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A interculturalidade na aula de DaF sob uma perspectiva decolonial

Interculturality in the DaF classroom from a decolonial perspective

Resumo

O presente artigo busca refletir sobre a interculturalidade, elemento tão presente nas aulas de língua atualmente, a partir de uma perspectiva decolonial. O objetivo é contribuir para as discussões a respeito de uma postura decolonial no ensino de línguas - no nosso caso, na aula de Alemão como Língua Estrangeira (DaF) no Brasil -, trazendo reflexões sobre o papel do professor nesse processo. A partir de minhas reflexões e observações enquanto professora-pesquisadora e formadora de professores, procuro abordar como uma postura decolonial por parte do professor pode levar à desconstrução de padrões pré-existentes e, consequentemente, a um aprendizado mais próximo da realidade do aluno. Para tanto, além de revisitar e discutir conceitos basais para as reflexões aqui postas, procuro trazer exemplos práticos com os quais o professor se defronta em sala de aula, especialmente advindos de livros didáticos. Como o professor nem sempre está consciente de que pode - e deve - constituir resistência e oposição a postulações coloniais arraigadas em nossa sociedade, bem como ser ferramenta e incentivo para um mundo diferente, busco trazer algumas noções do pensamento decolonial, a fim de incentivar esse novo olhar para o aprendizado e uma nova postura frente ao mundo globalizado e intercultural em que vivemos.

Palavras-chave:
interculturalidade; decolonialidade; papel do professor; DaF; criticidade

Abstract

This paper addresses interculturality, an element that is so present in language classes today, from a decolonial perspective. The aim is to contribute to discussions about a decolonial stance in language teaching - in our case, in German as a Foreign Language classes (DaF) in Brazil - by reflecting on the role of the teacher in this process. Based on my reflections and observations as a researcher-teacher and teacher trainer, I try to address how a decolonial stance on the part of the teacher can lead to the deconstruction of pre-existing patterns and, consequently, to a learner-centered learning, closer to the student's reality. To this end, as well as revisiting and discussing basic concepts for the reflections presented here, I bring practical examples that teachers face in the classroom, especially from textbooks. Since teachers are not always aware that they can - and should - constitute resistance and opposition to colonial postulations that are ingrained in our society, as well as being a tool and incentive for a different world, I discuss some notions of decolonial thinking in order to encourage this new look at learning and a new attitude towards the globalized and intercultural world in which we live.

Keywords:
interculturality; decoloniality; teacher’s tasks; DaF; criticality

1 Introdução

Língua e cultura são elementos indissociáveis e estão presentes lado a lado em uma aula de língua estrangeira. Por isso, ensinar uma língua não se resume apenas a ensinar estruturas linguísticas2 2 Algumas reflexões a respeito, aqui revisadas e expandidas, também podem ser encontradas em Pupp Spinassé (2016). . Mais do que uma competência linguística, que dá ao indivíduo o aparato para construir enunciados, o aprendiz3 3 No decorrer do texto, com o intuito de deixá-lo mais fluido, usarei apenas o masculino genérico e substantivos não marcados, mas deixando claro que sempre levarei em consideração e estarei abarcando todas as identidades de gênero possíveis em minhas argumentações. de uma língua estrangeira necessita de uma competência comunicativa, que seria a capacidade de utilizar os enunciados que consegue construir de forma efetiva em um diálogo. Porém, ainda mais importante do que a competência comunicativa, a competência intercultural sensibiliza os alunos para o contato com o outro, para lidar com o que é “diferente” no seu interlocutor, fazendo com que os enunciados construídos com os aparatos linguísticos não só sejam utilizados de forma efetiva na comunicação, mas também levem a uma interação adequada e bem-sucedida em ambientes “estranhos” (fremd) ao aprendiz.

Trabalhar aspectos culturais em sala de aula, contudo, pode ser desafiador, se buscarmos trabalhá-los de forma crítica e consciente. É uma tarefa que, por vezes, exige do professor uma mudança de postura frente a aspectos e situações que, tradicionalmente, não são questionados. Frequentemente, observei conteúdos de livros didáticos, por exemplo, seja em forma de texto ou de ilustração, sendo transmitidos em sala de aula, sem que houvesse qualquer reflexão mais aprofundada por parte do professor a respeito. Também já presenciei, em minhas observações, a reprodução de estereótipos em sala de aula, sem uma abordagem crítica ou qualquer problematização sobre eles, simplesmente porque, tradicionalmente, essas informações eram tidas como aceitas e pouco se fomentava a criticidade.

Nesse sentido, discutirei neste artigo a questão da competência intercultural e sua importância para o aprendiz de língua estrangeira, dando enfoque especial à relevância de o professor estar consciente de seu papel enquanto formador de cidadãos, instigador do pensamento e modificador de posturas e padrões. Para tanto, optei partir de uma perspectiva decolonial, por acreditar ser importante questionaram-se os valores e os papéis que cada língua - e consequentemente as nações onde são faladas - ocupam no mundo e também no imaginário do aprendiz, e também por acreditar que uma postura decolonial em sala de aula traga ao alunado benefícios que vão para além da sala de aula.

Primeiramente, no entanto, o próprio professor precisa estar consciente e assumir essa postura decolonial, para que possa abordar as informações interculturais em sala de aula sem a hierarquia colonial que tanto impregna nosso pensamento - como através do “complexo de vira-lata”, reconhecidamente presente no Brasil (Cf. TIBURI 2021TIBURI, Marcia. Complexo de vira-lata. Análise da humilhação colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.). Para isso, o professor, muitas vezes, precisa se desconstruir. Através do olhar de professora e de formadora de professores, busco trazer aqui reflexões que auxiliem os professores-leitores a descobrirem a abordagem decolonial, valendo-se de provocações e dicas que os incentivem em sua criticidade.

Assim, este artigo trará noções teóricas acerca de conceitos como cultura, interculturalidade, decolonialidade e capital linguístico, e também reflexões sobre a prática do professor nesse processo de formar um falante culturalmente sensível e consciente de seu lugar no mundo.

2 Os conceitos “cultura” e “interculturalidade”

O termo “cultura” não é de fácil descrição, pois diferentes áreas entendem esse conceito a partir de diferentes perspectivas - e, consequentemente, com diferentes significados (cf. ORT 2008ORT, Claus-Michael. Kulturbegriffe und Kulturtheorien. In: NÜNNING, Ansgar; NÜNNING, Vera (org.). Einführung in die Kulturwissenschaften: Theoretische Grundlagen - Ansätze -Perspektiven. Stuttgart: Metzler, 2008, 19-38.: 19; RECKWITZ 2000RECKWITZ, Andreas. Die Transformation der Kulturtheorien. Zur Entwicklung eines Theorieprogramms. Weilerswist: Velbrück Wissenschaft, 2000.: 64). Através de termos como “alta cultura”, “cultura popular”, “centro cultural”, “cultura do futebol”, “cultura alimentar”, o adjetivo “culto” ou até mesmo a expressão “cultura de bactérias”, pode-se perceber a diversidade de significados atribuídos à palavra cultura, que denotam desde cultivo e padrões, até artes e intelectualidade (cf. SAAL 2014SAAL, Britta. Kultur in Bewegung. In: MAE, Michiko; SAAL, Britta (org.). Transkulturelle Genderforschung. Ein Studienbuch zum Verhältnis von Kultur und Geschlecht. 2. ed. Wiesbaden: Springer, 2014, 21-47.: 22).

Originalmente, a base da palavra “cultura”, advinda do latim, remete ao mundo agrário, ao trabalho no campo (BOSI 1992BOSI, Alfredo. A Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.) - daí o verbo “cultivar”, por exemplo. Derivada da forma latina “colo” (“eu cultivo”), “a palavra cultura significava, rigorosamente, ‘aquilo que deve ser cultivado’” (BOSI 1992BOSI, Alfredo. A Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.: 53). Expandindo um pouco mais o significado, em uma interpretação que leva em conta a relação com o meio, Herskovits (1963HERSKOVITS, Melville J. Man and His Works. Antropologia Cultural. São Paulo: Mestre Jou, 1963.: 31) define cultura como “a parte do ambiente feita pelo homem”, ou seja, o que provém do homem, em contraposição ao que é criado pela natureza.

O conceito, contudo, ampliou seu caráter mais prático para ganhar veias mais científicas ao longo dos anos, sendo interpretado por Böhme (1996BÖHME, Hartmut. Vom Cultus zur Kultur(wissenschaft). Zur historischen Semantik des Kulturbegriffs. In: GLASER, Renate; LUSERKE, Matthias (org.). Literaturwissenschaft - Kulturwissenschaft. Positionen, Themen, Perspektiven. Opladen: Westdeutscher Verlag, 1996, 48-68. : 53) como “die Kunst (ars, techné), durch welche Gesellschaften ihr Überleben und ihre Entwicklung in einer übermächtigen Natur sichern4 4 “A arte (ars, techné), através da qual sociedades garantem sua sobrevivência e seu desenvolvimento em uma natureza avassaladora” (tradução própria). . Essa denominação abarca tudo o que envolve o homem enquanto ser sociável, que vive em constante negociação social.

