoltas em um grande envelope.

Figura 3 -
Catálogo “Niemeyer por Niemeyer”, exposição inaugural do Complexo Cultural da República, 2006

Figura 4 -
Fachada do Museu Nacional da República com sinalização da exposição “Niemeyer por Niemeyer”

As exposições que se seguiram foram organizadas por curadorias externas ao MuN, com acervos de coleções particulares ou de outras instituições. Os primeiros anos de funcionamento do MuN são marcados por exposições organizadas por embaixadas e outras organizações governamentais. A articulação com as embaixadas no cenário cultural brasiliense é narrada com ênfase na entrevista concedida por Pedro Bório, ele próprio diplomata e secretário de Cultura nos anos de 2003 a 2006, período de construção e inauguração do MuN. Brasília, por ser a sede da diplomacia internacional no Brasil, recebe eventos políticos, diplomáticos e culturais de toda parte do mundo e, com o Museu Nacional da República, teria enfim um espaço adequado, digno de uma “cidade cosmopolita”, utilizando a expressão repetida por Bório, para esse fim.

O documento com a lista de exposições realizadas no Museu Nacional da República de 2006 a 20189 9 Trata-se de documento produzido pela equipe do MuN, uma lista simples com o título da exposição, pequena sinopse, período em que permaneceu aberta à visitação e o número de visitação de cada uma delas. revela, nos anos iniciais, exposições realizadas por meio de parcerias com embaixadas as quais destacamos: “Jay Milder: Expressionismo”, do pintor estadunidense consagrado pelo expressionismo figurativo; “Gráfica Suíça 1950-2000”, “Prêmio Holcim Awards para a Construção Sustentável”, organizadas em parceria com a Embaixada da Suíça e “Circo”, mostra de cartazes poloneses, realizadas em 2007; “Prêmio Visões da Europa”, exposição com o resultado de um concurso de artes visuais promovido pelas embaixadas dos países da União Europeia, voltado para jovens artistas brasileiros em diálogo com suas visões sobre a Europa e “Eternos tesouros do Japão: a arte dos samurais”, em comemoração ao centenário da imigração japonesa no Brasil, no ano de integração entre o Brasil e o Japão, em 2008.

Destacamos, desse período inicial, a exposição “Prêmio CNI/SESI Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas”, realizada entre 24 de outubro de 2007 a 7 de janeiro de 2008. A referida exposição foi realizada com obras vencedoras da edição 2006-2007 do referido prêmio, que rendeu as primeiras aquisições para o acervo do MuN.

Também em 2008 é realizada a exposição “Acervo do MAB”, com instalações, esculturas e pinturas do acervo do Museu de Arte de Brasília (MAB). A mostra, de 8 de fevereiro a 8 de março de 2008, na Galeria Principal do MuN, marca a transferência do acervo do MAB para as reservas técnicas do MuN, que passa a se responsabilizar por sua guarda enquanto o MAB permanecesse fechado.

Inaugurado às pressas e sem acervo, em ano de encerramento de gestão de governos federal e distrital, o MuN foi criando sua coleção a partir de 2008. Em seu inventário pode ser constatada a presença majoritária de obras de artes visuais contemporâneas, o que aponta para um possível perfil curatorial.

A principal hipótese levantada neste artigo é a de que o Museu Nacional da República é um equipamento cultural que, em sua gênese, não foi planejado como instituição museológica tradicional, ou seja, para a salvaguarda de coleções e sim para abrigar “projetos” (Silva, 2013SILVA, Anna Paula. Entre conceitos de documentação museológica e arte contemporânea: análise do Donato como sistema de catalogação do acervo do Museu Nacional do Conjunto Cultural (2011- 2013). 2013. Monografia (Bacharelado em Museologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013., p. 84). A análise da trajetória de atuação da instituição em seus primeiros doze anos de funcionamento nos levam a crer que a construção do acervo que hoje existe é fruto do esforço da gestão nos anos iniciais da instituição somado às circunstancialidades que foram desenhando seu perfil.

A ausência de acervo ou de um plano para sua criação, tanto para o Museu Nacional da República quanto para a Biblioteca Nacional de Brasília, foi discutida pela comunidade de artistas e reivindicada publicamente em alguns textos de jornal desde o anúncio da empreitada de construção do Conjunto Cultural da República, a partir do ano de 1999. Um artigo de Graça Ramos publicado no Correio Braziliense em 10 de julho de 2004RAMOS, Graça. Um museu para Brasília. Correio Braziliense, Brasília, 10 jul. 2004. Caderno Pensar, p. 3. expressa enfaticamente sua preocupação com a política de uso dos dois novos equipamentos culturais, especialmente do Museu Nacional da República, que, naquele momento, já se encontrava em construção, mas ainda não tinha um plano diretor definido. Ramos indaga sobre o modelo de museu que estava sendo construído, se este modelo seria elaborado junto com a comunidade brasiliense e, ainda, com que orçamento seria mantido, lembrando as dificuldades de gestão do Museu de Arte de Brasília (MAB) e do Memorial dos Povos Indígenas (MPI), que se encontravam esquecidos e mal cuidados. Sua crítica aponta que, aos olhos do Governo do Distrito Federal, o projeto para o MuN parece inserir-se na lógica do entretenimento cultural, atendendo e alimentando uma demanda por “atrações imperdíveis” e “obras primas extraordinárias”, em um apelo que enfatiza mais o caráter midiático do que o formativo ou educativo:

