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NAVES, REVISOR DE GIANNOTTI

Naves, revisor of Giannotti

RESUMO

O artigo busca mostrar como o método crítico de Rodrigo Naves incorpora e revê aspectos do pensamento do filósofo José Arthur Giannotti. Para isso, ressalta como ideias de Giannotti em Trabalho e reflexão (1983), a respeito da representação dos fenômenos sociais, são reelaboradas em dois ensaios sobre as paisagens do pintor Alberto da Veiga Guignard: “O olhar difuso” (1986) e “O Brasil no ar: Guignard” (1996), este último incluído na coletânea A forma difícil (1996).

PALAVRAS‑CHAVE:
Rodrigo Naves; José Arthur Giannotti; método crítico; sociabilidade; pressuposição

ABSTRACT

The article points out how Rodrigo Naves’ critical method incorporates and revises aspects of the philosopher José Arthur Giannotti’s thought. To this end, it highlights how ideas from Giannotti’s Trabalho e reflexão (1983) about the representation of social phenomena are elaborated in two essays on Alberto da Veiga Guignard:“O olhar difuso”(1986) and “O Brasil no ar: Guignard”(1996), the latter included in the book A forma difícil (1996).

KEYWORDS:
Rodrigo Naves; José Arthur Giannotti; critical method; sociability; presupposition

REVISÕES E EMPURRÕES

Ao fim da “Apresentação” de seu Trabalho e reflexão (1983), o filósofo José Arthur Giannotti reserva um parágrafo aos protocolares agradecimentos a colegas que contribuíram para as pesquisas que resultaram no livro. Última das pessoas a quem o autor agradece, o crítico de arte Rodrigo Naves é lembrado não tanto por contribuições teóricas, como outros nomes citados, mas por uma ajuda mais técnica e prosaica, por assim dizer: “Conforme os capítulos ficavam prontos Rodrigo Naves os revia com carinho” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 13). Aliás, essa contribuição já pode ser constatada nos elementos pré-textuais do livro, uma vez que o crítico aparece, como revisor, ao lado dos participantes do projeto editorial.

Anos depois, o sentido dos agradecimentos se inverteria em “A dificuldade de forma e a forma difícil”, introdução à obra mais célebre de Rodrigo Naves, a coletânea de ensaios A forma difícil (1996). Ali, o filósofo é mencionado como figura crucial para que o livro se consumasse, mais por um papel motivacional do que como uma influência intelectual ou fonte de ideias: “ao José Arthur Giannotti e ao Ricardo R. Terra, sem cujos empurrões e alentos certamente não teria realizado este trabalho” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 41). A julgar pela declaração, de modo análogo ao que se lê em Trabalho e reflexão, a ajuda mútua entre os dois amigos não incidia tão substancialmente na esfera dos conceitos e dos métodos engendrados por ambos, permanecendo nos bastidores das respectivas produções e adquirindo uma importância pouco explícita.

À primeira vista, com efeito, os ensaios propriamente ditos de A forma difícil não dão muitas pistas do diálogo entre os dois autores. Na verdade, o que assoma com mais veemência em meio às argumentações e análises é a influência de outros nomes também citados na lista de pessoas às quais Naves ([1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 40) diz “dev[er] favores demais”. Para citar apenas um caso, Roberto Schwarz, junto com Luis Felipe de Alencastro, é mencionado como aquele que o ajudou “a compreender um pouco melhor essa nossa espécie de país” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 41). Bastante evidentes no texto do crítico de artes visuais, são vários os indícios de um perfil de metodologia estudado e fomentado pelo crítico literário, o que torna a transmissão de noções mais palpável. Já no primeiro capítulo, a respeito das aquarelas de Debret, fica notoriamente registrado como a interpretação se baseia na célebre “Dialética da malandragem”, de Antonio Candido (1970Candido, Antonio. “Dialética da malandragem”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 8, 1970, pp. 67-89. Disponível em:<Disponível em:https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/69638 >. Acesso em: 13/3/2024.
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), lida a partir das hipóteses de Roberto Schwarz (1987)Schwarz, Roberto. “Pressupostos, salvo engano, de ‘Dialética da malandragem’”. In: Que horas são?: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras , 1987, pp. 129-55. em “Pressupostos, salvo engano, da ‘Dialética da malandragem’”. A articulação entre os aspectos materiais e o contexto social ao longo do capítulo de abertura remonta diretamente aos nomeados antecessores.

Não obstante esses sinais incontestáveis, este artigo pretende pensar sobre aquela relação entre os trabalhos de Giannotti e os de Naves que é muito menos patente na escrita do crítico de arte e, por isso, mais difícil de compreender. De qualquer forma, parte-se aqui da premissa de que alguns tópicos de Trabalho e reflexão são fundamentais para identificar certos passos e procedimentos decisivos do método crítico desenvolvido em A forma difícil. Destacar essas etapas permite, inclusive, relativizar a adesão irrestrita do autor àquela linhagem encabeçada por Candido e Schwarz. Não que o crítico deva ser apartado definitivamente dessa tradição reunida em torno da dita crítica dialética, mas é necessário levar em conta as especificidades e singularidades introduzidas por seus ensaios nessa corrente de pensamento. Se, numa síntese mais simplificadora do que desejável, o cerne de tais projetos interpretativos é o entendimento das conexões entres detalhes formais e dados sociais externos ao domínio artístico, pode ser útil observar como o livro de Giannotti informa a percepção de Naves a propósito da natureza dos elementos da sociedade abarcados e mobilizados pelas criações artísticas.

