Open-access O mapeamento colaborativo e a mobilização de conhecimentos geográficos poderosos na escola

Resumo

Esse artigo apresenta reflexões de um estudo de caso que contou com a participação de 225 estudantes de Ensino Médio de uma escola pública do interior do Paraná, com os quais foram desenvolvidas sequências didáticas com a plataforma Google My Maps. Através delas analisamos as potencialidades didáticas do mapeamento colaborativo no que diz respeito à mobilização de conhecimento geográfico poderoso na escola, por meio do balizamento teórico-metodológico oferecido na tipologia de Alaric Maude. Nessa perspectiva, o conhecimento geográfico é visto como um conjunto de referências capazes de aprofundar as formas pelas quais os estudantes veem o mundo e a si mesmos e de oferecer condições para a promoção de uma maior consciência para a ação social. Concluiu-se que as técnicas de mapeamento colaborativo mobilizadas e estudadas ao longo da investigação contribuíram para a construção das diferentes dimensões do conhecimento geográfico poderoso, evidenciando o seu potencial para a promoção de diferentes saberes ligados ao pensamento geográfico na educação básica.

Palavras-chave: conhecimento poderoso; mapeamento colaborativo; ensino de Geografia

Abstract

This article presents reflections from a case study that included 225 high school students from a public school in the inland Paraná, with whom didactic sequences were developed with the Google My Maps platform. Through them we analyze the didactic potential of collaborative mapping regarding the mobilization of powerful geographic knowledge in school, based on the theoretical and methodological framework offered in Alaric Maude’s typology. From this perspective, geographic knowledge is seen as a set of references capable of deepening the ways in which students see the world and themselves, and of offering conditions for the promotion of greater awareness for social action. It was concluded that the collaborative mapping techniques mobilized and studied throughout the research contributed to the construction of the different dimensions of powerful geographic knowledge, evidencing its potential for the promotion of different knowledge linked to geographic thinking in basic education.

Keywords: Powerful Knowledge; Collaborative Mapping; Geography Teaching

Resumen

Este artículo presenta reflexiones de un estudio de caso que contó con la participación de 225 alumnos de enseñanza media de una escuela pública del interior de Paraná, con quienes se desarrollaron secuencias didácticas con la plataforma Google My Maps. A través de ellas analizamos el potencial didáctico del mapeo colaborativo con respecto a la movilización de conocimientos geográficos potentes en la escuela, a través del marco teórico y metodológico ofrecido en la tipología de Alaric Maude. Desde esta perspectiva, el conocimiento geográfico es visto como un conjunto de referencias capaces de profundizar las formas en que los estudiantes ven el mundo y a sí mismos, y de ofrecer condiciones para la promoción de una mayor conciencia para la acción social. Se concluyó que las técnicas de mapeo colaborativo movilizadas y estudiadas a lo largo de la investigación contribuyeron a la construcción de las diferentes dimensiones del conocimiento geográfico poderoso, destacando su potencial para la promoción de diferentes saberes vinculados al pensamiento geográfico en la educación básica.

Palabras clave: Conocimiento poderoso; Cartografía colaborativa; Enseñanza de la geografía

Introdução

O presente texto é embasado nos resultados de uma pesquisa de mestrado realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro Oeste - Unicentro, Irati, Paraná. Ele busca realizar uma reflexão a respeito das potencialidades didáticas de práticas de mapeamento colaborativo na educação básica.

O objetivo do estudo foi verificar de que maneira práticas de mapeamento colaborativo foram capazes de empoderar intelectualmente os estudantes para pensar pela Geografia e adotar posturas mais críticas e reflexivas em relação à sua realidade e à produção do próprio conhecimento, potencializando a aprendizagem de conhecimento geográfico poderoso (Young, 2008; 2011; Maude, 2016; Lambert; Solem, 2017).

Levou-se em conta, também, o fato de que a sociedade atravessa um contexto de profundas mudanças, especialmente por conta da crescente popularização e uso das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação), e que essas transformações aprofundam consideravelmente as novas formas de comunicação interativa no espaço em rede, vindo a influenciar diretamente a educação escolar por meio da quantidade bruta de dados disponíveis e da densidade de hiperlinks que se multiplicam e se compartilham em velocidades cada vez maiores.

O espaço em rede tornou-se um ambiente através do qual os estudantes reconhecem e atribuem sentidos a espaços, acontecimentos e situações geográficas e, através de uma diversidade de interações e relações sociais, mesmo que virtuais, materializam-se diversas formas geográficas. É justamente por essa característica e por sua natureza tão presente nas redes da sociedade global que a educação geográfica é convidada a adequar-se a esta nova realidade, a fim de encontrar abordagens e metodologias que proporcionem a produção e reprodução de um conhecimento geográfico crítico e consciente na escola.

Com o objetivo de apresentar os principais achados da investigação, inicialmente este texto apresenta elementos essenciais das ideias de conhecimento geográfico poderoso e de mapeamento colaborativo, referenciais centrais da abordagem assumida nesta investigação. Em seguida, explicita-se o desenho teórico-metodológico da pesquisa, para depois, refletir sobre os seus principais resultados.

O Conhecimento Geográfico Poderoso e o mapeamento colaborativo

O conceito de conhecimento poderoso, conforme sugerido por Michael Young (2008; 2011; 2014; 2016), foi concebido como um princípio curricular, uma forma de refletir sobre o que se ensina e o que se aprende por meio do currículo formal mobilizado pela escola.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o autor sugere a existência de diferentes formas de aprender, as quais possuem sua devida importância dentro de diferentes e específicos contextos de comunicação. Dentre elas, destaca-se a aprendizagem das experiências cotidianas, que está estreitamente relacionada aos saberes provenientes da dimensão das vivências culturais e comunitárias e se relaciona com a construção de uma sensibilidade coletiva e do senso comum. Contudo, especialmente quando se fala acerca das aprendizagens escolares, tais saberes, por mais significantes que sejam, tendem a não cumprir a função de promover o entendimento da totalidade dos aspectos e contradições que emergem do espaço e dos complexos modos de vida das sociedades contemporâneas, até porque não faz parte do rol de sua natureza e de suas intencionalidades. Para Young (2008; 2011), a escola precisa avançar na direção de formas de conhecimento que se estruturam a partir dos saberes disciplinares especializados, o que justificaria, inclusive, a existência das escolas, a partir do oferecimento de currículos e saberes que, de modo geral, não são possíveis de serem acessados em outros espaços que não sejam os escolares. Para o autor, essa perspectiva está na base da ideia da aquisição de conhecimento poderoso, ou seja, um conhecimento que permite a ampliação dos modos de ver dos estudantes.