Por muito tempo se rotulou “cultura” como formas de agir e de pensar, como categorias fechadas que caracterizam a pessoa que vive naquela sociedade. Contudo, como argumentava Geertz já em 19735 5 O livro foi impresso originalmente em inglês no ano de 1973. Utilizo para este artigo, entretanto, a sua versão em língua alemã, de 1989. ,

Kultur ist erstens am besten nicht zu betrachten als ein Komplex konkreter Verhaltensmuster, wie Sitten, Gebräuche, Traditionen und Gewohnheiten (wie das im Groβen und Ganzen bislang der Fall gewesen ist), sondern vielmehr als ein Gefüge von Kontrollmechanismen [...] zur Regelung des Verhaltens (GEERTZ 1989GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.: 32).6 6 “A cultura não deve ser vista como complexos ou padrões concretos de comportamento - costumes, usos, tradições, hábitos - como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle [...] para governar o comportamento” (tradução própria).

Fazendo uma metáfora com um iceberg, os costumes e hábitos de um povo são aquilo que é visto, a ponta do iceberg; a cultura de um povo seria a base, o fundamento desse iceberg. A cultura, portanto,

[...] besteht nicht aus Gegenständen, Menschen, Verhaltens-weisen oder Gefühlen, sondern sie ist vielmehr die Organisation dieser Dinge in den Köpfen ihrer Mitglieder, ihre Modelle, wie sie diese Dinge wahrnehmen und interpretieren (HINNENKAMP 1989HINNENKAMP, Volker. Interaktionale Soziolinguistik und interkulturelle Kommunikation. Gesprächsmanagement zwischen Deutschen und Türken. Tübingen: De Gruyter, 1989. : 29).7 7 “[...] não é um conjunto de objetos, pessoas, formas de comportamento ou sentimentos, mas sim a forma como essas coisas estão organizadas nas cabeças de seus membros e como eles percebem e interpretam essas coisas” (tradução própria).

Nesse mesmo sentido, Saal (2014SAAL, Britta. Kultur in Bewegung. In: MAE, Michiko; SAAL, Britta (org.). Transkulturelle Genderforschung. Ein Studienbuch zum Verhältnis von Kultur und Geschlecht. 2. ed. Wiesbaden: Springer, 2014, 21-47.: 22) argumenta que “cultura” seria aquilo que caracteriza um grupo de pessoas que apresentam semelhanças em suas formas de pensar e avaliar o mundo, o que se perceberia através da história, da linguagem e da religião, por exemplo. A própria autora lembra, contudo, que esse não é o único entendimento para o conceito de cultura, o qual, no senso-comum, frequentemente remete à intelectualidade refinada, como a arte, a literatura, o teatro e a ópera. Welsch (2010WELSCH, Wolfgang. Was ist eigentlich Transkulturalität? In: DAROWSKA, Lucyna; LÜTTENBERG, Thomas; MACHOLD, Claudia (org.). Hochschule als transkultureller Raum? Kultur, Bildung und Differenz in der Universität. Bielefeld: Transcript Verlag, 2010, 39-66.: 39) também expõe o fato de, muitas vezes, as fronteiras geográficas serem usadas para determinar uma cultura em específico, como se “cultura” fosse equiparado à ideia de “nação”.

Sendo assim, o conceito “cultura” envolve muitos aspectos, remetendo a manifestações de caráter criativo (por exemplo, produzir literatura ou música), a manifestações de cunho social (como formas de agir ou de lidar com determinadas situações), dentre outras. Esse vasto leque de facetas para o conceito de cultura faz com que ele seja considerado complexo e, apesar de tantas definições, ainda não seja um termo muito transparente, uma vez que, segundo Leiprecht e Lutz (2015LEIPRECHT, Rudolf; LUTZ, Helma. Intersektionalität im Klassenzimmer: Zur sozialen Konstruktion und Bedeutung von Ethnie, Klasse, Geschlecht und ihren Verbindungen. In: LEIPRECHT, Rudolf; STEINBACH, Anja (org.). Schule in der Migrationsgesellschaft. Ein Handbuch. Band I: Grundlagen - Differenzlinien - Fachdidaktiken. Schwalbach/Ts: Debus Pädagogik, 2015, 283-304.), tende a tentar homogeneizar algo que não pode ser homogeneizado.

Mesmo querendo se questionar a valia do conceito de cultura, não se pode evitar usá-lo nas concepções apresentadas acima. A própria UNESCO traz uma definição para o termo, tentando unir o máximo de características em uma descrição:

[…] a set of distinctive spiritual, material, intellectual and emotional features that characterize a society or social group, [which] includes not only arts and letters, but also modes of life, the fundamental rights of the human being, value systems, traditions and beliefs (UNESCO 2022UNESCO. Final Declaration MONDIACULT-2022. 2022. Disponível em: <Disponível em: https://www.unesco.org/sites/default/files/medias/fichiers/2022/10/6.MONDIACULT_EN_DRAFT%20FINAL%20DECLARATION_FINAL_1.pdf > (04/01/2024).
https://www.unesco.org/sites/default/fil...
: 1).8 8 “[...] um conjunto de características espirituais, materiais, intelectuais e emocionais distintas, que caracteriza a sociedade ou grupo social e que inclui não somente artes e letras, mas também modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistema de valores, tradições e crenças” (tradução própria).

Assim, de acordo com essa definição, bem como com as reflexões trazidas por Geertz (1989GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.) e Hinnenkamp (1989HINNENKAMP, Volker. Interaktionale Soziolinguistik und interkulturelle Kommunikation. Gesprächsmanagement zwischen Deutschen und Türken. Tübingen: De Gruyter, 1989. ), “cultura” é entendida neste artigo como os padrões e parâmetros presentes no inconsciente de uma coletividade, que podem influenciar seu comportamento e seus valores - mesmo sabendo que a individualidade também exerce seu papel, motivo pelo qual os aspectos culturais tidos como característicos de um grupo não podem ser generalizantes.

Quando se trabalham aspectos culturais relacionados a uma língua, vai-se muito além do que apenas um estudo sobre um país; muitos aspectos devem ser englobados. Por isso, na teoria, tendo os diferentes conceitos de cultura como base, costuma-se diferenciar, principalmente, entre duas vertentes dessa área, a saber, o estudo de fatos e os estudos interculturais (BIECHELE; PADRÓS 2003BIECHELE, Markus; PADRÓS, Alicia. Didaktik der Landeskunde. Berlin: Langenscheidt, 2003.).

O estudo de fatos corresponde ao estudo de dados sobre o país/os países onde a língua-alvo é falada, englobando questões de cunho histórico, econômico, social, geográfico, político, artístico, literário, dentre outros. Trata-se de aspectos, para os quais não há (ou há apenas pouca) polêmica, contradição ou discordância, como nas afirmações: “Die Berliner Mauer ist am 9. November 1989 gefallen”9 9 “A queda do Muro de Berlin se deu em 9 de novembro de 1989” (tradução própria). Disponível em: <https://www.mdr.de/geschichte/ddr/deutsche-einheit/mauerfall/chronik-friedliche-revolution-wende-100.html> (31/12/2023). , “Mit 357.340 Quadratkilometern ist Deutschland [...] das viertgrößte Land der EU”10 10 “Com 357.340 km², a Alemanha é [...] o quarto maior país da União Europeia” (tradução própria). Disponível em: <https://www.deutschland.de/de/topic/leben/geografie-und-klima> (31/12/2023). , “Goethes Werther gilt als Schlüsselroman des Sturm und Drang [...]”11 11 “O Werther de Goethe é considerado o principal romance do Sturm und Drang [...]” (tradução própria). Disponível em: <https://abi.unicum.de/epochen/sturm-und-drang-merkmale> (03/01/2024). ou “Im 20. Deutschen Bundestag sind acht Parteien vertreten [...], die fünf Fraktionen bilden”12 12 “Oito partidos estão representados no 20º Parlamento alemão [...], formando cinco facções” (tradução própria). Disponível em: <https://de.wikipedia.org/wiki/20._Deutscher_Bundestag> (31/12/2023). . É até possível questionar ou duvidar de algumas dessas informações, mas, em linhas gerais, trata-se de fatos inquestionáveis, conhecidos, sobre os quais se podem fornecer uma fonte científica ou registro (histórico ou atual) que os comprove.

Ao trabalhar com fatos desse tipo, a preocupação do professor geralmente é a de não tornar sua aula maçante com tantas informações, números ou nomes novos para os alunos. Por isso, do ponto de vista didático, sempre procuramos transmitir informações desse tipo de forma lúdica e, salvo algumas exceções, sem a exigência de que esses fatos sejam decorados. Mais do que saber a data exata de quando o Muro de Berlin foi construído, é importante o aluno entender as condições histórico-sociais da época, para compreender o motivo de sua construção; mais do que saber o nome dos principais rios alemães, é interessante conhecer a importância da navegação fluvial no país.

Por sua vez, os estudos interculturais são a parte sobre os aspectos relacionados ao país/aos países onde a língua-alvo é falada que se ocupa com o caráter cultural, ou seja, com as características que são ou podem ser regulamentadas pela base do iceberg, conforme a metáfora utilizada anteriormente. Os estudos interculturais tratam, portanto, de aspectos mais subjetivos, como os hábitos de uma determinada sociedade, seus costumes, seu comportamento perante determinadas situações, os acontecimentos e eventos que a cercam, as variações linguísticas, a herança cultural, dentre outros. Por exemplo, enquanto o professor trabalha a importância da navegação fluvial na Alemanha, a partir de fatos, ele pode agregar a perspectiva intercultural e abordar a lenda da sereia Loreley, que envolve os navegantes do Rio Reno.