O futuro museu funcionará apenas como útero para abrigar megaexposições vindas de outras instituições? Terá um acervo, qual acervo? O projeto cita um lugar, no térreo, para serviços gerais, não fala em salas de reserva técnica. O que induz a imaginar que poderá ser apenas um centro para exposições, nos moldes já existentes na cidade, representados pelo CCBB e Caixa Econômica. Será? (Ramos, 2004RAMOS, Graça. Um museu para Brasília. Correio Braziliense, Brasília, 10 jul. 2004. Caderno Pensar, p. 3. , p. 4).

Nos anos que antecederam sua inauguração, entre 2002 e 2006, podemos citar ainda outros artigos que se referem com ânimo à construção do Conjunto Cultural da República e abordam a expectativa de um acervo para o Museu Nacional da República. O artigo “Brasília em obras”, veiculado no Correio Braziliense em 24 de março de 2004, explica a mudança no projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer para a redução de custos e expõe uma das propostas do secretário de Cultura Pedro Bório para o MuN. Segundo Bório, não seria o caso de transferir a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional do Rio de Janeiro para Brasília, como se supôs. A intenção era de que o museu tivesse acervo próprio formado por obras artísticas transferidas da União e que “enfeitam gabinetes, salas de reuniões de órgãos governamentais ou encontram-se armazenadas em algum porão sem receber os devidos cuidados”. Não pela única vez, cita o acervo do Banco Central, especialmente os painéis de Cândido Portinari, que poderiam ser transferidos para o Museu Nacional da República. Sobre essas transferências de acervos, o artigo menciona, ainda, um projeto de lei protocolado pelo deputado Tadeu Filippelli na Câmara Federal10 10 O Projeto de Lei nº 3.200-A, de 2004, propõe atribuir ao Museu Nacional da República a responsabilidade pela centralização, preservação, divulgação e exposição de todas as obras de arte de significativo valor cultural, histórico, artístico e/ou econômico pertencentes à União Federal (Brasil 2004). (Brasil, 2004BRASIL. Projeto de Lei 3.200/2004. Dispõe sobre o acervo de obras de arte pertencente à União Federal, sobre o Museu Nacional e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.).

Entre a animação e a preocupação, os projetos para o MuN ganham espaço na mídia, mesmo sem muita definição. Na matéria “De olho no futuro”, veiculada no Correio Brasilienze em 25 de abril de 2005, Pedro Bório anuncia outro plano, desta vez relacionado à memória arquitetônica e urbanística, de preservação das plantas originais de Brasília. Segundo ele, “[...] a instituição poderá ser um centro de referência no quesito arquitetura” (Maciel, 2005MACIEL, Nahima. De olho no futuro. Correio Braziliense, Brasília, 25 abr. 2005. Caderno Cultura, p. 3. ).

A colaboração entre os Governos Federal e Distrital para a gestão do MuN foi cogitada, mas não se consolidou. Mesmo que os planos iniciais para a criação de um museu nacional tenham partido da organização de uma Comissão Especial do Conjunto Cultural da República pelo Ministério da Cultura entre 1988 e 1990 (Sá, 2014SÁ, Cecília Gomes. Setor cultural de Brasília: contradições no centro da cidade. 2014. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.), a efetiva iniciativa de construção do Conjunto Cultural da República partiu do Governo do Distrito Federal (GDF) em 1999. A partilha da gestão não se tornou possível, embora tenha havido o desejo pela federalização11 11 A Lei 5.293, publicada em 24 de janeiro de 2014, autoriza a cessão de uso do Museu da República Honestino Guimarães à União e transfere sua utilização e administração ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), pelo prazo de dez anos. A lei assegura a participação do Distrito Federal na gestão, porém não houve a transferência definitiva, tendo sido gerido desde o início com recursos do GDF, sob a administração da SECEC-DF. do MuN em 2013, e os esforços para a construção de um acervo pela esfera federal não tiveram sucesso. A obra foi, de fato, capitaneada por Joaquim Roriz, então governador do Distrito Federal, e executada pela construtora Via Engenharia.

