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ENSAIO DE APODRECIMENTO ACELERADO DAS MADEIRAS DE Eucalyptus microcorys E DE Eucalyptus pilularis

AN EVALUATION OF THE DECAY RESISTANCE OF THE WOODS OF Eucalyptus microcorys AND OF Eucalyptus pilularis

RESUMO

Estimou-se a durabilidade natural, por intermédio do teste de apodrecimento acelerado descrito na norma ASTM D-2017-81, de três árvores de duas espécies de eucaliptos, o Eucalyptus microcorys e o Eucalyptus pilularis. As amostras foram retiradas ao longo do sentido medula-casca e a cada um metro ao longo do tronco, para que se pudesse descrever a variabilidade da resistência ao apodrecimento nessas direções. Via de regra, as duas madeiras mostraram-se muito resistentes ao apodrecimento (perda de peso entre zero e 10% após quatorze semanas de incubação com o fungo Gloeophyllum trabeum), com pouca variabilidade dentro da árvore e entre elas. Pôde-se encontrar, no entanto, em uma árvore de cada uma das duas espécies, uma pequena região apenas moderadamente resistente na região central dos primeiros metros do tronco a partir da base.

Palavras-chave:
Eucalyptus; Durabicidade; Tecnologia de madeira.

ABSTRACT

Decay resistance of two eucalypt species was estimated by using the accelerated laboratory test described on the ASTM D-2017-81 method. Samples of three trees of the two species were cut in the bark-to-pth and at one meter intervals along the trunk so that resistance variability could also be described. Both woodscan be considered highly resistant (weight loss between zero and 10% after 14 weeks of incubation with the fungus Gloeophyllum trabeum). Variation within the logs and between trees was small; one tree of each of the two species, however, showed a region surrounding the pith and a few meters high that was only moderately resistant.

Key-words:
Eucalypt; Resistance; wood technology.

INTRODUÇÃO

A durabilidade natural da madeira pode ser definida como sendo a sua habilidade de resistir às condições adversas. A durabilidade inclui, portanto, a resistência ao ataque por fungos, bactérias, insetos e perfuradores marinhos. Trata-se de uma propriedade extremamente variável entre as espécies madeireiras. Algumas delas são notáveis pela sua alta resistência, outras são consideradas mais ou menos intermediárias em durabilidade, enquanto outras são conhecidas por serem susceptíveis à degradação biológica (HUNT & GARRATT, 1938HUNT, G. M. & GARRATT, D. J. Wood preservation. New York, McGraw-Hill Book Company, 1.ed., 1938. 457p.). A principal razão para a durabilidade natural de certas espécies de madeira é a presença de substâncias tóxicas no cerne, muitas vezes de natureza fenólica, que apresentam propriedades fungicidas e inseticidas. Parte dessa resistência natural pode também ser atribuída a outras razões, atém da toxidez dessas substâncias (PANSHIN & DE ZEEUW, 1980PANSHIN, A. J. & DE ZEEUW, C. Textbookof Wood Technology. 4.ed. New York, McGraw-Hill, 1980. 722p.).

Em algumas espécies, apenas um composto químico é o responsável pela resistência, enquanto em outras, vários compostos atuam de modo sinergistico, conferindo á madeira a sua durabilidade (NICHOLAS, 1973NICHOLAS, D. D. Wood deterioration and its prevention by preservative treataments. New York, Syracuse University Press, v.1, 1973. 380p. e OLIVEIRA et al, 1986OLIVEIRA, A. M. F.; LELIS, A. T.; LEPAGE, E. S.; LOPEZ, G. A. C.; OLIVEIRA, L. C. S.; CAÑEDO, M. D.; MILANO, S. Agentes destruidores da madeira. In: INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLÓGICAS - IPT, Divisão de madeira. Manual de preservação da madeira, São Paulo, IPT, 1986. v.1, p 99-274.).