Como o próprio termo já diz, os estudos interculturais trabalham não só com questões de cunho cultural, mas com o diálogo entre diferentes culturas: a interculturalidade. A tarefa da interculturalidade é estabelecer relações entre aspectos culturais diversos de diferentes grupos, fazendo com que as pessoas pertencentes a esses diferentes grupos possam se entender e solucionar problemas e conflitos provenientes de suas diferenças. No âmbito da sala de aula, um ensino com abordagem intercultural é

[...] ein Weg im Fremdsprachenunterricht für Ausländer, um existierende oder tradierte Vorurteile oder Missverständnisse abzubauen und ein neues Zu- und möglichst Miteinander im Denken zu konstruieren. Interkulturalität ist immer Kenntnis und Erkenntnis des Anderen und damit vertieft des Eigenen, insoweit sie hilft, fremde kulturelle Identität emotional zu erfühlen und zugleich rational zu begreifen und dadurch eigene Identität besser zu verstehen oder oft erst zu finden (HEXELSCHNEIDER 1987HEXELSCHNEIDER, Erhard. Das Fremde und das Eigene als Grundkomponenten von Interkulturalität. Was bedeutet das für den Lehrenden? In: WIERLACHER, Alois (org.). Perspektiven und Verfahren interkultureller Germanistik. München: Iudicium, 1987, 259-287.: 260).13 13 “[...] um caminho [...] para o estrangeiro desconstruir os mal-entendidos e os preconceitos existentes e/ou tradicionais, construindo em seu pensamento uma nova relação de um para ou outro e, melhor ainda, de um com o outro. A interculturalidade é sempre o conhecimento e o reconhecimento do outro e, com isso, o aprofundamento sobre si mesmo, pois ela ajuda a perceber a identidade cultural ‘estranha’ [do outro] de forma afetiva e racional ao mesmo tempo, fazendo com que, com isso, se entenda melhor - ou mesmo se encontre pela primeira vez - a própria identidade” (tradução própria).

Nesse sentido, uma abordagem intercultural de ensino precisa levar em consideração que o diálogo entre as duas (ou mais) culturas deve ser equilibrado, não só trazendo a cultura do(s) país(es) onde a língua-alvo é falada como L1 para os aprendizes, mas também levando as culturas locais em consideração. A interculturalidade estabelece, portanto, um caminho de mão dupla, não devendo se caracterizar por um ensino unilateral da cultura da língua-alvo. Esse movimento é importante, pois pensar a cultura do outro também é tomar consciência sobre a própria identidade cultural (CANDAU 2016CANDAU, Vera M. Ferrão. Cotidiano escolar e práticas interculturais. Cadernos de Pesquisa, v. 46, n. 161, 802-820, 2016.).

É indispensável ter em mente que diferenças culturais existem devido às diferentes realidades históricas, políticas, sociais e econômicas que cada grupo étnico (e cada indivíduo) vivencia, e elas são dinâmicas, fazendo parte de um “processo contínuo de construção-desconstrução-construção” (CANDAU 2011CANDAU, Vera M. Ferrão. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas. Currículo sem Fronteiras, Braga, v. 11, n. 2, 240-255, 2011.: 246). Em uma abordagem intercultural, as diferenças culturais são saudadas e valorizadas, “ao mesmo tempo em que [devem ser] combatidas as tendências a transformá-las em desigualdades, assim como a tornar os sujeitos a elas referidos objeto de preconceito e discriminação” (Ibidem: 246).

Mais do que a multiculturalidade, que seria apenas a convivência plural de diferentes culturas lado a lado, a interculturalidade é um princípio político-ideológico de justiça, equidade, inclusão, dignidade e solidariedade entre os povos (cf. Moya 2007MOYA, R. Formación de maestros e interculturalidad. In: CUENCA, R.; NUCINKIS, N.; ZAVALA, V. (org.). Nuevos maestros para América Latina. Madrid: Morata, 2007, 229-258.), visando à integração étnica. Walsh (2018WALSH, Catherine E. Interculturality and Decoloniality. In: MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. (org.) On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, NC: Duke University Press, 2018, 57-80.: 57) aponta que, em sua concepção original, no âmbito das lutas pelos direitos dos povos indígenas na América Latina, a interculturalidade seria mais do que a inter-relação ou o diálogo entre culturas, mas, a partir de uma perspectiva ampla e crítica, uma reconfiguração da sociedade, uma nova ordem (local ou mundial) no âmbito econômico, social, político e cultural.

Interculturality, from this perspective, is not an existing condition or a done deal. It is a process and project in continuous insurgence, movement, and construction, a conscious action, radical activity, and praxis-based tool of affirmation, correlation, and transformation. [...] From this particularity, interculturality extends its project of an otherwise, a transformation conceived and impelled from the margins, from the ground up, and for society at large (WALSH 2018WALSH, Catherine E. Interculturality and Decoloniality. In: MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. (org.) On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, NC: Duke University Press, 2018, 57-80.: 59, grifo original).14 14 “Interculturalidade, sob essa perspectiva, não é uma condição pré-existente ou um ‘negócio fechado’. É um processo e um projeto em insurgência, movimento e construção contínuos, uma ação consciente, atividade radical e ferramenta de afirmação, correlação e transformação baseada na prática. [...] A partir dessa particularidade, a interculturalidade estende o seu projeto do contrário, da transformação concebida e impelida pelos marginalizados, de baixo para cima e para a sociedade como um todo” (tradução própria).

A interculturalidade pode ser entendida, portanto, como um movimento para que os diferentes grupos étnico-sociais, particularmente os marginalizados e minorizados/monoritarizados (Cf. BAGNO 2017BAGNO, Marcos. Minoritária ou Minorizada? Blog da Parábola Editorial, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.parabolablog.com.br/index.php/blogs/politica-linguistica-1 > (12/03/2024).
https://www.parabolablog.com.br/index.ph...
; CAVALCANTI 1999CAVALCANTI, Marilda C. Estudos sobre educação bilíngüe e escolarização em contextos de minorias lingüísticas no Brasil. Revista D.E.L.T.A., São Paulo, v. 15, n. esp., 385-417, 1999.), resgatem o valor positivo de suas culturas, com o intuito de desconstruir as relações de sujeição e dominação (Cf. AZIBEIRO 2003AZIBEIRO, Nadir Esperança. Educação intercultural e complexidade: desafios emergentes a partir das relações em comunidades populares. In: FLEURI, Reinaldo M. (org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, 85-107.). Segundo Walsh (2018WALSH, Catherine E. Interculturality and Decoloniality. In: MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. (org.) On decoloniality: concepts, analytics, praxis. Durham, NC: Duke University Press, 2018, 57-80.: 57), a interculturalidade é “tanto um projeto quanto um instrumento político e epistêmico complementar, baseado na existência, sendo uma ferramenta prática da decolonialidade”15 15 “[…] interculturality […] is both a complimentary political, epistemic, and existence-based project and an instrument and tool of decoloniality’s praxis” (tradução própria). .

Seguindo essa premissa, no âmbito do ensino de línguas, a abordagem intercultural trouxe para a sala de aula a noção de entendimento entre nações. Mesmo que alguns documentos, como o próprio Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR), tratem a competência intercultural como um mero conhecimento sobre o outro grupo cultural16 16 Alguns dos descritores do QECR para a competência intercultural são: “a capacidade de estabelecer uma relação entre a cultura de origem e a cultura estrangeira” e “a capacidade para desempenhar o papel de intermediário cultural entre a sua própria cultura e a cultura estrangeira e gerir eficazmente as situações de mal-entendidos e de conflitos interculturais” (CONSELHO DA EUROPA 2001: 151). , o termo, na verdade, deve ter implícito em seu significado a construção de pontes entre culturas com o objetivo de troca e enriquecimento mútuo, já que as todas as culturas têm valor e podem contribuir para as outras. Por isso, para que a abordagem intercultural seja bem sucedida e leve a uma competência intercultural de fato em uma aula de alemão no Brasil, é interessante adotar uma postura decolonial que entenda e leve em consideração essa quebra de paradigma, já que a interculturalidade em si só terá significação, impacto e valor quando for “assumida de maneira crítica, como ação, projeto e processo que procura intervir na re-fundação das estruturas e ordenação da sociedade que racializa, inferiroriza e des-humaniza, ou seja, na matriz ainda presente da colonialidade do poder” (WALSH 2009WALSH, Catherine E. Interculturalidade e (des)colonialidade: perspectivas críticas e políticas. In: Anais do XII Congresso ARIC. Florianópolis: ARIC, 2009, 1-18.: 2).