Olhando para o ensino de Geografia, mais especificamente, Maude (2016) sugere que o conceito de conhecimento geográfico poderoso pode ser pensado sob duas perspectivas. A primeira delas gira em torno do questionamento sobre o que torna um conhecimento, efetivamente, poderoso. Nesta perspectiva, um currículo que incorpore o conhecimento poderoso se concentra no tipo de conhecimento ao qual os estudantes não têm acesso em casa ou em contextos não-escolares, cujo acesso é facilitado a partir de uma pedagogia orientada e sistematizada.

Contudo, quando pensamos na responsabilidade social da escola e no potencial emancipador da Geografia, a definição de conhecimento poderoso exclusivamente como saber disciplinar especializado não é suficiente para fundamentar a construção dos currículos e dar conta da totalidade dos saberes que os compõem. Isso significa dizer que o fato de um certo conhecimento estar previsto no currículo e ter uma base científica não o qualifica, a priori, como um conhecimento poderoso. Para isso, entretanto, é preciso levar em consideração seu potencial de mudança e as consequências que esse determinado conhecimento poderá trazer para aquele que o aprende. Aqui estamos nos referindo a uma segunda maneira de se olhar para a ideia de conhecimento poderoso, que gira em torno do empoderamento que este conhecimento oferece a quem o possui, que, nas palavras do autor, representa

[...] descobrir novas formas de pensar; explicar e compreender melhor o mundo natural e social; pensar em futuros alternativos e o que eles poderiam fazer para influenciá-los; ter algum poder sobre seus próprios conhecimentos; ser capaz de se engajar em debates atuais significativos e ir além dos limites de sua experiência pessoal. (Maude, 2016, p. 72, tradução nossa).

Tal perspectiva, que é tomada como base para a elaboração do argumento desta pesquisa, reconhece que o poder do conhecimento geográfico na escola tem a ver com sua disposição para promover a capacidade individual de pensar e agir com vistas a alcançar um dado efeito ou resultado por meio de formas elaboradas de reflexão, análise, interação e ação. Isso tende a permitir que o estudante se questione sobre a autoridade dos argumentos aos que lhe são expostos e as relações de poder implicadas na produção do conhecimento. Para a Geografia ensinada na escola, evidentemente, essa concepção pode trazer uma importante dimensão política, contribuindo para a construção de consciências críticas e amplas sobre a espacialidade dos fenômenos.

A Geografia, portanto, nessa perspectiva, não deveria considerar, exclusivamente, o conhecimento científico-disciplinar como a única referência curricular para a aquisição de conhecimento geográfico poderoso. Embora essa seja uma importante fonte na construção dos currículos, a essência do conhecimento poderoso não pode ser encerrada em uma lista acabada de conteúdos e/ou habilidades acadêmicas a serem aprendidas. Ao invés disso, de acordo com Maude (2016), ele deve se fundamentar na flexibilidade e acolhimento frente ao mundo experienciado e aos contextos em que a aprendizagem ocorre, em uma busca constante para dar sentido ao espaço geográfico vivenciado em suas múltiplas escalas.

Diante dessa necessidade de promover o encontro desses diferentes tipos de saberes que compõem o conteúdo do mapa e das aulas, e tendo a perspectiva da construção de conhecimentos geográficos poderosos na escola como um horizonte da prática pedagógica, é que se buscou explorar o potencial do mapeamento colaborativo como um recurso para a construção de aulas de Geografia na educação básica.

Levando em conta as condições e objetivos desta pesquisa, o que aqui está sendo chamado de mapeamento colaborativo é, justamente, um conjunto de técnicas e procedimentos que permitem a produção colaborativa de mapas, e especificamente nesta investigação, a partir do uso de plataformas Web 2.0. Este tipo de recurso constitui-se como um novo paradigma de operação da rede mundial de computadores, onde os usuários passam a cumprir papéis muito mais ativos na produção das informações, permitindo a constituição de redes sociais e colaborativas online com diferentes finalidades (O’Reilly, 2007; Canto, 2011; Bravo; Sluter, 2018).

O mapeamento colaborativo representa, portanto, uma importante inovação na forma como os mapas podem ser produzidos e utilizados, podendo subsidiar, inclusive, a produção de conhecimento sobre o espaço geográfico, especialmente na escola. Tal abordagem leva à constatação de que a ação de mapear não é mais uma prerrogativa exclusiva de um profissional cartógrafo habilitado e especialista (Bravo; Sluter, 2018; Machado; Camboin, 2019; Girardi; Coelho, 2021; Petsch et al., 2022). Diferentemente disso, usuários de dispositivos eletrônicos com acesso à internet podem inserir dados e/ou customizar seus próprios mapas em plataformas criadas para esse fim.

A possibilidade da inserção de diferentes camadas de informações espaciais pode ser usada como subsídio para que seus usuários se tornem autores-leitores e criem formas de representar, de compreender e de pensar sobre o mundo a partir da multilinearidade típica do ciberespaço (Girardi; Coelho, 2021; Petsch et al., 2022). Além disso, as plataformas de mapeamento web dispõem de mecanismos que permitem a personalização dos conteúdos, seja em termos de elaborações particulares, seja em termos de inserção de elementos multimodais de informação, como textos, vídeos, sons e fotografias, que têm a função de revelar informações e produzir sentidos sobre os lugares representados. Em outras palavras:

O mapeamento colaborativo, ao mediar uma relação com o espaço e ao permitir a adição de novas camadas de conteúdos informacionais na sua plataforma, possibilita - além do desenvolvimento de um sistema com fluxo de informações descentralizadas e personalizadas, a emergência de uma espacialidade marcada pela experimentação do espaço, em detrimento de uma espacialidade contemplativa. (Ribeiro; Lima, 2011, p. 45).