Embora o foco seja a coletânea de 1996, o ponto de partida aqui será um texto anterior de Naves. Publicado em 1986 na revista Gávea, três anos após Trabalho e reflexão portanto, o ensaio “O olhar difuso” serviu de base para um dos capítulos de A forma difícil, intitulado “O Brasil no ar: Guignard”, conforme esclarecimento do próprio autor (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 39). A eleição da formulação prévia se deve ao fato de que ali as marcas do diálogo com Giannotti são mais reconhecíveis no vocabulário e conceitos empregados. Será oportuno avaliar como parte desse aparato terminológico foi suavizada na escrita da argumentação que integraria o livro e como, a despeito disso, alguns resquícios da conversa permanecem no raciocínio e no método do crítico.

No que concerne ao filósofo, um capítulo específico de sua obra é convocado pelo texto de Naves e eleito objeto de estudo primordial. Trata-se do capítulo inicial, intitulado “Imperativos da ilusão”, cujo mote é a seguinte pergunta: “no final das contas o que vem a ser um fenômeno social?” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 15). Embora o título do capítulo e de seus subcapítulos, como “A identificação pelo outro” e “A identidade e a medida”, possam não sugerir proximidades com o pensamento do crítico, são algumas das noções discutidas ao longo das seções que se fazem sentir em “O olhar difuso” e também em “O Brasil no ar: Guignard”. Para citar uma evidência bastante ilustrativa, que ganhará centralidade no desenvolvimento a seguir, é notável a semelhança entre os significados atribuídos pelos dois autores ao tema da representação. Vale acrescentar, para concluir esta introdução, que o interesse aqui não é sublinhar unicamente influências e continuidades. À parte as similitudes, que merecem ser indicadas, importa demonstrar como Naves termina por se apropriar e adaptar as categorias de Giannotti em função das particularidades materiais flagradas nas pinturas analisadas. Isto é, a partir da leitura detida dos quadros de Guignard, é como se o crítico repensasse e rasurasse os achados do filósofo, o que resulta num peculiar questionamento dos postulados com base na avaliação crítica, em vez de mera aplicação de conceitos introduzidos arbitrariamente. Não à toa, dá-se destaque neste artigo à atividade, nada trivial no final das contas, exercida pelo ensaísta como revisor dos escritos de seu influente amigo.

TRÊS ANOS DEPOIS

Esta imediaticidade das relações sociais, ao impedir que os indivíduos representem e anteponham (na verdade o sentido alemão para representação, ou seja, vorstellen, pôr antes), minimamente que seja, sua situação e dinâmica no interior da sociedade, realmente torna quase impossível uma atividade intelectual mais aguda, pois irá implicar uma mentalidade rasteira que chafurda num presente sem rupturas. Assim, a sociedade tende a figurar-se - mais do que representar-se - como pura interioridade, sem conseguir pensar os seus movimentos de exteriorização ou devir. E o olhar envergonha-se das próprias distâncias que cobre. (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 68)

Esse é o último parágrafo do artigo “O olhar difuso”, de Rodrigo Naves. Os destaques e o esclarecimento entre parênteses revelam que, na percepção do autor, a ideia de representação mobilizada é singular e ganha um papel crucial na viabilização dos argumentos desenvolvidos no texto. Além de singular, diga-se de passagem, é também uma compreensão controversa da ideia, uma vez que comumente o termo vorstellen é mais associado à expressão pôr diante de que à tradução encampada (pôr antes de). O próprio ensaísta, em “O novo livro do mundo”, depara-se com essa variante mais usual, ao mencionar uma declaração de Heidegger em torno do mesmo conceito: “onde o mundo torna-se imagem, a totalidade do ente é compreendida e fixada como aquilo […] que ele quer, por conseguinte, ter e trazer diante de si, e com isso, em um sentido decisivo, representá-la (vor sich stellen)” (Heidegger apud Naves, 1989Naves, Rodrigo. “O novo livro do mundo”. Novos Estudos , n. 23, 1989, pp. 176-87. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-23 >. Acesso em: 5/2/2024.
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, p. 176; grifo nosso). Não obstante ser então bastante discutível, a predileção pelo pôr antes sinaliza um aspecto do raciocínio do crítico que merece ser interrogado mais detidamente.

“O olhar difuso” é, no entendimento de Naves (1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 62), uma tentativa provisória de delinear traços que seriam característicos da “visualidade brasileira” e se manifestariam de modo exemplar nas pinturas de Guignard. É crucial no projeto, portanto, captar como um dado social e cultural se atualiza e se permite traduzir em uma criação artística, que se torna uma via de acesso privilegiada a tal contexto que a circunscreve. Como o aspecto definidor da visualidade nacional seria seu caráter difuso e disperso, arma-se um impasse elementar: cabe ao intérprete demonstrar como a dificuldade de representação pode ser usada como sinal distintivo de uma tradição visual. Em relação ao que se pretende aqui, essencial é reter como o crítico formula o problema e explica a dominância da dita dispersão. O excerto transcrito não deixa dúvidas de que são as relações sociais que dificultam a desejável representação e, em última análise, se definem pela capacidade de se representarem ou não.

Essa espécie de inversão, segundo a qual é inerente ao fenômeno social uma projeção no nível representativo, deixando de ser, assim, somente o objeto de representações, é o que permite entrever o diálogo que Naves trava implicitamente com Giannotti. Como se verá, as vicissitudes da representação, principalmente no caso dos fenômenos sociais, são um tópico decisivo do primeiro capítulo de Trabalho e reflexão. Além disso, essa primeira seção deixa muito evidente como a problemática da anteposição, ligada aos temas do posto, do suposto e do pressuposto, é fundamental na teorização do filósofo.1 1 Embora visível nas reflexões sobre a representação, o problema da anteposição fica mais patente em Giannotti (1983) quando estão em jogo conceitos contíguos. Trata-se de uma série de questões que decorrem não tanto da noção de Vorstellung, mas das noções de Setzung e Voraussetzung (posição e pressuposição). A aproximação entre tais conceituações forjada pelo filósofo parece estar no cerne do mencionado parágrafo de encerramento do texto de Naves (1986). Uma discussão aprofundada sobre tais motivos no pensamento de Giannotti pode ser encontrada no artigo “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”, de Marcos Nobre (2011) Antes de chegar ao livro de 1983 e esboçar de que modo a argumentação do crítico revê a conceituação ressaltada, entretanto, cumpre resumir como “O olhar difuso” desemboca naquele parágrafo de encerramento, em que tais referências teóricas ganham mais relevo.