3 A perspectiva decolonial

O fato de terem sido colonizados traz, a países da África e da América, até hoje, consequências que vão além do esgotamento de matérias primas naturais locais, mas que impactam a postura de seus cidadãos e a forma como eles são percebidos, de forma geral, por outras nações. É claro, porém, que não foi somente o processo de colonização em si que deixou essas marcas. Muito mais do que isso, o neocolonialismo, que representa a intervenção política externa para manutenção de uma estrutura política e econômica que perpetue a pobreza (LANGAN 2018LANGAN, Mark. Neo-colonialism and the poverty of ‘development’ in Africa. Cham, CH: Palgrave Macmillan, 2018.), atinge até hoje vários países outrora colonizados por nações europeias, reforçando frequentemente a opressão que sobre eles ainda paira. Mais do que uma relação de poder econômico e político, o colonialismo, segundo Nandy (1983: 1 apudPENNYCOOK 2021PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: a critical re-introduction. 2. ed. New York: Routledge, 2021.: 76), é “[...] a state of mind in the colonizers and the colonized”17 17 “[...] um estado de espírito dos colonizadores e dos colonizados” (tradução própria). . Uma consequência disso, que já pude perceber na aula de alemão como língua estrangeira ao longo de mais de 20 anos de atuação na área, é o sentimento de inferioridade comumente presente no discurso dos alunos quando são confrontados com características dos países da língua-alvo, considerados “melhores”, “mais evoluídos”, “de primeiro-mundo”.

Em uma forma de tentar se opor a essa postura e de trazer uma conscientização a respeito do impacto do (neo)colonialismo nas sociedades por ele atingidas, alguns autores iniciaram, já nos anos 80, um movimento de “descolonização”, que consistia em questionar a obviedade dos direitos consentidos aos países de mais poder. Um exemplo desse movimento é o livro Decolonising the Mind, de Ngũgĩ wa Thiong’o, no qual o autor, no ano de 1986THIONG’O, Ngũgĩ wa. Decolonising the mind - the politics of language in african literature. Londres: James Currey Publishers, 1986., questiona o apagamento das línguas étnicas africanas na literatura produzida no continente, a qual era (é) publicada em línguas majoritárias, como o inglês, o francês e o português - línguas de seus colonizadores, oficiais dos países, mas consideradas como línguas estrangeiras para grande parte da população, que as aprende somente na escola, de modo formal.

A teoria decolonial, que vem ganhando espaço cada vez maior na academia, se baseia nessa ideia de tentar depurar a autoimagem e a identidade dos povos “colonizados”18 18 Novamente, coloco entre aspas para lembrar que não se trata necessariamente da colonização inicial, mas da dependência político-econômica advinda das relações de poder. da influência do pensamento e da perspectiva dos “colonizadores”, reagindo criticamente aos discursos que buscam reafirmar as relações de poder existentes (PENNYCOOK 2021PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: a critical re-introduction. 2. ed. New York: Routledge, 2021.: 17) e empoderando-os para uma postura de resistência à opressão, em vez da postura de reprodução de ideologias externas (PENNYCOOK 2021PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: a critical re-introduction. 2. ed. New York: Routledge, 2021.: 75-76). A ideia, portanto, é questionar e desconstruir padrões arraigados (coloniais) de poder, desenvolvendo formas de pensamento crítico em relação a eles (BALLESTRIN 2013BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciências Políticas, Brasília, n. 11, 89-117, 2013.; MIGNOLO 2017MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, v. 1, n. 1, 12-32, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772 > (05/01/2024).
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
).

No âmbito do ensino de línguas (mesmo que desenvolvida para um contexto diferente do nosso no Brasil), a pedagogia translíngue é uma representante do pensamento decolonial, justamente por propor uma mudança de paradigma na concepção de língua. Ao defender as línguas minoritárias e considerar que todas as línguas fazem parte de um único repertório do indivíduo, a translinguagem argumenta que as línguas podem ser usadas alternadamente em um mesmo discurso, inclusive em sala de aula - desconstruindo, assim, também a pedagogia de ensino de línguas normalmente praticada. A pedagogia translíngue se propõe a ser um movimento social, mais do que simplesmente uma forma de ensino de línguas, pois postula que outras línguas possam ser utilizadas como estratégia e como ferramenta pedagógica em sala de aula (GARCÍA 2009GARCÍA, Ofelia. Bilingual education in the 21st century: a global perspective. Malden, MA: Blackwell, 2009.; GARCÍA; WEI 2014GARCÍA, Ofelia; WEI, Li. Translanguaging, Language, Bilingualism and Education. London: Palgrave Macmillan, 2014.).

Nesse contexto, cabe fazer referência ao conceito de capital linguístico, introduzido pelo filósofo e sociólogo francês Peirre Bourdieu, que denuncia que diferentes valores são atribuídos às diferentes línguas, como em uma negociação mercantil financeira. As línguas, como representantes de grupos étnicos, países ou comunidades - e, com isso, como representante de modelos econômicos, políticos e sociais - são avaliadas e validadas de acordo com o valor atribuído aos elementos que representa. Isso leva à desigualdade político-social presente em nosso planeta para uma desigualdade linguística, já que o poder de determinadas nações se reflete no valor simbólico atribuído às suas línguas.

O lugar conferido pelo sistema de ensino às diferentes línguas (ou aos diferentes conteúdos culturais) tende a se converter num móvel tão importante porque essa instituição possui o monopólio da produção maciça de produtores-consumidores e, por extensão, da reprodução do mercado de que depende o valor social da competência lingüística, sua capacidade de funcionar como capital lingüístico (BOURDIEU 1998BOURDIEU, Pierre. O que falar quer dizer: a economia das trocas lingüísticas. Algés, Portugal: Difel, 1998.: 44).

Como o autor aponta, língua e cultura são indissociáveis. Assim, a prática decolonial em relação à língua vai necessariamente trazer o pensamento decolonial para a abordagem de aspectos culturais em sala de aula. Isso significa tornar-se (professor e aluno) consciente dos efeitos do colonialismo e, assim, saber questionar subjetividades e ideologias coloniais através do pensamento crítico (PENNYCOOK 2021PENNYCOOK, Alastair. Critical applied linguistics: a critical re-introduction. 2. ed. New York: Routledge, 2021.; MIGNOLO 2017MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, v. 1, n. 1, 12-32, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772 > (05/01/2024).
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
). A teoria decolonial busca a igualdade, não no sentido de apagar as diferenças, mas no sentido de entender que todos os povos e nações têm iguais condições de contribuir linguística e culturalmente - mas também política e economicamente - para o planeta (GANDHI 2019GANDHI, Leela. Postcolonial Theory. A critical Introduction. 2. ed. New York: Columbia University Press, 2019.). Assim, trabalhar a decolonialidade é desconstruir os discursos e os padrões impostos, a fim de construir novos, pautados na sua realidade e na sua identidade.

Uma abordagem de ensino baseada no pensamento decolonial prevê a mudança de postura do que Candau (2013CANDAU, Vera M. Ferrão. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, Antonio Flávio; CANDAU, Vera M. Ferrão. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2013, 13-37.) chama de “cultura escolar”, a qual “tende a impor um padrão universalizante aos objetos de conhecimento com os quais constrói os currículos, desconsiderando as experiências culturais que fogem ao paradigma hegemônico” (CANDAU 2013CANDAU, Vera M. Ferrão. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, Antonio Flávio; CANDAU, Vera M. Ferrão. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2013, 13-37.: 27). Essa homogeneização, com frequência, leva à baixa autoestima e, consequentemente, ao desinteresse dos alunos no aprendizado, por não se identificarem com o que é trazido nesses padrões e nos conteúdos e imagens presentes no material didático. Essa padronização deve ser sempre questionada, a fim de que outros elementos, diferentes, provenientes da realidade ou de outras realidades plurais sejam abordados e positivamente valorizados em sala de aula.

O ato de ensinar alemão no Brasil, nos dias de hoje, traz consigo, por um lado, certa carga de resistência e desconstrução, já que, cada vez mais, o inglês é imposto nas escolas, através de políticas públicas, como única língua estrangeira a ser aprendida (PUPP SPINASSÉ 2014PUPP SPINASSÉ, Karen. Sprachenpolitische und didaktische Reflexionen über den Deutschunterricht in einem bilingualen Kontext Brasiliens. In: HERZIG, Katharina; PFLEGER, Sabine; PUPP SPINASSÉ, Karen; SADOWSKI, Sabrina (org.). Transformationen: DaF-Didaktik in Lateinamerika: Impulse aus Forschung und Unterrichtspraxis. Tübingen: Stauffenburg Verlag, 2014, 13-29.). Contudo, sabemos que o alemão é também uma língua majoritária e seu ensino é bastante elitizado no Brasil (PUPP SPINASSÉ 2024PUPP SPINASSÉ, Karen. Deutsch als Fremd- und Fachsprache in Brasilien. In: SZURAWITZKI, Michael; WOLF-FARRÉ, Patrick (org.). Handbuch Deutsch als Fach- und Fremdsprache. Ein aktuelles Handbuch zeitgenössischer Forschung. Berlin: de Gruyter, 2024, 965-972.; GRILLI; PUH 2021GRILLI, Marina; PUH, Milan. O ensino de alemão enquanto ato político-pedagógico: reflexões a partir de um estágio de docência na universidade. Revista Trama, v. 17, n. 41, 123-133, 2021.). Isso exige uma constante reflexão sobre o que, para quem e com que objetivo ensinamos esse idioma no Brasil, especialmente em contextos menos favorecidos, uma vez que sempre devemos partir da realidade de quem aprende. Assim como os materiais didáticos utilizados no país atualmente (em sua esmagadora maioria confeccionados na Alemanha), os parâmetros e padrões de ensino e avaliação, bem como os critérios de conhecimento tradicionalmente praticados também são eurocêntricos (Cf. PUH 2020PUH, Milan. “Tudo junto e misturado?”: as contribuições e os limites do multiculturalismo no ensino de línguas. Revista El Toldo de Astier: propuestas y estudios sobre enseñanza de la lengua y la literatura, La Plata, v. 11, n. 20-21, 415-432, 2020.; GRILLI; PUH 2021GRILLI, Marina; PUH, Milan. O ensino de alemão enquanto ato político-pedagógico: reflexões a partir de um estágio de docência na universidade. Revista Trama, v. 17, n. 41, 123-133, 2021.) e pouco levam a diversidade intercultural em consideração - mantendo, assim, seu caráter colonial.