Nesta perspectiva, as informações contidas em um mapa digital colaborativo não são apenas representações gráficas, pois adquirem a capacidade de criar e comunicar conhecimentos de maneira interativa e multilinear. Em outras palavras, convertem-se em uma interface mais ampla da inteligência coletiva, que muitas vezes se assemelham a redes sociais, em que se amplia o reconhecimento espacial de uma maneira bastante dinâmica e que possibilita aos usuários uma experiência ampla no espaço.

Para Girardi e Coelho (2021) as práticas de mapeamento colaborativo fazem com que a cartografia avance de um paradigma da comunicação cartográfica, baseado em informações controladas por cartógrafos em busca da eficiência para transmitir informações por meio da linguagem própria dos mapas, para um paradigma da visualização cartográfica. Esta última, pauta-se pela descoberta, pela sistematização de dados e informações espaciais on-line e pela interatividade oferecida pelos dispositivos tecnológicos e novas plataformas de mapeamento que delineiam novas sensibilidades sobre o espaço, abrindo a possibilidade de se explorar diferentes formas de cartografias no âmbito da escola (Seemann, 2012; Canto, 2011).

Esse novo paradigma traz à tona uma necessidade de reflexão a respeito das práticas de alfabetização cartográfica na escola, já consolidadas na educação geográfica brasileira desde a década de 90, em referência especial às proposições de Simielli (1999). Dentre essas proposições e consensos, destaca-se a ideia de que cabe à Geografia escolar desenvolver o potencial cognitivo dos estudantes, a fim de que eles se tornem mapeadores conscientes e leitores críticos de mapas por meio da apreensão e da aplicação dos conceitos fundamentais da linguagem cartográfica, como por exemplo, localização, orientação, escala e legenda. O mapeamento colaborativo, portanto, sugeriria uma espécie de fusão entre o mapeador e o leitor (Girardi; Coelho, 2021).

Diante disso, portanto, a ressignificação do paradigma da cartografia parece apontar para uma igual ressignificação das práticas educativas que precisam avançar para além das abordagens tradicionais do mapa na escola sem, no entanto, negligenciá-las. Dessa forma, é preciso tomá-las como ponto de partida para disseminar e promover novos e distintos modos de abordar o trabalho com os mapas para trazer à cartografia escolar esta nova abordagem.

Para Silva et al. (2021, p. 223), a relação dos estudantes com os mapas digitais “desperta curiosidades, sensações e percepções, estimulando o estudante a imaginar, a criar situações, a observar, a relacionar acontecimentos e vivências, e assim, a aprender de forma autônoma”. Em outras palavras, “tais mapas expressam uma forma diferente de estabelecer comunicação e de compartilhar uma imagem-ideia dos ambientes experienciados em suas dimensões materiais e simbólicas” (Ribeiro; Lima, 2011, p. 46).

Vale dizer aqui, também, que “um mapa é conhecido por ser capaz de demonstrar poder [...] e o mapeamento colaborativo traz a oportunidade de ser instrumento de denúncias e soluções para a sociedade” (Tavares et al., 2016, p. 44). A partir de uma melhor compreensão de suas geografias, portanto, pode-se permitir a inserção dos estudantes nas lutas sociais contemporâneas e favorecer o exercício da cidadania pois cidadãos mais esclarecidos e conscientes das contradições que conformam sua espacialidade vivida podem participar de forma mais ativa de sua realidade e intervir sobre ela. Neste ponto, o mapeamento colaborativo intercepta as práticas da cartografia social (Acselrad, 2010; Gomes, 2017), somando-se ao movimento de ressignificação do papel das comunidades - neste caso, da escola - nos processos de mapeamento; e colaborando para a promoção e a visibilidade de elementos da vida que, geralmente, podem estar sendo negligenciados pelas cartografias que circulam na escola.

Tais proposições, pelos entendimentos assumidos nesta investigação, sugerem uma aproximação possível entre as práticas de mapeamento colaborativo e a ideia de um currículo escolar baseado em conhecimento geográfico poderoso. Nessa perspectiva, o conhecimento produzido nas escolas, além de buscar dar conta das dimensões especializadas dos currículos, tende a ser tomado também a partir das demandas da localidade e das vivências dos estudantes em suas múltiplas escalas.

Dessa forma, para que a Geografia escolar possa implementar processos didáticos que vislumbrem a construção de conhecimentos poderosos, a valorização dos princípios epistemológicos e pilares conceituais da ciência precisa estar acompanhada de uma atenção profunda em relação aos diferentes saberes e demandas da comunidade e da escola. Dessa forma, os conceitos, representações e processos de raciocínio que compõem a forma específica pela qual a Geografia pensa o mundo poderão ser tomados como novos referentes para a compreensão do mundo da vida, ou seja, como conhecimentos geográficos poderosos.

Desenho teórico-metodológico da investigação

A pesquisa que deu origem a este artigo ocorreu sob a forma de um estudo de caso, que além de mobilizar técnicas de mapeamento colaborativo integradas a sequências didáticas em turmas de Ensino Médio de uma escola localizada no centro urbano de Imbituva/PR, contou também com a observação participante da pesquisadora. Sobre a natureza desta modalidade de pesquisa no campo educacional, pode-se dizer que:

[...] se fundamentam numa perspectiva que concebe o conhecimento como um processo socialmente construído pelos sujeitos nas suas interações cotidianas, enquanto atuam na realidade, transformando-a e sendo por ela transformados. [...]. O contato direto e prolongado do pesquisador com os eventos e situações investigadas possibilita descrever ações e comportamentos, captar significados, analisar interações, compreender e interpretar linguagens, estudar representações, sem desvinculá-los do contexto e das circunstâncias especiais em que se manifestam. (André, 2013, p. 97).

Tal metodologia de pesquisa favorece o enfoque das múltiplas dimensões do processo educativo que se desvelam, inevitavelmente, a partir do cotidiano da escola durante a prática educativa. Com o objetivo de captar os significados expressos ao longo do processo de investigação participante e estabelecer relações e inferências acerca do corpus da pesquisa proposta nos utilizamos de múltiplas fontes para a produção dos dados primários, as quais descreveremos a seguir.