Se, em 1958, Mário Pedrosa propôs a construção de um museu de “cópias, reproduções fotográficas, moldagens de toda espécie, maquetes, etc” (Pedrosa, 1995PEDROSA, Mário. Projeto para o Museu de Brasília. In: ARANTES, O. (org.). Política das artes: textos escolhidos I. São Paulo: Edusp, 1995., p. 288) para Brasília, em um projeto museológico ancorado em uma concepção pedagógica de contato com as artes visuais, nos anos 2000 percebemos um interesse mais arquitetônico do que museológico em executar o projeto de Oscar Niemeyer e, finalmente, completar, mesmo que em parte, o Eixo Monumental de Brasília. Ver o Museu Nacional do Conjunto Cultural da República construído foi também desejo pessoal do arquiteto que, aos 95 anos de idade, veio à Brasília reivindicar isso:

Quer tanto que se deu ao esforço de vir à cidade, dois dias de carro, para conversar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pretexto era o Palácio da Alvorada, mas Niemeyer estava particularmente interessado em obter o apoio de Lula para as obras do museu e da biblioteca, das quatro que ainda faltam para completar o conjunto arquitetônico da Esplanada dos Ministérios. [...] o projeto monumental, de desenho surpreendente, continuará percorrendo o labirinto da burocracia por mais algum tempo e afligindo o incansável Niemeyer, que há mais de quatro décadas espera por essa obra (Ceolin; Freitas, 2003CEOLIN, Adriano; FREITAS, Conceição. A menina dos olhos de Niemeyer. Correio Braziliense, Brasília, 11 abr. 2003. Caderno Cultura, p. 1 (capa). , p. 1).

Voltando ao ano de 1988, quando se formou uma Comissão Especial para o planejamento do Conjunto Cultural da República, cogitou-se, entre outros modelos, um museu sem acervo. Ulpiano T. Bezerra de Meneses pontua observações críticas às propostas apresentadas até aquele momento, elencadas entre centro de exposições, centro de referência cultural, centro cultural e museu. Nesse relatório do Ministério da Cultura, disponibilizado pela tese de Cecília Gomes de Sá, Meneses refuta a função de centro cultural, “[...] a descartar: mero espaço disponível, que nunca teria condições de desenvolver a necessária infra-estrutura museológica e museográfica indispensável e se reduziria forçosamente ao papel de intermediário” (Sá, 2014SÁ, Cecília Gomes. Setor cultural de Brasília: contradições no centro da cidade. 2014. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.). Sobre a possibilidade de um centro de referência cultural, assume ser um projeto extremamente importante de centralização de informações, mantendo a descentralização de acervos, organizando bancos de dados e integrando sistemas de arquivos, bibliotecas e museus. Porém, Meneses aponta para problemas operacionais e metodológicos nessa proposta. Sobre um centro cultural, ele faz referência ao Centro Pompidou, que integra diversas funções de produção, circulação e documentação no campo cultural (Meneses, 198812 12 MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Projeto do conjunto cultural de Brasília: observações críticas. Relatório entregue ao Conjunto Cultural do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 1988. ApudSá (2014). apudSá, 2014SÁ, Cecília Gomes. Setor cultural de Brasília: contradições no centro da cidade. 2014. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014., p. 57).

Ulpiano T. Bezerra de Meneses discorre extensamente sobre a função de museu, em diversos vieses. Sobre um “museu dos museus”, foi sugerido um museu sem acervo próprio, mas que reunisse acervos de outras instituições. Pedro Bório, em 2003, possivelmente se valeu dessa ideia ao cogitar que o MuN recebesse a coleção de obras de arte do Banco Central, da Caixa Econômica Federal e de outras coleções de órgãos federais, coisa que não aconteceu. Esse “museu dos museus”, segundo Meneses, não poderia ser considerado museu a partir das premissas que ele apresenta no mesmo relatório, em que “a natureza do museu se define a partir de um acervo de objetos materiais” (Meneses, 198813 13 MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Projeto do conjunto cultural de Brasília: observações críticas. Relatório entregue ao Conjunto Cultural do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 1988. ApudSá (2014). apudSá, 2014SÁ, Cecília Gomes. Setor cultural de Brasília: contradições no centro da cidade. 2014. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014., p. 215).

4 Um acervo em construção: perspectivas críticas

Constituído ao longo dos anos de funcionamento do Museu, o inventário do período de 2008 a 2018 é composto por um número de 1.130 obras de arte produzidas no Brasil no século XX e de transição para a arte contemporânea e atual. São obras, em sua maioria, bidimensionais, entre as quais predominam, quantitativamente, pinturas, fotografias e gravuras. Há também vídeos14 14 Do montante total de 221 vídeos, 213 deles têm registro de entrada no acervo em 2012. São vídeos de diversos artistas e temas que carecem de descrição detalhada, mas que inauguram o núcleo de artes digitais do MuN. , além de registros de performance, instalações, esculturas, e outras linguagens expressas em menor número.