Existe, no momento, um grupo de pesquisa chamado “Zeitgeist” que está desenvolvendo um material didático para o ensino de alemão no ensino superior no Brasil a partir de uma perspectiva decolonial (AQUINO; FERREIRA 2023AQUINO, Marceli; FERREIRA. Mergenfel A. Vaz. Ensino de alemão com foco decolonial: uma discussão sobre propostas didáticas para o projeto Zeitgeist. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, v. 17, 1-33, 2023.; UPHOFF; ARANTES 2023UPHOFF, Dörthe; ARANTES, Poliana Coeli C. Mudando os termos da conversa: questões decoloniais na produção de materiais didáticos para o ensino de alemão. Revista Interdisciplinar Sulear, v. 06, n. 14, 28-44, 2023.). Essa iniciativa corrobora a ideia aqui defendida de que para um ensino de alemão decolonial no Brasil, essas reflexões já devem começar na formação dos professores, pois é necessário ainda mostrar aos futuros profissionais do ensino diferentes formas de se lidar com essa abordagem de ensino de língua, levando-os a refletir sobre as estratégias e posturas atuais e questioná-las. “Ao produzirmos esses espaços para debate, permitimos que algumas ‘certezas’ possam ser questionadas e, desse modo, provocamos movimentos de mudanças e de produção de inovação em nosso campo de atuação” (UPHOFF; ARANTES 2023UPHOFF, Dörthe; ARANTES, Poliana Coeli C. Mudando os termos da conversa: questões decoloniais na produção de materiais didáticos para o ensino de alemão. Revista Interdisciplinar Sulear, v. 06, n. 14, 28-44, 2023.: 42).

Em um país pluricultural e multilíngue como o Brasil, com mais de 330 línguas sendo faladas19 19 Existem 274 línguas indígenas e aproximadamente 56 línguas de imigração no Brasil, além da língua portuguesa, das línguas de sinais, dos falares afro-brasileiros, de línguas crioulas e de variedades de fronteira (IPHAN 2014: 20-21). , a questão da diversidade, da minoria linguística, do respeito ao diferente e da convivência plural deve sempre estar em destaque, mesmo que se esteja ensinando uma língua estrangeira. No nosso caso, é importante refletir, inclusive, sobre as línguas brasileiras de imigração de base germânica, que são, ao mesmo tempo, símbolo de colonização e de resistência e diversidade (PUPP SPINASSÉ 2017PUPP SPINASSÉ, Karen. A contribuição do português para a constituição lexical do Hunsrückisch em situação de contato linguístico. LinguíStica, Rio de Janeiro, v. 3, n. 13, 94-109, 2017. ).

Também a diversidade de gênero e raça são assuntos que cabem em sala de aula, quando pensamos nessa formação mais geral do indivíduo para uma postura decolonial. Nesse sentido, os materiais didáticos novamente são exemplos para marcar a representatividade de grupos considerados minoritários - ou a falta dela. Nesse contexto de análise, Sampaio e Puh (2020SAMPAIO, Ivanete da Hora; PUH, Milan. Da teoria para a prática: propostas formativas interculturais e decoloniais para quem ensina(rá) línguas no Brasil. In: ALMEIDA, Ariadne Domingues et al. (org.). Língua em movimento: Estudos em linguagem e interação. Salvador: EDUFBA, 2020, 107-124.) afirmam que, “ao percebermos que no universo do ensino de línguas não há neutralidade, a sala de aula e a postura do professor passam a ter papéis importantíssimos”. Por esse motivo, teço, a seguir, algumas reflexões sobre a ação do professor em sala de aula, buscando compartilhar ponderações sobre o que é importante considerar para se adotar uma postura decolonial e uma abordagem culturalmente sensível.

4 Abordando a interculturalidade em sala de aula

Como vimos anteriormente, cultura não é simplesmente um conjunto de hábitos, costumes e tradições de uma dada comunidade, sendo um conceito bastante complexo. Os aspectos culturais de um povo ou de um grupo étnico, mesmo os caracterizando como tal, não podem ser listados em um manual de comportamento, pois isso incorreria em um sério erro: o de ser generalizador. É sempre importante ter em mente que os aspectos ou as manifestações culturais não são uma coisa una, que valha para 100% de seus membros.

Como ilustração para esse pensamento, podemos fazer o exercício de tentar completar as seguintes frases: “Todo brasileiro é...” ou “Toda brasileira sabe...”. Se tivermos que cumprir tal tarefa, certamente completaremos as frases com determinados estereótipos largamente difundidos (como “Todo brasileiro é apaixonado por futebol”; “Toda brasileira sabe sambar”), mas tendo consciência de que a informação não representa “todos os brasileiros e brasileiras”. Muitas vezes, nem mesmo nós nos identificamos com tais afirmações e, dificilmente, elas darão conta de 100% das pessoas envolvidas no determinado grupo. Portanto, dizer que “o alemão é pontual” ou que “faz parte da cultura alemã ser frio e distante” é trabalhar com estereótipos, pois dificilmente se estará encaixando 100% dos alemães nessas categorizações absolutas.

Assim, o que se trabalha na interculturalidade - e que para muitos seria o significado de “cultura” - são aspectos considerados “típicos”, ou seja, marcantes enquanto característica daquele grupo, talvez por corresponder a um pensamento majoritário ou simplesmente por ser o que identifica o grupo com tal. Conforme Ricoeur (1996RICOEUR, Paul. Das Selbst als ein Anderer. Paderborn: Fink, 1996.: 151),

[...] in der Tat besteht die Identität einer Person, wie die einer Gemeinschaft, zum Groβteil aus diesen Identifikationen mit Werten, Normen, Idealen, Vorbildern, Helden, in denen Person und Gemeinschaft sich wieder erkennen. Das Sich-in-etwas-Wiedererkennen trägt zum Sich-an-etwas-Wiedererkennen bei.20 20 “[...] de fato, a identidade de uma pessoa, bem como a de uma comunidade, é composta, em boa parte, pelas identificações com relação a valores, normas, ideais, exemplos [modelos], heróis, nos quais a pessoa e a comunidade se reconhecem. Esse ‘reconhecer-se em algo’ contribui para o ‘reconhecer-se como algo’” (tradução própria).

Portanto, as representações que temos em nossas mentes, provenientes de nossas experiências e nossos costumes/rituais, são o que podemos considerar “típico” - pelo menos para nós, individualmente. Quando esse pensamento ou comportamento tido como “típico” coincide dentre várias pessoas, ele acaba sendo visto como típico para o grupo, mesmo que não abarque 100% de seus membros.

Para demonstrar, trago como exemplo a ilustração que aparece em muitos materiais didáticos quando da lição sobre comidas e bebidas: a figura que representa um café da manhã - em alemão Frühstück. A denotação21 21 Utilizo os termos “denotação” e “conotação” aqui segundo sua utilização na semântica (cf. SOKOL 2001). que se tem, com ambas as palavras, é “a primeira refeição do dia”, ou seja, tanto no Brasil quanto na Alemanha temos uma palavra (ou, no caso do português, uma locução) para denominar essa primeira refeição do dia: em português ela é chamada de café da manhã e em alemão de Frühstück. Contudo, essas duas palavras não são semanticamente sinônimas, pois apesar de remeterem a uma mesma referência, as representações, ou seja, as conotações que cada uma detém são diferentes. Se perguntarmos para alguém na Alemanha e para alguém no Brasil como é a sua “primeira refeição do dia”, é grande a probabilidade de que essas pessoas imaginem coisas diferentes. Na representação dada a Frühstück nos materiais didáticos de DaF, encontramos frequentemente ovos cozidos, diferentes tipos de pães e queijos, bem como alguns legumes, como o pepino e o tomate crus. Para o “brasileiro” (de forma generalizante), na sua representação mental sob a conotação “café na manhã”, geralmente está uma maior variedade de frutas e sucos, uma menor variedade de pães e itens como o leite frio com achocolatado. Uma mesma denotação, mas conotações diferentes.

Esse é apenas um exemplo, de tantos que poderiam ser dados. Os materiais didáticos estão cheios de representações unilaterais, uma vez que geralmente têm a intenção de apresentar (e de, algumas vezes, “vender” - Cf. BALLESTRIN 1991) a cultura do(s) país(es) da língua-alvo. Assim, cabe ao professor fazer esse exercício decolonial de quebrar paradigmas e distanciar-se do eurocentrismo (GANDHI 2019GANDHI, Leela. Postcolonial Theory. A critical Introduction. 2. ed. New York: Columbia University Press, 2019.), trazendo para a discussão outras perspectivas, outras culturas e, por que não, outras línguas.