Em primeiro lugar, elaboramos duas sequências didáticas, baseadas no conteúdo do currículo formal da rede pública do estado do Paraná e que foram realizadas por cerca de 225 estudantes de segundos e terceiros anos do Ensino Médio de uma escola do interior do Estado. Utilizou-se a plataforma web de mapeamento Google My Maps1, da qual extraímos como produtos um conjunto mapas colaborativos produzidos pelos estudantes.

Para realizar as atividades de confecção dos mapas colaborativos propostos para as sequências didáticas, geramos um mapa colaborativo para cada grupo de alunos de no máximo cinco integrantes. O arquivo digital foi compartilhado no Google Drive com permissão de acesso e edição, por meio de hiperlinks disponibilizados aos estudantes na plataforma Google Classroom e por aplicativos de mensagens. As atividades de confecção dos mapas ocorreram no contraturno dos estudantes, no laboratório de informática da escola ou com a utilização de seus equipamentos pessoais.

A pesquisa buscou tomar o uso do Google My Maps a partir da perspectiva do mapeamento via web ou via plataformas VGI (informação geográfica voluntária), vistas como plataformas de informações geográficas coletadas e compartilhadas pelo público em geral, ou seja, por usuários com ou sem educação formal em cartografia. A prática de compartilhamento e a possibilidade de geração de conteúdo digital são os aspectos que caracterizam essas plataformas, sendo o “mapeamento colaborativo” a expressão utilizada para determinar a natureza colaborativa desse compartilhamento de informações geográficas em mapas digitais (Bravo; Sluter, 2018).

A sequência didática proposta para os segundos anos tratou da Geografia do Paraná. Ao longo de 10 atividades distintas, os estudantes pesquisaram e produziram conteúdo sobre o Estado a partir da referência espacial das suas cinco grandes regiões de relevo Paranaense:2 Planície litorânea, Serra do Mar, Primeiro Planalto, Segundo Planalto e Terceiro Planalto. O objetivo destas atividades foi conduzir os estudantes à compreensão de situações geográficas relacionadas à espacialidade municipal e estadual, de modo que pudessem aprofundar os seus conhecimentos em relação ao seu espaço geográfico mais imediato. O produto educacional criado ao longo das atividades foi um mapa interativo do Estado do Paraná, com as suas principais características geográficas.

Já a proposta curricular para os terceiros anos da rede estadual está vinculada a várias questões ligadas a geopolítica, por isso, a partir da temática globalização e redes geográficas, as atividades da sequência didática proposta trouxeram diversas situações geográficas através das quais procuramos abordar conceitos e conteúdos disciplinares relacionados ao tema proposto. Dentre elas podemos destacar as características do capitalismo, as desigualdades socioeconômicas entre os países, a concentração de renda no mundo, a divisão internacional do trabalho e as diversas interconexões do mundo globalizado.

O produto educacional criado pelos estudantes ao longo da sequência didática foi um conjunto, com oito mapas digitais, que evidenciaram as relações do local com o global sob diversos enfoques, de modo que os estudantes compreendessem de que forma as situações geográficas e o feixe de eventos que as caracterizam, produzem e reproduzem o espaço de maneira dinâmica.

Para embasar as reflexões sobre o trabalho desenvolvido com as sequências didáticas, ao longo de sua aplicação utilizamos um diário de campo de pesquisa, no qual registramos informações, observações, comentários e reflexões a respeito das práticas cotidianas. Além disso, ao término das atividades, os estudantes responderam individualmente a um questionário semiestruturado, com questões abertas e fechadas.

Tais instrumentos de pesquisa nos permitiram a produção de dados acerca da utilização das práticas de mapeamento colaborativo como ferramentas de ensino e aprendizagem, bem como sobre a construção de conhecimentos poderosos e o aperfeiçoamento do pensamento geográfico dos estudantes, por meio de tais práticas didáticas.

O processo de análise dos dados ocorreu com base em um processo qualitativo-interpretativo em que, por intermédio da comparação de resultados e da descoberta da relação entre as informações obtidas por meio dos instrumentos de pesquisa, identificamos os padrões existentes entre os achados. A partir disso, procuramos extrair seus sentidos e realizamos as inferências e generalizações a respeito do conteúdo gerado durante o processo de aplicação das sequências didáticas.

Tomando como referência da análise a ideia de conhecimento geográfico poderoso (Young, 2008, 2011; Maude 2016; Lambert e Solem, 2017), este estudo não buscou analisar a aprendizagem de uma lista pré-determinada de conteúdos prescritos. Ao invés disso, empreendeu uma interpretação qualitativa das aprendizagens pautando-se na Tipologia do Conhecimento Geográfico Poderoso de Maude (2016) expressa no Quadro 1, a seguir, a qual serviu como referência categorial na análise destes resultados:

Quadro 1 -
Tipologia do conhecimento poderoso na Geografia

Diante desse sistema categorial, as produções dos estudantes, ou seja, os mapas colaborativos, as apresentações e os textos, como também os diários de campo da pesquisadora, foram analisados com base na tipologia acima a fim de se buscar evidências de forma delimitada e objetiva acerca das possíveis aprendizagens de conhecimento geográfico poderoso por meio das ações de mapeamento colaborativo conduzidas ao longo do experimento.

Com base nas evidências recolhidas através dos instrumentos de pesquisa e na análise de sua interação com o referencial teórico elencado, apresentaremos a seguir algumas das potencialidades didáticas demonstradas a fim de se constituir um quadro suficiente dos principais resultados da pesquisa.

Resultados e discussão

As produções dos estudantes, especialmente os mapas produzidos colaborativamente por meio da plataforma Google My Maps, constituem-se nos principais artefatos entre os resultados da pesquisa. Conforme verifica-se na Figura 1 e demais amostras a seguir, os mapas digitais colaborativos possibilitaram aos estudantes a representação espacial de lugares e fenômenos por meio de marcadores inseridos no mapa.

Figura 1 -
Reprodução parcial do mapa produzido pelo décimo grupo de estudantes do 2° ano do Ensino Médio, de escola localizada no interior do estado do Paraná.

