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O excesso de peso corporal, seus significados e sentidos: os dicionários com a palavra

The excess body weight, its synonyms as a representation of the subject: dictionaries with the word

Resumo:

O excesso de peso corporal, seus significados e, sobretudo, quais são as palavras referentes ao assunto, trata-se do escopo deste estudo. Nesta direção, os dicionários on-line são considerados fontes auxiliares dos bibliotecários no processo de representação temática da informação. Objetivo: identificar nos dicionários on-line, quais os significados dados aos verbetes “Gordo” e “Obeso”. Metodologia: realizou-se um levantamento bibliográfico, sem delimitações quanto ao período, complementado pela pesquisa documental realizada nos dicionários, de cunho qualitativo e descritivo. Resultado: as palavras intercambiáveis apresentadas aos verbetes “Gordo” e “Obeso” em sua maioria, trazem uma conotação pejorativa, uma vez que seus significados remetem à sujeira, à deformidade, à falta de zelo com o corpo, contribuindo para o fortalecimento de uma sociedade lipofóbica. Conclusões: os dicionários analisados, apesar de assumirem funções sociais, pedagógicas e científicas, apresentam palavras que promovem a desvalorização humana. Assim sendo, cabe ao bibliotecário refletir a respeito das informações contidas nessas fontes, antes de utilizá-los como apoio em suas atividades de representação temática de recursos informacionais.

Palavras-chave:
obesidade; representação da informação; Ciência da Informação; dicionários

Abstract:

Excess body weight, its meanings and, above all, what words refer to the subject are the scope of this study. In this direction, online dictionaries are considered auxiliary sources for librarians in the process of thematic representation of information. Objective: to identify the conceptions related to the terms “Fat” and “Obese”. Methodology: a bibliographic survey was carried out, without delimitations as to the period, complemented by documentary research carried out in the dictionaries, of a qualitative and descriptive nature. Results: the interchangeable words presented in the entries "Fat" and "Obese", in their majority, bring a pejorative connotation, since their meanings refer to dirt, deformity, and lack of care with the body, contributing to the strengthening of a lipophobic society. Conclusions: the analyzed dictionaries, despite assuming social, pedagogical, and scientific functions, present words that promote human devaluation. Therefore, it is up to the librarian to reflect on the information contained in these sources before using them as support in their activities of thematic representation of informational resources.

Keywords:
obesity; information representation; Information Science; dictionaries

1 Introdução

A obesidade é uma realidade na maior parte do mundo. No Brasil, a “condição obesa”, como denominam Rosa e Campos (2009ROSA, Thyago do Vale; CAMPOS, Denise Teles Freire. O sofrimento psíquico na condição obesa e a influência da cultura. Revista EVS: Revista de Ciências Ambientais e Saúde, Goiânia, v. 35, n. 5, p. 967-979, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.18224/est.v35i5.1105 . Acesso em: 10 set. 2023.
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), adquire proporções expressivas e as consequências advindas do aumento de peso corporal, têm chamado a atenção de vários segmentos, da sociedade civil e de instituições governamentais. Araújo et al. (2018ARAÚJO, Lidiane Silva; COUTINHO, Maria da Penha de Lima; ALBERTO, Maria de Fátima Pereira; SANTOS, Anderson Mathias Dias; PINTO, Adriele Vieira de Lima. Discriminação baseada no peso: representações sociais de internautas sobre gordofobia. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 23, p. 1-17, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.4025/psicolestud.v23i0.34502 . Acesso em: 10 set. 2023.
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) ressaltam que a obesidade é uma doença crônica, que exige tratamento multidisciplinar, dado o seu caráter epidêmico e por se relacionar a comorbidades como a síndrome metabólica, diabetes mellitus, hipertensão, patologias respiratórias, entre outras. A obesidade, em muitos casos, traz reflexos para a saúde do indivíduo, com mudanças sociais de grandes proporções.

Como sinalizam Mattos e Luz (2009MATTOS, Rafael da Silva; LUZ, Madel Therezinha. Sobrevivendo ao estigma da gordura: um estudo socioantropológico sobre obesidade. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 489-507, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000200014 . Acesso em: 10 set. 2023.
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, p. 490), “A supervalorização da magreza transforma a gordura em um símbolo de falência moral e o obeso, mais do que apresentar um peso socialmente inadequado, passa a carregar uma marca moral indesejável, ou seja, um estigma”. Termo cunhado pelos gregos, a palavra estigma se relaciona “[...] a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem o apresentava” (Goffman, 1980GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980., p. 11).

Constata-se que, independentemente da faixa etária, gênero, nacionalidade, etnia, entre outros aspectos, a questão da obesidade e sua estigmatização, constitui-se em relevante temática, cujos pesquisas, reflexões e práticas, realizadas por diferentes áreas do conhecimento, precisam ser disseminadas para que a sociedade se mantenha informada. De acordo com esse raciocínio, advoga-se que o acesso à informação, ao conhecimento existente a respeito de determinada temática, se institui como um dos meios relevantes para a eliminação de preconceitos e consequentemente, de estigmas.

