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ENTREVISTA COM MARIA HELENA SOUZA PATTO

Entrevista con María Helena Souza Patto

RESUMO

O presente texto tem por objetivo partilhar uma entrevista realizada com Maria Helena Souza Patto, psicóloga reconhecida como uma das principais referências na virada teórico-conceitual e metodológica da Psicologia Escolar e Educacional brasileira abrindo possibilidades de elaboração de perspectivas críticas neste campo. Professora aposentada do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, Maria Helena Souza Patto é autora de diversos livros, artigos e capítulos de livros consagrados tanto na Psicologia como na educação. Merece destaque seu livro A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia, obra que ganhou o prêmio de livro de maior relevância para a área concedido pela APEOESP, em 1995, e que marca uma ruptura com a Psicologia Escolar e Educacional tradicional e propõe novos rumos para a área. Embora a entrevista tenha sido realizada há 23 anos, em 2001, sua atualidade desvela-se ao longo da conversa, sendo que muitas das reflexões ali tecidas são contribuições essenciais para orientar profissionais da Psicologia e da Educação no contexto atual, sobretudo no que se refere à atuação de profissionais da Psicologia na rede básica de ensino, área que tende ao crescimento com a aprovação da Lei 13.935/2019. Inicialmente, são recuperados alguns dados biográficos e bibliográficos de Maria Helena de Souza Patto e, em seguida, é apresentada a entrevista editada em colaboração com a entrevistada. Espera-se, com a publicação da entrevista com essa importante autora da Psicologia, reiterar suas contribuições para a área e ressaltar a relevância dos temas objeto da entrevista.

Palavras-chave:
Maria Helena Souza Patto; psicologia crítica; psicologia escolar; atuação do psicólogo

RESUMEN

En el presente texto se tiene por objetivo partir una entrevista realizada con María Helena Souza Patto, psicóloga reconocida como una de las principales referencias en el cambio teórico-conceptual y metodológico de la Psicología Escolar y Educacional brasileña hacia a la construcción de perspectivas críticas en este campo. Profesora jubilada del Instituto de Psicología de la Universidad de São Paulo, María Helena Souza Patto es autora de diversos libros, artículos y capítulos de libros consagrados tanto en la Psicología como en la educación. Merece realce su libro A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia, obra que se ganó el premio de libro de más relevancia para el área concedido por la APEOESP, en 1995, y que señala una ruptura con la Psicología Escolar y Educacional tradicional, hacia a la construcción de nuevos rumbos en el área. Aunque la entrevista haya sido realizada hace 20 años, en 2001, su actualidad se desvela a lo largo de la charla, y muchas de las reflexiones allí tejidas son contribuciones esenciales para orientar profesionales de la Psicología y de la Educación en el contexto actual, sobre todo en lo que se refiere a la actuación de profesionales de la Psicología en la red básica de enseñanza, área que tiende al crecimiento con la aprobación de la Ley 13.935/2019. Inicialmente, son recuperados algunos datos biográficos y bibliográficos de la autora. Después, se presenta la entrevista editada, en colaboración con la propia autora. Se espera, con la publicación de la entrevista, reiterar la relevancia de sus contribuciones para el área, así como poner de relieve los aspectos debatidos a lo largo de la entrevista.

Palabras clave:
María Helena Souza Patto; psicología crítica; psicología escolar; actuación del psicólogo

ABSTRACT

This present text aims to share an interview with Maria Helena Souza Patto, a brazilian psychologist recognized as one of the main references in the theoretical-conceptual and methodological field of Educational and School Psychology towards the construction of critical perspective. A retired professor at the Institute of Psychology of the University of São Paulo, Maria Helena Souza Patto is the author of many books, articles and book chapters in Psychology and education. Her book ‘The production of school failure: histories of submission and rebellion’, a work that won the award in 1995, as the most relevant book for the area granted by APEOESP São Paulo/SP, which marks a break with traditional School and Educational Psychology, towards to the construction of new directions in the area. Although the interview took place 23 years ago, in 2001, its actuality is unveiled throughout the conversation, and many of the reflections there are essential to guide Psychology and Education professionals in the current context, especially to Psychologists whom work in the basic education network, an area that tends to grow in Brazil with the approval of Law 13935/2019. Initially, some biographical and bibliographic data of Professor Maria Helena are retrieved and then, the edited interview is presented, in collaboration with the author herself. With the publication of this historic interview, we hope to reiterate the relevance of Professor Maria Helena de Souza Patto to the Education and Psychology area, as well as highlight the aspects discussed during the interview.