Tabela 1 -
Tipologia do acervo do Museu Nacional da República (2006 a 2018)

Com relação às estratégias de aquisição, a análise da documentação nos permite concluir que a totalidade de obras do acervo do MuN foram reunidas por meio de doações, transferências e contrapartidas de prêmios realizados por meio de fundos públicos e, ainda, projetos artísticos que foram realizados ali. Percebemos, assim, que a trajetória da formação do acervo está intimamente relacionada à história das exposições realizadas no Museu.

Em entrevista concedida à Anna Paula da Silva (2013SILVA, Anna Paula. Entre conceitos de documentação museológica e arte contemporânea: análise do Donato como sistema de catalogação do acervo do Museu Nacional do Conjunto Cultural (2011- 2013). 2013. Monografia (Bacharelado em Museologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013.) para sua monografia de conclusão do curso de Museologia, a documentalista Ana Maria Duarte Frade assim responde sobre quem decide sobre as aquisições de obras no MuN:

É o diretor curador do museu. Mas aqui a gente não adquire obras, adquire nesse sentido de pagar por essas obras. Na verdade, o que se tem feito é que todas as obras que entram aqui são doações. Existe uma proposta de se organizar um prêmio que reúna, que tenha uma certa regularidade, bianual, trianual, alguma coisa assim, que premie financeiramente os ganhadores e essas obras, então, elas passariam a fazer parte do museu, do acervo do museu. Isso é uma maneira indireta de fazer aquisição. Esse ano a gente teve uma coisa similar a isso, a gente teve o prêmio Situações Brasília e ele foi feito nesses moldes. É um projeto do FAC, é um projeto contemplado pelo FAC, da Secretaria de Cultura, Fundo de Apoio à Cultura, e ele fez exatamente isso, alguns artistas convidados, que foram remunerados para colocarem obras, fazerem obras para o prêmio e para a exposição e artistas que foram selecionados e foram premiados também. E essas obras todas, tanto dos convidados, como dos vencedores elas foram, estão sendo doadas para o museu (Silva, 2013SILVA, Anna Paula. Entre conceitos de documentação museológica e arte contemporânea: análise do Donato como sistema de catalogação do acervo do Museu Nacional do Conjunto Cultural (2011- 2013). 2013. Monografia (Bacharelado em Museologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013., p. 83).

Sobre as práticas que conformam a política de aquisição deste acervo, Wagner Barja, primeiro diretor do MuN, assim descreve em texto publicado nos Anais dos 200 anos de museus no Brasil, organizado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em 2018:

Nesse esforço permanente de enriquecimento do acervo, o museu empenha-se apesar da falta de recursos, em obter aquisições por meio de prêmios, do estímulo a doações e ao ingresso não oneroso de obras de arte no acervo. [...] O recebimento de doações, espontâneas ou objeto de cláusulas de premiações realizadas, pauta-se pela conformidade com a linha curatorial do museu e pelo alto nível de exigência em relação à qualidade das obras e à relevância dos artistas (Barja, 2018BARJA, Wagner. Museu-espelho. In: LEMOS, Eneida Braga Rocha; COSTA, Ana Lourdes de Aguiar (org.). Anais: 200 anos de museus no Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Ibram, 2018. p. 105-110., p. 107).

Nesse conjunto, encontram-se obras de nomes consagrados pelo sistema das artes brasileiro, a exemplo de Anita Malfatti, Cândido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Manabu Mabe, Tomie Ohtake, Alfredo Volpi, Amílcar de Castro, Alberto da Veiga Guignard, Carybé, Cícero Dias e Antonio Bandeira, além de outros associados à cena contemporânea, como Lucia Laguna, Beatriz Milhazes, Laura Lima e Paulo Bruscky. Embora as obras desses artistas no acervo não correspondam àquelas consideradas atualmente mais representativas de suas produções, elas perfazem, em seu conjunto, um panorama amplo e diverso da arte brasileira.

O acervo do MuN também conta com alguns trabalhos de artistas desconhecidos ou anônimos, boa parte deles encontrados na coleção Oceanos Gêmeos, que apresentaremos adiante. Há ainda conjuntos numerosos de obras - compostos por dez ou mais itens - oriundas de exposições coletivas e/ou individuais apresentadas pelo Museu, como o caso da coleção com 43 obras do artista catalão José Zaragoza que participaram da mostra “Não matarás” no ano de 2017 e foram doadas ao acervo após a realização da exposição.

Além disso, há um núcleo numeroso de obras de artistas radicados em Brasília. Tais presenças indicam tanto as relações profícuas do museu com a cena artística do Distrito Federal, quanto com o sistema das artes. Recebendo e apresentando exposições de artistas brasilienses, o Museu Nacional da República atua como polo dinamizador da cadeia produtiva artística local. O MuN participa desse sistema em colaboração com artistas, colecionadores e galerias em dinâmicas que merecem ser descortinadas, na medida em que tomam o espaço como um terreno de chancela, legitimação e geração de valor simbólico que, em última instância, se traduz em valor financeiro.