Dentre as áreas que oferecem contribuições à disseminação da informação, destaca-se a Ciência da Informação, cujo foco de investigação, como elucida Le Coadic (1996LE COADIC, Yves François. A Ciência da Informação. Brasília: Briquet de Lemos , 1996., p. 25), são as “[...] propriedades gerais da informação (natureza, gênese, efeitos) [...]”, as quais voltam-se, às questões relacionadas ao fluxo da comunicação e seus envolvidos, além de se ocupar dos registros da informação e do conhecimento (Oddone, 1998ODDONE, Nancy Elizabeth. Atividade editorial & Ciência da Informação: convergência epistemológica. 1998. Dissertação (Mestradoem Ciência da Informação) - Universidade de Brasília, Brasília, 1998. ). No contexto da Ciência da Informação, a Representação Temática, pressupõe substituir o texto, o objeto, o recurso informacional, por um dado linguístico que o descreva de forma sintética, possibilitando que a recuperação da informação desejada pelo usuário, aconteça de fato. Como se pode perceber, trata-se de um processo de expressiva complexidade, o qual demanda do bibliotecário, conhecimento enciclopédico, compreensão da estrutura textual, habilidades de análise e síntese entre outras questões. Quando o profissional não é um especialista no assunto, ou quando deseja adquirir mais informações a respeito do material informacional que está representando/ descrevendo, ele busca o conhecimento em fontes de informação como dicionários, enciclopédias, thesaurus, enfim, em materiais confiáveis.

Como menciona Lancaster (2004LANCASTER, F. W. Indexação e resumos: teoria e prática. 2. ed. Brasília: Briquet de Lemos, 2004. , p. 49), “As obras de referência publicadas são muito úteis para o indexador, principalmente na definição do significado de termos pouco comuns. Particularmente importantes são os dicionários e enciclopédias especializadas e gerais [...]”. De acordo com essa perspectiva, têm-se como problematização, a seguinte questão: Como estão apresentados os assuntos relacionados ao excesso de peso corporal, à obesidade, em fontes informacionais? Em busca de respostas à indagação, constitui-se como objetivo do estudo, identificar nos dicionários on-line, como estão apresentados os verbetes “Gordo” e “Obeso”, diante de analogias utilizadas para expressar a condição do indivíduo com excesso de peso corporal, a partir de expressões consideradas como intercambiáveis ou sinônimas. Sendo assim, como percurso metodológico recorreu-se a um levantamento bibliográfico acerca da temática obesidade, sem delimitações quanto ao período, complementado pela pesquisa documental realizada nos verbetes, de cunho qualitativo e descritivo.

A opção por identificar os termos descritores, “Gordo” e “Obeso”, decorre da necessidade de se investigar os significados ou definições dadas aos verbetes e, refletir a respeito do papel dessas fontes de informação, como norteadores da escolha de palavras a serem empregadas nas atividades de representação do conteúdo informacional dos mais diferentes gêneros e tipos de textos. Nessa linha de raciocínio, Sousa e Fujita (2014SOUSA, Brisa Pozzi de; FUJITA, Mariângela Spotti Lopes. A análise de assunto no processo de indexação: um percurso entre teoria e norma. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 24, n. 1, p. 19-34, 2014. , p. 27) complementam ao ressaltarem “Que para os termos que representem novos conceitos, deve-se verificar sua aceitação em outros instrumentos como: dicionários e enciclopédias reconhecidas; tesauros e tabelas de classificação”. Cabe mencionar que os dicionários, são considerados fontes informacionais relevantes, os quais têm funções sociais, pedagógicas e científicas cujo verbete deve instruir, de forma ética, respeitosa, a respeito de seu emprego.

Estudos relacionados à Representação Temática da Informação possibilitam o acesso, a recuperação de fontes informacionais relacionadas a determinado assunto. Nesse sentido, a representação se concretiza por meio de palavras, que descrevam ou que identifiquem as temáticas, pautando-se em critérios, confiáveis, éticos e inclusivos. De acordo com esse raciocínio, reitere-se, cabe discorrer a respeito do tema que subsidia o estudo.

2 A obesidade: o corpo gordo e a gordofobia

A obesidade, o excesso de peso dos indivíduos é foco de interesse da saúde pública, devido ao risco de doenças, entre outros fatores relacionados à essa condição corporal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua a obesidade como uma Doença Crônica não Transmissível (DCNT), multifatorial, caracterizada pelo acúmulo em quantidade de tecido adiposo, que pode ser prejudicial à saúde, acarretando riscos de enfermidades (WHO, 2000WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO, 2000. ).