Keywords:
Maria Helena Souza Patto; critical psychology; school psychology; psychologist professional role

INTRODUÇÃO

Se há algo praticamente inconteste na área de Psicologia Escolar e Educacional no Brasil é o impacto produzido pela produção da psicóloga Maria Helena Souza Patto, reconhecimento que ultrapassa a concordância ou não com sua perspectiva. Tida por muitos autores como uma das principais referências no processo de virada teórico-conceitual e metodológica da Psicologia Escolar e Educacional brasileira rumo à elaboração de perspectivas críticas nesse campo, ao menos desde o final da década de 1970 e sobretudo a partir dos anos 1980, Maria Helena construiu uma trajetória acadêmica significativa, cuja marca é a rigorosa crítica à Psicologia de forma geral e à Psicologia Escolar e Educacional, em específico. Nesta construção, Patto protagonizou uma ruptura radical com sua própria visão nos primórdios de sua prática como psicóloga, pesquisadora e professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, onde começou a lecionar tão logo se graduou, em 1965, e trabalhou intensamente até se aposentar, em 2009.

A história merece ser contada, ainda que de forma resumida:1 1 Para o acesso à obra completa de Maria Helena Souza Patto, bem como de escritos sobre a autora, incluindo uma breve biografia intelectual, recomendamos o acesso ao Ambiente Virtual Maria Helena Souza Patto: www.mariahelenasouzapatto.site sua Dissertação de Mestrado, defendida em 1970 e publicada no livro Privação cultural e educação pré-primária (Patto, 1973Patto,M. H. S. (1973).Privação cultural e educação primária.Rio de Janeiro:Livraria José Olympio.), foi construída no bojo das teorias ambientalistas, concepção que até então lhe parecia convincente, dado o acento ideológico que coincide com as primeiras camadas do real (Bosi, 1992Bosi,E.(1992).Entre a opinião e o estereótipo.Novos Estudos Cebrap,32,111-118.). Tão logo deu-se conta das lacunas e contradições presentes em tal concepção, desvelando seu compromisso político com a justificação das desigualdades sociais, Patto assumiu diuturnamente a tarefa de criticar não apenas aquela, mas diversas teorias explicativas do fracasso que marca a educação pública brasileira.

Considera-se como marco desta conversão sua Tese de Doutorado, intitulada Psicologia e ideologia: reflexões sobre a psicologia escolar, defendida em 1981 e publicada em forma de livro originalmente em 1984 (Patto, 2022Patto,M. H. S. (1984).Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à Psicologia escolar.São Paulo:T. A. Queiroz .a). Sinteticamente, a autora desenvolve uma análise crítica da Psicologia Escolar, com destaque para sua constituição no Brasil, buscando pensá-la em uma perspectiva histórica, tendo em vista que muitas destas teorias sequer reconhecem a origem social na qual elas se constituíram. À luz de vasta e inovadora bibliografia, Patto tensiona que a quase totalidade das teorias psicológicas dominantes comungam a tese ideológica, eivada de preconceitos, de que os pobres e não brancos são inferiores, seja por fatores congênitos, seja por fatores adquiridos, ora tendo caráter irreversível, ora sendo passível de tratamento. Sobre uma base teórica sólida, ela realiza pesquisa de campo, tomando por objeto a atuação de psicólogas no atendimento de demandas escolares em serviços públicos de saúde na cidade de São Paulo. A análise dos depoimentos colhidos na pesquisa desvela a presença dominante de um olhar psicologizante para o fracasso escolar, identificado em três modalidades de atuação: a realização de psicodiagnóstico (com ênfase na aplicação de testes de inteligência e prontidão); a realização de psicoterapia individual de alunos; e a criação de programas preventivos e de higiene mental junto a pais, alunos, administradores e professores, baseados numa concepção adaptacionista de saúde mental. As inúmeras críticas à psicologização da educação realizadas na Tese de 40 anos são de uma atualidade impressionante.

Dentre suas publicações mais relevantes, por certo que se destaca a primeira edição do livro A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia, há 34 anos (Patto, 2022Patto,M. H. S. (2022).Psicologia e ideologia: uma crítica à psicologia escolar.São Paulo:Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.Disponível em:https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/924.
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b). Resultante da sua pesquisa de Livre-Docência, defendida em 1987, tal livro põe a nu de forma diligente a complexidade envolvida no histórico fracasso escolar brasileiro, rompendo com leituras simplistas dominantes. Tamanha é sua importância que tal obra ganhou o prêmio da APEOESP de livro de maior relevância para a área, em 1995. Tido como clássico (Carvalho, 2011Carvalho,J. S. F. (2011).A produção do fracasso escolar: a trajetória de um clássico.Psicologia USP,22(3),569-578.), o livro tem sido o mais referenciado da autora, comparecendo nas bibliografias básicas de muitos cursos de formação de psicólogos(as) e educadores(as), tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação, sendo, ainda, referência em concursos públicos.