Perceber esses aspectos dessa coleção, nos leva a pensar sobre a abordagem da dimensão pública da memória em um museu, como problematiza a tese de Oliveira (2009OLIVEIRA, Emerson Dionisio Gomes. Memória e arte: a (in)visibilidade dos acervos de museus de arte contemporânea brasileiros. 2009. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009.), considerando que “[...] coleções públicas são pontos privilegiados para que se encontre algum sentido na necessidade de comunidades específicas em manter e conservar bens culturais denominados como ‘arte’ ” (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Emerson Dionisio Gomes. Memória e arte: a (in)visibilidade dos acervos de museus de arte contemporânea brasileiros. 2009. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009., p. 15).

O problema estende-se ainda para as dinâmicas da política de aquisição de obras produzidas no tempo atual e sua musealização. Assim, é preciso nos aproximar das obras reunidas nesse tempo, tentar recuperar dados acerca de sua proveniência e o que justificaria a sua existência enquanto peça de um acervo público, admitindo a tensão existente entre a produção artística de um tempo e o modelo dos museus de arte, uma vez que produção e colecionamento ocorrem concomitantemente. Assim:

No caso dos museus preocupados com arte “atualizada”, a concepção de uma coleção e seu conhecimento, bem como a necessidade de alimentá-la, deveria pressupor e admitir a tensão existente entre a produção artística atual e o modelo dos museus de arte, que se instituem - ou pelo menos tentam - como organizadores, transmissores e formalizadores da memória artística de uma dada comunidade (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Emerson Dionisio Gomes. Memória e arte: a (in)visibilidade dos acervos de museus de arte contemporânea brasileiros. 2009. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009., p. 20).

Em texto publicado nos Anais do VII Seminário Hispano Brasileiro de Pesquisa em Informação, Documentação e Sociedade, assim discorre Wagner Barja:

O Museu Nacional dedica-se à apresentação, ao estudo e à discussão da cultura visual contemporânea. Nesse conceito compreende-se a ampla abrangência da arte atual e sua transversalidade com outros domínios do pensamento contemporâneo. Esse pressuposto se manifesta tanto na formação e na construção de seu acervo artístico, quanto na programação de exposições temporárias e em outras ações abarcadas por seu projeto e plano museológico (Barja, 2018BARJA, Wagner. Museu-espelho. In: LEMOS, Eneida Braga Rocha; COSTA, Ana Lourdes de Aguiar (org.). Anais: 200 anos de museus no Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Ibram, 2018. p. 105-110.).

Resta, assim, deixar clara à instituição e à sociedade essa linha curatorial, elaborando critérios e parâmetros em um programa de acervo que admita a vocação para a arte contemporânea. As doações, embora importantes, muitas vezes explicitam o caráter político, que por vezes se manifesta em uma postura passiva, que atravessa a gestão museológica. Em um processo de escolha bastante limitada, os museus só deveriam aceitar “[...] doações de obras quando elas estão rigorosamente dentro da relação preparada por uma comissão técnica” (Amaral, 1999AMARAL, Aracy. 500 anos de carência. In: SEMANA DE MUSEUS DE SÃO PAULO - ACERVOS MUSEALIZADOS, 2., 1999. Anais [...]. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, 1999., p. 17). Do contrário, a doação pode representar “[...] ônus para o Estado, pois toda obra que entra em um acervo significa investimento em pesquisa, conservação, preservação, divulgação” (Amaral, 1999AMARAL, Aracy. 500 anos de carência. In: SEMANA DE MUSEUS DE SÃO PAULO - ACERVOS MUSEALIZADOS, 2., 1999. Anais [...]. São Paulo: Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, 1999., p. 17).

5 Obras adquiridas como contrapartida de prêmios

A seguir, na Tabela 2, apresentamos dados acerca das obras presentes no acervo do Museu Nacional da República adquiridas por meio de doações de artistas e contrapartidas de prêmios e salões de artes plásticas e visuais.

Tabela 2 -
Obras adquiridas como contrapartida de prêmios (2006 a 2018)

Com exceção do Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça, organizado pela Fundação Nacional de Artes (Funarte), ligada ao Ministério da Cultura, todos os prêmios que resultaram em aquisições para o acervo do MuN foram realizados com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC-DF). Tratam-se de projetos apresentados por membros da comunidade cadastrados como entes e agentes culturais contemplados em editais públicos elaborados segundo as políticas de fomento e incentivo fiscal da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal em diálogo com o Conselho de Cultura local.