Para que um certo agente de decomposição possa colonizar a madeira, é necessário que ela apresente condições favoráveis de umidade, temperatura, aeração, pH e ausência de substâncias tóxicas. Fungos, por exemplo, requerem teor de umidade acima da umidade de saturação das fibras, e nunca abaixo de 20%. A temperatura ideal situa-se entre 20 e 30°C, mas o ataque pode ocorrer entre 10 e 40 °C. Os fungos necessitam de oxigênio para se desenvolverem, podendo a concentração de O2 ser bem inferior aos 20%, encontrados no ar. Os valores de pH devem estar situados entre 4,5 a 5,5, sendo o mínimo aceitável, para alguns fungos, 2,0 e o máximo, 7,0 (CAVALCANTE, 1982CAVALCANTE, M. S. Deterioração biológica e preservação de madeiras. São Paulo, IPT, 1982. 22p. (Pesquisa e Desenvolvimento, 8) (Publicação, 1.211).).

Com base nas transformações físicas e químicas e nas alterações na cor da madeira deteriorada, os fungos destruidores podem ser classificados como fungos de podridão-parda, podridão-branca e podridão-mole. As duas primeiras classes são representadas por Basidiomicetos, já a podridão-mole é causada por Ascomicetos e Fungos Imperfeitos. Os fungos de podridão-parda estão mais comumente associados às coníferas e os fungos de podridão-branca, às folhosas. Os de podridão-mole são comuns tanto em coniferas quanto em folhosas (PANSHIN & DE ZEEUW, 1980PANSHIN, A. J. & DE ZEEUW, C. Textbookof Wood Technology. 4.ed. New York, McGraw-Hill, 1980. 722p.).

O processo de apodrecimento tanto nas árvores abatidas quanto nas árvores vivas não tem protótipo a seguir. Cada árvore desenvolverá as suas características inerentes, as quais lhe darão resistência, ou não, a determinados microrganismos invasores (SANTINI, 1982SANTINI, E. J. Biodeterioração e preservação da madeira. S.1, UFSM, CEDEF, FAT, 1982. 125p.). A variação, geralmente encontrada entre árvores de mesma espécie, segundo PANSHIN & DE ZEUW (1980), é largamente controlada por fatores genéticos, embora o vigor da árvore, a fertilidade do solo onde ela cresceu, seu tamanho e sua idade também tenham algum efeito nesta variabilidade.

Como se sabe, há variação na resistência natural ao apodrecimento entre o cerne e o alburno. PANSHIN & DE ZEEUW (1980)PANSHIN, A. J. & DE ZEEUW, C. Textbookof Wood Technology. 4.ed. New York, McGraw-Hill, 1980. 722p. citam que há também variação dentro do próprio cerne, sendo a resistência máxima ao apodrecimento geralmente encontrada no cerne externo, decrescendo em direção à medula. Os mesmos autores citam que o decréscimo da durabilidade, do cerne externo para a medula de Eucalyptus grandis Hill ex Malden, deve ser atribuido à polimerização dos polifenóis, que reduz a toxidade dessas substâncias. Mudanças, provocadas por enzimas, nos extrativos da região interna do cerne em árvores mais velhas também podem reduzir a sua resistência. CLARK & SCHEFFER (1983)CLARK, J. W. & SCHEFFER, T. C. Natural decay resistence of the heartwood of coast redwood Sequoia sempervirens (D. Don) Endl. Forest Products Journal,, Madison, 33, (5):15-20. 1983., que estudaram a resistência natural ao apodrecimento da madeira de cerne de Sequoia sempervirens (D. Don) Endl., quando atacada por Gloeophyllum trabeum, verificaram que a resistência variou nas direções radiais e longitudinais e, de modo geral, diminuiu progressivamente do cerne externo para o interno.

O alburno de eucaliptos, como de resto o de todas as espécies de madeiras, não é durável em contato com o solo. Quando, no entanto, ele é devidamente tratado com algum preservativo, mostra resistência comparável à do cerne (HILLIS & BROWN, 1988HILLIS, W. E. & BROWN, A. G. Eucalypts for wood production. Austrália, CSIRO, 1988. 434p.). Estes mesmos autores citam que, em Eucalyptus marginata, em decorrência, provavelmente, da polimerizaçâo oxidativa dos extrativos polifenólicos fungitóxicos, ocorre a formação de um núcleo de madeira de menor durabilidade em torno da medula, que gradualmente cresce em tamanho com a idade da árvore. Eles mencionam, também, que espécies de eucaliptos que cresceram rapidamente no estádio juvenil produziram madeira com reduzida durabilidade natural, mesmo em espécies que, normalmente, apresentariam alta resistência. Esse mesmo fenômeno deve ocorrer no Brasil, em razão das elevadas taxas de crescimento observadas em várias espécies daquele gênero aqui plantadas.