Merece destaque a sua quarta edição, como marco dos 25 anos da publicação original. Sendo uma edição revista e ampliada, nela foi incluída a parte final, intitulada 25 anos depois, composta, dentre outros textos, do belíssimo Posfácio (Patto, 2015Patto,M. H. S. (2015).Posfácio. In:M. H. S.Patto(Ed),A Produção do Fracasso Escolar: histórias de submissão e rebeldia (pp.431-454).São Paulo:Entremeios.), escrito pela própria autora, no qual ela tece preciosas reflexões acerca do percurso de construção teórico-metodológica da pesquisa, recuperando discussões que se tornaram centrais após a publicação do livro, mais uma vez denotando seu impacto. Também merece relevo o capítulo Quatro histórias de (re)provação escolar - Notas sobre o rumo das vidas de Ângela, Nailton, Augusto e Humberto (Souza & Amaral, 2022), que sintetiza uma pesquisa que voltou às pessoas acompanhadas na clássica pesquisa de Patto, que, então adultas, olham seu passado escolar, cujas trajetórias de vida reforçam o quanto a tese defendida no livro possui materialidade histórica.

Nesse sentido, não é equivocado afirmar que tanto a Tese de Doutorado, quanto a de Livre-Docência são dois grandes marcos, não apenas na produção de Maria Helena Souza Patto, mas também para a Psicologia Escolar e Educacional brasileira. No entanto, suas contribuições vão além dessas obras clássicas e Patto publica ensaios autorais em outros dois livros: Mutações do cativeiro (Patto, 2022cPatto,M. H. S. (2022).Psicologia e ideologia: uma crítica à psicologia escolar.São Paulo:Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.Disponível em:https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/924.
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) e Exercícios de indignação (Patto, 2022dPatto,M. H. S. (2022).Psicologia e ideologia: uma crítica à psicologia escolar.São Paulo:Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.Disponível em:https://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/924.
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).

A autora também organizou, sozinha ou em parceria com colegas, coletâneas de autores, com destaque para o livro inaugural Introdução à Psicologia Escolar, publicado originalmente em 1981, e relançado em 1997, em edição significativamente revista e atualizada (Patto, 1981Patto,M. H. S. (1981).Introdução à Psicologia Escolar.São Paulo:T. A. Queiroz.;1997Patto,M. H. S. (2000).Mutações do cativeiro: escritos de Psicologia e Política.São Paulo:Hacker Editores/EDUSP.); o livro Pensamento cruel. Humanidades e Ciências Humanas: há lugar para a Psicologia? (Patto & Frayze-Pereira, 2007Patto,M. H. S.;Frayze-Pereira,J. A. (Org.). (2007).Pensamento cruel. Humanidades e Ciências Humanas: há lugar para a Psicologia?.São Paulo:Casa do Psicólogo .) e o livro Formação de psicólogos e relações de poder: sobre a miséria da Psicologia(Patto, 2012Patto,M. H. S. (Ed.). (2012).Formação de psicólogos e relações de poder.São Paulo:Casa do Psicólogo .). Merece menção, ainda, a pesquisa A cidadania negada: políticas públicas e formas de viver, obra coordenada pela autora e publicada em forma de livro (Patto, 2022e). Isso sem contar os 27 artigos publicados em periódicos e os diversos capítulos de livros.

Dentre as mudanças inseridas na edição atualizada do livro Introdução à Psicologia Escolar (Patto, 1997Patto,M. H. S. (1997).Introdução à psicologia escolar. 3a. edição revisada e atualizada.São Paulo:Casa do Psicólogo.), destaca-se a inclusão de um capítulo da autora, intitulado O papel social e a formação do psicólogo: contribuição para um debate necessário, o qual já tinha sido publicado anteriormente em um periódico de difícil acesso, por não estar disponível on-line (Patto, 1982Patto,M. H. S. (1982).O Papel social e a formação do psicólogo: contribuição para um debate necessário.Boletim de Psicologia,34,82-83.). Nele, a autora discute a necessária passagem de uma Psicologia empírica positivista para uma Psicologia crítica e dialética, posicionando-se (Patto, 1997Patto,M. H. S. (2000).Mutações do cativeiro: escritos de Psicologia e Política.São Paulo:Hacker Editores/EDUSP., p. 463):

A reflexão crítica sobre a Psicologia e sobre a própria concepção de ciência que a fundamenta só é possível no âmbito da Filosofia [da práxis]. No entanto, ao nascer, a Psicologia declarou-a dispensável e mergulhou na mais absoluta empiria, ignorando o caráter abstrato do empírico. E quando falamos e Filosofia, estamos nos referindo a uma dimensão indispensável da atividade humana, ao esforço sistemático e crítico que visa captar a essência dos fenômenos, sua estrutura oculta, o modo de ser do existente, sem perder de vista a realidade humano-social enquanto totalidade histórica e concreta.

Do conjunto de sua obra, resultam contribuições teóricas e metodológicas que abriram espaço para a inclusão de temas tradicionalmente desprezados pela Psicologia Escolar e Educacional no Brasil. Suas provocações, portanto, são um potente alimento para uma atuação ética e politicamente orientada na busca pela superação de todas as formas de opressão, tendo por referencial teórico o materialismo histórico-dialético. Nesse sentido, não é de se estranhar que Maria Helena Souza Patto seja considerada um divisor de águas na Psicologia Escolar e Educacional brasileira (Checchia, 2015Checchia,A. K. A. (2015).Contribuições da psicologia escolar para a formação de professores: um estudo sobre a disciplina psicologia da educação nas licenciaturas.(Tese de Doutorado).Instituto de Psicologia,Universidade de São Paulo,São Paulo,Brasil.Recuperado dehttps://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-07082015-114724/pt-br.php
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).

Dentre as várias contribuições trazidas pela autora, é importante ressaltar como essencial a potência do exercício delicado de autocrítica, o qual implica em disposição para reparar as próprias contradições (Viégas, 2020Viégas,L. S. (2020)Psicologia Escolar e Educacional no Brasil: a importância da autocrítica. In:Oltramari,L. C.;Feitosa,L. R. C.;Gesser,M.Psicologia Escolar e Educacional: processos educacionais e debates contemporâneos(pp.14-32).). Seu movimento, primeiro pessoal, produziu um movimento coletivo, o qual, por sua vez, trouxe como impacto importante a abertura de novos rumos na área. De fato, sua obra produziu “fissuras, tanto no sentido de abrir rachaduras na área quanto de instigar outras(os) psicólogas(os) a trabalhar em busca de superar alguns vícios teórico-práticos tão densamente criticados” (Viégas, 2020Viégas,L. S. (2020)Psicologia Escolar e Educacional no Brasil: a importância da autocrítica. In:Oltramari,L. C.;Feitosa,L. R. C.;Gesser,M.Psicologia Escolar e Educacional: processos educacionais e debates contemporâneos(pp.14-32)., p. 14). Viégas (2020Viégas,L. S. (2020)Psicologia Escolar e Educacional no Brasil: a importância da autocrítica. In:Oltramari,L. C.;Feitosa,L. R. C.;Gesser,M.Psicologia Escolar e Educacional: processos educacionais e debates contemporâneos(pp.14-32)., pp. 14-15) segue afirmando:

Desde então, a psicologia escolar e educacional brasileira está em crise, o que deve ser entendido em sua força, e não como fraqueza. Isso porque algumas naturalizações próprias da área passaram a ser tensionadas, dando materialidade a uma disputa discursiva e de projeto que vem tomando corpo de forma ora mais, ora menos consistente na formação de psicólogas(os) em vários estados brasileiros.

Nessa disputa, nasceram publicações que passaram a incorporar os elementos até então fora de foco, constituindo a construção de vertentes críticas, muitas das quais a reconhecem como referência fundamental. Tomando por base a dialética materialista histórica, ganharam fôlego estudos dos fenômenos psicológicos no interior da escola que buscavam superar as leituras reducionistas e patologizantes das queixas escolares, as quais culpabilizam as pessoas das classes populares e trabalhadoras. Também se intensificou a construção de perspectivas teórico-práticas críticas na área, merecendo relevo as seguintes publicações:Machado e Proença, 1997Machado,A. M.;Proença,M. (1997).Psicologia escolar: em busca de novos rumosSão Paulo:Casa do Psicólogo.;Bock, 1999Bock,A. M. B. (1999).Aventuras do Barão de Munchausen na psicologia.São Paulo:Cortez.;Tanamachi, Proença e Rocha, 2000Tanamachi,E. R,Proença,M., &Rocha,M. (2000).Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos.São Paulo:Casa do Psicólogo;Bock, Gonçalves e Furtado, 2001Bock,A. M. B.;Gonçalves,M. G. &Furtado,O. (2001).Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia.São Paulo:Cortez.;Souza, 2007Souza,B. P. (Org.). (2007).Orientação à queixa escolar.São Paulo:Casa do Psicólogo .;Souza, Silva e Yamamoto, 2014Souza,D. T. R., &Amaral,D. K. (2015).Quatro histórias de (re)provação escolar - notas sobre o rumo das vidas de Angela, Nailton, Augusto e Humberto. In:M. H. S.Patto(Ed.),A Produção do Fracasso Escolar: histórias de submissão e rebeldia(pp.413-429).São Paulo:Entremeios .;Machado, Lerner e Fonseca, 2017Machado,A. M.,Lerner,A. B. C., &Fonseca,P. F. (2017).Concepções e proposições em psicologia e educação: a trajetória do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.São Paulo:Blucher..

Disparadas sobretudo a partir da década de 1990, pode-se dizer que a Psicologia Escolar e Educacional em uma perspectiva crítica foi se constituindo desde então. Desta maneira, no ano de 2001 quando foi realizada a entrevista com Maria Helena de Souza Patto que deu origem a este texto, a Psicologia Escolar e Educacional brasileira já havia estruturado teórica e metodologicamente a sua crítica à Psicologia de base positivista, sendo que as publicações de Patto encontravam-se entre as principais referências bibliográficas crítica em nosso país.