Para Mattos e Luz (2009MATTOS, Rafael da Silva; LUZ, Madel Therezinha. Sobrevivendo ao estigma da gordura: um estudo socioantropológico sobre obesidade. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 489-507, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000200014 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331200900...
, p. 490), “[...] o corpo magro (“sarado”) parece ser o único tipo de corpo valorizado e reconhecido na sociedade atual, gerando sofrimento e adoecimento nos sujeitos que não se enquadram nesses padrões hegemônicos de beleza”. Assim sendo, “ [...] a gordura, substância essencial para o desenvolvimento saudável do organismo, inclusive para a manutenção da saúde, torna-se a maior inimiga dos sujeitos, na medida em que é um inimigo incorporado no próprio corpo” (Mattos; Luz, 2009MATTOS, Rafael da Silva; LUZ, Madel Therezinha. Sobrevivendo ao estigma da gordura: um estudo socioantropológico sobre obesidade. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 2, p. 489-507, 2009. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-73312009000200014 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331200900...
, p. 490).

De forma negativa, os sentidos produzidos pelo vocábulo obesidade, de acordo com Francisco e Diez-Garcia (2015FRANCISCO, Lucas Vieira; DIEZ-GARCIA, Rosa Wanda. Abordagem terapêutica da obesidade: entre conceitos e preconceitos. Demetra: Alimentação, Nutrição & Saúde, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 705-716, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.12957/demetra.2015.16095 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.12957/demetra.2015.16...
, p. 707), “[...] começam na origem da própria palavra, que etimologicamente provém do latim “obedere”, formada pelas raízes “-ob” (sobre o que engloba) e “-edere” (comer)”. Nessa direção, equivocadamente, identifica-se o indivíduo obeso como aquele que come em excesso, fora dos padrões considerados normais. Desconsidera-se o contexto genético, bem como que “[...] os determinantes do excesso de peso compõem um complexo conjunto de fatores biológicos, comportamentais e ambientais que se inter-relacionam e se potencializam mutuamente” (Enes; Slater, 2010ENES, Carla Cristina; SLATER, Betzabeth. Obesidade na adolescência e seus principais fatores determinantes. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 163-171, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000100015 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X201000...
, p. 166). No entanto, embora as causas da obesidade sejam de cunho multifatorial, há o “[...] reconhecimento de que as mudanças ambientais se constituem nos principais fatores propulsores para o aumento da obesidade, na medida em que estimulam o consumo excessivo de energia combinado a um gasto energético reduzido” (Enes; Slater, 2010ENES, Carla Cristina; SLATER, Betzabeth. Obesidade na adolescência e seus principais fatores determinantes. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 163-171, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1415-790X2010000100015 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X201000...
, p. 169). Diante disto, o conhecimento e reconhecimento que se trata de uma doença crônica e multifatorial, que incide na construção de um corpo volumoso. Ressalta-se que vêm de encontro à concepção estigmatizante, de que a diminuição de peso depende apenas da força de vontade, do controle do indivíduo.

O estigma, de acordo com Vianna (2018VIANNA, Monica Vanderlei. O peso que não aparece na balança: sofrimento psíquico em uma sociedade obesogênica e lipofóbica. Polêm!ca, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 94-108, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.12957/polemica.2018.36073 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.12957/polemica.2018.3...
, p. 107) “[...] perpetua preconceitos, transformando uma característica física em um desafio moral que paralisa e adoece”. A ideia hegemônica de que é possível e recomendável moldar os corpos de acordo com os desejos de cada um, ou seja, um corpo magro, contribui para que as características como obesidade, sejam consideradas como anormalidades. “As pessoas que apresentam ‘horrorosos pneus’ expressariam, através de sua forma física, uma série de informações: um indivíduo sem controle, sem disciplina que não resiste aos prazeres da vida como o comer e o beber” (Sudo; Luz, 2007SUDO, Nara; LUZ, Madel T. O gordo em pauta: representações do ser gordo em revistas semanais. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 1033-1040, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000400024 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700...
, p. 1034).

Ao analisarem, imagens, sentidos e representações acerca do ser gordo, Sudo e Luz (2007SUDO, Nara; LUZ, Madel T. O gordo em pauta: representações do ser gordo em revistas semanais. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 1033-1040, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000400024 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700...
, p. 1034), esclarecem que “[...] em algumas reportagens, opondo-se ao obeso, que é considerado uma pessoa doente. Porém, é possível perceber que há uma ambivalência em relação aos termos utilizados”. Parafraseando as autoras observa-se que há um equívoco entre os termos utilizados, com relação às pessoas que possuem ‘quilos indesejados’ e as que são consideradas ‘doentes’. Sendo assim, “Gordo, roliço, gordinho, gordão, gorducho, rechonchudo, balofo e obeso acabam por definir uma mesma pessoa” (Sudo; Luz, 2007SUDO, Nara; LUZ, Madel T. O gordo em pauta: representações do ser gordo em revistas semanais. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 1033-1040, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81232007000400024 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123200700...
, p. 1034). Tais denominações, mais do que evidenciar a categorização ou discriminações impostas aos diferentes biotipos, revela os rótulos pejorativos, os estereótipos aplicados ao corpo volumoso, encontrados nas reportagens.