Em linhas gerais, o objetivo de Naves (1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8.) é explicar como Guignard produziu uma das obras mais consistentes entre os artistas brasileiros modernos de maneira pouco óbvia e, logo, bastante original. A grande originalidade residiria no fato de as pinturas alcançarem uma aparência eminentemente moderna por meio de uma abordagem quase primitiva. É isso que leva o crítico a decretar que o pintor soluciona diversos dilemas com respostas que poderiam ser avaliadas como “de compromisso”, já que ficam “a meio caminho” entre as invenções que notabilizariam as vanguardas europeias e certos tratamentos que soariam anacrônicos ou pré-modernos no século XX (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., pp. 62-3).

Nesse cotejo, basicamente as discrepâncias giram em torno da problemática do espaço. Para Naves (1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 63), movimentos como o cubismo devem muito de sua relevância a uma dinâmica de reversibilidade e de continuidade entre ambientes e objetos, que deixam de ser virtuais e compactos para se tornar resistentes e maleáveis, respectivamente. Não mais estanques e ilhados por recursos como sombreado e perspectiva, esses elementos atuam diretamente na subversão da tridimensionalidade, processo esse cujo termo é a coincidência entre “superfície pictórica e superfície real (suporte)” (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 63). Já em Guignard, as soluções seriam bem diferentes. Conforme o crítico, nos quadros do pintor há um poder dissolvente instilado no espaço, “que, por sua monumentalidade, corrói a estrutura dos objetos” (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 63). Acometidas pelo flagrante apequenamento, as coisas se tornam insignificantes diante do ambiente que as desmaterializa e nelas se infiltra. Junto a um curioso “gesto de superpor transparências” (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 65), tais características geram um efeito contraditório, pois o aumento do tamanho das telas acarreta uma perda da força de imposição da superfície, tornando-as mais “íntimas e singelas” (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., pp. 64-5).

Uma etapa importante da argumentação em pauta é a articulação dos traços acima com “certa concepção de natureza” que lhes dá sustentação e ocasiona o caráter difuso de parcela considerável da visualidade brasileira (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 65). Identificável também em obras célebres do cânone literário, a aludida concepção remeteria não “a uma natureza em expansão, pura liberação de energia”, como seria comum entre artistas americanos. Numa direção quase oposta, remeteria a uma “natureza mais ou menos hipostasiada, rala e íntima […], e avessa a individuações” (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 65). Tal intimismo, na percepção do autor, abarca uma dupla conotação, pois caracteriza uma substância que é “insondável em sua intimidade” e que, em paralelo, não carrega um impulso de se diferenciar e se apresentar como realidade demarcada e singular. O comentário de Naves que se segue a tais colocações é elucidativo da apontada ambivalência: “Paradoxalmente, este conceito, tão visual em sua representação […], dificulta a criação de uma visualidade real, na medida em que diz respeito a uma natureza que não se manifesta e resiste à diferenciação” (Naves, 1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8., p. 65).

O que chama a atenção aí, levando em conta a proposta deste artigo, é a proximidade entre a explanação da referida ideia de natureza e a abordagem das relações sociais que avulta no último parágrafo do texto do crítico. Mais evidente é a premissa de que seria inerente às temáticas abarcadas, tanto natureza como sociabilidade, uma projeção no nível representativo. Menos óbvio é o diagnóstico de que, devido a fatores exclusivamente brasileiros, ambos os tópicos podem ter tal impulso representativo deslocado para soluções menos expressivas ou bem acabadas: no caso da natureza, o tratamento pitoresco; no da sociabilidade, a figuração. Grosso modo, essas similitudes entre os trechos permitem vislumbrar a influência e a revisão, latentes no texto de Naves, do pensamento de Giannotti.

Em “Imperativos da ilusão”, primeiro capítulo de Trabalho e reflexão, um dos eixos da exposição é a tese de que, por não possuir certa “permanência característica do objeto”, um fenômeno social só pode ser estudado como tópico individualizado a partir do exame de “seu processo interno de representação” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., pp. 17-8). Ou seja, na análise das questões sociais, uma desejável objetividade precisa abarcar o “jogo da representação”, o que, no limite, instaura uma “nova forma de objeto”. Tal raciocínio leva o filósofo a formular uma série de enunciados que encontrariam fortes ressonâncias nos ensaios de Rodrigo Naves, não só em “O olhar difuso”, mas também nas seções de A forma difícil. Exemplo oportuno dessa tipologia de formulação são postulados como este: “o fenômeno social se identifica graças à identidade pressuposta de seu representante” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 18).

Por ora, interessa constatar como Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. associa essas premissas à leitura da representação como um tipo particular de antecipação ou anteposição, que não remete a uma simples sucessão temporal ou mera causalidade. Para o filósofo, é basilar no processo representativo do fenômeno social um “movimento de reflexão, em que o posto se converte no pressuposto, o sucessivo se instaura como se fosse presente” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 20). Subvertendo o “tempo sucessivo da consequência”, surge a dita “atemporalidade formal do pressuposto”, em função da qual a multiplicidade se apresenta não como dada, mas como se fosse dada (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 21). É essa natureza atemporal que o autor acredita ser a “matriz da própria representação” que caracteriza o fenômeno social, já que sua determinação depende da diversidade de eventos e de perfis inscritos no próprio dado ou exemplar tomado como representante.