Data desta época a realização de uma entrevista com a autora, realizada por Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho, como parte da coleta de dados para a finalização da sua Dissertação de Mestrado defendida na PUC/SP (VIOTTO FILHO, 2001Viotto Filho,I. A. T. (2001).Perspectivas críticas de psicologia e psicologia escolar: contribuições de autores nacionais e estrangeiros.(Dissertação de Mestrado).Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação,Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,São Paulo,Brasil.Recuperado dehttps://tede.pucsp.br/handle/handle/16479?mode=simple
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). No entanto, dadas as vicissitudes do processo histórico, não foi possível apresentar os dados da entrevista naquela Dissertação, cujo tema foi retomado, ampliado e desenvolvido na Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação da PUC-SP (VIOTTO FILHO, 2005Viotto Filho,I. A. T. (2005).Psicologia escolar e psicologia social-comunitária: diálogos para a construção de uma perspectiva crítica de atuação do psicólogo na escola.(Tese de Doutorado).Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo,São Paulo,Brasil.Recuperado dehttps://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/16331
https://repositorio.pucsp.br/jspui/handl...
), sob orientação da Profa. Dra. Mitsuko Aparecida Makino Antunes. Tal entrevista tornou-se guia de orientação teórico-filosófica e metodológica para o aprofundamento das reflexões críticas sobre as características e especificidades de uma perspectiva crítica de Psicologia para a atuação do Psicólogo escolar no interior da escola pública brasileira (VIOTTO FILHO, 2005Viotto Filho,I. A. T. (2005).Psicologia escolar e psicologia social-comunitária: diálogos para a construção de uma perspectiva crítica de atuação do psicólogo na escola.(Tese de Doutorado).Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo,São Paulo,Brasil.Recuperado dehttps://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/16331
https://repositorio.pucsp.br/jspui/handl...
).

Realizada em março de 2001, na sala da professora Maria Helena Souza Patto no Instituto de Psicologia da USP-SP, a entrevista completou 23 anos. No entanto, sua atualidade desvela-se ao longo da conversa, e muitas das reflexões ali tecidas são contribuições essenciais para orientar profissionais da Psicologia e da Educação no contexto brasileiro atual, sobretudo no que se refere à atuação de profissionais da Psicologia na rede básica de ensino, área que tende ao crescimento com a aprovação da Lei 13.935/2019 (2019Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019.Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica.Diário Oficial da União, seção 1, p.1.Recuperado dehttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13935.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
).

Nesse sentido, salientamos que o conteúdo da entrevista que ora apresentamos ao leitor, dada sua força e consistência teórica, merece nossa apreciação na atualidade. Esperamos, com a sua publicação, reiterar a relevância das contribuições da Professora Maria Helena para a área, bem como ressaltar a relevância dos aspectos debatidos ao longo da conversa com ela realizada.

Vale ressaltar que, considerando as duas décadas que separam a realização da entrevista de sua publicação na Revista, a transcrição foi enviada à Professora Maria Helena Souza Patto, que leu seu conteúdo e deu sugestões de edição para melhor compreensão de sua fala, as quais foram acolhidas pelo entrevistador e autores deste texto. Para esta publicação, as falas do entrevistador, Prof. Tuim, serão indicadas com a letra ‘T’ e as falas da Profa. Maria Helena com as letras ‘MH’.

A ENTREVISTA

T - Bom dia Profa. Maria Helena, agradeço a sua atenção e participação em minha pesquisa de Mestrado que estou realizando junto à PUC-SP com a finalidade de discutir aspectos de uma perspectiva crítica de Psicologia Escolar. Você considera que na atuação do psicólogo hoje [2001], no Brasil, existe a possibilidade de um trabalho em uma perspectiva crítica?

MH - Eu responderia esta pergunta dizendo que sim e não! Eu acho que a Psicologia pode sim ter uma outra inserção social do que aquela Psicologia tradicional, não é? Uma inserção social que tenha mais claro para os próprios psicólogos qual é o compromisso que estão assumindo ao fazer a Psicologia Escolar assim e não da maneira tradicional. Agora, eu não acho que o psicólogo, assim como a Psicologia, nem mesmo a Educação, têm o poder de transformar a realidade. Porque há limites historicamente postos e eu acho que a transformação ocorre a partir do momento em que o coletivo se reposiciona e adquire, sobretudo o próprio coletivo, uma consciência mais crítica da realidade e de sua inserção nesta realidade.

T - O que você compreende enquanto elementos possíveis nesta perspectiva crítica para o psicólogo que atua na escola? Quais as possibilidades que ele teria a partir de sua atuação na construção desta perspectiva?