Ainda que seja notório o aumento do número de indivíduos obeso na atualidade, evidencia-se, paradoxalmente, a configuração de uma sociedade lipofóbica, que menospreza aqueles indivíduos que não se encaixam nos padrões corporais vigentes, associando-os a uma série de valores morais negativos. Há opressão contra o corpo obeso, quando o corpo magro passa a ser uma condição, vista como prioritária, para permitir uma vida social plena, - “Existe uma pressão cultural para emagrecer e controlar o peso, condição que reforça o sentimento lipofóbico da atualidade (Neves; Mendonça, 2014NEVES, Alden dos Santos; MENDONÇA, André Luís de Oliveira. Alterações na identidade social do obeso: do estigma ao Fat Pride. Demetra: Alimentação, Nutrição & Saúde, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 619-631, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.12957/demetra.2014.9461 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.12957/demetra.2014.94...
, p. 624).

No que se refere, a patologização da obesidade pelo discurso médico, a identificação do excesso de gordura como doença e, por consequência, a aparente preocupação com a saúde da população, tem sido utilizado como fundamentação à existência de uma sociedade lipofóbica ou gordofóbica. A gordofobia, neologismo criado, como apresenta Rangel (2018RANGEL, Natália Fonseca de Abreu. O ativismo gordo em campo: política, identidade e construção de significados. 2018. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018., p. 1), “[...] para denominar o preconceito, estigmatização e aversão englobados por meio de uma opressão estrutural na sociedade que atinge as pessoas gordas”, tem ocasionado grande sofrimento psíquico ao obeso, impactando em sua autoestima, impondo situações humilhantes, propiciando seu isolamento.

Para Paim e Kovaleski (2020PAIM, Marina Bastos; KOVALESKI, Douglas Francisco. Análise das diretrizes brasileiras de obesidade: patologização do corpo gordo, abordagem focada na perda de peso e gordofobia. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 1-12, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190227 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202019...
, p. 4), “Essa exclusão está enraizada até mesmo na percepção das pessoas gordas de que seu próprio corpo não merece ser vivido, sempre buscando modos de fugir dele na contínua possibilidade (ou obrigação) de emagrecer”. Melo, Farias e Kovacs (2017MELO, Francisco Vicente Sales; FARIAS, Salomão Alencar de; KOVACS, Michelle Helena. Estereótipos e estigmas de obesos em propagandas com apelos de humor. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 24, n. 81, p. 305-324, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1984-9230816 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/1984-9230816...
, p. 320), ao examinarem o papel desempenhado por pessoas gordas em propagandas veiculadas na televisão sob a ótica de estigmas e estereótipos, obtiveram, por meio de um grupo de discussões, os seguintes resultados.

Figura 1 -
O ser gordo, a sociedade, seus papéis em comerciais e a imagem do consumidor

Conforme explicitado, os estereótipos relacionados aos obesos denigrem de forma peremptória aqueles indivíduos, ao identificarem as expressões: repugnantes, incompetente e incapaz nas relações sociais de acordo com a literatura. Aspectos relacionados ao humor, resultaram na escolha da palavra cômico para indicar as características predominantemente apresentadas nos comerciais. Os estigmas estranho e fraco, também foram notados pelos participantes do Grupo a partir dos papéis por eles exercidos (Melo; Farias; Kovacs, 2017MELO, Francisco Vicente Sales; FARIAS, Salomão Alencar de; KOVACS, Michelle Helena. Estereótipos e estigmas de obesos em propagandas com apelos de humor. Organizações & Sociedade, Salvador, v. 24, n. 81, p. 305-324, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1984-9230816 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/1984-9230816...
).

Ao refletir acerca do modelo médico de patologização e sua influência no imaginário do gordofóbico, Paim e Kovaleski (2020PAIM, Marina Bastos; KOVALESKI, Douglas Francisco. Análise das diretrizes brasileiras de obesidade: patologização do corpo gordo, abordagem focada na perda de peso e gordofobia. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 1-12, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-12902020190227 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290202019...
, p. 10) advertem que o “[...] o estigma que culpabiliza o indivíduo acaba se tornando fatores de risco, como apontado em alguns estudos”. Segundo os autores, esses resultados nefastos são: aumento de comportamentos alimentares nocivos à saúde; sedentarismo por receio de sofrer discriminação, depressão, baixa autoestima, isolamento social entre outros.

A condição obesa, para alguns estudiosos é considerada uma epidemia não contagiosa, e, como tal, promove enormes prejuízos à saúde da população. No entanto, atitudes que desmereçam e que discriminem a população obesa, trazem também muitos danos à qualidade de vida, à sua integridade moral e psíquica. É fato, que as doenças que podem surgir devido ao excesso de peso, ocasionam sérios problemas de saúde. Entretanto, para além das complicações anteriormente mencionadas, é essencial que se levem em conta “[...] os severos prejuízos sociais, emocionais e psíquicos impostos pela lipofobia”, como ressalta Vianna (2018VIANNA, Monica Vanderlei. O peso que não aparece na balança: sofrimento psíquico em uma sociedade obesogênica e lipofóbica. Polêm!ca, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 94-108, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.12957/polemica.2018.36073 . Acesso em: 10 set. 2023.
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, p. 106).

Nesse sentido, torna-se imprescindível a “[...] mudança de postura diante do problema, um posicionamento que não propicie o agravamento da situação: uma posição não julgadora, não preconceituosa, uma posição de acolhimento” (Stenzel, 2003STENZEL, Lucia Marques. Obesidade: o peso da exclusão. 2. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2003., p. 11). De acordo com essa alegação, acredita-se que um dos meios para desconstrução de comportamentos e sentimentos discriminatórios, - como o caso da gordofobia ou lipofobia, seja de disseminar conhecimentos acerca do fenômeno, como também de suscitar reflexões quanto ao emprego de expressões que menosprezem indivíduos acima do peso.

Levando-se em conta que “[...] a palavra é o fenômeno ideológico por excelência” (Bakhtin, 2009BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009., p. 36), uma vez que “[...] reflete e refrata a realidade [...]”, argumenta o autor que se torna evidente, a relevância do emprego de palavras que representem a condição obesa sem desmerecer ou desvalorizar os indivíduos que possuam essa característica. Gonçalves (2005GONÇALVES, Sheila de Carvalho Pereira. Ensino do vocabulário e a teoria dos campos léxicos. 2005. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2005., p. 16) afirma que se trata de um fator determinante “[...] à percepção da palavra como unidade portadora de significado e, consequentemente, como unidade de apoio para a construção do significado do texto”, explica o autor que as palavras estão internamente ligadas, por uma rede de associações. Neste contexto, a Representação Temática significa possibilitar o acesso e a recuperação de fontes informacionais relacionadas a uma determinada temática.

3 Representação temática da informação

A Ciência da Informação é uma área “[...] voltada para o estudo de fenômenos subjacentes à produção, circulação e uso da informação” (Novellino, 1996NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Instrumentos e metodologias de representação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 1, n. 2, p. 37-45, 1996. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.1996v1n2p37 . Acesso em: 10 set. 2023
https://doi.org/10.5433/1981-8920.1996v1...
, p. 37), estes estudos têm como meta possibilitar a criação de instrumentos, assim como o estabelecimento de metodologias que possam viabilizar a transferência de informações. Com relação à transferência de informações, cabe mencionar que estão relacionadas ao ato de representar, ou seja, “[...] criar, para o real, mediações parciais, mas reveladoras [...]” (Ferrara, 2002FERRARA, Lucrécia D'Aléssio. Design em espaços. São Paulo: Rosari, 2002., p. 159).

Nesta perspectiva, a Organização da Informação, por intermédio das atividades de representação dos mais variados tipos de recursos informacionais, tem como objetivo nuclear propiciar o acesso e a recuperação desse acervo. Santos (2020SANTOS, Raimunda Fernanda dos. Indexação de xilogravuras à luz da Semântica Discursiva. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 30, n. 2, p. 1-49, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22478/ufpb.1809-4783.2020v30n2.52062 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.22478/ufpb.1809-4783....
, p. 46) afirma que a representação da informação, no contexto da Ciência da Informação, tem como proposta, “[...] tornar o uso e a apropriação do conhecimento produzido, considerando questões éticas e socioculturais no intuito de tornar os registros informacionais disponíveis à sociedade”. Cabe mencionar que existem várias acepções relacionadas ao conceito de representação, oriundas dos diferentes campos do conhecimento, Makowiecky (2003MAKOWIECKY, Sandra. Representação: a palavra, a idéia, a coisa. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianópolis, v. 4, n. 57, p. 2-25, 2003. , p. 4), indica como pontos em comum entre elas, a ideia de que “[...] a representação é um processo pelo qual institui-se um representante que, em certo contexto limitado, tomará o lugar de quem representa”. A noção de representação evidencia seu caráter simbólico uma vez que pressupõe o vínculo entre um sujeito e o objeto que substitui, como esclarece Jodelet (2016JODELET, Denise. A representação: noção transversal, ferramenta da transdisciplinaridade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 162 p. 1258-1271, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053143845 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.1590/198053143845...
).