Para realizar esta atividade, por exemplo, os estudantes receberam uma lista com os principais recursos minerais do Paraná, sendo solicitado que pesquisassem em quais cidades do Estado eles poderiam ser encontrados para depois procederem a inserção da sua localização no mapa com a ferramenta de “inserir marcador”. Quando um ponto é inserido, abre-se uma caixa de informações na qual são informadas automaticamente as coordenadas geográficas do local. Os estudantes utilizaram esses espaços para anexar diversas informações, como, por exemplo, os recursos minerais correspondentes àquela localização, suas jazidas minerais, as formas de exploração desses recursos e suas possíveis utilizações econômicas. Isso foi feito com textos, fotos e vídeos anexados ao mapa por meio de upload (carregamento de arquivos digitais) ou hiperlinks.

Essa dinâmica permitiu que os estudantes refletissem sobre as interações entre a sociedade e a natureza, além dos condicionantes naturais, sociais e econômicos da exploração mineral. Esse é um exercício que, na esteira da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), inclusive, e por meio da representação espacial, aciona diversos princípios do raciocínio geográfico, como analogia, diferenciação, conexão e ordem.

Verificamos também que as técnicas de mapeamento colaborativo mobilizadas permitiram que os estudantes interagissem com as representações do espaço geográfico, a partir de imagens de satélite, em várias escalas. Por meio da análise dos atributos espaciais dos fenômenos representados, estimulou-se o pensamento espacial dos estudantes, ligado a uma concretude geográfica que atribui sentido ao conhecimento. Verificamos, com essa atividade, que ao explorar a espacialidade dos fenômenos de um certo conteúdo curricular, com o qual o estudante, muitas vezes, não tem uma familiaridade imediata, o mapeamento colaborativo potencializa a aprendizagem e a compreensão do conteúdo proposto ao criar modelos de explicação que dão conta de representar e refletir de forma consciente sobre o espaço geográfico.

Em outra amostra dos mapas produzidos, por exemplo, os estudantes utilizaram as ferramentas de “desenhar linha” e “traçar rotas” para representar espacialmente como acontece a produção e a exportação do fumo produzido no Município de Imbituva (Figura 2). A fumicultura é uma atividade desenvolvida por muitas das famílias desses estudantes, fazendo parte do cotidiano de vida e de trabalho de muitos deles.

Figura 2 -
Reprodução parcial do mapa produzido pelo sétimo grupo de estudantes do 3° ano do Ensino Médio, de escola localizada no interior do estado do Paraná.

Com essa atividade eles ilustraram as relações espaciais e socioeconômicas existentes entre o local e o global através de uma situação geográfica diretamente relacionada às suas realidades. Também visualizaram e conceituaram algumas das redes geográficas implicadas na relação e, por meio da análise do material produzido, debatemos sobre diversas características do processo de globalização, e como ela afeta a organização da vida e do trabalho na escala local.

Verificamos que a confecção e o estudo desse mapa permitiu aos estudantes da turma uma maior compreensão de situações geográficas inerentes ao seu lugar de vivência que muitas vezes tende a ser negligenciada nos programas e currículos escolares. Foi possível explorar, por meio da ação de mapeamento, como e por que tal fenômeno adquire as características representadas e de que maneira o lugar se conecta aos outros lugares do mundo a partir de diversas redes, nós e conexões.

Outro tema explorado pelos estudantes ao longo das sequências didáticas refere-se ao recorte das situações geográficas relacionadas à expansão da pandemia de Covid-19 no mundo. Neste mapa, conforme verifica-se na Figura 3, a seguir, os estudantes registraram onde ocorreu a detecção do primeiro caso de Covid-19 na China e como o vírus se espalhou pelo mundo, passando pela Itália e pela divulgação do primeiro caso no Brasil até a chegada da doença em Imbituva, revelando, dessa forma, a evolução da situação pandêmica no Município.

Figura 3 -
Reprodução parcial do mapa produzido pelo oitavo grupo de estudantes do 3° ano do Ensino Médio, de escola localizada no interior do estado do Paraná.

Os estudantes também identificaram os países que produziram as vacinas e os insumos necessários para sua aplicação e como eles chegaram ao Brasil. Com essa atividade analisamos o impacto mundial causado pela pandemia e refletimos de que forma o processo de globalização e as rápidas interconexões globais colaboraram para a disseminação do vírus. Também discutimos como esse processo, aliado à revolução técnico-científica, desencadeou uma mobilização mundial de governos e corporações transnacionais em busca de tratamentos e de vacinas.

Em certa medida, tais atividades puderam explorar diferentes aspectos geográficos, destacando sua dinamicidade e movimento. Isso vai ao encontro das proposições de Silveira (1999, p. 21), que afirma que “graças às novas técnicas e à circulação da informação, a geografia do mundo atual desponta como uma totalidade e, por isso, defrontamo-nos com a necessidade de produzir um esquema metodológico que permita elaborar um retrato dos lugares na história do presente”. Os exemplos acima evidenciam que o mapeamento colaborativo pode ser um possível caminho para atender essas necessidades, sendo essa, inclusive, uma das suas potencialidades mais importantes, já que plataformas Web 2.0 como o My Maps favorecem a representação, a análise espacial e a interpretação das mais diversas situações geográficas.

A prática de ensino e aprendizagem por meio de mapas colaborativos demonstrou contribuir com a construção de uma proposta metodológica preocupada em identificar sentidos nos conteúdos escolares por meio das situações geográficas. Afirma-se isso por verificar que, através dos mapas digitais produzidos pelos estudantes, não somente foi possível visualizar a localização material de um certo recorte espacial, mas além disso, permitiu-se a percepção relacional entre as variantes inerentes à uma situação geográfica.

Verificamos que, além disso, o movimento de representação das situações geográficas pelos estudantes lhes permitiu analisar de que forma a técnica, as organizações, as inovações e as ações de grupos ou de grandes corporações difundem-se em um certo espaço e o modificam de forma dinâmica, interrelacionada e interdependente, determinando transformações socioespaciais e reconfiguração constante das situações geográficas a partir das reordenações de suas variáveis. A utilização de plataformas de mapeamento colaborativo via web proporciona à educação geográfica a possibilidade de construir processos de ensino que superam a instrução direta e conduzem os estudantes para atitudes mais proativas em relação à construção do próprio conhecimento. Essa afirmação encontra respaldo na premissa de que o mapeamento colaborativo não exige a memorização de informações, ao contrário, encaminha os estudantes para a compreensão de processos de aprendizagem mais interativos que facilitam a apreensão de conceitos e a formulação de novos raciocínios geográficos.