MH - Em primeiro lugar, eu acredito muito no psicólogo escolar que desenvolve um trabalho de Psicologia Institucional, trabalhando com grupos e tendo em vista, principalmente, abrir espaços de reflexão na instituição, ou seja, espaços que possibilitem uma atitude filosófica diante de suas práticas, diante do que é ser educador num país como o Brasil, não é? Um espaço, portanto, em que as pessoas possam se perguntar, diante da realidade de que elas fazem parte, o que é essa realidade? Como ela é? Por que ela é o que é e como é? Na direção de que interesses estou trabalhando? E por aí afora...

T - Acredito que você já responde de certa forma à terceira questão, que se refere às finalidades de construção de uma perspectiva crítica em Psicologia Escolar.

MH - Eu acho que sim. Você precisa primeiro ajudar as pessoas a se descristalizarem, botar as coisas em movimento. Por exemplo, nas instituições escolares, que geralmente são instituições muito cristalizadas, você pôr a palavra em movimento, fazer com que as pessoas comecem a falar e comecem a ouvir. É nesse sentido que você torna a instituição mais dinâmica, mais saudável, menos comprometida com a morte, com os rituais obsessivos, não é? E é assim que você libera as pessoas para começarem a refletir a respeito daquilo que elas fazem.

T - No que se refere aos espaços do psicólogo no interior da escola, pois não existe o cargo de psicólogo escolar na escola, como você compreende a conquista desses espaços de atuação, sobretudo na escola pública?

MH - Eu acho que, nos últimos anos, uma certa crítica a uma certa Psicologia - a que fazia diagnóstico de crianças que estavam apresentando algum problema de escolarização - acabou encontrando ressonância junto aos educadores. Aqui na USP nós temos serviços em Psicologia Escolar que atendem escolas da rede, nas imediações da Cidade Universitária, e as equipes desenvolvem um trabalho permanente nessas escolas com estagiários. E atualmente, eu vejo que a receptividade a outras formas de inserção de psicólogos na escola é muito maior do que no passado. Então eu acho que a possibilidade existe, na medida em que o psicólogo é capaz de chegar nas escolas e ouvir qual é a queixa e fazer uma proposta de trabalho. Uma proposta que se afaste da maneira tradicional e envolva toda a instituição, trabalhando em grupos e, ao mesmo tempo, vendo se há receptividade ou não a esse tipo de proposta, se há espaço naquela instituição escolar para este tipo de trabalho. E geralmente há.

T - Sobre os aspectos teóricos, filosóficos e metodológicos que poderiam nortear esta perspectiva, como você reconhece esses elementos teóricos necessários para instrumentalizar o psicólogo para chegar até a escola?

MH - Em primeiro lugar, é preciso desencastelar a Psicologia, ou seja, é preciso pôr a Psicologia em contato com as demais Ciências Humanas, na formação do psicólogo: História, Sociologia, Antropologia e outras tantas mais. Porque é deste contato com estas outras áreas que a Psicologia pode adotar uma perspectiva crítica. Sem isto é impossível, pois a consciência crítica vem, principalmente, de certa leitura da realidade do presente, a partir de uma perspectiva histórica, em que você vê como este presente foi construído ao longo da História, a partir de uma concepção crítica de História, tal como ela é contada, por exemplo, do ângulo materialista histórico. Então, os referenciais teóricos não são indiferentes, pois há referenciais teóricos que levam a uma postura crítica e há referenciais históricos que não levam a uma leitura crítica do real.

T - Quando você discute esta possibilidade de nós avançarmos à consciência filosófica, Saviani faz uma discussão muito interessante acerca do avanço do senso comum à consciência filosófica por meio do conhecimento crítico. Você acha que o psicólogo precisa passar por esse movimento de consciência e como alavancar isso?

MH - Eu acho! Eu vivo dizendo que a primeira coisa que os psicólogos precisam, para se tornarem profissionais com outro tipo de compromisso ético e político, é pensar seu próprio pensamento criticamente. Está em andamento uma maneira crítica de pensar a própria Psicologia, como ela se institui, a partir de quais compromissos, em que momento da História do Ocidente etc. Tudo isto está sendo feito e deve estar presente nos cursos de formação. Mas eu acho que a Psicologia, enquanto ela não se autocriticar, enquanto ela não fizer a sua autoanálise sobre a sua emergência, o seu nascimento como ciência num determinado momento da História do Ocidente, ela tem muito poucas chances de fazer outra coisa que não reproduzir uma prática que é absolutamente mantenedora do que existe.

T - Perfeito! No que se refere então a essa práxis possível da Psicologia e do psicólogo escolar, como você pensaria essa práxis?

MH - Eu acho que é, sobretudo, através de intervenção junto a grupos, e há várias possibilidades teóricas de ajudar esses grupos de uma maneira crítica.