Os prêmios públicos de artes plásticas e visuais geralmente expõem, em seus editais, o objetivo de incentivar produções artísticas destinadas ao acervo de instituições museológicas públicas e privadas sem fins lucrativos; além de fomentar a difusão e a criação das artes visuais. A seleção das obras premiadas é realizada por um corpo de jurados organizado para esse fim, que conferem tutela compartilhada. Os prêmios, no caso de museus com corpo técnico exíguo e sem um conselho curatorial definido, são oportunidades tangíveis de coletivizar o debate sobre a musealização de uma produção artística.

6 Coleção Oceanos Gêmeos

Entre o montante de 1.130 obras do acervo do MuN reunidas no período de 2006 a 2018, 183 delas constituem a Coleção Oceanos Gêmeos, incorporadas em 2009. Esse conjunto de obras fizeram parte de uma coleção apreendida em uma operação da Polícia Federal homônima, em 2008, que visava o tráfico colombiano. Por via judicial, o MuN passou a ser o fiel depositário e ainda hoje o Governo do Distrito Federal está em tratativa para sua patrimonialização definitiva.

Segundo os autos do Ministério Público Federal, a coleção do narcotraficante colombiano Pablo Joaquin Rayo Montano foi oferecida ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), em 2010, mas a instituição negou a proposta de incluí-las em seu acervo, concluindo que as obras não são compatíveis com o perfil da coleção daquele museu16 16 Essas informações estão relatadas em despacho da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, anexo ao Processo SEI 00150-00011025/2018-43, consultado nesta pesquisa. No despacho o Procurador manifesta anuência à solicitação de posse definitiva pelo Museu Nacional da República e SECEC-DF, orientando “a exposição pública de pelo menos metade da coleção em questão a cada, sugere-se, 3 anos ou menos”. . De acordo com matéria da BBC Brasil, Montano havia sido preso em 2006, em São Paulo. Ele “[...] mantinha no bairro do Jardins uma galeria de arte, a Pró-Arte, usada para lavagem de dinheiro do tráfico” (PF prende [...], 2006PF prende um dos traficantes mais procurados do mundo. BBC Brasil, Brasil, 17 mai. 2006. ), juntamente com seu sócio, o galerista Miguel Fridber Felmanas. Longe de limitar-se a um caso anedótico, esse episódio oferece hipóteses sobre a construção de uma coleção formada em uma circunstância envolta no crime organizado que, em última instância, reverbera nos modos como suas peças venham a ser exibidas, ou não, pelo Museu Nacional da República.

A coleção Oceanos Gêmeos tem um caráter “doméstico”, o que pode ser percebido, entre fatores como o caráter decorativo da maioria das peças e pela dimensão de cada uma. Entre essas obras, encontramos trabalhos produzidos por artistas anônimos ou desconhecidos e, ainda, suspeitas de falsificações17 17 Foram identificadas seis obras falsificadas de Heitor dos Prazeres que compõem a coleção Oceanos Gêmeos. Em e-mail, a suspeita foi levantada pelo filho do artista, Heitor dos Prazeres Filho, que notou discrepâncias na caligrafia pictórica e na assinatura do artista. . A coleção Oceanos Gêmeos é um exemplo curioso, embora não raro, de um tipo de musealização de um conjunto de obras reunidas por interesses particulares e, por uma ação de reparação de danos financeiros ao erário, doada a um museu público.

7 Considerações finais

O perfil da coleção do Museu Nacional da República vem se definindo desde sua inauguração de maneira contingencial, principalmente através da colaboração da rede de agentes envolvidos na dinâmica de seu funcionamento: artistas, curadores, colecionadores, galeristas e outras instituições públicas e privadas. A ausência de uma política regulamentada para aquisição de obras acaba por definir, mesmo que de forma irregular ou deficitária, uma narrativa difusa para esse acervo.

Sendo museu de arte contemporânea, atua como instância ativadora dessa produção, chancelando e produzindo sentidos aos objetos ali reunidos. Como instituição, o Museu Nacional da República constrói um discurso sobre validação do meio artístico contemporâneo e se destaca neste papel pela posição privilegiada que ocupa no cenário político e urbanístico de Brasília. Assim, ampliar a discussão sobre a formação de seu acervo e funcionamento torna o museu um espaço profícuo para o debate sobre a arte, e não apenas ponto de referência turística mais apreciada pela arquitetura do que pelas obras que incorpora.

Pensando o acervo como elemento fundamental na gestão de um museu, conhecer as intencionalidades que agenciam a sua formação pode auxiliar a compreensão da coleção em si, além de proporcionar indícios sobre o funcionamento da instituição que o abriga e, ainda, possibilitar visões para o estabelecimento de um plano museológico com seus programas de acervo - incluindo balizas para as aquisições e descartes -, programa de exposições e programa educativo.