A espécie Eucalyptus microcorys, na Austrália, é considerada uma das mais duráveis, sendo classificada como pertencente à "classe 1" de durabilidade natural, mas não está entre as espécies mais importantes daquele País. Já o Eucalyptus pilularis possui uma durabilidade considerada de moderada a boa, e é uma das mais plantadas e importantes (HILLIS & BROWN, 1988HILLIS, W. E. & BROWN, A. G. Eucalypts for wood production. Austrália, CSIRO, 1988. 434p.). Estudo feito com madeira de E. microcorys, na forma de serragem, mostrou alta resistência desta espécie a vários fungos, reforçando a afirmação, mencionada anteriormente (DA COSTA & RUDMAN, 1957DA COSTA, E. W. B. & RUDMAN, P. The causes of natural durability in timber. Aust. J. Biol. Sci., 11(1): 45-57, 1957.).

Este trabalho teve o objetivo de testar a resistência ao apodrecimento das madeiras de Eucalyptus microcorys e de Eucalyptus pilularis, a partir de amostras obtidas de posições ao longo do tronco e na direção medula-casca. Tal amostragem permitiu mapear o interior da árvore, de tal maneira que se pudesse verificar a variabilidade dessa propriedade naquelas orientações.

MATERIAL E MÉTODOS

As espécies de madeiras, utilizadas neste trabalho, foram as de Eucalyptus microcorys F. Muell. e de Eucalyptus pilularis Sm., provenientes de parcelas implantadas na Universidade Federal de Viçosa; as árvores tinham 20 anos de idade quando abatidas.

Foram utilizadas três árvores de cada espécie, com diâmetros, aproximadamente, iguais aos da média de cada parcela. Após a escolha, marcou-se a posição do DAP, abateram-se as árvores e marcou-se uma linha, ao longo do tronco de cada árvore, para posicionamento posterior dos toretes. Toretes de 30 cm de comprimento foram retirados de um em um metro, ao longo da árvore. O primeiro foi retirado na base, o segundo, na altura do DAP, o terceiro, a 2,30 m da base e, assim, sucessivamente, até à altura do primeiro grande galho. Imediatamente após o seccionamento, os toretes foram desdobrados, obtendo-se deles uma pequena tábua radial de 2,5 cm de espessura. As tábuas, obtidas de todos os toretes, foram, finalmente, seccionadas em baguetas radiais e com dimensões de 2,5 por 2,5 por 30 cm de comprimento. De cada bagueta foram retiradas, na região central, duas amostras, com dimensões de 2,5 por 2,5 por 0,9 cm, para o teste de apodrecimento acelerado. Todos esses corpos de prova foram numerados para que se identificassem a árvore, o torete (e, portanto, a altura na árvore) e a posição medula-casca, donde eles foram retirados.

No estudo do apodrecimento das madeiras, seguiu-se a norma ASTM D-2017-81 (1994AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS-ASTM. Annual book of ASTM standards. Philadelphia, A.S.T.M., 1994. 608p.), com algumas modificações. Utilizou-se apenas o fungo Gloeophyllum trabeum e, como referência, a madeira de Pinus caribaea. O solo utilizado, de pH muito baixo, teve sua acidez corrigida para o nível exigido pela norma (pH 5 a 8) pela adição de calcário (SANTOS, 1992SANTOS, Z. M. dos. Avaliação da durabilidade natural da madeira de Eucalyptus grandis W. Hill: Maiden em ensaios de laboratório. Viçosa, MG, UFV, 1992. 75p. (Tese M.S.)). O procedimento consistiu, essencialmente, em colocar blocos da madeira a testar sobre um outro bloco de madeira reconhecidamente putrescível (no caso, usou-se também a madeira de Pinus caribaea) e previamente inoculado com o fungo. O bloco havia sido colocado sobre certa quantidade de solo umedecido e todo o conjunto foi montado no interior de um vidro de 500 ml de capacidade, provido de tampa rosqueável. Os vidros foram mantidos em ambiente com temperatura e umidade relativa constantes (26,7°C e 70% UR). Dois blocos da madeira a testar foram usados em cada vidro.