T - Reconhecer as intervenções com grupos na instituição escolar!

MH - Sim. Eu acredito muito no poder de mudança das instituições. Eu acho que, em certo momento da vida de um grupo, ao trazer algum tipo de conhecimento para esse grupo, você pode mudar a configuração da maneira como ele está se organizando nas instituições. Então, eu acho que o psicólogo tem que trazer informação, atuar sobretudo no grupo, para ir ajudando o grupo a se desbloquear, a abandonar a rigidez dos estereótipos e dos preconceitos, ter conhecimento dos mecanismos que estão impedindo esta postura outra. E quando falo em mecanismos, estou falando em mecanismos subjetivos, intersubjetivos, é aí que a Psicologia se instala. Uma Psicologia do grupo e das instituições, com finalidade crítica.

T - Eu acredito que você enfatiza a especificidade do trabalho da Psicologia na escola, na qual o psicólogo não se confunde com o pedagogo ou com o professor.

MH - Exatamente. Esta confusão existe, é uma confusão já estabelecida e tem muito a ver com a ignorância dos psicólogos sobre o que eles podem efetivamente fazer na sua especificidade profissional. Porque, a partir do momento em que uma certa Psicologia (de aplicação de testes e elaboração de laudos, sempre contrária aos interesses das crianças) foi objeto de crítica, muitas vezes os psicólogos não sabem o que fazer. E nesse sentido, os cursos de Psicologia precisavam se rever, os alunos precisavam ter uma formação muito melhor para lidar com grupos, instituições, seja qual for a instituição, porque temos o psicólogo em instituições hospitalares e em outras instituições, os cursos não trabalham isto tão eficientemente e os psicólogos acabam se perdendo.

T - Fale mais sobre como você pensa a ação do psicólogo escolar do ponto de vista de uma ação política, de uma ação contextualizada e de análise política da realidade.

MH - Quando a gente fala de um psicólogo que segue o caminho contrário, a contrapelo das estereotipias, dos estigmas e preconceitos, você já está comprometido com um valor, e os valores que orientam esta ação são valores clássicos, os chamados valores humanistas, em que você tem compromisso com a liberdade das pessoas, contraposta à opressão das pessoas. No entanto, a própria Psicologia pode ser opressiva, pois os laudos são verdadeiras condenações. Se a gente quer caminhar na direção de uma sociedade igualitária, quer quebrar com as hierarquias, quer quebrar com a desigualdade que existe do ponto de vista do poder, do ponto de vista de direitos, então os psicólogos devem estar comprometidos o tempo todo com valores que têm uma conotação política muito clara, pois você quer uma sociedade mais justa, mais igual, menos opressora etc.

T - Como isso se configuraria na prática do psicólogo escolar?

MH - Eu acho que o simples fato de os psicólogos escolares deixarem de produzir verdadeiros veredictos negativos em relação às crianças das classes populares que frequentam a escola pública já é uma grande contribuição. Aí eu estou definindo, ainda, pelo que o psicólogo não faz. E o que ele poderia fazer na direção de uma prática mais comprometida com a igualdade de direitos? Todas as crianças têm direito à escola. Então, o psicólogo vai para a escola no sentido de ajudar os educadores que fazem o seu dia a dia, o seu cotidiano, a tomarem consciência do papel que estão desempenhando e como estão reproduzindo a sociedade por meio de ações antidemocráticas e da opressão dentro da escola, e ajudá-los a pensar como isso poderia ser superado, como a escola deveria ser para que houvesse uma igualdade de direitos à educação, não importando o nível social das crianças.

T - À medida que o psicólogo conseguir fazer uma articulação entre teoria e prática e uma leitura contextualizada da realidade, você acha que ele conseguirá avançar nessas perspectivas transformadoras?

MH - Eu acredito que o psicólogo só será transformador quando ele não mais olhar as pessoas como um em-si e olhar as pessoas e seus comportamentos sempre inseridos num contexto que, digamos assim, determina o fracasso escolar das crianças. Ultimamente, as pesquisas mostraram que o fracasso é produzido nas escolas. Então, a partir do momento em que você olha desta perspectiva, eu acho que você inaugura, digamos assim, frentes de trabalho que você não tinha quando considerava que os problemas de aprendizagem estavam na criança e na família, ambos supostamente portadores de deficiência, déficit, de incapacidades de aprendizagem. Então, esta coisa de ampliar o olhar dos psicólogos para a instituição, aqui vista como instituição social, inserida numa sociedade concreta que tem determinadas características, incluindo as características da sociedade brasileira, uma sociedade marcada pela desigualdade, pela violência nas relações entre as classes até hoje, e sempre marcada por uma tradição de direitos como favor. Quando se trata dos pobres, tudo que é direito vira favor. Então, se os psicólogos tiverem uma visão crítica do país em que estão e da instituição escolar neste país, ou seja, como são as políticas públicas, como é a História das políticas públicas no Brasil, ele terá espaço para pensar: como eu posso contribuir para as coisas começarem a andar em outra direção?

