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Groove e contrabaixo elétrico: um experimento sobre linhas de acompanhamento no samba afro-brasileiro

Groove and electric bass: an experiment on accompaniment lines in Afro-Brazilian samba

RESUMO:

Este artigo busca demonstrar como a ideia do groove produz performances musicais específicas do contrabaixo no samba e compreender o campo conceitual pelo qual contrabaixistas constroem esse fenômeno dentro da cultura musical. A metodologia identificou os recursos interpretativos a partir de dados coletados em um experimento envolvendo 19 instrumentistas. Os sujeitos foram orientados a construir linhas de baixo improvisadas sobre uma estrutura harmônica apresentada a priori. Os eventos musicais presentes nas gravações de cada instrumentista foram anotados, classificados e analisados com recursos computacionais de visualização de dados. Os resultados mostram um mapa de interpretação pelo qual a ideia de groove se expressa na rítmica do samba com a utilização de recursos interpretativos e técnicas específicas como ghost notes e slaps. Foram apresentadas estratégias de estruturação temporal e sequencial de recursos técnicos, enriquecendo o entendimento do fenômeno do groove na prática específica dos contrabaixistas no samba.

PALAVRAS-CHAVE:
Groove; Contrabaixo Elétrico; Samba; Música Popular

ABSTRACT:

This paper sought to demonstrate how the idea of groove produces specific musical performances of the double bass in samba and to understand the conceptual field through which double bassists construct this phenomenon within the musical culture. The methodology identified interpretative resources from data collected in an experiment involving 19 instrumentalists. The subjects were instructed to construct improvised bass lines over a harmonic structure presented a priori. The musical events present in each instrumentalist's recordings were annotated, classified, and analyzed with computational data visualization resources. The results show an interpretation map where the idea of groove is expressed in the samba rhythm with the use of interpretative resources and specific techniques such as ghost notes and slaps. Strategies of temporal and sequential structuring of technical resources were also presented, enriching the understanding of the groove phenomenon in the specific practice of bassists in samba.

KEYWORDS:
Groove; Electric Double Bass; