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A FORMAÇÃO POR ALTERNÂNCIA: UMA PROPOSTA EM MOVIMENTO E EM DISPUTA

EDUCATIONAL BACKGROUND THROUGH PEDAGOGY OF ALTERNATION: A PROPOSAL IN MOVEMENT AND AS A MATTER OF DISPUTE

LA FORMACIÓN POR ALTERNANCIA: UNA POSTULACIÓN EN MOVIMIENTO Y EN DISPUTA

RESUMO

Ao tratar da formação por alternância busca-se considerar as possibilidades de a formação em alternância ser tomada como estratégia de ensino integrado. Problematizam-se visões acríticas ou pseudocríticas que a compreendem, respectivamente, como uma pedagogia da emancipação social ou como estratégia formativa a serviço dos interesses do capital. A partir de uma revisão bibliográfica, sustenta-se que a formação por alternância deve ser compreendida como estratégia formativa em movimento e em disputa. Entende-se como uma possibilidade de organização da formação que tanto pode servir aos interesses dos trabalhadores e de integração dos saberes quanto aos interesses do capital, por meio de uma formação instrumental, dependendo do projeto político ao qual esteja subordinada. Conclui-se que não existe uma Pedagogia da Alternância, mas diferentes possibilidades de uso da alternância na formação de trabalhadores.

Palavras-chave
Formação profissional; Formação por Alternância; Ensino integrado

ABSTRACT

This article deals with pedagogy of alternation. Understanding education as an object of class struggle, it seeks to consider the possibilities of alternating education being taken as an integrated teaching strategy. Uncritical or pseudo-critical views that comprehend pedagogy of alternation, respectively, as a pedagogy of social emancipation or as a training strategy at the service of the interests of capital are problematized. Based on a literature review, it is argued that training through alternation should be understood as a training strategy in motion and as a matter of dispute. In this sense, it stands as a possibility of organizing training that can serve both the interests of workers, the integration of knowledge, and the interests of capital, an instrumental training, depending on the political project to which it is subordinated. The paper concludes by stating that there is not only a single way to employ the Pedagogy of Alternation, but different possibilities of using it in the training of workers.

Keywords
Professional training; Training by alternation; Integrated education

RESUMEN

El presente artículo trata de formación por alternancia. Comprendiendo la educación como objecto de la lucha de clases, se busca considerar las posibilidades de que la formación por alternancia sea tomada como estrategia de enseñanza integrada. Se problematizan visiones acríticas o pseudocríticas que comprenden la formación en alternancia, respectivamente, como una pedagogía de la emancipación social o como estrategia formativa a servicio de los intereses del capital. Partiendo de una revisión bibliográfica, afirmase que la formación por alternancia puede ser comprendida como una estrategia formativa en movimiento y en disputa. Se entiende como una posibilidad de organización de la formación que tanto puede servir a los intereses de los trabajadores y de integración de los saberes en cuanto a los intereses del capital, por intermedio de una formación instrumental, dependiendo del proyecto político al cual es subordinada. Se concluye con la afirmación de que no existe una Pedagogía de la Alternancia, pero distintas posibilidades de uso de la alternancia en la formación de los trabajadores.

Palabras-clave
Formación profesional; Formación por Alternancia; Enseñanza integrada.

Introdução

A bordamos neste artigo a produção bibliográfica em circulação no país acerca das experimentações de formação por alternância no Brasil, buscando identificar as compreensões que se tem sobre esse modelo de formação, o qual resulta de ações de pesquisa vinculadas ao projeto “A formação profissional por alternância no Brasil e na França: uma estratégia de integração de tempos, de práticas e de espaços de formação de trabalhadores”, financiado com recursos do CNPq.

Problematizamos aqui duas compreensões diferentes acerca da formação por alternância, as quais denominamos visões acríticas e visões pseudocríticas, que compreendem essa formação unicamente como uma pedagogia da emancipação social ou como estratégia formativa a serviço dos interesses do capital. Defendemos também que a formação por alternância no Brasil ainda é marginal,1 1 Tomamos de empréstimo esse termo de Guillaumin (2020), que, ao situar a formação em alternância na França, explica que essa não é mais marginal naquele país, pois há uma legislação que a regulamenta e por ser ela reconhecida e implementada oficialmente pelo Estado francês, bem como por empresas e organizações escolares empresariais. sendo experimentada quase somente em escolas de educação do campo vinculadas a organizações de trabalhadores, tais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as Casas Familiares Rurais (CFR) e as Escolas Família Agrícola (EFA). Também é tomada, do ponto de vista político-institucional, como marginal, pois não consta na pauta de orientações de organismos oficiais brasileiros e a sua regulamentação legal ainda é mínima.

Do ponto de vista acadêmico, apesar de ser crescente o interesse por esse tema, também se restringe, principalmente, às instâncias de pesquisadores da educação do campo, não sendo pauta significativa de estudos, por exemplo, na área de trabalho e educação, onde se situam os estudos sobre a formação de trabalhadores, levando em consideração os trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho de mesmo nome, na ANPED, principal órgão de divulgação científica da área da Educação no Brasil.

Sustentamos, ainda, que a alternância, compreendida como referência pedagógica para a formação de trabalhadores, está em disputa no Brasil, a partir do ponto de vista da sua compreensão. Ou seja, ora é entendida enquanto estratégia pedagógica de emancipação dos trabalhadores, ora como estratégia de subordinação dos trabalhadores aos interesses do capital.

Em nossa análise, que visa considerar as possibilidades de a formação em alternância estar a serviço de um projeto educacional de integração de saberes, procuramos, inicialmente, considerar a realidade brasileira, especialmente a realidade do campo, marcada por formas predatórias do uso da força de trabalho, como fator determinante para a conformação do uso da alternância na formação de trabalhadores brasileiros.

Finalizamos analisando as possibilidades de a formação por alternância constituir estratégia de integração de saberes. Desenvolvemos a hipótese de que, por ser um termo em disputa, a alternância pode sim se constituir como uma estratégia pedagógica de integração, dependendo das finalidades a que esteja subordinada e das estratégias projetadas.

A revisão bibliográfica foi iniciada com um levantamento de textos acadêmicos em circulação no Brasil que tratassem da “alternância” ou da “Pedagogia da Alternância”. Iniciamos a pesquisa na base de dados dos periódicos da Capes, na qual foram identificados 302 resultados para a pesquisa sobre “Pedagogia da Alternância”.2 2 Silva (2021) registra duas revisões bibliográficas feitas no Brasil acerca da Pedagogia da Alternância e nelas foram identificadas, no banco de teses e dissertações da CAPES, 43 teses/dissertações que tratam do tema entre 1969 e 2006 e 73 outras no período entre 2007 e 2013, principalmente vinculadas ao campo de pesquisa sobre educação do campo. Para a autora, “as duas revisões chegam a conclusões semelhantes, as pesquisas sobre a alternância no Brasil atrelam essa pedagogia à educação do campo e ao desenvolvimento do meio rural” (SILVA, 2021, p. 108). No repositório de teses e dissertações da Capes, foram encontrados 276 textos tratando do tema.3 3 Levantamento feito em 2020. Desse conjunto, foram selecionados alguns textos que trouxessem uma discussão conceitual acerca da formação por alternância ou que tivessem maior proximidade aparente com a ideia de experimentações de ensino integrado. No geral, os textos selecionados estão muito articulados aos debates acerca da educação do campo.

Somaram-se a esses outros textos selecionados, alguns previamente utilizados para a leitura que subsidiou o projeto. Recuperamos também alguns textos legais que fazem referência à Pedagogia da Alternância no Brasil.

Foi feito ainda um levantamento nos anais das reuniões da ANPEd (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa na EducaçãoASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO]. www.anped.org.br. [S. l.], 2010.
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), especificamente no GT09 – Trabalho e Educação. Todavia, consultados os anais das dez últimas reuniões, ocorridas em São Luís (2017), Florianópolis (2015), Goiânia (2013), Porto de Galinhas (2012), Natal (2011) e Caxambu (2010, 2009, 2008, 2007, 2006 e 2005), não foi encontrado nenhum trabalho tratando da Pedagogia da Alternância.4 4 Levantamento feito no site da entidade (www.anped.org.br) em 2020. Os anais do ano de 2010 não estavam disponíveis no referido site. Tal dado revela que, no principal grupo de discussão acerca do ensino e da educação profissional de pesquisadores brasileiros de perspectiva crítica, é ausente a discussão sobre Pedagogia da Alternância.

A Formação por Alternância em Movimento

A Pedagogia da Alternância nasceu da necessidade de ofertar educação escolar a jovens de diferentes localidades, os quais ainda precisavam trabalhar no campo, e que, portanto, não impusesse a saída do campo àqueles que quisessem dar continuidade à sua escolaridade; uma educação escolar, enfim, que levasse em consideração as necessidades das famílias camponesas. Tal educação foi proposta pelo sacerdote Abbé Granereau, em 1935, com a criação da primeira Casa Familiar Rural em Sérignac Péboudou, uma comuna localizada na região da Nova Aquitânia, na França (GRANEREAU, 1968GRANEREAU, A. Le Livre de Lauzun. 9. ed. Paris: Comité d’Action, 1968.).

A origem dessa pedagogia pode ser identificada a partir de seu princípio fundamental de articulação entre estudo e trabalho. No seu nascedouro, pressupunha uma articulação com os movimentos sociais dos trabalhadores rurais e com os sindicatos rurais, podendo ser caracterizada como um projeto educacional voltado às necessidades dos jovens do campo e visando à transformação de sua realidade. Trata-se de pedagogia vocacional e não profissionalizante, que exige a participação dos pais e da comunidade na sua formatação e que metodologicamente distingue-se pelo uso de um Plano de Estudo (NOSELLA, 2012NOSELLA. P. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012.).

A caracterização apresentada por Nosella (2012)NOSELLA. P. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012. é uma das mais difundidas no Brasil. Em todo caso, é importante registrar que a definição da formação em alternância tem sido alterada em função das novas realidades em que ela tem sido experimentada e dos novos usos que vem ganhando. Por isso, deve-se compreender a alternância como um conceito em movimento, como define a pesquisadora francesa Guillaumin (2020)GUILLAUMIN, C. La formation professionnelle en France: aspects historiques, choix politiques, traductions juridiques et methodologiques. Revista Trabalho Necessário. Rio de Janeiro, v. 18, n. 37, p. 351-364. 2020. https://doi.org/10.22409/tn.v18i37.46296
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. Para essa estudiosa da formação profissional por alternância, trata-se de uma pedagogia que vem sendo permanentemente reconstruída. Se, na sua origem, ela esteve vinculada a organizações de trabalhadores do campo, em particular nas Casas Familiares Rurais, na França, a alternância vem sendo reconhecida e implementada oficialmente a partir do final da década de 1970, com o estabelecimento de tempo de formação nas empresas, ganhando reconhecimento público com a Lei Rocard, de 1985, instituída na França.

Também o uso do termo alternância, na língua francesa, transformou-se profundamente. Diz Guillaumin sobre isso que:

[...] já não é mais um movimento socioeducativo “marginal”; já não é um pensamento teórico impensado (PINEAU, 2005, p. 6), agora configura o vínculo entre escola, ou mais amplamente a formação, e empresas como uma estratégia de prática e aprendizado profissional, tanto de formação inicial quanto de educação continuada. É “uma modalidade para gerenciar as relações entre conhecimento e ação”

(2020, p. 356).

A alternância, antes ofuscada na França, recebe agora o impulso do governo francês, que a admite e a recomenda, inclusive financiando ações de aprendizagem nas empresas (GUILLAUMIN, 2019GUILLAUMIN, C. La pédagogie de l’alternance en tant que stratégie de formation professionnelle en France état des lieux et questionnements, 2019. Mimeografado). Essa autora, baseada em Geay e Lerbet, afirma que a alternância assume uma função econômica de promover a adaptação dos trabalhadores às empresas.

Guillaumin define a alternância como “un système de formation qui est fondé sur une phase pratique et une phase théorique qui alternent, nommée alternance. [...] Il s’agit d’un système de formation dans lequel se succèdent des temps et dont la finalité est l’emploi”5 5 “Um sistema de formação que assenta em uma fase prática e uma fase teórica que se alternam, designada por alternância. [...] É um sistema de formação em que os tempos se sucedem e cuja finalidade é o emprego.” (2019, p. 1). Essa definição valoriza a integração do trabalhador à cultura das empresas, visando à inserção do egresso em uma ocupação profissional.

Se na França a formação por alternância se apresenta institucionalmente recomendada por organismos oficiais e empresariais, no Brasil, entretanto, a Pedagogia da Alternância ainda é uma experiência restrita à aprendizagem rural, vinculada aos movimentos sociais e tomada como estratégia pedagógica de emancipação dos trabalhadores, cumprindo, portanto, uma forte função política. Sua identidade é dada, principalmente, pela alternância entre um período de permanência na escola e outro de permanência na vida familiar e comunitária. Trata-se, portanto, de “um movimento marginal”, se compreendermos o seu reconhecimento no âmbito da legislação educacional ou das ações do Estado, no sentido de que não constitui recomendação ou pauta para os órgãos oficiais da educação nacional ou para as instituições nacionais que se ocupam da formação de trabalhadores.6 6 Uma exceção são os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que têm aumentado o seu uso, o que revela que essas instituições têm buscado maneiras diferentes de enfrentar as dificuldades de formação de trabalhadores do campo (FERRARI; FERREIRA apud SILVA, 2021, p. 107).

A formação por alternância não é sequer satisfatoriamente regulamentada pela legislação educacional brasileira. Na legislação existente, a alternância aparece na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, de 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: MEC. 1996.) como uma possibilidade de organização da educação básica (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: MEC. 1996.). Ela também aparece muito pontualmente nas Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação do Campo e na Lei do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Mais recentemente, foi colocada pelo Conselho Nacional de Educação como uma possibilidade de organização curricular das escolas de educação indígena, do campo e quilombola em situação de pós-pandemia da Covid-19, assim indicada:

Observar a possibilidade de atividades de ensino na perspectiva da alternância, quando e onde isso for possível, sendo este um mecanismo que mais se aproxima das realidades vivenciadas nas escolas por essas comunidades nos rincões continentais do Brasil

(MEC; CNE, 2020aMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO; CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer sobre reorganização dos calendários escolares e realização de atividades pedagógicas não presenciais durante o período de pandemia da COVID-19. Brasília: CNE, 2020a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/pareceres-relatados. Acesso em: 24 ago. 2020.
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).

Ainda está em processo de análise, no Conselho Nacional de Educação, uma Proposta de Resolução apresentada em junho de 2020 (MEC; CNE, 2020bMINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO; CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Proposta de Regulamentação da Pedagogia da Alternância. Brasília, DF: CNE, 2020b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/junho-2020-pdf/146891-texto-referencia-pedagogia-da-alternancia/file. Acesso em: 24 ago. 2020.
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) que define normas e princípios para o reconhecimento e a regulamentação da Pedagogia da Alternância na educação básica, na educação superior e na formação de profissionais da educação.

Formação por Alternância, uma Pedagogia em Disputa

Se a alternância é um conceito em movimento, como diz Guillaumin (2020)GUILLAUMIN, C. La formation professionnelle en France: aspects historiques, choix politiques, traductions juridiques et methodologiques. Revista Trabalho Necessário. Rio de Janeiro, v. 18, n. 37, p. 351-364. 2020. https://doi.org/10.22409/tn.v18i37.46296
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, considerando que ela vem sendo “permanentemente reconstruída”, deve ser também entendida em meio à luta de classes como um objeto em disputa. No Brasil, ela vem sendo negada, ora apresentada como estratégia formativa subordinada aos interesses do capital, ora como metodologia de formação articulada aos interesses dos trabalhadores na sua luta por emancipação social.

Ela aparece a serviço do capital quando, por exemplo, Shiroma, Moraes e EvangelistaSHIROMA, E.; MORAES, M. C. M.; EVANGELISTA, O. Política Educacional. Rio de janeiro: DP&A, 2002. destacam que, entre as recomendações de caráter neoliberal dos organismos internacionais, “uma proposição bastante forte é a de que o ensino secundário realize a alternância entre formação e trabalho, ou seja, que períodos de formação possam ser alternados com períodos de trabalho” (2002, p. 68).

Essa recomendação é visualizada, por exemplo, nos textos de Mertens (1996)MERTENS, L. Competencia Laboral: sistemas, surgimiento y modelos. Montevideo: Cinterfor, 1996., IBERFOP e OEI (2000)PROGRAMA DE COOPERAÇÃO IBEROAMERICANA PARA EL DISEÑO DE LA FORMACIÓN PROFESIONAL; ORGANIZACIÓN DE ESTADOS IBEROAMERICANOS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA DE LA CULTURA. Análisis Ocupacional y Funcional del Trabajo. Madrid: Iberfop, 2000., CONOCER (1997)CONOCER. La normalización y certificación de competencia laboral: medio para incrementar la productividad de las empresas. México: Conocer, 1997. e Delors (1999)DELORS, J. et al. Educação: Um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 2. ed. São Paulo/Brasília, DF: , Cortez; MEC; UNESCO, 1999., que foram referências importantes para a definição das políticas de formação profissional no Brasil a partir dos anos 1990.

Para Mertens, um ideólogo da formação por competência dos organismos internacionais vinculados ao trabalho, como o Centro Interamericano para el Desarrollo del Conocimiento en la Formación Profesional (Cinterfor), “o enfoque das competências se combina muito bem com a formação por alternância” (1996, p. 92). Para esse autor, a definição da competência e de sua norma ocorre ao final do processo de aprendizagem por alternância e de ações para superar as disfunções.

Para o Programa de Cooperação Iberoamericana para el Diseño de la Formación Profesional (IBERFOP), vinculado à Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia e la Cultura (OEI), que também recomenda o uso da formação por alternância, esta deve ser entendida como:

[...] uma proposta de ensino-aprendizagem que transforma situações de trabalho em situações de aprendizagem, gerando um processo de formação flexível e permanente a partir da capacidade para aprender em e para o trabalho, e para detectar, por parte dos sujeitos participantes, suas necessidades de formação. Esta proposta possibilita que as pessoas em sua vivência individual integrem os tempos e espaços de sua formação e de seu trabalho, alternando e aplicando os componentes formativos (descrição, sistematização, síntese, reflexão, expressão oral e escrita, entre outros) à situação, organização e/ou natureza do trabalho.

(IBERFOP; OEI, 2000PROGRAMA DE COOPERAÇÃO IBEROAMERICANA PARA EL DISEÑO DE LA FORMACIÓN PROFESIONAL; ORGANIZACIÓN DE ESTADOS IBEROAMERICANOS PARA LA EDUCACIÓN, LA CIENCIA DE LA CULTURA. Análisis Ocupacional y Funcional del Trabajo. Madrid: Iberfop, 2000., p. 73).

Na mesma perspectiva, o Consejo Nacional de Normalización y Certificación de Competencias Laborales (CONOCER), órgão do governo mexicano que coordena o Sistema Nacional de Competências, a alternância também deve ser uma referência para que “as empresas aumentem sua produtividade e competitividade e, por outra, que os trabalhadores ampliem suas possibilidades de incorporação e permanência no mercado de trabalho, assim como de progredir e desenvolver-se profissionalmente” (CONOCER, 1997CONOCER. La normalización y certificación de competencia laboral: medio para incrementar la productividad de las empresas. México: Conocer, 1997., p. 6).

Delors, em seu popular relatório encomendado pela Unesco, lançado em forma de livro no Brasil com prefácio do então Ministro da Educação Paulo Renato, do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Educação, um tesouro a descobrir, também defende “a necessidade de atribuir cada vez maior importância às diferentes formas de alternância entre escola e trabalho” (1999, p. 20), tomadas como possibilidades pedagógicas para o desenvolvimento do “saber-fazer”, que corresponde à capacidade de enfrentar situações imprevisíveis. Para esse intelectual, também o ensino secundário deve privilegiar formas de ensino “enriquecidas pelas vantagens da alternância entre a vida escolar e a vida profissional ou social”, em detrimento das formas clássicas que ainda devem continuar a existir, entre outras coisas, para contribuir com a solução para o problema da falta de vagas no Ensino Superior. Evita-se, com isso, a frustração da “obsessão de acesso ao Ensino Superior” e o “sentimento de exclusão e de ausência de futuro”. Vê-se, nesse último autor citado, que a Pedagogia da Alternância é colocada como forma alternativa ao ensino clássico e como estratégia de inserção precoce do jovem no mercado de trabalho.

Tanguy (1997)TANGUY, L. Formação: uma atividade em vias de definição? Veritas, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 385-410, jun. 1997. https://doi.org/10.15448/1984-6746.1997.2.35674
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, pesquisadora francesa muito lida no Brasil, desde os anos 1990 destacava que uma estratégia que vinha sendo utilizada para a formação dos jovens escolarizados ou que estavam à procura de emprego na França seria a Pedagogia da Alternância, definida como a busca de cooperação entre as instituições de formação e as empresas. Essa pesquisadora identificou um conjunto de práticas diversas designadas pelo nome de alternância, que buscava “a cooperação entre as instituições de formação e as empresas”, visando à “ingerência das empresas no processo de formação [...] impulsionadas por organismos internacionais como a OCDE e a CEE” (TANGUY, 1997TANGUY, L. Formação: uma atividade em vias de definição? Veritas, Porto Alegre, v. 42, n. 2, p. 385-410, jun. 1997. https://doi.org/10.15448/1984-6746.1997.2.35674
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, p. 397). Diz ela que a alternância repousa na ideia de um estágio na empresa associado a uma formação realizada dentro de um centro de formação.

As considerações supracitadas, demonstrativas de que a formação por alternância pode estar a serviço dos interesses formativos do capital, levou a que alguns pesquisadores refutassem por completo essa metodologia formativa. Trindade e Vendramini (2012)TRINDADE, G. A.; VENDRAMINI, C. R. A relação trabalho e educação na pedagogia da alternância. Revista HistedBr On-line, Campinas, v. 11, n. 44, p. 32-46, 2012. https://doi.org/10.20396/rho.v11i44.8639976
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, por exemplo, entendem essa pedagogia unicamente a serviço do capital. Para elas, a alternância é “uma categoria constitutiva e contextual à escola capitalista, que expressa a concepção de prática inerente à escola a partir da divisão do trabalho, da maquinaria e grande indústria” (TRINDADE; VENDRAMINI, 2012TRINDADE, G. A.; VENDRAMINI, C. R. A relação trabalho e educação na pedagogia da alternância. Revista HistedBr On-line, Campinas, v. 11, n. 44, p. 32-46, 2012. https://doi.org/10.20396/rho.v11i44.8639976
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, p. 36). Concluem afirmando que “a educação na Pedagogia da Alternância no contexto da relação capital-trabalho, aparece como meio para ‘qualificar’ e ‘requalificar’ o trabalhador e, com isso, ampliar a produção da mais-valia” (TRINDADE; VENDRAMINI, 2012TRINDADE, G. A.; VENDRAMINI, C. R. A relação trabalho e educação na pedagogia da alternância. Revista HistedBr On-line, Campinas, v. 11, n. 44, p. 32-46, 2012. https://doi.org/10.20396/rho.v11i44.8639976
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, p. 43).

Em outro extremo, diferentes autores tomam a formação por alternância como ferramenta pedagógica de emancipação dos trabalhadores. Küller (2014) defende que a Pedagogia da Alternância efetivamente concretiza o trabalho como princípio educativo e a pesquisa como princípio pedagógico, valorizando, portanto, a formação humana plena. Para esse autor, que reconhece a dimensão ontológica e a educatividade do trabalho “a Pedagogia da Alternância pode ser considerada uma proposta que supera a escola dual em direção a uma escola que une preparação para a vida e para o trabalho” (KÜLLER, 2014KÜLLER, J. A. Pedagogia da Alternância e Ensino Médio Integrado. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, p. 58-77, set./dez. 2014. Disponível em: https://www.bts.senac.br/bts/article/view/92/79. Acesso em: 07 dez. 2020.
https://www.bts.senac.br/bts/article/vie...
, p. 68). Conclui esse autor que “a Pedagogia da Alternância é uma forma radical de integração entre o Ensino Médio e a formação técnica de nível médio”, pois ela “funde a educação geral e a educação profissional em uma educação para a vida, para o trabalho e outras práticas sociais” (KÜLLER, 2014KÜLLER, J. A. Pedagogia da Alternância e Ensino Médio Integrado. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 40, n. 3, p. 58-77, set./dez. 2014. Disponível em: https://www.bts.senac.br/bts/article/view/92/79. Acesso em: 07 dez. 2020.
https://www.bts.senac.br/bts/article/vie...
, p. 74).

Também para De Burghgrave, citado por Vergutz e Cavalcante,

[...] a Pedagogia da Alternância apresenta uma metodologia revolucionária por ter o seu processo de ensino e aprendizagem baseado na ação e reflexão, compreendendo a ação como sua dimensão constitutiva, articulando-se na relação teoria e prática, visando à transformação da realidade, dentro de um planejamento minuciosamente estabelecido, mas flexível e aberto às adequações que a evolução tecnológica do mundo contemporâneo impõe

(2014, p. 382).

Observamos, portanto, duas visões antagônicas acerca do conteúdo e dos objetivos ligados a essa pedagogia, que podem ser identificadas como: 1) uma visão de recusa pseudocrítica, que abdica a ver qualquer possibilidade de a alternância contribuir para um projeto de emancipação social dos trabalhadores; e 2) uma visão de adesão acrítica, que toma a formação por alternância como solução pedagógica capaz de promover a integração de diferentes saberes e a emancipação dos trabalhadores. Trata-se, portanto, de duas posições anticientíficas, porque partem de axiomas, não de dados da realidade.

Diferentemente dos autores citados, defendemos a Pedagogia da Alternância como uma pedagogia em disputa, reconhecendo os condicionantes sociais, políticos, técnicos e territoriais como limites e constrangimentos materiais para a sua realização, tal como defende Begnami, para quem “a alternância é disputada na sociedade brasileira tanto por setores ligados ao paradigma da Educação do Campo quanto por grupos vinculados ao paradigma do capitalismo agrário” (2019, P. 138).

Ao localizarmos e historicizarmos a origem da formação por alternância, é possível identificar o seu uso político, pois ela surgiu como uma proposta de fortalecimento dos trabalhadores do campo, mas colocada por padres católicos na disputa hegemônica com os movimentos comunistas italianos.

Vamos, enfim, na direção do que defende Ribeiro, para quem a Pedagogia da Alternância é “prenhe de possibilidades emancipatórias, ainda que dentro dos limites estruturais em que se efetua no modo capitalista de produção, em seu atual padrão de acumulação flexível” (2008aRIBEIRO, M. Contradições na relação trabalho-educação do campo: a Pedagogia da Alternância. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, 2008a. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/8592. Acesso em: 23 nov. 2020.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
, p. 137). Diz ela, entretanto, que o uso da Pedagogia da Alternância em alguns países é feito como articulação escola-empresa, no qual a empresa assume papel preponderante sobre a escola.

Diz Ribeiro, em outro artigo, que a Pedagogia da Alternância tanto pode ser “uma estratégia do Estado capitalista para a formação dos jovens agricultores quanto para a formação dos jovens trabalhadores urbanos” (2008b, p. 31). Do mesmo modo, diz ela que pode e vem sendo “apropriada pelos movimentos comunitários, sindicais e de luta pela terra de trabalho, de diferentes formas, que evidenciam divergências referentes aos projetos sociais que sustentam as experiências pedagógicas focalizadas” (RIBEIRO, 2008bRIBEIRO, M. Pedagogia da Alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 27-45, 2008b. https://doi.org/10.1590/S1517-97022008000100003.
https://doi.org/10.1590/S1517-9702200800...
, p. 37).

Para ela, os movimentos sociais e populares do campo “formulam estratégias de luta e ocupação da terra e, nessa caminhada, gestam também as propostas de educação que lhes interessam. A Pedagogia da Alternância, que articula o trabalho agrícola à educação escolar, é uma dessas propostas” (RIBEIRO, 2008aRIBEIRO, M. Contradições na relação trabalho-educação do campo: a Pedagogia da Alternância. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, 2008a. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/8592. Acesso em: 23 nov. 2020.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
, p. 137).

Ribeiro aponta que, na “Pedagogia da Alternância, tanto na Europa quanto no Brasil, é possível captar, nas práticas/concepções dos sujeitos políticos coletivos, a existência de projetos sociais e educacionais em disputa” (2008bRIBEIRO, M. Pedagogia da Alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 27-45, 2008b. https://doi.org/10.1590/S1517-97022008000100003.
https://doi.org/10.1590/S1517-9702200800...
, p. 14). Para ela,

[...] a Pedagogia da Alternância pode apontar para uma relação trabalho-educação de novo tipo, tendo por base a cooperação e a autogestão. No entanto, pode também significar formas de controle das tensões sociais, acenando para a possibilidade de o agricultor permanecer na terra, bem como mascarar o desemprego, alternando educação profissional e estágio remunerado por meio de políticas de parceria com empresas que se tornam agentes de formação

(RIBEIRO, 2008bRIBEIRO, M. Pedagogia da Alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 27-45, 2008b. https://doi.org/10.1590/S1517-97022008000100003.
https://doi.org/10.1590/S1517-9702200800...
, p. 01).

Essa autora destaca, ainda, algumas características que marcam o surgimento e a experimentação da formação por alternância no Brasil: Uma grande interferência da doutrina da Igreja Católica, a ausência do Estado na formulação de políticas de bem-estar para o sujeito do campo, a proletarização dos agricultores brasileiros e a pouca experiência pedagógica de formação do novo ser humano socialista.

Para essa autora, mesmo no interior dos movimentos sociais do campo, a formação por alternância se coloca sob tensão. Para ela, a Pedagogia da Alternância é objeto de divergências teóricas, especialmente metodológicas, verificadas em diferentes experiências, como das EFA, das CFR, da Fundep7 7 Fundação de Desenvolvimento e Educação da Região Celeiro, do Rio Grande do Sul. e do Iterra.8 8 Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, do Rio Grande do Sul.

Reconhece, entretanto, que, para esses diferentes interlocutores, “a pedagogia dos tempos/espaços alternados de trabalho agrícola e de aprendizagem escolar consegue articular o trabalho produtivo concreto com a educação efetuada através da escola” (RIBEIRO, 2008aRIBEIRO, M. Contradições na relação trabalho-educação do campo: a Pedagogia da Alternância. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, 2008a. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/8592. Acesso em: 23 nov. 2020.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
, p. 136).

Cabrito (1994)CABRITO. B. G. Formação em alternância: conceitos e práticas. Lisboa: EDUCA, 1994. defende uma ponte que ligue, sem subserviência unilateral, os sistemas educativo e econômico. Para ele, o alargamento da escolarização tem retardado a entrada de jovens no mercado de trabalho, mas também tem aumentado o abandono da escola. Para isso, defende como solução “uma oferta que produza as competências necessárias à inserção no mercado de trabalho sem perder de vista a necessidade de realização individual” (1994, p. 20). Ou seja, que o desenvolvimento de competências para o trabalho seja acompanhado por um processo que assegure aos jovens, na escola/no centro de formação, “uma reflexão sobre o domínio da profissão” (CABRITO, 1994CABRITO. B. G. Formação em alternância: conceitos e práticas. Lisboa: EDUCA, 1994., p. 21). Pondera que essa opção não pode significar o esquecimento da necessidade de desenvolvimento para a cidadania, para a democracia e para a participação.

Também Palaro e BernarttPALARO, R.; BERNARTT, M. L. O trabalho como princípio educativo e como princípio de alienação: possibilidades e limites da pedagogia da alternância. Revista HistedBr On-line, Campinas, v. 12, n. 46, p. 293-308, set. 2012. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640087. Acesso em: 16 dez. 2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
reconhecem que a Pedagogia da Alternância pode ser entendida como uma proposta que “pode ser compreendida como uma educação que vise o trabalho como princípio educativo ou como mera reprodução da educação capitalista” (2012, p. 293).

Por fim, Machado também apresenta argumentos que sustentam a ideia de que a Pedagogia da Alternância possui um potencial para efetivar “propostas de educação profissional comprometidas com a emancipação humana e a transformação social” (2020, p. 26).

Na convergência com a argumentação desses autores, entendemos que uma recusa pseudocrítica da formação por alternância não interessa aos trabalhadores, pois tiraria das mãos deles uma ferramenta possível para o fortalecimento de seus projetos educacionais e políticos de emancipação. Também não é possível uma adesão acrítica a toda formação por alternância, que poderia colocar os trabalhadores em uma relação de subordinação aos interesses do capital. É preciso entender a formação em alternância como uma possibilidade de organização da formação, que tanto pode servir aos interesses dos trabalhadores quanto aos interesses do capital, dependendo do projeto político a que esteja subordinada.

A formação por alternância na perspectiva da emancipação requer, entre outras coisas, que se reconheça a realidade na qual esteja inserida, para que possa articular os interesses políticos dos trabalhadores com um projeto de formação eficiente.

Alguns Elementos Conjunturais e Estruturais que Devem ser Considerados na Experimentação da Alternância na Formação de Trabalhadores Brasileiros

De início, é necessário que se reconheçam algumas características históricas da formação profissional brasileira, campo em que também se coloca a formação por alternância. Vários são os autores brasileiros da área de trabalho e educação que identificam o seu caráter assistencialista e o seu conteúdo instrumental, tais como Santos (2000)SANTOS, J. A. A trajetória da educação profissional. In: LOPES, E. M. T. (org.). 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000., Araujo e Rodrigues (2010)ARAUJO, R. M. L.; RODRIGUES, D. S. Referências sobre práticas formativas em educação profissional: o velho travestido de novo frente ao efetivamente novo. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 36, n. 2, p. 51-63, 2010. Disponível em: https://www.bts.senac.br/bts/article/view/218. Acesso em: 09 jun. 2022.
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e Manfredi (2002)MANFREDI, S. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002., marcas que refletem o dualismo e as desigualdades próprias da sociedade de classes, mas que no campo brasileiro tornam-se bastante deletérias, dadas a grande concentração de rendas e as profundas desigualdades socioeconômicas.

No Brasil, em geral, a formação de trabalhadores é pensada e executada por organismos estatais ou empresariais, sem a participação das organizações sindicais, seja na definição pedagógica, seja na gestão dos recursos públicos destinados a esse fim. Não se tem muita experiência acumulada pelas organizações sindicais ou pelos movimentos sociais de educação profissional, tal como ocorre em alguns países europeus. As mais significativas, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, são de organizações de trabalhadores do campo, que têm experimentado ações educativas, escolares ou não, em geral baseadas na proposta de alternância.

Nesse caso, o MST, as CFR e as EFA são um ponto fora da curva, ou seja, são iniciativas excepcionais que ofertam educação básica, em sua maioria localizada em território camponês, e que chamam a atenção da sociedade e da academia para aquilo que produzem em termos de tecnologias educacionais, para o seu senso de coletividade, para as estratégias de resistências criadas e pelos resultados apresentados.9 9 Existem várias experiências de formação por alternância no Ensino Superior, na graduação e na pós-graduação, principalmente por meio dos cursos de licenciatura em educação do campo, mas não nos detivemos sobre esses dados aqui. Sobre isso recomendamos a leitura de Begnami (2019), em particular a seção “Alternâncias no Ensino Superior e na pós-graduação”, na qual o autor recupera algumas experiências de Alternância no Ensino Superior na França e no Brasil.

Todavia, é na área rural brasileira que se vivem de modo mais dramático as desigualdades persistentes na sociedade.

No campo prevalecem as oligarquias agrárias que nunca deixaram de compor os núcleos de poder dos diferentes governos do Brasil Republicano, em algumas regiões e estados do país, constituindo-se mesmo no centro do poder. Favoreceu essa permanência no poder o fato de nunca ter havido, no Brasil, uma reforma agrária que garantisse o acesso democrático à terra e nem a desconcentração do poder político das elites agrárias

(ARAUJO, 2020ARAUJO, R. M. L. A formação Profissional no Brasil: aspectos históricos, opções políticas e metodológicas. Humanidades & Inovação, Palmas, v. 7, n. 12, 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/77. Acesso em: 13 jun. 2022.
https://revista.unitins.br/index.php/hum...
, p. 236).

Em todo o campo brasileiro, são históricas e notórias as diferentes formas de violência contra os trabalhadores e contra a natureza. Contudo, essas, com o Governo de Jair Bolsonaro (2012-2022), que tinha como base política e de financiamento eleitoral o latifúndio e o agronegócio, naturalizaram-se e os crimes contra a vida aumentaram vertiginosamente, sendo principais vítimas as lideranças indígenas e quilombolas, os ecologistas e os trabalhadores do campo.

O Relatório Conflitos no Campo no Brasil 2020, da Comissão Pastoral da TerraCOMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no Campo Brasil 2020. Goiânia: CPT Nacional. 2021. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br. Acesso em: 21 fev. 2022.
https://www.cptnacional.org.br...
,10 10 Órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). registrou o crescimento dos episódios de violência contra trabalhadores e do número de conflitos pela terra no Brasil, o maior dos últimos 35 anos.

Registrou um crescimento de 25% dos conflitos de terras no Brasil.

O número de conflitos envolvendo especificamente disputa de terra foi de 1.576, o maior registro verificado desde 1985. Este número é 25% superior ao registrado em 2019 e 57,6% maior que o visto em 2018. As famílias que sofrem com este tipo de ocorrência somaram 171.625. Os povos indígenas são a maioria dessas famílias (96.931, ou 56% do total)

(DANTAS, 2021DANTAS, J. E. Violência no campo: número de conflitos registrados pela CPT em 2020 é o maior dos últimos 35 anos. Greenpeace.org, 21 maio 2021. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/violencia-no-campo-numero-de-conflitos-registrados-pela-cpt-em-2020-e-o-maior-dos-ultimos-35-anos/. Acesso em: 21 fev. 2022.
https://www.greenpeace.org/brasil/blog/v...
, p. 1).

Esse mesmo autor (DANTAS, 2021DANTAS, J. E. Violência no campo: número de conflitos registrados pela CPT em 2020 é o maior dos últimos 35 anos. Greenpeace.org, 21 maio 2021. Disponível em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/violencia-no-campo-numero-de-conflitos-registrados-pela-cpt-em-2020-e-o-maior-dos-ultimos-35-anos/. Acesso em: 21 fev. 2022.
https://www.greenpeace.org/brasil/blog/v...
) destaca que, nesses conflitos, 81.225 famílias tiveram, em 2020, as suas terras ou os seus territórios invadidos, principalmente por grileiros latifundiários.

Esses dados explicam por que a alternância no Brasil, experienciada principalmente por organizações de trabalhadores rurais, ainda se articula fortemente aos projetos de emancipação social.

Por isso se toma, aqui, a alternância como forma de organização formativa que pode e deve estar a serviço dos interesses dos trabalhadores, como estratégia educativa que permita a auto-organização dos trabalhadores e a ampliação das suas capacidades de compreender e de intervir sobre a realidade.

São os movimentos sociais dos trabalhadores do campo, os ambientalistas e as populações tradicionais de indígenas e quilombolas as principais vítimas do latifúndio, mas também os principais agentes a fazerem resistência à violência, ao desmatamento e às formas predatórias de uso dos campos, matas e rios brasileiros. Estão nessas organizações também muitas experiências econômicas, sociais e pedagógicas inovadoras.

São de algumas dessas organizações, também, que surgem iniciativas de educação do campo, com destaque para as Escolas de Assentamentos do MST, as Casas Familiares Rurais e as Escolas Família Agrícola. São essas as organizações, principalmente, que têm buscado na Pedagogia da Alternância a estratégia metodológica mais adequada para a formação das populações do campo, em particular para a formação dos trabalhadores do campo

(ARAUJO, 2020ARAUJO, R. M. L. A formação Profissional no Brasil: aspectos históricos, opções políticas e metodológicas. Humanidades & Inovação, Palmas, v. 7, n. 12, 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/77. Acesso em: 13 jun. 2022.
https://revista.unitins.br/index.php/hum...
, p. 236).

Algumas dessas experiências pedagógicas desenvolvidas no estado do Pará foram identificadas como “as experiências mais avançadas, do ponto de vista da integração de saberes e da articulação entre os projetos pedagógicos e a luta contra-hegemônica de emancipação no conjunto de relações sociais” (ARAUJO, 2020ARAUJO, R. M. L. A formação Profissional no Brasil: aspectos históricos, opções políticas e metodológicas. Humanidades & Inovação, Palmas, v. 7, n. 12, 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/77. Acesso em: 13 jun. 2022.
https://revista.unitins.br/index.php/hum...
, p. 236), corroborando com o que diz Frigotto (2012)FRIGOTTO, G. Projetos societário contra-hegemônico e educação do campo: desafios de conteúdo, método e forma, 2012. Mimeografado., quando afirma que é na educação do campo, articulada às lutas do MST, que se verifica a proposta educacional mais orgânica e ampla. Para esse pesquisador,

[t]rata-se de uma pedagogia que não começa na escola, mas na sociedade, e volta para a sociedade, sendo a escola um espaço fundamental na relação entre o saber produzido nas diferentes práticas sociais e o conhecimento científico

(FRIGOTTO, 2012FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Apresentação. Ensino Médio Integrado: concepções e contradições. São Paulo: Cortez, 2005., p. 15).

Considerando a zona rural amazônica brasileira, onde se deve situar parte de nossas pesquisas, destacamos os seus muitos contrastes. Nela convivem ilhas de modernidade ao lado de formas tradicionais de realização do trabalho. Em artigo no qual tratamos do trabalho escravo na Amazônia, explicamos que “a tecnologia de ponta utilizada em empresas organizadas sob a égide do toyotismo convive com o extrativismo e com formas naturais de realização do trabalho” (ARAUJO, 2010ARAUJO, R. M. L. Amazônia, trabalho escravo, conflitos de terras e reforma agrária. Germinal – Grupo de Estudos e Pesquisas Marxismo, História, Tempo Livre e Educação, Londrina, v. 10, p. 01-09, 2010. Disponível em: https://www.uel.br/revistas/germinal/n10-042010.htm. Acesso em: 13 jun. 2022.
https://www.uel.br/revistas/germinal/n10...
). Na Amazônia convivem, de forma conflituosa na maioria das vezes, empresas principalmente vinculadas ao agronegócio e à exploração mineral, que fazem uso das modernas tecnologias físicas e de gestão do trabalho, e estratégias sociais e ambientalmente sustentáveis de produção da vida, mantidas principalmente pelas comunidades de pequenos agricultores, indígenas e quilombolas.

Como anteriormente citado, é nessa região que os conflitos pela posse e pelo uso de terras, rios e florestas ocorrem em maior número em função da concentração de terras e da ausência do Estado, que se revela incapaz (ou desinteressado) de implementar políticas públicas de proteção da vida humana e da floresta, bem como de regular as relações de trabalho.

Essas contradições constituem uma especificidade que gera grandes conflitos e que, do ponto de vista da formação de força de trabalho, faz conviverem exigências de qualificação e de modernidade com a permanência de atividades laborais que exigem baixa qualificação formal (pesca artesanal, extrativismo vegetal, construção civil e atividades rurais de pequeno porte) e fragmentação de saberes.

É sob essa conjuntura, expoente de graves problemas estruturais na formação social brasileira, que deve ser pensada a formação por alternância no Brasil, a partir da qual se requer um posicionamento dos planejadores e educadores que pretendem ou que experimentam a formação de trabalhadores por meio da alternância, em particular de quem se compromete com a formação ampla dos indivíduos, a integração dos saberes científicos com os saberes sociais e com um projeto político de emancipação dos trabalhadores.

A Formação por Alternância como Possibilidade de Ensino Integrado

Tem-nos interessado, em particular, compreender a alternância como estratégia de ensino integrado, compreendido esse como um projeto político-pedagógico de ampliação das capacidades dos trabalhadores, que se opõe às práticas fragmentadoras do saber e que visa à integração entre teoria e prática, entre saberes disciplinares e saberes experienciais, e que reconhece a necessidade de superar uma pedagogia tradicional, que fragmenta os saberes e a formação humana.

Tomamos, assim, o Ensino Médio Integrado como um projeto pedagógico brasileiro contra-hegemônico que se orienta na perspectiva da emancipação, tal como afirma Araujo e Frigotto, ou seja, como resultado de um terreno contraditório e de disputa política num contexto de democracia restrita, podendo ser definido também como:

[...] um projeto que traz um conteúdo político-pedagógico engajado, comprometido com o desenvolvimento de ações formativas integradoras (em oposição às práticas fragmentadoras do saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos sujeitos das práticas pedagógicas, professores e alunos, principalmente

(2015, p. 63).

O ensino integrado coloca várias possibilidades de arranjos pedagógicos e curriculares para que possa se realizar. Ecolhe-se um arranjo depende de inúmeras variáveis, tais como as condições concretas de realização da formação, o conhecimento e a maturidade profissional do professor, o perfil da turma e o tempo disponível (ARAUJO; FRIGOTTO, 2015ARAUJO, R. M. L.; FRIGOTTO, G. Práticas pedagógicas e ensino integrado. Revista Educação em Questão, Natal, v. 52, n. 38, p. 61-80, 2015. https://doi.org/10.21680/1981-1802.2015v52n38ID7956
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).

No Brasil, entretanto, pesquisas sobre ensino integrado revelam que as experiências mais exitosas são aquelas vinculadas a organizações de trabalhadores e aos movimentos sociais do campo (COSTA, 2012COSTA, A. M. R. Integração do Ensino Médio e técnico: percepções de alunos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) – Campus Castanhal. 2012. 118 f. Dissertação (Mestrado em Educação) ? Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2012.; SANTOS, 2013SANTOS, M. T. A Pedagogia da Alternância na Integração de Saberes no Proeja Quilombola no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) - Campus Castanhal. 2013. 118 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Ciências da Educação, Universidade Federal do Pará, Belém, 2013.).

No estado do Pará, localizado na região amazônica brasileira, uma pesquisa sobre experiências de ensino integrado revelou que a prática estudada mais exitosa foi a desenvolvida pela Casa Familiar Rural de Gurupá (CFRG), que implementou estratégias de formação por alternância.

Na CFRG busca-se formar os técnicos de que a comunidade precisa, assim como assegurar a formação espiritual e a formação das novas lideranças sociais. Portanto, formação técnica, econômica, política e espiritual são diferentes aspectos das ações de formação dessa casa, que são trabalhados integradamente. De modo objetivo, as finalidades articuladas da Escola estão relacionadas ao trabalho, à religião, ao bem-estar das famílias e ao desenvolvimento e à superação da precariedade da vida na comunidade

(ARAUJO; COSTA, 2017ARAUJO, R. M. L.; COSTA, A. M. R. Lições da experimentação do ensino médio integrado como projeto de emancipação. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 26, n. 2, p. 115-130, maio/ago 2017. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9610/6824. Acesso em: 11 jun. 2022.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
, p. 124).

A pedagogia da alternância aparece, assim, como uma possibilidade promissora de realização do ensino integrado.

Küller, nessa direção, afirma que a Pedagogia da Alternância favorece a superação da fragmentação curricular e a integração da educação geral com a educação profissional, “especialmente as experiências de alternância integrativa real, a qual articula o trabalho e a vida escolar em um mesmo processo educativo” (2014, p. 59).

Kuenzer e Lima (2013)KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
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também identificaram o potencial de integração da pedagogia da alternância na pesquisa que fizeram em três casas familiares rurais que implantaram a educação profissional técnica integrada ao Ensino Médio no período de 2006 a 2008, no estado do Paraná. Lá, verificaram “uma possibilidade real de integração entre ciência, tecnologia e trabalho, na perspectiva da emancipação da classe trabalhadora” (KUENZER; LIMA, 2013KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/a...
, p. 534).

O Trabalho como Princípio Organizador dos Processos Pedagógicos na Pedagogia da Alternância na Educação Profissional

Para que possa vir a cumprir uma função integradora, contra-hegemônica, porém, a formação por alternância, além de considerar o contexto anteriormente colocado, precisa estar assentada na perspectiva ontológica de trabalho.

Se a formação por alternância pode ser identificada a partir de seu princípio fundamental de articulação entre estudo-trabalho, e para que ela constitua estratégia de integração de saberes na perspectiva da emancipação humana, é necessário que essa articulação seja pensada como prática educativa que tome o trabalho útil como princípio pedagógico,11 11 Quando tratamos do trabalho como princípio pedagógico, estamos nos referindo ao trabalho como princípio organizador das práticas de ensinar e de aprender em um ambiente escolar. não as suas diferentes formas particulares de trabalho alienado.

No que se refere ao conceito de trabalho, assumimos o mesmo a partir de uma perspectiva marxista, tal como na citação a seguir, a qual aponta para a compreensão do trabalho em seu sentido ontológico, como uma atividade vital que possibilita a produção material para a existência humana.

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana

(MARX, 2008MARX, K. A Mercadoria. O Capital: crítica da economia política. 26. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 57-105. (Livro I, Seção I.)).

Na perspectiva marxiana, o trabalho é a atividade humana vital, aquela que permite a satisfação das necessidades humanas: atividade por meio da qual o homem, para satisfazer às suas necessidades, transforma a realidade e, por conseguinte, transforma a si mesmo, humanizando-se. Diria Engels (1986)ENGELS, F. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. São Paulo: Global editora, 1986. que foi por meio do trabalho que o macaco se transformou em homem e é através do trabalho que o homem continua a desenvolver-se. Através do trabalho concreto, o homem domina a natureza, distinguindo-se dos demais animais. Tem o trabalho, portanto, uma função de hominização e não apenas de humanização.

Contudo, o trabalho, sob a sociabilidade capitalista, assume dupla perspectiva, sendo também “dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria” (MARX, 2008MARX, K. A Mercadoria. O Capital: crítica da economia política. 26. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 57-105. (Livro I, Seção I.), p. 53).

Portanto, trabalho humano abstrato é a dimensão do trabalho que dá valor (de troca) às mercadorias, enquanto trabalho concreto (ou trabalho útil) se destina a um fim específico, dando aos produtos do trabalho valor de uso (MARX, 2008MARX, K. A Mercadoria. O Capital: crítica da economia política. 26. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 57-105. (Livro I, Seção I.)).

Essa explicação sintética destaca o caráter ontológico do trabalho, ou seja, a sua função educativa do homem.

Nessa perspectiva, o trabalho é princípio educativo quando entendido como atividade teórico-prática, não como atividade utilitária (GRAMSCI, 2006GRAMSCI. A. Caderno 12 (1932). Apontamentos e notas dispersas para um grupo de ensaios sobre a história dos intelectuais. Cadernos do Cárcere. 4. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. v. 2.). Trata-se, pois, de uma perspectiva desinteressada, isto é, descomprometida com objetivos práticos imediatos e tendo a finalidade de formar, de modo que todo cidadão possa tornar-se dirigente.

Manacorda (1991, p. 135)MANACORDA, M. A. A Pedagogia Marxista na Itália: Antonio Gramsci. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortez, 1991., ao explicar o trabalho como princípio educativo em Gramsci, diz que o trabalho é o elemento constitutivo do ensino e que se insere no ensino pelo conteúdo (a cultura – a ciência) e pelo fato (métodos ativos).

Manacorda explica, ainda, que a inserção do trabalho no ensino se dá pelo processo educativo e com a evolução da técnica. Recuperando Gramsci, explica que não se trata, portanto, de inserção de crianças na fábrica, “mas sim de desenvolver nelas a capacidade de trabalhar industrialmente, num processo escolar coordenado com a fábrica, mas dela autônoma” (MANACORDA, 1991MANACORDA, M. A. A Pedagogia Marxista na Itália: Antonio Gramsci. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortez, 1991., p. 137). Para esse autor, Gramsci desenvolve, assim, a tese marxiana de integração de trabalho com educação.

Nosella (1991)NOSELLA, P. O Trabalho como Princípio Educativo em Gramsci. In: SILVA, T. T. (org.). Trabalho, educação e prática social. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991., na mesma direção de Manacorda, explica que se deve estudar a prática do trabalho da sociedade moderna, à luz da ciência-trabalho e da história do trabalho. Não é o trabalho imediato, como parece estar presente em propostas que se prendem a interesses práticos-imediatos da pluriprofissionalização do trabalho, adequada às necessidades capitalistas de maior versatilidade da divisão do trabalho.

Já em Pistrak (2009)PISTRAK, M. M. (org.). A escola-comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009., para que a escola possa ter a sua função formativa, o trabalho deve possuir uma característica comum: ser trabalho socialmente útil. Para esse autor, o trabalho socialmente útil é a conexão entre a tão propalada teoria e prática (FREITAS, 2009FREITAS, L. C. A Luta por uma Pedagogia do Meio: revisitando o conceito. In: PISTRAK (org). A Escola-comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009.. p. 34). Destaca, ainda, que “o princípio do trabalho não pode ser reduzido ao princípio de ensino ativo, apesar de também sê-lo, pois isso aproxima essa proposta da pedagogia de Dewey” (FREITAS, 2009FREITAS, L. C. A Luta por uma Pedagogia do Meio: revisitando o conceito. In: PISTRAK (org). A Escola-comuna. São Paulo: Expressão Popular, 2009., p. 43).

É tomando o trabalho nessa perspectiva, como trabalho socialmente útil, que consideramos o seu caráter pedagógico, formador de indivíduos emancipados, autônomos, formados inclusive na formação por alternância, escolar ou não escolar.

Por fim, destacamos outra variável que precisa ser considerada nos projetos de formação por alternância: o território. Considerando a observação de ChartierCHARTIER, D. Naissance d’une pedagogie de l’alternance. Paris: UNMFREO, 1978. 189 p., para quem toda formação por alternância deve estar vinculada ao meio em que se apoia, há que se observar que a “desterritorialização da formação por alternância” (1978), principalmente urbana, pode interferir diretamente no conteúdo da formação. Compreendida como estratégia formativa que, na sua origem, esteve vinculada a organizações de trabalhadores do campo, em particular às CFR, a alternância exigia o comprometimento das comunidades, ajudando a definir a trajetória formativa dos jovens a partir das suas necessidades, o que tenderia, depois, a impactar positivamente no desenvolvimento do seu território. Contudo, para as atividades urbanas, essa vinculação com as comunidades e os territórios se enfraquece, quando não desaparece, o que pode ser determinante para que a formação se desprenda de um projeto político-social dos trabalhadores. Também nas formações voltadas para as empresas rurais, o sentido de território tende a ficar fragilizado.

Nesse sentido, é na relação com o território, o qual deve ser tomado em sua totalidade, materialidade e forma política e econômica, não como uma abstração ou simples determinação política (SANTOS, 1988SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1988.), que a formação ganha sentido como estratégia de emancipação dos trabalhadores e de desenvolvimento do meio, “características irrenunciáveis” da formação por alternância, segundo Vergutz e Cavalcante (2014)VERGUTZ, C. B.; CAVALCANTE, L. O. H. As aprendizagens na Pedagogia da Alternância e na educação do campo. Reflexão e Ação, Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 371-390, 2014. https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/5057. Acesso em: 07 dez. 2020.
https://online.unisc.br/seer/index.php/r...
.

Em estudo feito sobre uma experiência de ensino técnico integrado ao Ensino Médio, realizado em uma CFR, identificamos que “a característica distintiva da CFRG está em suas finalidades, uma vez que ela não assume apenas objetivos pedagógicos, mas, sobretudo, sociais” (ARAUJO; COSTA, 2017ARAUJO, R. M. L.; COSTA, A. M. R. Lições da experimentação do ensino médio integrado como projeto de emancipação. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 26, n. 2, p. 115-130, maio/ago 2017. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9610/6824. Acesso em: 11 jun. 2022.
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, p. 10). Seu objetivo histórico é o desenvolvimento da comunidade em que está inserido. Na experiência estudada, ensinar não seria o mais importante, “mais importante seria o desenvolvimento do bem-estar dos trabalhadores rurais da região, quilombolas, assentados e ribeirinhos” (ARAUJO; COSTA, 2017ARAUJO, R. M. L.; COSTA, A. M. R. Lições da experimentação do ensino médio integrado como projeto de emancipação. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 26, n. 2, p. 115-130, maio/ago 2017. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9610/6824. Acesso em: 11 jun. 2022.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
, p. 10). Verificamos, a partir da fala dos sujeitos, que a educação de boa qualidade seria aquela que valoriza a cultura local, a propriedade familiar, a comunidade e a família, favorecendo, para eles, uma vida digna no campo.

A participação da comunidade na vida escolar é, assim, um diferencial importante e essa participação é assumida como estratégia pedagógica, além de ser estratégia de gestão. A participação das famílias no planejamento e nas ações de formação junto com monitores, coordenadores e pequenos proprietários da região acaba sendo um indicador e uma garantia da qualidade social da educação (ARAUJO; COSTA, 2017ARAUJO, R. M. L.; COSTA, A. M. R. Lições da experimentação do ensino médio integrado como projeto de emancipação. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 26, n. 2, p. 115-130, maio/ago 2017. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/trabedu/article/view/9610/6824. Acesso em: 11 jun. 2022.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/tra...
).

Considerações Finais

Nessa revisão de literatura, identificamos uma disputa em torno da alternância, que nasce comprometida com a valorização do trabalhador camponês, mas que ganha, na atualidade, grande funcionalidade para as empresas capitalistas modernas. Se, na sua origem, a Pedagogia da Alternância é orientada pelo objetivo fundamental de mudança social (NOSELLA, 2012NOSELLA. P. Origens da Pedagogia da Alternância no Brasil. Vitória: Edufes, 2012.), hoje ela também serve aos processos de adaptação dos trabalhadores às empresas (GUILLAUMIN, 2019GUILLAUMIN, C. La pédagogie de l’alternance en tant que stratégie de formation professionnelle en France état des lieux et questionnements, 2019. Mimeografado).

Se, na sua origem, na França, a alternância esteve vinculada a organizações de trabalhadores do campo, hoje ela vem sendo reconhecida e recomendada pelos organismos empresariais e/ou oficiais europeus desde os anos 1970-1980. A sua institucionalização, tornada prática oficial e/ou de organismos educacionais empresariais, pode ter um efeito devastador para o conteúdo emancipador que possa ter essa proposta de formação para as organizações de trabalhadores.

São várias as características da formação por alternância que se repetem no Brasil, assim como em outros países, tais como o fato de essa proposição pedagógica se colocar como uma pedagogia ativa e de integração da teoria com a prática, do trabalho com o estudo, da empresa com a escola, do tempo de estudar com o tempo de produzir. Outra regularidade é o uso do caderno de atividades (Brasil), denominado caderno de exploração ou de ligação na França, elemento central na organização do processo de formação.12 12 Nosella (2020), em artigo recente, observa que o movimento da Pedagogia da Alternância no Brasil sofre hoje de uma “crise de crescimento e consolidação”, a qual revela uma busca por sua identidade pedagógica e sua autonomia gerencial. Para o enfrentamento dessa crise, ele propõe a recuperação dos princípios inspiradores dos Centros Familiares de Formação por Alternância.

Considerando o tensionamento teórico e prático que prevalece em torno da formação por alternância, conclui-se que não exista uma única pedagogia fundada nessa ideia, pois são várias as suas possibilidades de uso. No afã de compreender o que confere conteúdo conservador ou progressista à Pedagogia da Alternância, parece-nos que o compromisso político social faz parte da resposta.