5 O papel do professor

Como já dito anteriormente, a cultura está em tudo e não pode ser dissociada da língua e de seu aprendizado. Portanto, pensar como a questão cultural deve ser tratada em sala de aula é desafio para todo o professor de língua. Refletir sobre uma didática - ou sobre uma abordagem didática - que possibilite ao aluno se questionar e se sensibilizar para o que é diferente é uma inquietação que trazemos enquanto formadores de cidadãos. Por isso, em primeiro lugar nos questionamentos a respeito desse assunto, está a pergunta sobre a ação do professor e a influência que sua atuação pode exercer no desenvolvimento da competência intercultural no aluno: afinal, qual a responsabilidade que o professor tem nesse processo?22 22 É importante salientar que meu intuito ao trazer essas reflexões não é o de ditar o que um professor deve fazer em sala de aula ou o de colocar nele obrigações, responsabilizando-o pela sua atuação e por todos os resultados obtidos no aprendizado. Afinal, a decolonialidade, ao encontro de uma pedagogia pós-método, defende a autonomia do professor e a sua capacidade crítica de abordar o ensino a partir dessa perspectiva. Entretanto, minha experiência já mostrou que há a necessidade de discutir o assunto na Formação de Professores, para que a postura tradicional de ensino que os estudantes costumam trazer consigo para a universidade seja desconstruída. Meu intuito, portanto, é de compartilhar minhas reflexões, feitas através do que já observei e vivi em sala de aula, ajudando aqueles professores que talvez ainda não tenham percebido as posturas possíveis para se dar uma aula decolonial de DaF. Procurarei dar dicas a partir da expertise que coletei vivenciando situações nas quais o professor teve que lidar com questões interculturais, geralmente trazidas pelo material didático, desenvolvendo algumas reflexões para trocar com os profissionais de ensino que nos leem.

O primeiro passo para o professor propiciar ao aluno um ensino intercultural é justamente ele estar consciente do que isso significa (Cf. MENDES 2012MENDES, Edleise. Aprender a ser e a viver com o outro: materiais didáticos interculturais para o ensino de português LE/L2. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio (org.). Materiais didáticos: para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: Edufba, 2012, 356-378. : 363). Quando a relevância de um aprendizado que busca a competência intercultural é reconhecida pelo professor, fica mais fácil pensar em estratégias didáticas com esse fim. A cultura ou os aspectos culturais envolvidos com a língua-alvo estarão inevitavelmente presentes na sala de aula, especialmente através dos textos (em forma escrita, oral ou semiótica) presentes nos materiais didáticos. Por isso, não podemos ignorar ou sermos ingênuos em relação ao fato de que precisamos refletir sobre interculturalidade e decolonialidade para estarmos atentos e sabermos lidar com essas mensagens, promovendo a criticidade e a autoestima no aprendiz. A análise do material didático é, nesse sentido, uma boa ferramenta para nos auxiliar na seleção e no questionamento sobre o que é trazido, bem como na sua complementação e subversão, tornando-o o mais relevante possível para os alunos (BOLOGNINI 1991BOLOGNINI, Carmen Zink. Livro didático: cartão postal do país onde se fala a língua-alvo? Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, v. 17, 43-56, 1991.; MENDES 2012MENDES, Edleise. Aprender a ser e a viver com o outro: materiais didáticos interculturais para o ensino de português LE/L2. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio (org.). Materiais didáticos: para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: Edufba, 2012, 356-378. ).

O professor, portanto, será o mediador das informações sobre o país/os países onde a língua-alvo é falada; mas só isso não basta. Os alunos trazem seus estereótipos e seus preconceitos consigo e interpretam cada informação dada à sua maneira. O livro didático apresenta muitas informações que, se não tematizadas e/ou problematizadas, podem ser interpretadas e entendidas de forma errônea ou generalizante por parte do aprendiz. Para incentivar uma postura mais reflexiva nos alunos, entretanto, podemos, enquanto formadores, fomentar que eles pensem aquelas informações de forma crítica, para que, assim, estereótipos e preconceitos possam vir a ser desconstruídos. E isso é resultado para além da sala de aula, pois não visamos apenas ao questionamento em relação a um estereótipo, mas a um posicionamento crítico em relação às informações recebidas de forma geral.

Trabalhar com estereótipos também faz parte da aula de língua estrangeira, uma vez que são inevitáveis. Sabemos, por experiência própria, que o cérebro humano - salvo em casos de alguma deficiência - trabalha com representações visuais. Ao ouvirmos uma história, logo imaginamos o lugar e as situações nela contadas; ao ouvirmos um relato sobre uma pessoa desconhecida, logo imaginamos como é aquela pessoa e damos a ela um rosto em nossa imaginação. Essas representações nos ajudam a formar pressupostos (bem como pré-conceitos e, também, preconceitos) e trabalham com os estereótipos. Se eu disser: “um alemão vem aqui hoje”, o meu interlocutor provavelmente, de acordo com suas experiências pessoais, imaginará um homem alto, branco e loiro adentrando o recinto. Assim funciona nosso cérebro: fazemos suposições a partir de nossas experiências, nosso conhecimento de mundo e, consequentemente, de nossos estereótipos (que são construídos a partir dos dois outros fatores).

O fato de termos pensamentos supositivos imediatos não é um problema. O problema está em não saber lidar de forma crítica com esses pensamentos. Ou seja, ter esses pensamentos não quer dizer que eles necessariamente correspondam à realidade, e é importante que tenhamos consciência disso. A nossa experiência e nosso conhecimento de mundo devem nos ajudar não só a formar esses pensamentos, mas também a questioná-los e relativizá-los. Isso só ocorre quando temos consciência de que nem tudo é o que parece. Assim, toda vez que “o alemão” for caracterizado, que forem atribuídos adjetivos a ele, temos que lembrar de questionar quem é essa entidade, se é que ela existe. Esse tratamento crítico pode ser trabalhado em sala de aula, fomentado pelo professor, em um ensino intercultural.

É interessante que os alunos sejam acostumados a pensarem a língua-alvo - também no que diz respeito a aspectos culturais - no plano denotativo, ou seja, não simplesmente traduzindo “café da manhã” por “Frühstück”, mas pensando na “primeira refeição do dia”. Assim, eles estariam mais abertos aos tipos de representações que podem estar ligadas à língua-alvo. É importante, contudo, sempre deixar claro que nada vale para todas as pessoas e que pode haver também muitos alemães morenos de olhos escuros que não comem ovo no seu café da manhã.

Essa tarefa não é simples, já que estamos acostumados a partir sempre da nossa realidade. O fato, porém, de que nossa realidade ou nossa perspectiva não é necessariamente a “correta” (até porque para a maioria das coisas não existe um certo e um errado, apenas perspectivas diversas) deve ser trabalhado com os alunos. A fábula Der Löwe, reproduzida a seguir, de autoria do filósofo Günther Anders, é um bom exemplo para mostrar como vemos o mundo moldado a partir da nossa perspectiva pessoal ou social - e isso sempre deve ser questionado:

Der Löwe
Als die Mücke zum ersten Male den Löwen brüllen hörte, da sprach sie zur Henne:
“Der summt aber komisch”.
“Summen ist gut”, fand die Henne.
“Sondern?” fragte die Mücke.
“Er gackert”, antwortete die Henne. “Aber das tut er allerdings komisch”
(ANDERS 1966ANDERS, Günther. Der Löwe. Die Zeit, Hamburgo, ano 1966, n. 10, 8, 4 mar. 1966. Fabel und Parabeln. Disponível em: <Disponível em: https://www.zeit.de/1966/10/fabeln-und-parabeln/seite-8 > (04/01/2024).
https://www.zeit.de/1966/10/fabeln-und-p...
).

A postura mais adequada em sala de aula seria, portanto, mostrar aos nossos alunos que devemos ser tolerantes e sensíveis o suficiente para entender a perspectiva do leão, e não ouvir o seu rugido pelo filtro de nosso zumbido ou de nosso cacarejar.

Nesse sentido, fazer comparações entre diferentes aspectos culturais é sempre válido. Contudo, sem que haja juízo de valor por trás das comparações. As comparações não deveriam visar a estigmatizar nenhuma nação ou grupo, e nem deveriam procurar avaliar quem está certo ou errado em sua postura, opção ou forma de agir. Comparar, por exemplo, os rituais envolvidos na comemoração do Natal no Brasil e na Alemanha deve levar os alunos a se questionarem sobre as origens das tradições natalinas e a conhecerem uma outra perspectiva a respeito dessa data comemorativa. Entretanto, não deve ser um momento de achar ruim um Natal no frio ou de se ridicularizar um Papai Noel todo vestido num calor de 40° - ou, se o fizerem, que seja de forma crítica e construtiva, mas não para enaltecer um aspecto/uma prática cultural em detrimento de outro/a.