A partir de oito semanas da inoculação, quatro amostras da madeira de referência começaram a ser retiradas, em intervalos semanais, para controlar a perda de peso dos blocos, até à curva de perda de peso versus tempo atingir o valor de 60%, obtido ao final de 14 semanas. Neste dia, o experimento foi dado como encerrado. Todos os corpos de prova retirados e a percentagem de perda de peso calculada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A resistência das madeiras de Eucalyptus micmcorys e de Eucalyptus pilularis à ação do fungo Gloeophyllum trabeum é apresentada na Figura 1. A definição das classes de perda de peso, nela apresentada, baseou-se naquelas, propostas pela norma ASTM D- 2017-81 (1994AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS-ASTM. Annual book of ASTM standards. Philadelphia, A.S.T.M., 1994. 608p.).

Nota-se que o cerne das árvores 1 e 3 de E. micrcorys pode ser considerado altamente resistente ao ataque deste fungo. A árvore 2 desta espécie apresentou, por outro lado, uma região ao redor da medula e na base da tora, que foi apenas moderadamente resistente, quando comparada aos 60% de perda de peso da madeira de Pinus caribaea, usada como referência. Nesta árvore, notou-se que a tendência foi de aumento na durabilidade, em direção às camadas mais externas do cerne e com a alturada árvore, tornando-se a madeira altamente resistente, a partir dos 6 cm, contados com início na medula e aos 12 m de altura.

O comportamento da madeira de E. pilularis foi semelhante. Encontrou-se, em duas árvores, pequena percentagem de madeira mais susceptível à degradação, nas vizinhanças da medula.

Para aferição do rigor do ensaio de apodrecimento e, juntamente com as amostras de madeira de P. caribaea, corpos de prova, constituídos por madeira proveniente do alburno das duas espécies de eucalipto, foram também testados. Essas amostras demonstraram susceptibilidade à degradação, como esperado. Entretanto, as perdas de peso, encontradas nelas, foram sensivelmente inferiores às determinadas na madeira da conífera. Este fato demonstra a alta resistência ao apodrecimento da madeiras das duas folhosas, especialmente da região do cerne mais externo.

RESUMO E CONCLUSÕES

Com base nos resultados encontrados, podese tirar as seguintes conclusões:

  • Apenas no cerne interno (próximo à medula) e na base da tora de uma das árvores de E. microcorys, ocorreu deterioração, causada pelo fungo Gloeophyllum trabeum. Em E. pilularis este fenômeno foi observado em duas das árvores.

  • Nas árvores, onde aconteceu deterioração no cerne, a tendência foi de a perda de peso reduzir-se, no sentido do cerne externo e com a altura da árvore, tornando-se a madeira altamente resistente, a partir dos 6 cm da medula.

  • A perda de peso na região do alburno, considerada de pequena durabilidade natural, variou de 30 a 40%, quando comparada com 60% do Pinus caribaea.

1-
Descrição da variação nos sentidos radial e longitudinal da durabilidade natural das madeiras de Eucalyptus microcorys e E. pilularis, ao ataque do fungo Gloeophyllum trabeum

BIBLIOGRAFIA

  • AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS-ASTM. Annual book of ASTM standards. Philadelphia, A.S.T.M., 1994. 608p.
  • CAVALCANTE, M. S. Deterioração biológica e preservação de madeiras. São Paulo, IPT, 1982. 22p. (Pesquisa e Desenvolvimento, 8) (Publicação, 1.211).
  • CLARK, J. W. & SCHEFFER, T. C. Natural decay resistence of the heartwood of coast redwood Sequoia sempervirens (D. Don) Endl. Forest Products Journal,, Madison, 33, (5):15-20. 1983.
  • CLASSES DE PERDA DE PESO (%) 1- Descrição da variação nos sentidos radial e longitudinal da durabilidade natural das madeiras de Eucalyptus microcorys e E. pilularis, ao ataque dofungo Gloeophyllum trabeumcoast redwood Sequoia sempervirens (D. Don) Endl. Forest Products Journal, Madison, 33, (5) :15-20.1983.
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  • PANSHIN, A. J. & DE ZEEUW, C. Textbookof Wood Technology. 4.ed. New York, McGraw-Hill, 1980. 722p.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    1997
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