T - Adentrando na questão do compromisso ético-político do psicólogo escolar, qual a sua compreensão nesse sentido, ou seja, da ética da Psicologia que se apresenta na escola?

MH - A Ética para o psicólogo vai muito além de se garantir o sigilo de prontuários e informações sobre clientes, porque é assim que geralmente se entende Ética na Psicologia. Ética é muito mais do que isso, você tem que pensar qual é o seu compromisso, o que você valoriza, que mundo você gostaria de colaborar para que ele surgisse? Se você concorda com esse mundo que está aí, ou se você não concorda, o que você pode fazer como psicólogo? Eu acho que os chamados valores humanistas são como uma bússola, eu sempre estou tentando pensar a Psicologia afinada com uma sociedade livre, fraterna e igual! A teoria tem muito a ver com isto, a gente costuma falar que existe a questão epistemológica e a dimensão ético-política, as dimensões do trabalho, mas a própria epistemologia já contém um compromisso ético-político.

T - Perfeito, professora!

MH - Uma coisa é você achar que o objeto de estudo e de ação do psicólogo é um objeto, tal como objetos das Ciências Físicas e Naturais, e outra coisa é você dizer não, a Psicologia, tanto na produção de conhecimento, como nos processos de atuação, na sua práxis, é uma ciência plantada na relação sujeito-sujeito. No momento em que você define o outro como sujeito, você já está assumindo uma postura ético-política que muda tudo. Muda o método de pesquisa e as maneiras de intervir.

T - Ótimo! Salientando a discussão da atividade política do psicólogo, há uma relação intrínseca entre a ética e essa atividade política com vistas à superação dos preconceitos, de dificuldades etc.

MH - É muito importante definir o que a gente entende por político. No meu ponto de vista, os psicólogos são malformados. E eu também me incluo nisso e tento superar as minhas lacunas. Os psicólogos têm o hábito de entender, ao ouvir a palavra política, como política partidária, e não é nada disso. A política trata do quê? Das relações de poder na sociedade, sendo que o psicólogo, através da sua especificidade, lidando com relações entre as pessoas, com subjetividades e intersubjetividades, pode criar condições para que se estabeleçam outras relações entre elas, que não relações de poder opressivas que na verdade transformam tanto o opressor como o oprimido em coisas, ambos deixam de ser sujeitos, deixam de ser pessoas.

T - Ultimamente, então, a questão da política e da atividade política passam a ser fundamentais.

MH - Sem dúvida, desde que a gente entenda bem o que é isto! Por exemplo, a dimensão política de uma sociedade é a dimensão das relações de poder, é aí que se dá a justiça ou injustiça.

T - Terminando... Como então se concretizaria esta ação política para o psicólogo escolar?

MH - Eu acho que é exatamente inserindo-se nas instituições escolares de maneira crítica, sabendo que essas instituições são determinadas socialmente, e se propondo a fazer um trabalho dentro da escola que, de alguma maneira, possibilite a todos os seus participantes resgatarem uma dimensão de si mesmos mais autônoma, mais reflexiva, mais comprometida mesmo com a vida, uma coisa mais vivaz e não uma coisa de rituais mortificadores.

T - Perfeito, Maria Helena! Você teria mais alguma consideração a fazer?

MH - Eu acho uma coisa importante também. A práxis, digamos assim, comprometida com a libertação das pessoas, uma prática libertária não é sozinha. Não é a prática de um profissional, como eu disse no começo. E esta práxis não pode jamais se transformar em fórmula, em receita! Ela tem que ser permanentemente viva e em construção! Porque, a partir do momento que você escreve um livro dando todos os passos da ação do psicólogo libertário, você transforma isso em uma coisa que o sistema rapidamente incorpora e transforma numa prática absolutamente conservadora, com uma aparência de prática libertadora. Então, a atuação do psicólogo não pode virar fórmula, nem receita! Aliás, muita gente quer as fórmulas e as receitas, no entanto, o máximo que a gente pode ter são os princípios norteadores desta práxis.

T - Então, só para concluir e pegando um gancho, uma vez que estamos discutindo as possibilidades de construção dessas perspectivas críticas de Psicologia e da atuação do psicólogo escolar, me parece, a partir desta nossa conversa, que essas perspectivas precisam estar em constante construção e discussão, parece que não há um momento de se consolidarem, se concluírem definitivamente, é isso?

MH - Exatamente! Elas não podem se mineralizar, porque a partir do momento que elas se fixam, elas morrem, elas viram um ritual e, de novo, você terá uma Psicologia e um psicólogo objetos, lidando com um cliente, um sujeito, um grupo, seja o que for, objetificados também.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2021
  • Aceito
    04 Mar 2022
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