O estudo sobre a formação dos acervos dos museus de arte no Brasil é um assunto de interesse para diversos setores da sociedade e do circuito artístico. Isso ocorre porque as coleções dos museus têm um papel fundamental na construção da linha de ação dessas instituições, servindo como base para pesquisas e a escrita de narrativas da história da arte. O acervo de um museu é um reflexo da sua identidade, perfil e proposta curatorial, e a seleção das obras para compor essas coleções é uma tarefa complexa e muitas vezes controversa.

Sendo “nacional”, é necessário tecer considerações sobre as diversas representatividades que se pretende alcançar e, quiçá, considerar o exercício de decolonização proposto por Françoise Vergès (2023VERGÈS, Françoise. Decolonizar o museu: programa de desordem absoluta. São Paulo: Ubu , 2023.), abandonando a vontade de preencher lacunas levantadas pela ideia de um “museu universal”. Vergès adota o sentido de descolonização como prática de imaginação de um “pós-museu” ou “contramuseu”, afirmando a impossibilidade do “universalismo” e seus abusos, já que, segundo a pesquisadora:

O museu universal constitui um local único de encenação da grandeza do Estado-nação, capaz de reunir obras-primas para o prazer e o orgulho de seus cidadãos/ãs, confirmando assim seu lugar entre os Estados civilizados. É um elemento de gentrificação social, ‘um trunfo econômico polivalente para bilionários, um vasto campo de batalha ideológica com cujo auxílio os que lucram com as guerras retocam sua reputação e normalizam sua violência’; um espaço social total, atravessado por lutas de classe, gênero e raça, culturais e ideológicas; uma instituição que propõe uma história da arte e uma geografia do mundo, que abriga restos mortais, objetos roubados, saqueados ou adquiridos de forma desonesta, privando povos e comunidades de seu luto e de suas riquezas. O museu universal é uma arma ideológica (Vergès, 2023VERGÈS, Françoise. Decolonizar o museu: programa de desordem absoluta. São Paulo: Ubu , 2023., p. 24).

No que diz respeito ao caso específico da arte contemporânea, os museus desempenham um papel importante na sua promoção e preservação, influenciando sua valorização e criando oportunidades de acesso ao público. Além disso, atuando a partir dos discursos e interesses do presente, todo museu também ensaia a história, ao configurar suas coleções e exposições, o que nos faz pensar, sobre as competências (e a potência) das instituições museais de hoje18 18 No ano de 2022 foi aprovada nova definição para museus proposta pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), com o objetivo de alinhamento às mudanças nos papéis desempenhados por essas instituições, maneiras de atuação e ética nos tempos atuais. A participação das comunidades no funcionamento dos museus está explicitada nesta nova definição, além da inclusão dos termos “diversidade”, “sustentabilidade” e “compartilhamento de conhecimento”. . Afinal, todo museu é resultado direto de políticas culturais - e, por vezes, de ideologias indiretas - e, por sua função simbólica, representa uma conquista social.