Nas palavras de Marcondes (2001MARCONDES, Carlos Henrique. Representação e economia da informação. Ciência da Informação, Brasília, v. 30, n. 1, p. 61-70, 2001. Disponível em: https://doi.org/10.18225/ci.inf.v30i1 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.18225/ci.inf.v30i1...
, p. 64), “[...] a representação então relaciona o objeto que ela representa com a mente que o percebe”. Novellino (1996NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Instrumentos e metodologias de representação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 1, n. 2, p. 37-45, 1996. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.1996v1n2p37 . Acesso em: 10 set. 2023
https://doi.org/10.5433/1981-8920.1996v1...
, p. 38) esclarece que no âmbito da Ciência da Informação, “A principal característica do processo de representação da informação é a substituição de uma entidade linguística longa e complexa - o texto de um documento - por sua descrição abreviada”. Segundo a autora, ainda que haja uma redução informacional, ou seja, uma sintetização, esse processo funciona “[...]como um artifício para enfatizar o que é essencial no documento [...] para a organização e o uso da informação” (Novellino, 1996NOVELLINO, Maria Salet Ferreira. Instrumentos e metodologias de representação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 1, n. 2, p. 37-45, 1996. Disponível em: https://doi.org/10.5433/1981-8920.1996v1n2p37 . Acesso em: 10 set. 2023
https://doi.org/10.5433/1981-8920.1996v1...
, p. 38).

Nessa mesma direção, Kobashi (1996KOBASHI, Nair Yumiko. Análise documentária e representação da informação. Informare, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 5-27, 1996. , p. 11), descreve que o termo ‘representação’ é associado aos aspectos que identificam “[...] materialmente os documentos (catalogação) e, de outro, ao processo e ao produto da condensação de conteúdos de textos, ou seja, à indexação e à elaboração de resumos (processos) e aos próprios índices e resumos (produtos)”. A Representação da Informação, à luz da Ciência da Informação, possui dois enfoques: têm-se a Representação Descritiva quando são identificados atributos exteriores do material, como por exemplo, o nome do autor, editora, ano de publicação. Assim como, quando o propósito é o de indicar ou descrever o conteúdo, o assunto, realiza-se a Representação Temática da Informação e são elaborados resumos, palavras-chave, descritores, índices, entre outros produtos documentários.

4 Apresentação e análise dos resultados

Os verbetes de dicionários têm por finalidade registrar e apresentar definições acerca de determinado assunto, informando ao leitor o significado de determinada palavra, utilizando linguagem objetiva e, muitas vezes, impessoal. Por outro lado, o dicionário é composto por dois elementos que compõem o signo linguístico: “[...] o significante, ou as entradas ou verbetes, e o significado, isto é, as informações contidas no verbete” (Macedo, 1998MACEDO, Vera Amália Amarante. Dicionários. In: CAMPELLO, Bernadete Santos; CALDEIRA, Paulo da Terra; MACEDO, Vera Amália Amarante, (org.). Formas e expressões do conhecimento: introdução às fontes de informação. Belo Horizonte: UFMG, 1998. p. 193-215., p. 192-193). Logo, evidencia-se a finalidade dessa fonte de informação, que auxilia em diminuir a distância estabelecida entre grupos sócio-culturais, os quais são cada vez mais diferenciados numa sociedade em que a “[...] diversificação das tecnologias e a especialização das ciências criam línguas funcionais e nomenclaturas particularizadas” (Macedo, 1998MACEDO, Vera Amália Amarante. Dicionários. In: CAMPELLO, Bernadete Santos; CALDEIRA, Paulo da Terra; MACEDO, Vera Amália Amarante, (org.). Formas e expressões do conhecimento: introdução às fontes de informação. Belo Horizonte: UFMG, 1998. p. 193-215., p. 192-193).

Neste âmbito, Siqueira (2011SIQUEIRA, Jessica Camara. Análise lexicográfica de dicionários da ciência da informação. RDBCI: Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, Campinas, v. 9, n. 2, p. 128-149, 2011. Disponível em: https://doi.org/10.20396/rdbci.v9i1.1923 . Acesso em: 10 set. 2023.
https://doi.org/10.20396/rdbci.v9i1.1923...
, p. 128) descreve que, os dicionários acompanham o desenvolvimento humano em nível técnico-científico, sociocultural e a “[...] heterogeneidade de objetivos, funções e de público-alvo são responsáveis por caracterizar sua natureza”. Almeida (2019ALMEIDA, Everton Castro. Categorização e corporificação em dicionários escolares: uma análise do paradigma definicional. 2019. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) - Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2019. , p. 24) pontua que “Os dicionários são obras que aportam grande riqueza de informação sobre a natureza das palavras da língua, bem como desempenham um prestigiado papel social”.