Portanto, um ensino intercultural não é encher o aluno com informações provenientes apenas por parte do professor sobre o país da língua-alvo. O ideal é que o foco seja o aluno e a forma como ele, a partir de suas experiências e de seu aprendizado, irá interagir quando em contato com pessoas de outra cultura e como ele vai perceber, interpretar e trabalhar o que lhe parece “estranho”, “diferente”, utilizando isso também em relação ao seu eu. É vendo outras perspectivas que o aluno poderá questionar ou simplesmente entender (ou tornar consciente) a sua. E, a partir disso, a almejada competência intercultural nada mais é do que a disposição para se tentar resolver problemas e mal-entendidos em situações diversas, de forma consciente e responsável (Cf. WEINERT 2001WEINERT, Franz E. Vergleichende Leistungsmessung in Schulen - eine umstrittene Selbstverständlichkeit. In: WEINERT, Franz E. (org.). Leistungsmessungen in Schulen. Weinheim; Basel: Beltz, 2001, 17-31.: 27).

Pensando em uma postura decolonial, é importante ressaltar, entretanto, que ser tolerante não significa ser submisso ao outro, aceitar ou acatar tudo o que provém do outro. Pelo contrário, como a interculturalidade é, novamente, uma via de mão dupla (HEXELSCHNEIDER 1987HEXELSCHNEIDER, Erhard. Das Fremde und das Eigene als Grundkomponenten von Interkulturalität. Was bedeutet das für den Lehrenden? In: WIERLACHER, Alois (org.). Perspektiven und Verfahren interkultureller Germanistik. München: Iudicium, 1987, 259-287.: 260), os atores em uma negociação intercultural devem também saber requisitar do outro a mesma tolerância dispensada. Para que aluno tenha consciência dos limites possíveis nessas situações, é importante que o pensamento decolonial seja desenvolvido e fomentado em sala de aula, para que seja construída uma forma de pensamento crítico em relação aos padrões existentes (Cf. MIGNOLO 2017MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, v. 1, n. 1, 12-32, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/article/view/772 > (05/01/2024).
https://revistas.unila.edu.br/epistemolo...
).

Países detentores de maior poder político e econômico acabam tendo mais lugar de fala em várias esferas econômico-sociais, e isso também se reflete nos aspectos culturais, pois são essas nações que postulam padrões e tendências. No Brasil, assim como em outros países da América Latina, da Ásia e da África (outrora chamados de “Terceiro Mundo”), o professor trabalha a postura decolonial ao colocar esse padrão em discussão - não com a intenção de o “cancelar”, mas de trazer à consciência dos aprendizes que o lugar privilegiado que ele ocupa não advém de uma maior qualidade de seus aspectos culturais, mas de questões históricas de poder e colonialidade. Apesar de ser um problema nacional, o assim chamado “complexo de vira-lata” (Cf. TIBURI 2021TIBURI, Marcia. Complexo de vira-lata. Análise da humilhação colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.) também é algo a ser trabalhado nas aulas de línguas estrangeira, já que toda a formação do indivíduo será constituinte de seu caráter e de sua visão de mundo.

Para ilustrar a questão, relato uma situação observada em sala de aula: o material didático trazia a figura de dois homens, e os alunos deveriam fazer suposições sobre eles. Um senhor, relativamente bem vestido, estava sentado em um banco de uma estação de metrô, aparentemente cochilando; um outro senhor, de cabelos e barba brancos, bem cuidados, aparecia em um quarto jeitoso e bem limpo. A suposição dos alunos girava apenas em torno do fato de eles serem idosos e estarem sozinhos. O livro, contudo, a partir dessas ilustrações, desenvolvia o tema “Obdachlosen” (“Sem-teto”). Ao ser revelado que aqueles senhores eram pessoas em situação de rua, os alunos se mostraram surpresos e reagiram com comentários do tipo: “Nossa, até os mendigos na Alemanha estão melhores do que eu”; “Na Alemanha, mesmo como sem-teto é bom de viver”.

Com esse exemplo, quero apontar para como a postura decolonial se faz importante nesses momentos. Buscar outras imagens de pessoas em situação de rua na Alemanha, mais condizentes com a expectativa ou com a realidade dos alunos, é uma estratégia que pode ser empregada para buscar mais semelhanças entre as duas culturas do que ficar marcando diferenças que buscam vender uma imagem positiva de determinada nação. Não se trata de tentar diminuir aspectos positivos da Alemanha ou desmerecer os pontos positivos de seu sistema político-social. Na verdade, nesse momento de reflexão decolonial não se trata da Alemanha, mas sim de partir da realidade do aluno. O foco é que o aluno possa crescer e aprender enquanto cidadão também na aula de língua estrangeira, e não que se sinta inferiorizado e diminuído, pois isso em nada vai contribuir para seu crescimento pessoal e para o seu reconhecimento como cidadão do mundo, que também poderia fazer parte da realidade ilustrada no livro.

Em outro exemplo observado, em uma lição sobre comidas e bebidas de um dado material didático, havia a ilustração de uma família branca bem arrumada sentada à mesa posta com talheres de prata, em um ambiente limpo e bonito no interior de uma residência, prontas para realizar a refeição. Na imagem ao lado, em uma tentativa de também mostrar uma outra realidade aos alunos, ou seja, na tentativa de ser intercultural, há dois homens asiáticos fazendo sua refeição com hashis. No entanto, em vez de estarem em um ambiente semelhante ao da família aparentemente alemã/europeia, eles aparecem acocados em um meio-fio de uma rua suja e cheia de outros elementos que poluem a imagem. Aparentemente, esses homens são trabalhadores em seu intervalo e estão vestidos de forma bastante simples. Sem que as imagens sejam problematizadas, a cena pode enviar para o inconsciente do aluno a ideia de que a Alemanha/a Europa é melhor, mais limpa, mais rica e mais bonita, propagando uma ideia de que pessoas que comem com hashi seriam menos limpas e teriam menos valor. Daí a importância de se questionar sobre o que é trazido no livro, mesmo que sejam apenas imagens secundárias.

Ainda nesse sentido de abordar diferentes grupos, já analisei materiais didáticos que, presumivelmente, visavam a serem plurais, incluindo pessoas negras em suas lições. Contudo, essas personagens apareciam como figurantes, sorrindo no plano de fundo, enquanto uma pessoa branca no primeiro plano praticava a ação central. Essa questão também é um critério para se decidir como abordar a mensagem trazida pelo livro (e até mesmo se a irá abordar de fato com aquela imagem), pois a representatividade, também em um material de aprendizado de língua estrangeira, é importante. Da mesma forma, os tipos de famílias representadas nos materiais didáticos costumam ser bem reduzidos, mantendo-se o padrão “comercial de margarina”. Se buscamos um aprendizado plural e que vise a uma formação geral do indivíduo, temos que buscar a presença dessa diversidade em sala de aula.

A escolha do material didático - ou de como se abordará o que está sendo apresentado no material didático - é muito relevante nesse momento. Um determinado material de DaF para crianças, por exemplo, retrata, em uma de suas lições, um projeto que crianças de uma escola alemã desenvolveram para separação de lixo e despoluição do rio local, já que havia muita poluição no lugar. Um exemplo desses é um convite aos alunos para pensarem estratégias semelhantes para suas comunidades, se for o caso, e contribui para aproximar a realidade da língua-alvo à realidade do aluno, reforçando a ideia de que ele também é um agente para mudar o (seu) mundo. Isso funciona mais do que materiais didáticos que mostram apenas ruas lindas e limpas dos países da língua-alvo, que, com isso, incutem no aluno apenas a ideia de distanciamento dos contextos.

Partir da realidade do aluno é, muitas vezes, desafiador, uma vez que os livros didáticos geralmente são produzidos fora, visando um público extremamente heterogêneo. É algo positivo se trazemos aspectos do contexto do aluno para a sala de aula, modificando o que for necessário e inserindo material complementar para aproximar a língua e a cultura alvo do aluno. As diferentes manifestações culturais de origem europeia e alemã já presentes no Brasil, devido a correntes migratórias, como as línguas minoritárias ainda faladas no país, possíveis palavras incorporadas no vocabulário brasileiro, itens da culinária, festas e tradições herdadas são temas que podem ser trazidos para a aula de língua alemã no Brasil (Cf. MENDES 2012MENDES, Edleise. Aprender a ser e a viver com o outro: materiais didáticos interculturais para o ensino de português LE/L2. In: SCHEYERL, Denise; SIQUEIRA, Sávio (org.). Materiais didáticos: para o ensino de línguas na contemporaneidade: contestações e proposições. Salvador: Edufba, 2012, 356-378. ).

Buscar semelhanças entre as diferentes nações é buscar o entendimento entre elas, sendo mais benéfico do que ressaltar apenas diferenças através de comparações simplórias. Assim, estaremos formando cidadãos do mundo, agentes transformadores da sociedade, capazes de transitar entre culturas.

6 Considerações finais

Quando a pessoa se expressa, não só as palavras dizem algo, mas todo o aspecto sociocultural que envolve a pessoa fala junto. Assim, compartilhar aspectos culturais envolvidos na língua-alvo, de forma crítica e consciente, é instrumentalizar o aluno para se expressar ainda melhor na língua estrangeira que está aprendendo. Não existe uma cultura superior ou inferior à outra. Por isso, devemos cuidar para que não sejam atribuídos juízos de valor para aspectos culturais, nem da língua-alvo, nem de nossos alunos. Querer fazer o aluno gostar da língua e da aula tentando propagar a ideia de que o país/os países da língua-alvo são perfeitos e maravilhosos pode incorrer no risco de influenciar de forma negativa a autoestima de seu aluno que, portanto, não faz parte daquele “mundo perfeito” que está sendo propagandeado.