Referências

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  • 1
    O Plano Piloto é originalmente o projeto urbanístico de Brasília, elaborado por Lucio Costa. Atualmente designamos “Plano Piloto” a Região Administrativa I, que compreende a área construída em decorrência deste plano inicial.
  • 2
    Houve alguns esforços para a construção de um plano museológico para o MuN e, mais atualmente, esse plano passa por revisão e reformulação para publicação. Na carência de profissionais da área de museologia no quadro de servidores da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, foi realizada a contratação de consultoria via Prodoc/Unesco para esse trabalho, em colaboração com a equipe de servidores que atuam no referido equipamento, sob a coordenação da servidora Daniele Pestana.
  • 3
    Apesar de a expressão “museu-monumento” servir para caracterizar os museus com projetos arquitetônicos marcantes surgidos a partir dos anos 1990, aqui usamos a mesma expressão para marcar um monumento que é denominado museu. O Museu da Cidade foi inaugurado no dia 21 de abril de 1960, junto com a solenidade oficial da cidade de Brasília e a transferência da Capital Federal. O monumento foi projetado por Oscar Niemeyer com o objetivo de expor “painéis, fotos, desenhos, maquetes, manuscritos - abrangendo desde o concurso para o Plano Piloto, a construção de estradas, edifícios, aos problemas materiais e econômicos que vão surgindo durante a construção da Nova Capital” (Niemeyer, 1959NIEMEYER, Oscar. Brasília: Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil. Revista Brasília, Brasília, ano 3, n. 33, p. 1-24, set. 1959. ), embora esse plano não tenha objetivamente sido cumprido e o prédio de forma arrojada, com uma grande escultura da cabeça de Juscelino Kubitschek e frase gravadas em suas fachadas colabora junto a sua discreta entrada, para que, muitas vezes as pessoas não associam aquele monumento à existência de um acervo em seu interior (Silva, 2022SILVA, Ramoni Monteiro de Souza. O Museu histórico de Brasília: um museu monumento na Praça dos Três Poderes. 2022. Monografia (Bacharelado em Museologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2022.).
  • 4
    A partir de 2013, o Decreto 8.124 da Presidência da República instrui sobre a denominação de museu nacional, atribuindo essa competência ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ouvido o respectivo Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico, e respeitadas as denominações já existentes na data de publicação do Decreto (Brasil, 2013BRASIL. Presidência da República. Decreto 8.124 de 17 de outubro de 2013. Regulamenta dispositivos da Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o Estatuto de Museus, [...]. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ano 150, n. 203, p. 1, 18 out. 2013.).
  • 5
    Entrevista de pesquisa concedida em 5 de novembro de 2021, na cidade de Brasília.
  • 6
    Entrevista de pesquisa concedida em 5 de novembro de 2021, na cidade de Brasília.
  • 7
    Vale sinalizar que o Museu Nacional da República é anterior a essa normativa, mas sua inauguração acontece em meio a esse debate no campo da Museologia no Brasil.
  • 8
    O Icom é uma organização não-governamental internacional criada em 1946 que mantém relações formais com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), executando parte de seu programa para museus, tendo status consultivo no Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ONU). O Icom possui um comitê brasileiro fundado em 1948. Além disso, no Brasil, o Conselho Federal de Museologia (Cofem) é o órgão regulamentador e fiscalizador do exercício da profissão de museólogo criado pela Lei 7.287 de 18 de dezembro de 1984 e regulamentado pelo Decreto 91.775 de 15 de outubro de 1985. O Código de Ética elaborado pelo Cofem em 1992 remete ao Icom como entidade norteadora dos programas de acervos dos museus.
  • 9
    Trata-se de documento produzido pela equipe do MuN, uma lista simples com o título da exposição, pequena sinopse, período em que permaneceu aberta à visitação e o número de visitação de cada uma delas.
  • 10
    O Projeto de Lei nº 3.200-A, de 2004, propõe atribuir ao Museu Nacional da República a responsabilidade pela centralização, preservação, divulgação e exposição de todas as obras de arte de significativo valor cultural, histórico, artístico e/ou econômico pertencentes à União Federal (Brasil 2004BRASIL. Projeto de Lei 3.200/2004. Dispõe sobre o acervo de obras de arte pertencente à União Federal, sobre o Museu Nacional e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.).
  • 11
    A Lei 5.293, publicada em 24 de janeiro de 2014, autoriza a cessão de uso do Museu da República Honestino Guimarães à União e transfere sua utilização e administração ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), pelo prazo de dez anos. A lei assegura a participação do Distrito Federal na gestão, porém não houve a transferência definitiva, tendo sido gerido desde o início com recursos do GDF, sob a administração da SECEC-DF.
  • 12
    MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Projeto do conjunto cultural de Brasília: observações críticas. Relatório entregue ao Conjunto Cultural do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 1988. ApudSá (2014SÁ, Cecília Gomes. Setor cultural de Brasília: contradições no centro da cidade. 2014. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.).
  • 13
    MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Projeto do conjunto cultural de Brasília: observações críticas. Relatório entregue ao Conjunto Cultural do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 1988. ApudSá (2014SÁ, Cecília Gomes. Setor cultural de Brasília: contradições no centro da cidade. 2014. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.).
  • 14
    Do montante total de 221 vídeos, 213 deles têm registro de entrada no acervo em 2012. São vídeos de diversos artistas e temas que carecem de descrição detalhada, mas que inauguram o núcleo de artes digitais do MuN.
  • 15
    Aqui, a categoria “objeto” contempla obras tridimensionais que não se enquadram nas outras tipologias utilizadas no inventário. Os objetos em arte contemporânea se caracterizam por sua natureza híbrida ao empregar quaisquer ou vários materiais como na assemblagem ou no ready-made, por exemplo.
  • 16
    Essas informações estão relatadas em despacho da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, anexo ao Processo SEI 00150-00011025/2018-43, consultado nesta pesquisa. No despacho o Procurador manifesta anuência à solicitação de posse definitiva pelo Museu Nacional da República e SECEC-DF, orientando “a exposição pública de pelo menos metade da coleção em questão a cada, sugere-se, 3 anos ou menos”.
  • 17
    Foram identificadas seis obras falsificadas de Heitor dos Prazeres que compõem a coleção Oceanos Gêmeos. Em e-mail, a suspeita foi levantada pelo filho do artista, Heitor dos Prazeres Filho, que notou discrepâncias na caligrafia pictórica e na assinatura do artista.
  • 18
    No ano de 2022 foi aprovada nova definição para museus proposta pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM), com o objetivo de alinhamento às mudanças nos papéis desempenhados por essas instituições, maneiras de atuação e ética nos tempos atuais. A participação das comunidades no funcionamento dos museus está explicitada nesta nova definição, além da inclusão dos termos “diversidade”, “sustentabilidade” e “compartilhamento de conhecimento”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Out 2023
  • Aceito
    08 Jan 2024
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