Concepções como essas estão no cerne do parágrafo que arremata “O olhar difuso”. Como se lê ali, toda a problemática da representação deriva diretamente da peculiaridade das relações sociais e são elas, em última instância, a causa primordial de uma dificuldade de se antepor que acomete a visualidade brasileira e os indivíduos inscritos nessa sociedade. Aliás, é significativo que a passagem de encerramento não faça sequer menção aos quadros de Guignard, o que corrobora o projeto do texto de pensar a obra do artista como índice especial de uma tendência mais ampla e reforça a conexão com Giannotti, em cujo pensamento representar é um esforço eminentemente social. Portanto, à imagem do filósofo, o crítico de arte posiciona a sociabilidade como fonte de determinado padrão de representação que se verifica também nos indivíduos, na tradição visual e num artista específico.

Vendo num sentido inverso, é essa espécie de transmissão em cadeia a partir do nível social, a qual remonta ao raciocínio observado em Trabalho e reflexão, que auxilia Naves (1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8.) a embasar a utilização de um pintor para tratar de dilemas tão abrangentes. Conforme sublinhado, a singularização do fenômeno social depende necessariamente do exame de seu processo interno de representação, o que direciona o foco para a suposta identidade daqueles elementos que são posicionados como representantes. Não soa exagerado aventar que o crítico se vale sobremaneira dessa lógica para estabelecer uma notável ligação entre detalhes formais das obras de arte e dados contextuais. Afinal, também ressaltado, “O olhar difuso” se apoia na hipótese de que há uma concepção de natureza, próxima da descrição usada para se referir à sociabilidade, que dá sustentação àquela dispersão decisiva nos quadros de Guignard. Desse ponto de vista, verifica-se mais uma ressonância da teoria de Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., uma vez que Naves (1986)Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8. parece interrogar a criação artística como representante expressiva do fenômeno social, em forte conexão com seu jogo interno de representação.

Deixando um pouco de lado as lições encampadas com rigor, é considerável como se infiltram igualmente nesse diálogo lances de revisão e rasura. Como realçado, o foco único e constante do crítico de arte é a visualidade brasileira, ainda que insinue prováveis raízes numa tradição portuguesa, e a sociabilidade que circunscreve e determina esse padrão visual. Por essa via, o ensaísta se concentra numa sociedade particular e nos desvios impostos por ela às possibilidades representativas que seriam intrínsecas a todo fenômeno social. E isso propicia que, em “O olhar difuso”, o objeto de estudo quase contrarie a regra ditada pelo arcabouço teórico que, da perspectiva defendida aqui, orienta a investigação. Ao esboçar o diagnóstico de que as pinturas de Guignard dão a ver um conjunto de relações sociais que impedem a representação, é como se Naves (1986Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8.) percebesse exceções às tendências listadas pelo livro de Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983..

Em suma, ao mobilizar os achados do filósofo no contexto da crítica de arte, o ensaísta sinaliza a generalidade inevitável da teoria acerca da representação dos fenômenos sociais e também um modo apropriado de manipular tais premissas em exercícios de confronto com casos específicos. Não parece correto decretar que há uma apressada condenação daquela aspiração de universalidade que existe, é verdade, no primeiro capítulo do livro de Giannotti, até porque Naves tem plena consciência das implicações da obra do amigo e do seu contexto de produção.2 2 As palavras finais da “Apresentação” de Trabalho e reflexão deixariam isso claro até para pessoas que têm pouca familiaridade com a obra e o autor: “Quando publiquei O ardil do trabalho, nos Estudos Cebrap n. 4 (1973), este capítulo já dedicava o livro a todos aqueles que, desde 1964, estavam sendo mortos, presos ou fugindo às pressas, enfim, sem tempo para qualquer despedida. Aquele ano negro de repressão não permitia uma dedicatória mais direta; hoje conservo sua forma alusiva, mas explicito seu terrível conteúdo” (Giannotti, 1983, p. 14). É mais plausível conjecturar que as linhas de “O olhar difuso” e, anos depois, os capítulos de A forma difícil acentuam como as hipóteses de Trabalho e reflexão fornecem, a despeito de isso ficar pouco evidente na publicação de 1983, ferramentas bastante úteis para examinar os impasses nacionais.

Isso faz lembrar, diga-se de passagem, os comentários de Marcos Nobre (2012Nobre, Marcos. “Da ‘formação’ às ‘redes’: filosofia e cultura depois da modernização”. Cadernos de Filosofia Alemã, n. 19, 2012, pp. 13-36. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/64852 >. Acesso em: Acesso em: 5/2/2024.
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) sobre Giannotti em “Da ‘formação’ às ‘redes’: filosofia e cultura depois da modernização”. Nesse artigo, Trabalho e reflexão é chamado de “o ensaio de filosofia social mais poderoso de que se dispõe no país” (Nobre, 2012Nobre, Marcos. “Da ‘formação’ às ‘redes’: filosofia e cultura depois da modernização”. Cadernos de Filosofia Alemã, n. 19, 2012, pp. 13-36. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/64852 >. Acesso em: Acesso em: 5/2/2024.
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, p. 28). O elogio se deve à ideia de que o livro de 1983, com um grau de sofisticação ineditamente contemplado de forma sistemática em determinada linhagem intelectual, conseguiu oferecer uma interpretação inovadora para o embate entre o arcaico e o moderno no contexto local. A relação com o que vem sendo discutido aqui é a ressalva que o pesquisador faz a respeito da obra elogiada e de como se manifestam nela os indícios das vicissitudes brasileiras do período.

E, mesmo assim, em alto grau de abstração, de maneira que, se o Brasil e o projeto de modernização certamente estavam no horizonte, é preciso escavar essa referência fundamental nas entrelinhas. Colocando-se como mediador de uma conversa interdisciplinar, Giannotti reuniu o que havia de mais avançado e mais interessante nas ciências sociais naquele momento para propor, a partir da filosofia, um esquema teórico em que cada uma das diferentes disciplinas se tornava capaz de apresentar um aspecto da sociabilidade capitalista, à maneira de um perspectivismo crítico inédito. (Nobre, 2012Nobre, Marcos. “Da ‘formação’ às ‘redes’: filosofia e cultura depois da modernização”. Cadernos de Filosofia Alemã, n. 19, 2012, pp. 13-36. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/64852 >. Acesso em: Acesso em: 5/2/2024.
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, p. 27)

Entendida a ressalva, fica mais fácil vislumbrar em que consiste exatamente a revisão de Naves. Se em Trabalho e reflexão as problemáticas do país somente podem ser intuídas, em “O olhar difuso” são alçadas ao primeiro plano da argumentação em função da adaptação do pensamento de Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.. Usando a premissa genérica a propósito da representação dos fenômenos sociais, o crítico de arte estuda como a sociabilidade brasileira convoca um padrão representativo especial, em que a dispersão se coloca como obstáculo à identidade. Ao fazer isso, é como se, para usar os termos de Nobre (2012Nobre, Marcos. “Da ‘formação’ às ‘redes’: filosofia e cultura depois da modernização”. Cadernos de Filosofia Alemã, n. 19, 2012, pp. 13-36. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/64852 >. Acesso em: Acesso em: 5/2/2024.
https://www.revistas.usp.br/filosofiaale...
), o ensaísta escavasse a referência apenas subentendida no texto do filósofo. O curioso é que, para dar a devida importância aos tópicos contextuais que já se infiltravam na obra publicada três anos antes, Naves (1986)Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8. faça afirmações que parecem contrariar a teoria aprendida, já que as relações sociais estudadas ali são caracterizadas pela dificuldade de representação.

TREZE ANOS DEPOIS

Há pouco, foi citado um enunciado que exemplifica bem uma das linhas de força do primeiro capítulo de Trabalho e reflexão: “o fenômeno social se identifica graças à identidade pressuposta de seu representante” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 18). Na seção acima, quando estava em foco a revisão do raciocínio do filósofo implícita no artigo “O olhar difuso”, foram discutidas isoladamente as noções de fenômeno social e representante, os tópicos da sociabilidade e da representação. Agora, de modo a flagrar como indícios de Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. reaparecem em A forma difícil, livro de 1996, convém dar mais relevo a outra palavra do enunciado. Trata-se do termo “pressuposta”, relativo ao movimento de pressuposição.

A explicação do deslizamento é relativamente simples. Usando os aludidos textos da década de 1980 como ponto de partida, tanto o de Giannotti como o do próprio Naves, há uma significativa substituição de conceitos que resulta da reunião de ensaios de 1996. Evidência que talvez passe despercebida se ignorados os precedentes listados, os subsequentes capítulos do livro raramente incluem o problema da representação, que é central em “O olhar difuso”. O que orienta as leituras mais recentes é, na verdade, o conceito de forma, que sugestivamente aparece no título da coletânea e no da introdução que antecede os capítulos propriamente ditos (“A dificuldade de forma e a forma difícil”). Nesse sentido, chama a atenção uma significativa mudança: enquanto o ensaio de 1986 desenvolve a hipótese da dificuldade de representação, os compilados posteriormente partem da evidência da dificuldade de forma. À primeira vista, essa alteração poderia facilmente ser entendida como apagamento da influência de Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983..

No entanto, há um procedimento argumentativo em meio à metodologia do crítico que pode ser associado à questão sublinhada naquela frase de Trabalho e reflexão. São recorrentes nas diferentes seções de A forma difícil formulações como as seguintes: “os personagens de Debret solicitam uma observação pausada, que não pressupõe uma dinâmica espacial forte” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 98; grifo nosso); e “na produção e na recepção ideal de sua pintura [de Volpi] pressupõe-se um indivíduo absolutamente singular” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 196; grifo nosso). Em algumas dessas formulações, o tema da pressuposição é substituído por noções correlatas, sem que a lógica do raciocínio se modifique tanto, como nesta decorrente da análise da obra de Amilcar de Castro: “a tradição brasileira solicita sensibilidades semelhantes, que devem deixar à mostra o esforço para se obter clareza formal” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 254; grifo nosso). Apesar das variações, há nas sentenças uma premissa em comum que remonta a Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. e ao detalhe aventado acima em uma nota de rodapé: o elo estabelecido no livro de 1983 entre as noções de Vorstellung e Setzung/ Voraussetzung (posição/pressuposição).

Conforme indicado, na visão do filósofo, a “identidade pressuposta” é um item capital quando está em jogo o processo de representação inerente aos fenômenos sociais. O detalhe que o autor faz questão de repisar é que o representante de um dado social só interessa na medida em que encarna uma multiplicidade presumida. E isso permite decretar que o próprio processo de encarnação se torna objeto de estudo privilegiado, a partir do qual o representante se converte “num desigual a si mesmo, algo a valer enquanto exprimir um outro que é ele mesmo, enquanto expressar o seu outro” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 18). Se for plausível certa associação sugerida acima, segundo a qual Naves pensa a obra de arte como representante da sociabilidade nos moldes de Giannotti, é oportuno acompanhar como a análise dos quadros de Guignard depende desse exercício de suposição.