A postura do professor frente às questões culturais que surgem em sala de aula é muito importante para definir como elas impactarão o alunado. O profissional da educação pode/deve trabalhar em sala de aula aspectos culturais, como os estereótipos e as crenças, contudo, sem perder o foco de seu principal objetivo, que não é o de ser formador de opiniões sobre outros países e culturas, mas sim de mediar a aquisição de uma língua e sensibilizar o aprendiz para tudo o que esse processo envolve.

Nossa tarefa não é fazer propaganda para um determinado país, como muitas vezes ocorre nos livros didáticos, mas sim analisar todos os aspectos de forma crítica com nossos alunos, procurando explicações e dados históricos que esclareçam diferentes comportamentos ou rituais. Instrumentalizar o aluno da maneira adequada para lidar com o diferente é estar formando não um “fã” de um determinado país, mas um cidadão do mundo, um indivíduo culturalmente sensível que, como tal, poderá transitar livremente por todos os contextos. Para isso, sua postura não pode ser a de indivíduo inferior. Para tanto, as aulas de língua devem expandir seus horizontes, possibilitando o diálogo entre culturas de igual para igual.

Assim, diferentemente do que está ilustrado na figura abaixo, que saibamos enxergar as diferentes perspectivas e nos apropriar de todas elas, para, de forma crítica e consciente, poder dialogar, compreender e tolerar o outro.

Figura 1:
Sechs oder Neun

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  • 2
    Algumas reflexões a respeito, aqui revisadas e expandidas, também podem ser encontradas em Pupp Spinassé (2016PUPP SPINASSÉ, Karen. Formando aprendizes culturalmente sensíveis. In: SCHROEDER, Daniela Norci; RODRIGUEZ, Monica Nariño; GRAÇA, Rosa Maria de Oliveira (org.). Pesquisa-ação: cultura em sala de aula de línguas no NELE. Porto Alegre: Instituto de Letras/UFRGS, 2016, 11-19.).
  • 3
    No decorrer do texto, com o intuito de deixá-lo mais fluido, usarei apenas o masculino genérico e substantivos não marcados, mas deixando claro que sempre levarei em consideração e estarei abarcando todas as identidades de gênero possíveis em minhas argumentações.
  • 4
    “A arte (ars, techné), através da qual sociedades garantem sua sobrevivência e seu desenvolvimento em uma natureza avassaladora” (tradução própria).
  • 5
    O livro foi impresso originalmente em inglês no ano de 1973. Utilizo para este artigo, entretanto, a sua versão em língua alemã, de 1989.
  • 6
    “A cultura não deve ser vista como complexos ou padrões concretos de comportamento - costumes, usos, tradições, hábitos - como tem sido o caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle [...] para governar o comportamento” (tradução própria).
  • 7
    “[...] não é um conjunto de objetos, pessoas, formas de comportamento ou sentimentos, mas sim a forma como essas coisas estão organizadas nas cabeças de seus membros e como eles percebem e interpretam essas coisas” (tradução própria).
  • 8
    “[...] um conjunto de características espirituais, materiais, intelectuais e emocionais distintas, que caracteriza a sociedade ou grupo social e que inclui não somente artes e letras, mas também modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, sistema de valores, tradições e crenças” (tradução própria).
  • 9
    “A queda do Muro de Berlin se deu em 9 de novembro de 1989” (tradução própria). Disponível em: <https://www.mdr.de/geschichte/ddr/deutsche-einheit/mauerfall/chronik-friedliche-revolution-wende-100.html> (31/12/2023).
  • 10
    “Com 357.340 km², a Alemanha é [...] o quarto maior país da União Europeia” (tradução própria). Disponível em: <https://www.deutschland.de/de/topic/leben/geografie-und-klima> (31/12/2023).
  • 11
    “O Werther de Goethe é considerado o principal romance do Sturm und Drang [...]” (tradução própria). Disponível em: <https://abi.unicum.de/epochen/sturm-und-drang-merkmale> (03/01/2024).
  • 12
    “Oito partidos estão representados no 20º Parlamento alemão [...], formando cinco facções” (tradução própria). Disponível em: <https://de.wikipedia.org/wiki/20._Deutscher_Bundestag> (31/12/2023).
  • 13
    “[...] um caminho [...] para o estrangeiro desconstruir os mal-entendidos e os preconceitos existentes e/ou tradicionais, construindo em seu pensamento uma nova relação de um para ou outro e, melhor ainda, de um com o outro. A interculturalidade é sempre o conhecimento e o reconhecimento do outro e, com isso, o aprofundamento sobre si mesmo, pois ela ajuda a perceber a identidade cultural ‘estranha’ [do outro] de forma afetiva e racional ao mesmo tempo, fazendo com que, com isso, se entenda melhor - ou mesmo se encontre pela primeira vez - a própria identidade” (tradução própria).
  • 14
    “Interculturalidade, sob essa perspectiva, não é uma condição pré-existente ou um ‘negócio fechado’. É um processo e um projeto em insurgência, movimento e construção contínuos, uma ação consciente, atividade radical e ferramenta de afirmação, correlação e transformação baseada na prática. [...] A partir dessa particularidade, a interculturalidade estende o seu projeto do contrário, da transformação concebida e impelida pelos marginalizados, de baixo para cima e para a sociedade como um todo” (tradução própria).
  • 15
    “[…] interculturality […] is both a complimentary political, epistemic, and existence-based project and an instrument and tool of decoloniality’s praxis” (tradução própria).
  • 16
    Alguns dos descritores do QECR para a competência intercultural são: “a capacidade de estabelecer uma relação entre a cultura de origem e a cultura estrangeira” e “a capacidade para desempenhar o papel de intermediário cultural entre a sua própria cultura e a cultura estrangeira e gerir eficazmente as situações de mal-entendidos e de conflitos interculturais” (CONSELHO DA EUROPA 2001CONSELHO DA EUROPA. Quadro europeu comum de referência para as línguas: aprendizagem, ensino, avaliação. Edição Portuguesa. Porto: Edições ASA, 2001. Disponível em: <Disponível em: https://www.dge.mec.pt/sites/default/files/Basico/Documentos/quadro_europeu_comum_referencia.pdf > (29/03/2024).
    https://www.dge.mec.pt/sites/default/fil...
    : 151).
  • 17
    “[...] um estado de espírito dos colonizadores e dos colonizados” (tradução própria).
  • 18
    Novamente, coloco entre aspas para lembrar que não se trata necessariamente da colonização inicial, mas da dependência político-econômica advinda das relações de poder.
  • 19
    Existem 274 línguas indígenas e aproximadamente 56 línguas de imigração no Brasil, além da língua portuguesa, das línguas de sinais, dos falares afro-brasileiros, de línguas crioulas e de variedades de fronteira (IPHAN 2014IPHAN. Guia de pesquisa e documentação para o INDL - Inventário Nacional da Diversidade Linguística. Volume 1: Patrimônio Cultural e Diversidade Linguística. Brasília: IPHAN, 2014.: 20-21).
  • 20
    “[...] de fato, a identidade de uma pessoa, bem como a de uma comunidade, é composta, em boa parte, pelas identificações com relação a valores, normas, ideais, exemplos [modelos], heróis, nos quais a pessoa e a comunidade se reconhecem. Esse ‘reconhecer-se em algo’ contribui para o ‘reconhecer-se como algo’” (tradução própria).
  • 21
    Utilizo os termos “denotação” e “conotação” aqui segundo sua utilização na semântica (cf. SOKOL 2001SOKOL, Monika. Französische Sprachwissenschaft: Eine Einführung mit thematischem Reader. Tübingen: Narr, 2001.).
  • 22
    É importante salientar que meu intuito ao trazer essas reflexões não é o de ditar o que um professor deve fazer em sala de aula ou o de colocar nele obrigações, responsabilizando-o pela sua atuação e por todos os resultados obtidos no aprendizado. Afinal, a decolonialidade, ao encontro de uma pedagogia pós-método, defende a autonomia do professor e a sua capacidade crítica de abordar o ensino a partir dessa perspectiva. Entretanto, minha experiência já mostrou que há a necessidade de discutir o assunto na Formação de Professores, para que a postura tradicional de ensino que os estudantes costumam trazer consigo para a universidade seja desconstruída. Meu intuito, portanto, é de compartilhar minhas reflexões, feitas através do que já observei e vivi em sala de aula, ajudando aqueles professores que talvez ainda não tenham percebido as posturas possíveis para se dar uma aula decolonial de DaF. Procurarei dar dicas a partir da expertise que coletei vivenciando situações nas quais o professor teve que lidar com questões interculturais, geralmente trazidas pelo material didático, desenvolvendo algumas reflexões para trocar com os profissionais de ensino que nos leem.
  • 23
    Disponível em: <https://www.pinterest.de/pin/135882113729004779/> (10/12/2023).
Editora: Érica Schlude Wels

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Abr 2024
  • Aceito
    21 Maio 2024
Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/; Programa de Pós-Graduação em Língua e Literatura Alemã Av. Prof. Luciano Gualberto, 403, 05508-900 São Paulo/SP/ Brasil, Tel.: (55 11)3091-5028 - São Paulo - SP - Brazil
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