Para se pensar a formação por alternância como uma estratégia de ensino integrado, tomamos três pistas dadas por Machado (2020)MACHADO, L. Interrogações sobre a Pedagogia da Alternância a partir da discussão da relação teoria-prática. Revista Humanidades e Inovação. Palmas, v. 7 n. 12. 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/77. Acesso em: 16 dez. 2020.
https://revista.unitins.br/index.php/hum...
, Kuenzer e Lima (2013)KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
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e Renier (2020)RENIER, S. L’alternance comme expérience: formative, sociale et vitale. Revista Humanidades e Inovação. Palmas, v. 7, n. 12. 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/3079. Acesso em: 05 out. 2020.
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:

  • Machado (2020)MACHADO, L. Interrogações sobre a Pedagogia da Alternância a partir da discussão da relação teoria-prática. Revista Humanidades e Inovação. Palmas, v. 7 n. 12. 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/77. Acesso em: 16 dez. 2020.
    https://revista.unitins.br/index.php/hum...
    discute sobre as particularidades da relação entre teoria e prática no campo das ciências da educação, mais especificamente na educação profissional e na Pedagogia da Alternância, fazendo algumas recomendações para que a educação profissional e a Pedagogia da Alternância possam cumprir a missão de favorecer a emancipação humana e a transformação social. Defende um posicionamento diante da relação entre teoria e prática, “compreendendo-a no seu desenvolvimento histórico, no contexto das situações concretas do trabalho educativo e formativo”, envidando esforços “para que a produção de conhecimentos ganhe a direção da transformação social” (MACHADO, 2020MACHADO, L. Interrogações sobre a Pedagogia da Alternância a partir da discussão da relação teoria-prática. Revista Humanidades e Inovação. Palmas, v. 7 n. 12. 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/77. Acesso em: 16 dez. 2020.
    https://revista.unitins.br/index.php/hum...
    , p. 26).

  • Kuenzer e Lima (2013)KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
    https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/a...
    observaram a possibilidade de a alternância mediar a relação entre teoria e prática, entre experiência e conhecimentos científicos. Dizem, entretanto, que: “se a experiência, o conhecimento tácito, é ponto de partida, é o conhecimento sistematizado a partir da interlocução com a teoria o ponto de chegada; sem essa clareza, a proposta reduz-se a uma simplificação conservadora” (KUENZER; LIMA, 2013KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
    https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/a...
    , p. 527). Defendem, ainda, esses autores que:

    [...] a pedagogia baseada na alternância é a metodologia mais adequada para atingir essas finalidades e materializar a concepção adotada de educação do campo no campo. Isso porque a alternância é de tempo, de local e de formação, com momentos socioprofissionais e em situação escolar uma maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo. Uma maneira de aprender pela vida, partindo de seu cotidiano, de momentos experienciais, colocando assim, a experiência antes do conceito, mas sem prescindir dele

    (KUENZER; LIMA, 2013KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
    https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/a...
    , p. 527).
  • O uso de um plano de estudos ou de um dispositivo de acompanhamento pessoal também é importante para que se confira um caráter progressista à formação por alternância, pois ele condensa o projeto de autonomização dos estudantes e de ampliação dos seus horizontes formativos. Por meio do plano de estudos, tomado como um trabalho participativo, o jovem desenvolve um plano de pesquisa, elabora um roteiro de observação e produz uma reflexão, fazendo a síntese entre trabalho e ciência e articulando os saberes pessoais, de sua família e do seu meio socioprofissional com os saberes técnico-científicos (KUENZER; LIMA, 2013KUENZER, A. Z.; LIMA, H. R. As relações entre mundo do trabalho e a escola: a alternância como possibilidade de integração. Educação, Santa Maria, p. 523-536, set. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/8989. Acesso em: 07 dez. 2020.
    https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/a...
    , p. 528). Funciona como um dispositivo de acompanhamento pessoal, como um diário de bordo, ou outras ferramentas de interface (texto livre, novidades etc.), a fim de que o aluno possa se engajar, escrever a sua história e instrumentalizar a integração (RENIER, 2020RENIER, S. L’alternance comme expérience: formative, sociale et vitale. Revista Humanidades e Inovação. Palmas, v. 7, n. 12. 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/3079. Acesso em: 05 out. 2020.
    https://revista.unitins.br/index.php/hum...
    ).

Essas são pistas iniciais importantes para que se confira um caráter social e progressista para a formação em alternância, com potencial de integração de saberes, a partir dos quais a alternância possa ganhar as formas de cooperação entre educação e trabalho cooperativo.

A percepção que temos aqui é do grande potencial da Pedagogia da Alternância como estratégia de integração de saberes, seja na realidade da educação rural, seja de experiências formativas realizadas no meio urbano, mas para isso é necessário superar tanto as visões acríticas ou pseudocríticas que limitam seu uso na formação de trabalhadores brasileiros, sendo necessária uma intervenção ativa no movimento da alternância por todos aqueles que se comprometem com um projeto de formação de trabalhadores articulado a um projeto político de transformação radical da sociedade.

Notas

  • 1
    Tomamos de empréstimo esse termo de Guillaumin (2020)GUILLAUMIN, C. La formation professionnelle en France: aspects historiques, choix politiques, traductions juridiques et methodologiques. Revista Trabalho Necessário. Rio de Janeiro, v. 18, n. 37, p. 351-364. 2020. https://doi.org/10.22409/tn.v18i37.46296
    https://doi.org/10.22409/tn.v18i37.46296...
    , que, ao situar a formação em alternância na França, explica que essa não é mais marginal naquele país, pois há uma legislação que a regulamenta e por ser ela reconhecida e implementada oficialmente pelo Estado francês, bem como por empresas e organizações escolares empresariais.
  • 2
    Silva (2021)SILVA, L. T. Escola para o trabalho ou para a liberdade? A casa Escola da Pesca de Outeiro-Belém/PA. Texto apresentado para Exame de Qualificação. São Carlos: UFSCar, 2021. registra duas revisões bibliográficas feitas no Brasil acerca da Pedagogia da Alternância e nelas foram identificadas, no banco de teses e dissertações da CAPES, 43 teses/dissertações que tratam do tema entre 1969 e 2006 e 73 outras no período entre 2007 e 2013, principalmente vinculadas ao campo de pesquisa sobre educação do campo. Para a autora, “as duas revisões chegam a conclusões semelhantes, as pesquisas sobre a alternância no Brasil atrelam essa pedagogia à educação do campo e ao desenvolvimento do meio rural” (SILVA, 2021SILVA, L. T. Escola para o trabalho ou para a liberdade? A casa Escola da Pesca de Outeiro-Belém/PA. Texto apresentado para Exame de Qualificação. São Carlos: UFSCar, 2021., p. 108).
  • 3
    Levantamento feito em 2020.
  • 4
    Levantamento feito no site da entidade (www.anped.org.br) em 2020. Os anais do ano de 2010 não estavam disponíveis no referido site.
  • 5
    “Um sistema de formação que assenta em uma fase prática e uma fase teórica que se alternam, designada por alternância. [...] É um sistema de formação em que os tempos se sucedem e cuja finalidade é o emprego.”
  • 6
    Uma exceção são os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que têm aumentado o seu uso, o que revela que essas instituições têm buscado maneiras diferentes de enfrentar as dificuldades de formação de trabalhadores do campo (FERRARI; FERREIRA apud SILVA, 2021SILVA, L. T. Escola para o trabalho ou para a liberdade? A casa Escola da Pesca de Outeiro-Belém/PA. Texto apresentado para Exame de Qualificação. São Carlos: UFSCar, 2021., p. 107).
  • 7
    Fundação de Desenvolvimento e Educação da Região Celeiro, do Rio Grande do Sul.
  • 8
    Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária, do Rio Grande do Sul.
  • 9
    Existem várias experiências de formação por alternância no Ensino Superior, na graduação e na pós-graduação, principalmente por meio dos cursos de licenciatura em educação do campo, mas não nos detivemos sobre esses dados aqui. Sobre isso recomendamos a leitura de Begnami (2019)BEGNAMI, J. B. Formação por alternância na licenciatura em educação do campo: possibilidades e limites do diálogo com a Pedagogia da Alternância, 2019. 402f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-graduação em Educação – Conhecimento e Inclusão Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019., em particular a seção “Alternâncias no Ensino Superior e na pós-graduação”, na qual o autor recupera algumas experiências de Alternância no Ensino Superior na França e no Brasil.
  • 10
    Órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
  • 11
    Quando tratamos do trabalho como princípio pedagógico, estamos nos referindo ao trabalho como princípio organizador das práticas de ensinar e de aprender em um ambiente escolar.
  • 12
    Nosella (2020)NOSELLA, P. Cinquenta anos de Pedagogia da Alternância no Brasil conflitos e desafios. Humanidades & Inovação, Vitória, v. 7, n. 12, p. 9-19, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/kirikere/article/view/33417. Acesso em: 23 nov. 2020.
    https://periodicos.ufes.br/kirikere/arti...
    , em artigo recente, observa que o movimento da Pedagogia da Alternância no Brasil sofre hoje de uma “crise de crescimento e consolidação”, a qual revela uma busca por sua identidade pedagógica e sua autonomia gerencial. Para o enfrentamento dessa crise, ele propõe a recuperação dos princípios inspiradores dos Centros Familiares de Formação por Alternância.
  • Artigo vinculado ao projeto de pesquisa “A formação profissional por alternância no Brasil e na França: uma estratégia de integração de tempos, de práticas e de espaços de formação de trabalhadores”, financiada pelo CNPq.

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Editora de seção: Luana Costa Almeida. https://orcid.org/0000-0003-0664-6796

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2022
  • Aceito
    11 Jan 2023
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