Neste contexto, relata-se que um dicionário se constitui em um produto cultural destinada ao grande público, - “É preciso considerar igualmente que o dicionário deve registrar a norma linguística e lexical vigente na sociedade para o qual é elaborado, documentando a práxis linguística dessa sociedade” (Biderman, 2001BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Dicionários na contemporaneidade: arquitetura, métodos e técnicas. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires; ISQUERDO, Aparecida Negri (org.). Ciências do Léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. Campo Grande: Ed. da UFMS, 2001. p. 131-144., p. 132). Outro aspecto a ser considerado, relaciona-se ao papel de formadores de opinião, uma vez que essas formas de caracterizar um assunto, estabelecem ou reforçam acepções vigentes, - “[...] a palavra é o modo mais puro e sensível de relação social”, como ressalta Bakhtin (2009BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2009., p. 36). Sendo assim, foram investigados, nos dicionários de sinônimos, os verbetes “Gordo” e “Obeso” e suas analogias, para expressar a condição do indivíduo com excesso de peso corporal, a partir de expressões consideradas como intercambiáveis ou sinônimas nos dicionários analisados.

A partir do levantamento bibliográfico, a pesquisa se caracteriza como documental de cunho qualitativo e descritivo. Não se estabeleceu delimitações quanto ao período. A coleta dos dados da pesquisa ocorreu em dezembro de 2022, no sentido de identificar nos dicionários de sinônimos, como estão apresentadas as palavras “Gordo” e “Obeso”. Os significados dos verbetes foram coletados em cinco dicionários (Quadro 1). Os critérios para escolha dessas fontes basearam-se naqueles disponíveis na Internet, muito populares e fáceis de serem localizados pelos mecanismos de busca.

Com exceção do Dicionário informal (2023OBESO. In: Dicionário inFormal. [S.l: s.n.], 2023. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/ . Acesso em: 13 dez. 2022.
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), no qual os verbetes são construídos e registrados por usuários, as fontes consultadas recebem a contribuição de profissionais especializados para a elaboração e atualização dos verbetes. Sendo assim, apresenta-se abaixo um sucinto resumo das características de cada dicionário, a partir de recortes obtidos nas respectivas fontes.

Quadro 1 -
Fontes informacionais consultadas

Após a identificação dos verbetes, realizou-se a leitura e análise das concepções inscritas. Com relação aos sinônimos para a palavra Gordo, demonstra-se no Quadro 2:

Quadro 2 -
O verbete Gordo e seus sinônimos

A seguir, no Quadro 3, são apresentados os sinônimos empregados nos dicionários, para a expressão Obeso.

Quadro 3 -
O verbete Obeso e seus sinônimos

Conforme pode ser observado, os termos gordo e obeso são tratados como sinônimos nas fontes consultadas e, são complementados por diversos outros termos, que por vezes podem ser de cunho pejorativo e ofensivo. Embora seja aceitável, a ideia de que a linguagem possui uma licença poética para assumir uma amplitude de variações de significados iguais ou semelhantes dentro de uma língua, fica visível a analogia dos termos gordo e obeso com palavras que podem ocasionar constrangimentos, indignação ou repulsa, dentre outros sentimentos.

Uma vez que esses dicionários têm, justamente, a função de sugerir termos e desfazer ambiguidades, transmitindo ao leitor a ideia de que está utilizando um termo coerente e em harmonia com o cenário. O fato das fontes consultadas apresentarem tais termos (cunho pejorativo e ofensivo) ou descrição de gordo e obeso como sinônimos, tornam-se válidas suas utilizações. No entanto, infelizmente, ao se depararem com palavras grosseiras atuando como sinônimos, os usuários que se utilizam dessas fontes informacionais, podem entender isso como um incentivo, ou ao menos um consentimento, para empregá-las em diferentes contextos comunicativos.

É possível inferir que as fontes comungam com a estigmatização no uso de certas palavras ou que não se preocupam com os efeitos de sentido, oriundos das escolhas lexicais. Palavras como atochado, atoucinhado, balofo, banhudo, bola, botija, empanzinado, gorducho, grosseiro, cevado, porco, atoucinhado, pançudo e rolha de poço são termos de absolutamente preconceituosos. Ainda que sejam muitas vezes utilizados na linguagem cotidiana, carregam significados que visivelmente têm o propósito de tornar uma situação ou condição desagradável, aflorar estigmas e diminuir o valor humano dos indivíduos obesos.

Nesse sentido, observou-se que o Dicionário InFormal (2023OBESO. In: Dicionário inFormal. [S.l: s.n.], 2023. Disponível em: https://www.dicionarioinformal.com.br/ . Acesso em: 13 dez. 2022.
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), que é o único em que as palavras são definidas pelos usuários e não por uma equipe de profissionais, evidencia-se de forma negativa, questões éticas. De acordo com esse cenário, acredita-se que a variedade de sinônimos é mais importante do que o cuidado com a carga depreciativa e discriminatória dessas palavras, uma vez que não há uma preocupação com a polidez, tampouco o respeito com as características dos indivíduos obesos.