Análise dos resultados à luz da Tipologia de Maude

Para Bravo e Sluter (2018, p. 1903) “o mapeamento colaborativo guarda consigo uma conotação de empoderamento de comunidades e cidadãos que antes não participavam do processo de criação das informações geográficas”. Corroborando com a afirmação do autor e de acordo com as referências categoriais da Tipologia de Maude (2016), pode-se afirmar, inicialmente, que a produção dos mapas digitais colaborativos pelos estudantes associa-se diretamente à construção do terceiro tipo de conhecimento geográfico poderoso, ou conhecimento que dá aos estudantes algum poder sobre seus próprios conhecimentos. Defendemos esse argumento por constatar que, para os estudantes, produzir conteúdo digital e explorar o pensamento geográfico por meio dos mapas colaborativos foi uma experiência de empoderamento, já que acionaram uma nova forma de construir conhecimentos que lhes proporcionou a possibilidade de mobilizar os conceitos e conteúdos da Geografia de forma significativa.

As práticas de mapeamento colaborativo apresentaram um grande potencial epistêmico para a Geografia escolar, tendo em vista que tais práticas facilitaram a construção de sentidos sobre o espaço geográfico real com base no potencial informacional do ciberespaço, estabelecendo uma via de acesso para que os estudantes descubram como o conhecimento é criado, testado e avaliado pela ciência geográfica. Ao longo das sequências didáticas verificamos que, além de conteúdos digitais, os estudantes produziram conhecimento geográfico.

Argumentamos aqui que essa dinâmica de aprendizagem vai ao encontro da ideia de que o conhecimento poderoso permite àqueles que o acessarem, questionar os fundamentos de autoridade sobre os quais se baseia. (Young, 2014). Em outras palavras, ao criarem os mapas colaborativos, os aprendizes ultrapassam a posição de receptores de informações para se assumirem como autores do conhecimento, já que tais produtos digitais são criados pela soma de muitas inteligências que se abrem ao diálogo e à negociação de sentidos em prol de uma construção coletiva do conhecimento geográfico na escola.

Quando perguntamos aos estudantes se eles consideravam que haviam produzido conhecimento geográfico com as atividades na plataforma My Maps, a maioria deles, 98,5%, responderam afirmativamente, inclusive justificando as suas respostas com vários exemplos, dentre os quais destacamos os seguintes:

Com o trabalho eu consegui abrir mais a minha mente sobre o assunto e com as pesquisas e a montagem do trabalho consegui aprender a me localizar (J.3E)3.

A atividade foi algo novo e diferente, o que me fez ter interesse em fazer e com a opinião e o conhecimento de cada um do grupo descobrimos muitas coisas que antes não sabíamos (A.3D).

Em cada apresentação e ao realizar a atividade eu consegui criar um conhecimento próprio sobre o estado (A.2C).

Além disso, as práticas de mapeamento colaborativo demonstraram favorecer substancialmente o desenvolvimento do raciocínio geográfico dos estudantes, instrumentalizando os estudantes ao Tipo 2 do Conhecimento Geográfico Poderoso, ou seja, conhecimento que fornece aos alunos formas poderosas de analisar, explicar e entender. Isso ocorreu quando eles acionaram conceitos espaciais diversos como localização, orientação, forma e distribuição para deflagrar processos de raciocínio como análise, síntese, generalização, superposição, associação e previsão, que são inerentes à análise geográfica.

Verificamos ao longo das sequências didáticas que a cartografia escolar, praticada por intermédio do mapeamento colaborativo, contribuiu para que os estudantes fossem instrumentalizados para leituras dos arranjos espaciais e das redes globais, viabilizando a mobilização de diversos princípios do raciocínio geográfico como analogia, diferenciação, distribuição, extensão, localização, conexão e ordem espacial.

Considerando a importância de se admitir que dentre seus diferentes papéis “a Geografia na escola tem a finalidade da formação de modos de pensar geográficos por parte dos alunos” (Cavalcanti, 2012, p. 12), o mapeamento colaborativo demonstrou permitir o estudo de fenômenos geográficos a partir do alinhamento entre a linguagem cartográfica e o raciocínio geográfico. Isso evidencia o seu papel como ferramenta de ensino capaz de contribuir para materializar a forma de pensar da ciência geográfica.

A partir do exposto, torna-se evidente que as práticas de mapeamento colaborativo apresentam um amplo potencial para proporcionar aos estudantes novas formas de pensar sobre o mundo. Em conformidade com o Tipo 1 de Conhecimento Geográfico Poderoso. Para Maude (2016, p. 12), “os modos de pensar pela Geografia são poderosos porque podem proporcionar novas percepções, valores e compreensões, novas perguntas a fazer e novas explicações a explorar”. Verificamos, durante a aplicação das sequências didáticas, que a espacialidade representada pelos mapas, associada à densidade de hiperlinks informativos e ao conhecimento geográfico construído, favoreceu o delineamento de um pensamento geográfico mais robusto e dinâmico, conectado às novas formas multilineares e colaborativas de aprender através do ciberespaço.

Da totalidade dos estudantes que realizaram as atividades com o My Maps, 92% julgaram que passaram a pensar de outra forma sobre o espaço geográfico. Um indício importante para fortalecer esse argumento reside no fato de que algumas das frases mais recorrentes dentre os estudantes ao longo das sequências didáticas foram: “Eu nem imaginava que”; “Eu não sabia que existia”, etc. Podemos reforçar essa afirmação com as considerações dos próprios estudantes:

No dia a dia não nos damos conta de que boa parte do que vivemos, mas quando paramos para debater e entender sobre globalização, percebemos que tem um mundo que vai além do que conhecíamos e passamos a enxergar o mundo de outra forma (E.3E).

Quando você se aprofunda em uma coisa, consegue descobrir um mundo diferente. Creio que minha visão mudou muito (LA. 3C).

Conhecemos lugares do mundo, que não tínhamos ideia de que estávamos ligados de maneira tão significativa (B.3E)

Nas pesquisas conhecemos realidades muito diferentes do que aquelas que estamos acostumados no Brasil (B.3D).

Eu não fazia ideia de que existiam lugares tão legais. A visibilidade geográfica do My Maps é incrível, conheci várias cidades importantes e várias empresas ao redor do mundo (M.3D).