São vários os trechos de “O Brasil no ar: Guignard” em que as pinturas são avaliadas por itens que são somente insinuados por suas características formais e técnicas. O primeiro em que isso se evidencia de maneira mais contundente destaca-se também pela retomada de uma série de motivos decisivos em “O olhar difuso”, o que corrobora como um ensaio se ata a outro. Está ali, por exemplo, a hipótese de que as criações do pintor evocam uma peculiar concepção de natureza. Encontra-se novamente, nesse trecho da argumentação, a comparação da obra do artista com os padrões cubistas. Por fim, constata-se mais uma vez a teoria de que as paisagens devem muito de sua relevância e de seu caráter moderno a uma espécie singular de primitivismo. No entanto, há novidades marcantes na leitura.

Desse modo, a natureza de Guignard também mostrará uma outra face: quase nenhuma predisposição para as ações que as retirem de seu repouso, dando-lhe forma e utilidade. Afinal, como envolver um meio tão lábil e propiciar-lhe um recorte? Em consequência, essa concepção da realidade dará a medida de uma convivência muito particular. Já que ela praticamente não admite sobre si atividades duras e transformadoras, por certo irá recusar toda sociabilidade baseada em relações produtivas. Essas paisagens difusas e desabitadas pedem uma coletividade que mal arranhe suas superfícies; pedem intercâmbios amenos, tanto entre ela e seus eventuais habitantes quanto entre os próprios homens: algum extrativismo, caça, pesca, etc. Aquilo que no cubismo era mediação, aqui é proximidade. O mundo do trabalho e suas trocas não atraem a atenção de Guignard. Não por acaso seus quadros têm algo de primitivo - todas as formas mais fortes lhe desagradam. (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 180; grifo nosso)

O que há de notável aí é como o crítico ancora sobremaneira a análise em aspectos que não se encontram exatamente nos quadros ou em algo que poderia ser tomado como um dado social concreto. Desse ângulo, sobressai a predominância, entre as afirmações que integram a passagem, de estruturas em que se negam certos elementos característicos do mundo moderno e mais facilmente observáveis no plano da realidade. É uma sequência de negativas, do ponto de vista semântico, que orienta o fragmento: a falta de predisposição, a não admissão, a recusa e a não atração. Em todos esses casos, há uma indicação de que a obra de Guignard se afasta daqueles componentes essenciais de determinada concepção de modernidade, na qual fatores econômicos são os predominantes: atividades de transformação e subordinação da natureza e relações sociais decorrentes de um paradigma produtivista. Deriva das constatações quase um paradoxo, que Naves ([1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.) não deixa de ressaltar, uma vez que o pintor conseguiria elaborar uma tradução contundente das condições externas que o cercam por meio de uma produção que abdica deliberadamente de singularidades desse contexto.

No nível dos comentários acerca das pinturas em específico, não é muito distinto o que se passa. É inegável que o crítico dedica parte importante de suas reflexões para descrever as questões formais e técnicas que permitem apontar, concreta e afirmativamente, a originalidade dos quadros analisados. Porém, na medida em que o autor se guia pela hipótese da dificuldade de forma, são igualmente relevantes as etapas em que o texto se volta para tudo aquilo que a dimensão pictórica não chega a concretizar. No excerto citado, a título de ilustração, vê-se a impossibilidade de envolver a atmosfera das paisagens e “propiciar-lhe um recorte”. Por esse viés, Naves ([1996] 2011)Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. articula dados internos e externos à obra de arte a partir de nuances que não se manifestam exatamente em nenhuma dessas esferas, embora possam ser entrevistas em função delas.

Daí se projetam o significado e a motivação dos termos destacados. Ao decretar que as paisagens de Guignard pedem um tipo ideal de coletividade e dinâmica social, o ensaísta usa um verbo que aponta justamente para o movimento realizado pelo trabalho artístico de negar a conjuntura representada e, assim, evocar um estado de coisas sugerido pelo domínio estético. Além disso, a terminologia indica que o crítico defende uma disjunção da obra em debate não só com as condicionantes contemporâneas, mas também com os próprios elementos e traços que a constituem. Afinal, Naves ([1996] 2011)Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. consegue entrever uma tipologia de coletividade e de indivíduo com base em pinturas descritas como construções “difusas e desabitadas”, ou seja, pinturas que não propiciam um aparecimento objetivo dos supostos grupos e sujeitos. É esse duplo afastamento das características sociais e pictóricas que faz do emprego do verbo pedir uma escolha profundamente motivada.

Tal linha de explicação ressurge em outros momentos do ensaio, como num parágrafo pouco à frente do excerto anterior. Agora, todavia, em vez de aludir ao que as telas pedem, o autor se concentra naquilo que seria traduzido por elas ou, numa variação mais sugestiva do movimento que vem sendo sublinhado aqui, naquilo que se depreenderia delas. Nesta etapa, o foco é um elemento da obra de Guignard que não havia recebido tanta atenção em “O olhar difuso”, a luminosidade, o que enseja o cotejo não mais com os moldes cubistas, mas com o impressionismo de Monet.

Seu mundo [de Guignard] tristonho, pulmonar, vive às voltas com uma luz interna, meio neoplatônica, que às vezes ameaça querer presidir todo o movimento dos seres, transubstanciando-os. Essa luz que ilumina de dentro a realidade enevoada de sua pintura traduz uma espiritualidade acanhada, que percebe laivos de vaidade no impulso de se afirmar, e portanto se recolhe, deixando a prova de sua hesitação nessa claridade turva, entre espírito e matéria. Por fim, a espiritualidade que se depreende dessas pinturas e dessa luz, ao contrário da de Monet, revela como sua condição fundamental um comportamento casto, longe de qualquer movimento de exteriorização. Se parece ser a alma oculta dos seres, deve, antes de tudo, permanecer velada para permanecer alma. E se esses seres têm sua existência garantida por essa substância timidamente luminosa, devem poder prescindir de toda e qualquer forma de manifestação que os levasse a mostrar sua face. A essa concepção corresponde uma ética particular, meio matuta, na qual a tensão entre potência e ato se esvai e se engrandece com o sentimento das próprias renúncias - uma espécie de santidade meiga, entre São Francisco de Assis e um monge budista. (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., pp. 181-2; grifo nosso)

Mesmo que se ressaltem os verbos utilizados, é bastante expressiva a escolha do nome que completa seus respectivos sentidos.