O dicionário Michaelis (2023GORDO. In: Michaelis: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2023. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro . Acesso em: 13 dez. 2022.
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), também, não primou pela ética em um de seus exemplos, pois pontua que “A jovem é bonita, mas tem um quadril gordo”. A conjunção “mas” traduz uma indicação de contradição, de desqualificação, pois indica que apesar de ser uma jovem bonita, o quadril gordo não contribui para esse status. Contudo, apesar dos pontos depreciativos anteriormente citados, os termos gordo e obeso também apresentam sinônimos positivos, como fecundo e fértil, mas geralmente não estão associados a seres humanos. O Michaelis (2023GORDO. In: Michaelis: Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2023. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro . Acesso em: 13 dez. 2022.
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) traz o exemplo “Comprou uma fazenda com terras gordas, próprias para o plantio”, em que o termo gordo indica uma boa aquisição, pressupõe fartura e prosperidade. Curiosamente, o conceito de gordo e obeso guardam semelhanças quando se trata do volume de gordura corporal de seres vivos, e ambos tendem a incluir palavras indelicadas como sinônimos. No entanto, quando se trata de bens e valores, o termo gordo é tido como auspicioso e promissor, relacionado com posses e riqueza. O termo obeso foi encontrado somente no âmbito de seres vivos. Observa-se que os termos não são tratados da mesma maneira. Provavelmente, por ser de uso mais popular, associado a concepções antiquadas, a palavra gordo teve maior número de sinônimos e descrição ou exemplos. Já o termo obeso não apresentou a mesma incidência e apesar de também apresentar sinônimos questionáveis, não foi apresentado com o mesmo nível de especificidade e exemplificação. Na perspectiva das fontes consultadas, gordo é tratado de forma bem mais ofensiva do que obeso.

Em suma, os dicionários disponíveis on-line são instrumentos acessíveis e foram construídos para facilitar ao usuário, os quais podem ser acessados e utilizados de forma ilimitada. São apreciados por um corpo editorial (lexicógrafos, linguistas entre outros profissionais), que analisa e delibera a respeito da viabilidade de sua atualização e publicação. Nesse formato os verbetes são independentes, as alterações são dinâmicas e, quando alterados, automaticamente podem ser acessados pelo público, uma vez que não dependem de investimentos e logística para impressão e distribuição. Logo, como suporte de informação e conhecimento, esta ferramenta deve zelar para que não ocorra a interpretação equivocada dos significados das palavras. Assim como deve esclarecer o leitor, garantir o aprendizado e, sobretudo a adequada compreensão dos verbetes disponíveis, sem significados depreciativos e que sejam evitadas as supostas intencionalidades.

5 Considerações finais

Os dicionários, reitere-se, são fontes de informação perpassadas por questões sociais, pedagógicas e científicas. Em decorrência, compreende-se que, ao apresentar sinônimos, significados de uma determinada palavra, os dicionários atuam como norteadores para os bibliotecários, assim como para os demais profissionais da informação, que realizam o importante trabalho de representação temática de diferentes conteúdos informacionais, visando o acesso a esses recursos. Contribuem com os indivíduos, em diferentes graus de instrução e concepções éticas, podendo assim influenciar no conceito que cada um elabora e dissemina acerca de uma expressão. Portanto, devem primar pelo cuidado com a escolha de termos adequados à uma sociedade inclusiva, pautada pela ética em todos seus aspectos. Diante desse panorama, foram identificados os sinônimos nos dicionários disponíveis on-line mencionados e, foi possível constatar algumas escolhas lexicais ofensivas nos sinônimos para os verbetes gordo e obeso. Cabe ressaltar, que não se trata aqui de fazer apologia à obesidade, e sim, evidenciar o nocivo papel da gordofobia materializado pelo emprego de palavras e de expressões preconceituosas e desencorajadoras.

Nos verbetes investigados, foram identificados diversos sinônimos cuja aplicação causa no mínimo estranheza, quando se pensa em uma sociedade atual e não discriminatória. Entende-se, portanto, por questões éticas, de respeito à condição do indivíduo com excesso de peso, alguns sinônimos não deveriam ser utilizados, ou, ainda que sejam apresentados pelas fontes, como forma de conhecimento e difusão da cultura, falta a adequada sinalização de que são sinônimos de cunho pejorativo. Assim sendo, sugere-se uma atenção especial na inserção de verbetes que reforcem estereótipos, bem como o cuidado, por parte dos bibliotecários ao se basearem nesses instrumentos. Espera-se que esta pesquisa sirva de proposta de investigação para outros pesquisadores da Representação da Informação, no que tange aos verbetes que apresentem julgamentos prejudiciais à determinada população e que porventura, motivem e disseminem preconceitos, especialmente os lipofóbicos, e sua utilização, por parte dos profissionais da informação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2023
  • Aceito
    11 Dez 2023
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