Essas novas formas de pensar pela Geografia descritas pelos estudantes estão caracterizadas por muitos de seus principais conceitos, que foram compreendidos por meio das práticas de mapeamento colaborativo e dos esquemas explicativos criados por eles nos mapas digitais. Notamos que o mapeamento colaborativo promoveu o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, que se tornaram, ao mesmo tempo, mapeadores e leitores de informações espaciais.

Temos claro, portanto, que os estudantes precisaram se utilizar dos conteúdos e conceitos da Geografia para representar as espacialidades das situações geográficas propostas, corroborando com a proposição de que os mapas na escola precisam ultrapassar o status de mera localização, para apresentar-se como um instrumento para favorecer a construção efetiva de conhecimentos geográficos (Cavalcanti, 2012; 2013; Castellar, 2020).

Dessa forma, uma das frentes que nos permitem mensurar a amplitude dos conhecimentos poderosos construídos pelos estudantes diz respeito às evidências de compreensão do conteúdo disciplinar e do acesso a um conhecimento geográfico geral mais amplo. Apesar de não ser a única fonte de verificação da aprendizagem, o conhecimento conceitual ou disciplinar é uma referência importante pois sua aprendizagem serve de base ao pensamento geográfico, que, por sua vez, é a via de acesso ao conhecimento poderoso. Ele se aproxima do que Maude (2016) chama de Tipo 5 de Conhecimento Geográfico Poderoso, ou seja, o conhecimento de mundo. Para o autor, esse é o tipo de saber que leva o estudante para além da experiência cotidiana ao permitir aos jovens um conhecimento mais aprofundado da diversidade mundial de ambientes, povos e culturas, bem como de desenvolver noções de interconexão global e cidadania.

Para avaliar essa dimensão da aprendizagem, pedimos aos estudantes, por meio de uma questão aberta no questionário semiestruturado, que descrevessem três conteúdos da Geografia que aprenderam no decorrer da sequência didática. A diversidade de conteúdos citados é um forte indício de que a atividade proporcionou aos estudantes a compreensão de diversos conceitos inerentes ao conteúdo disciplinar da Geografia, que, por sua vez, levam ao aperfeiçoamento do conhecimento geográfico. Quando perguntamos aos estudantes se eles haviam conhecido novos lugares e novas realidades a partir da atividade com o My Maps, 96% deles responderam afirmativamente, confirmando o que verificamos ao longo de todo o percurso de aplicação das sequências didáticas.

Outra constatação importante é a de que, dentre todos os estudantes que responderam à questão acima, nenhum fez afirmações do tipo “não sei” ou “não lembro”, ao contrário, todos eles enumeraram conteúdos e discorreram brevemente sobre eles com suas próprias palavras, como nos destaques a seguir:

Aprendi sobre o meu estado, conheci melhor as suas cidades e pontos turísticos, sobre o relevo e também a me localizar no mapa (J.2C).

Estamos todos “misturados”, as culturas não são apenas locais, são várias em uma. Por exemplo: sou brasileira e paranaense, mas recebo influência cultural de outros lugares do mundo como por exemplo dos EUA, da Inglaterra e do Japão (Y.3C).

Pensava que vivia em um mundinho fechado, mas estudando sobre globalização entendi que o mundo é muito maior (J.3C).

O trabalho me fez refletir que a pandemia só aconteceu tão rapidamente por causa da globalização, ao mesmo tempo que foi diminuindo por causa da tecnologia do mundo (N.3D).

Verificamos que as práticas de mapeamento colaborativo promoveram diversas reflexões sobre a diversidade mundial de espaços e o desenvolvimento de uma argumentação mais consistente, instrumentalizada por um vocabulário geográfico mais robusto, o que veio a colaborar diretamente com a formação dos jovens aprendizes.

De modo geral, os mapas colaborativos trouxeram aos estudantes a possibilidade de formular questionamentos geográficos, compreender dilemas pessoais e apontar alternativas para resolver situações-problemas inerentes as suas realidades, potencializando, dessa forma, as discussões e apontamentos dos grupos em sala de aula e promovendo o protagonismo estudantil e o empoderamento dos jovens. As afirmações dos estudantes corroboram com essa afirmação:

Com a opinião e o conhecimento de cada um do grupo descobrimos muitas coisas que antes não sabíamos (A.3D).

As apresentações em sala ajudaram a mostrar os principais e mais interessantes detalhes da matéria, que puderam transmitir facilmente em uma conversa (A.2F).

A forma de usar o aplicativo para o agrupamento de informações ajudou no aprendizado e na apresentação do assunto na sala, para que pudéssemos ver e falar das coisas de forma mais clara e organizada (B.2F).

No que diz respeito a conversar e debater sobre os assuntos tratados nas sequências didáticas, 88% dos estudantes se consideraram aptos para esta tarefa, e muitos assim exemplificaram:

Absorvi várias informações e até já expliquei para a minha mãe como funcionam as exportações de calçados em Imbituva (V.3E).

Já consegui falar, por ter entendido o trabalho e ter gostado de tantas histórias através dos assuntos (N.3C).

Agora consigo falar mais com as pessoas sobre esse assunto, sem ficar perdida me perguntando o que é aquilo (D.2F).

Com base nesses dados, podemos afirmar que as práticas de mapeamento colaborativo proporcionaram aos estudantes o acesso ao Tipo 4 de Conhecimento Geográfico Poderoso, ou conhecimento que permite aos jovens acompanhar e participar de debates sobre questões locais, nacionais e globais significativas. Para Maude (2016, p. 14, tradução nossa) “a capacidade de acompanhar e participar dos debates públicos é essencial para uma participação plena e igualitária na sociedade e sem esta capacidade os jovens não têm poder”. Com base nessa premissa, podemos afirmar que a capacidade de usar o pensamento geográfico para discernir e avaliar situações sociais, políticas e econômicas é de muita relevância no mundo atual e consiste em uma das mais fortes vocações da Geografia escolar: preparar os jovens estudantes para examinar questões atuais e exercer seu papel de cidadãos ativos no contexto em que vivem.