Se antes as pinturas foram associadas à dinâmica e à coletividade pedidas por elas, nesse fragmento o item eleito pelo crítico é a espiritualidade. Então, é como se os componentes das sentenças fossem gradualmente acometidos por aquela premissa que se infiltra no método crítico do autor, segundo a qual os exemplares analisados, seja a obra, seja o fenômeno social, interessam sobretudo pelo que evocam. Embora aqueles substantivos não sejam exatamente definidos no trecho anterior e também remetam a coisas pouco palpáveis, espiritualidade é um termo que explicita como poucos a articulação entre dados materiais e instâncias mais abstratas, posto que somente intuídas. As menções à alma nas frases seguintes reforçam que tal passagem se impõe como evidência incomparável da técnica argumentativa.

No que concerne aos verbos sublinhados propriamente ditos, um aspecto secundário de seus significados ajuda a captar melhor ideias esboçadas acima. Conforme se lê nas linhas citadas, a espiritualidade que Naves ([1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., pp. 181-2) delineia traduz-se pelas pinturas e, simultaneamente, depreende-se delas. O que chama a atenção na afirmação é o diagnóstico de dois movimentos discrepantes que não chegam a ser excludentes. Afinal, a dita espiritualidade é uma matéria que se deixa captar pela luz forjada nas paisagens de Guignard e também, sem qualquer contradição, é quase um efeito projetado da execução desses quadros. O fato de que tais traduções e projeções sejam descritas como complementares revela como o crítico baseia os comentários na compreensão das disjunções que ocorrem no interior da própria obra e das que ocorrem entre a aparência da obra e o contexto social em tese representado por ela. Isto é, assim como ao dizer que os cenários em discussão pedem coletividades e dinâmicas que não se materializam completamente nem no universo pictórico nem na realidade externa ao campo artístico, aqui o autor menciona traços que só podem ser traduzidos ou depreendidos, nunca explicitados, por ambos os domínios.

Dispondo as coisas assim, a análise de Naves ([1996] 2011)Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. faz ecoar o que Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. decreta como crucial no estudo da representação dos fenômenos sociais. Ao longo do ensaio e especialmente nos momentos destacados, o crítico se orienta pela busca daquela “identidade pressuposta” que permitiria articular as obras de arte e a sociabilidade como objetos contíguos de um mesmo plano de estudo. Nas palavras do filósofo, trata-se da procura pela devida suposição que levaria à individualização e à identificação de temas análogos que não possuem a “permanência característica do objeto”. Assim, ainda que se ocupe de informações concretas sobre sociedade e pinturas, o ensaísta se guia, em última análise, pelo pressuposto inscrito no posto, recorrendo mais uma vez aos termos de Giannotti (1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 20). Em suma, é plausível afirmar que o método crítico engendrado em “O Brasil no ar: Guignard” e, de um modo geral, em A forma difícil pode ser caracterizado também como um esforço de captar o que Trabalho e reflexão chama de “processo interno de representação do fenômeno social”.

Para concluir, cabe dizer que há outros detalhes no método de Naves que ratificam a hipótese da revisão e do diálogo com Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.. Algumas páginas atrás, foi sinalizado como a predileção pelo conceito de forma em detrimento do conceito de representação pode gerar a errônea impressão de que o crítico abandona a teoria do filósofo. Os parágrafos acima demonstram como o interesse cada vez maior do ensaísta por aquilo que as obras investigadas pressupõem termina por revelar a importância de lições aprendidas em Trabalho e reflexão. Além desse aspecto, é perceptível, já em “O olhar difuso” e de maneira absoluta em A forma difícil, a preocupação do autor em discorrer acerca das técnicas engendradas pelos artistas e da ligação desses processos produtivos com os itens pressupostos. Se o caminho seguido aqui deu mais destaque para as problemáticas da representação e da suposição, essa via adicional de pesquisa talvez permita perceber como Naves consegue captar e reler o papel central que o debate sobre a produção tem em Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.. Em poucas palavras, a abordagem ajudaria a dar a devida relevância ao tema do trabalho, assim como recebeu aqui o da reflexão.