A partir das evidências demonstradas, podemos afirmar que, apesar de Maude (2016) nos apresentar uma tipologia com cinco categorias de conhecimento geográfico poderoso, na prática educativa elas não se apresentam como aprendizagens distintas. Ao contrário disso, elas fundem-se, complementando-se para subsidiar a educação geográfica. Consideramos que o pensamento geográfico é o elo entre os diferentes tipos de conhecimentos geográficos poderosos propostos por Maude (2016) e a essência da Geografia como um conhecimento poderoso. Dessa forma, concordamos que:

Pensar geograficamente é uma maneira excepcionalmente poderosa de ver o mundo. (...) fornece uma linguagem - um conjunto de conceitos e ideias - que pode nos ajudar a ver as conexões entre lugares e escalas que outros frequentemente não percebem. (Jackson, 2006, p. 9).

O conhecimento geográfico poderoso, portanto, ao perpassar os objetivos da Geografia enquanto disciplina escolar, torna-se uma perspectiva capaz de referenciar e dar sentido à atividade de pensar pela Geografia, proporcionando aos estudantes uma maior autonomia intelectual que clarifica e complexifica as suas compreensões do mundo.

Considerações finais

Diante do conjunto dos resultados apresentados, argumenta-se que o mapeamento colaborativo pode ser uma ferramenta pertinente para a exploração do potencial da educação geográfica, oferecendo diferentes formas de apropriação das espacialidades dos estudantes. Além disso, tende a propiciar alternativas para a prática educativa em favor do desenvolvimento de saberes que permitam a ampliação dos modos de se ver o mundo.

Durante a realização das sequências didáticas verificamos que o My Maps se tornou um recurso bastante intuitivo e de fácil utilização pelos estudantes, apresentando um grande potencial didático, já que a plataforma permitiu a exploração de diversos conteúdos da Geografia a partir do exercício da espacialização dos fenômenos. Tudo isso permite caracterizar as práticas de mapeamento colaborativo como uma ferramenta de construção e de apropriação do saber geográfico na escola, um elo entre o estudante e a materialidade do espaço geográfico, com poder de estreitar a sua relação com o pensamento espacial e os lugares representados, em suas diferentes escalas. Ao possibilitar a inserção de registros espaciais personalizados, provenientes de fontes midiáticas diversas, as práticas de mapeamento colaborativo proporcionaram a aprendizagem simultânea de diversos conteúdos geográficos, além de promover a compreensão das inter-relações espaciais por meios de raciocínios associativos e novas formas de representações.

Como ferramenta digital, a plataforma de mapeamento colaborativo My Maps favoreceu um procedimento de ensino através do qual os estudantes assumiram o poder sobre a construção do próprio conhecimento, o que os colocou em contato direto com diferentes aspectos, conceitos e processos relacionados à ciência geográfica, levando-os a refletir sobre a própria produção do conhecimento científico.

Empoderados por novas formas de aprender e de pensar sobre o espaço geográfico, os estudantes tornaram-se capazes de realizar generalizações mais complexas e tomar o conhecimento recém adquirido como ponto de partida para novas aprendizagens. Consideramos que a pedagogia mobilizada na pesquisa conduziu os estudantes para o desenvolvimento de formas poderosas de analisar, explicar e entender o espaço geográfico. Avaliamos também que os conceitos geográficos construídos e mobilizados pelos estudantes durante as atividades com os mapas colaborativos proporcionaram a ampliação de seus repertórios em relação ao conhecimento científico e geográfico.

Além disso, as práticas de mapeamento apresentaram bom potencial para conduzir os estudantes a um maior conhecimento da diversidade que caracteriza o espaço geográfico mundial. Isso deve-se à essência midiática multilinear dos mapas colaborativos, que apresentou aos estudantes uma ampla variedade de lugares, situações e eventos caracterizados por diversos aspectos naturais, sociais, culturais e econômicos.

O conhecimento escolar, portanto, produzido a partir dessa perspectiva, se mostrou capaz de colaborar no sentido de preparar os estudantes para o mundo da vida. Fazemos essa afirmação por constatar que, ao longo da pesquisa, as práticas de mapeamento colaborativo demonstraram ser capazes de instrumentalizar os estudantes para a abordagem de questões espaciais e sociais que lhes fossem significativas, especialmente aquelas relacionadas às geografias locais. Além disso, as dinâmicas de aprendizagens ativas, principalmente aquelas ligadas à liberdade e à autonomia diante da construção do saber, como a aprendizagem por investigação, a produção de conteúdo e a apresentação do material produzido, bem como as discussões realizadas com base no que foi sistematizado por eles nos mapas, apresentaram um bom potencial na tarefa de fortalecer a argumentação crítica dos discentes, estimulando a reflexão e incentivando atitudes mais esclarecidas frente a própria realidade.

Os dados coletados durante a pesquisa nos permitem afirmar que tais práticas incentivaram o protagonismo juvenil dos estudantes, tanto no que se refere à construção do próprio conhecimento, tanto em relação à capacidade de pensar pela Geografia e se posicionar a respeito da própria realidade.

Desenvolver a capacidade de pensar pela Geografia é uma das grandes potencialidades didáticas do mapeamento colaborativo, já que permite aos estudantes acionarem, além de conteúdos curriculares, novos processos de aprendizagem que conduzem a novos conhecimentos e a processos de raciocínio geográfico através dos quais o saber pode ser constantemente transformado e reelaborado. O mapeamento colaborativo contribui para mobilizar junto aos estudantes essas novas formas de pensar sobre o mundo, que os capacita para uma aprendizagem contínua, atenta à realidade atual em suas múltiplas escalas, e que sirva às suas demandas pessoais e coletivas, o que é, ao nosso ver, um pressuposto para uma vida com autonomia, liberdade, respeito à diversidade e compromisso com a justiça social.

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  • 1
    O My Maps é um serviço da suíte Google, baseado em plataforma Web 2.0, que permite criar e personalizar mapas digitais colaborativos. A plataforma dispõe de um recurso pelo qual é possível realizar o compartilhamento da edição do mapa de forma online.
  • 2
    Classificação de Reinhard Maack (1981).
  • 3
    A fim de preservar sua identidade, os estudantes são referenciados pela primeira letra do nome, seguida do ano escolar e de sua turma do Ensino Médio.

Editado por

  • Editora do artigo:
    Amanda Regina Gonçalves

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2022
  • Aceito
    28 Jun 2023
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