A perspectiva complementar auxiliaria a pesquisa a se aproximar, assim, de dimensões ressaltadas por importantes comentadores da trajetória do filósofo. Marcos Nobre (2011Nobre, Marcos. “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”. Novos Estudos , n. 90, 2011, pp. 35-55. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
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), num de seus artigos aludidos, procura delinear como se apresenta o complexo jogo entre identidade e multiplicidade em escritos como Trabalho e reflexão. Ali, ressaltando a imbricação basilar entre as ideias sobre a pressuposição e um diagnóstico sobre os sistemas produtivos, afirma-se: “Giannotti ancorou sua teoria da medida no processo social de trabalho, tomado como núcleo irradiador de diferentes formas da sociabilidade capitalista” (Nobre, 2011Nobre, Marcos. “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”. Novos Estudos , n. 90, 2011, pp. 35-55. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
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, p. 37). Algo análogo é lembrado por Rúrion Melo (2011Melo, Rúrion. “Crítica e contradição: qual herança marxista?”. Novos Estudos, n. 90, 2011, pp. 21-32. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
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) ao apontar a racionalidade que o filósofo teria forjado ao designar o processo de trabalho como “reflexão operosa”. São asserções como esta que vão ao encontro do que é sublinhado por Nobre (2011)Nobre, Marcos. “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”. Novos Estudos , n. 90, 2011, pp. 35-55. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
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: “O trabalho já representaria em seu movimento de reflexão uma forma social não limitada à técnica, mas sim uma relação socialmente reflexiva” (Melo, 2011Melo, Rúrion. “Crítica e contradição: qual herança marxista?”. Novos Estudos, n. 90, 2011, pp. 21-32. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
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, p. 29). Em suma, convém aos próximos estudos flagrar como esses entendimentos se fazem sentir na maneira como Rodrigo Naves vincula a forma e a suposição a uma leitura apurada dos procedimentos e das práticas que culminam nas obras de arte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Também em meio aos subcapítulos de Trabalho e reflexão enfocados aqui, há outro desses enunciados com forte poder sintético das hipóteses fundamentais da teorização. Tal formulação deriva da tentativa de sustentar a oposição entre dois tipos de multiplicidade: “a multiplicidade dada e a multiplicidade que se apresenta como se fosse dada, matriz da própria representação” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 21). No que diz respeito à primeira, o autor afirma ser o escoamento do tempo seu caráter distintivo. No que concerne à segunda, que permite pensar a discutida identidade pressuposta como condição de identificação, o filósofo define que “a sucessão temporal denotada por ‘e assim por diante’ surge como propriedade” do objeto (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 21). Essa definição sugestiva encontra curiosos reflexos nos capítulos de A forma difícil e no método crítico de Rodrigo Naves, no qual a controversa associação entre representação e anteposição parece ter deixado marcas duradouras.

Para constatar essas ressonâncias, basta ler as palavras finais de alguns desses ensaios. No próprio capítulo sobre Guignard, por exemplo, estas são as frases de encerramento: “Por ora tudo está em suspenso. Sabe Deus até quando” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 189). Pouco depois, em “Expressão e compaixão nos desenhos de Segall”, é da seguinte maneira que o autor finaliza o estudo: “Por algum tempo, seu ideal ficará em suspenso. Restam aquelas formas exemplares e modestas, lembrança renitente de que outra coisa está para se cumprir” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 231). Ou ainda, para citar um último e emblemático caso, é assim que se fecha a exploração em torno de Amilcar de Castro: “Aqui, existe apenas aquilo que ainda não sabe pronunciar o seu nome” (Naves, [1996] 2011Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 259). Retirando de uma dessas sentenças ilustrativas um mote exemplar, é como se o crítico traduzisse aquele e assim por diante de Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. num a se cumprir que é decisivo nos trabalhos artísticos analisados.

O que este artigo procurou indicar é que essa técnica argumentativa, provisoriamente designada como movimento de pressuposição, não significa um afastamento da articulação entre detalhes estéticos e contextuais, aspecto notório e elementar do método crítico de Naves. Pelo contrário, decorre da premissa de que justamente os elementos supostos garantem uma apropriada vinculação da obra de arte às questões sociais, na medida em que tais objetos de estudo se identificam não só por dados materiais e palpáveis, mas também pelas virtualidades que evocam. Se for plausível o que se defendeu acima, essa compreensão do crítico de arte deve muito à influência do filósofo José Arthur Giannotti, principalmente do que diz seu livro Trabalho e reflexão acerca dos fenômenos sociais. Desde “O olhar difuso”, texto de 1986, o ensaísta parece lidar com tal aparato teórico e, em função da análise detida de determinadas produções artísticas, revisar seus postulados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983.
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  • Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8.
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  • Naves, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira [1996]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • Nobre, Marcos. “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”. Novos Estudos , n. 90, 2011, pp. 35-55. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
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  • Nobre, Marcos. “Da ‘formação’ às ‘redes’: filosofia e cultura depois da modernização”. Cadernos de Filosofia Alemã, n. 19, 2012, pp. 13-36. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/64852 >. Acesso em: Acesso em: 5/2/2024.
    » https://www.revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/64852
  • Schwarz, Roberto. “Pressupostos, salvo engano, de ‘Dialética da malandragem’”. In: Que horas são?: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras , 1987, pp. 129-55.
  • 1
    Embora visível nas reflexões sobre a representação, o problema da anteposição fica mais patente em Giannotti (1983)Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. quando estão em jogo conceitos contíguos. Trata-se de uma série de questões que decorrem não tanto da noção de Vorstellung, mas das noções de Setzung e Voraussetzung (posição e pressuposição). A aproximação entre tais conceituações forjada pelo filósofo parece estar no cerne do mencionado parágrafo de encerramento do texto de Naves (1986)Naves, Rodrigo. “O olhar difuso: notas sobre a visualidade brasileira”. Gávea, v. 3, 1986, pp. 60-8.. Uma discussão aprofundada sobre tais motivos no pensamento de Giannotti pode ser encontrada no artigo “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”, de Marcos Nobre (2011)Nobre, Marcos. “O filósofo municipal, a Setzung e uma nova coalizão lógico-ontológica”. Novos Estudos , n. 90, 2011, pp. 35-55. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-90 >. Acesso em: 5/2/2024.
    https://novosestudos.com.br/produto/edic...
  • 2
    As palavras finais da “Apresentação” de Trabalho e reflexão deixariam isso claro até para pessoas que têm pouca familiaridade com a obra e o autor: “Quando publiquei O ardil do trabalho, nos Estudos Cebrap n. 4 (1973), este capítulo já dedicava o livro a todos aqueles que, desde 1964, estavam sendo mortos, presos ou fugindo às pressas, enfim, sem tempo para qualquer despedida. Aquele ano negro de repressão não permitia uma dedicatória mais direta; hoje conservo sua forma alusiva, mas explicito seu terrível conteúdo” (Giannotti, 1983Giannotti, José Arthur. Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade. São Paulo: Brasiliense, 1983., p. 14).

Editora responsável:

Renata Francisco.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    29 Ago 2023
  • Aceito
    22 Fev 2024
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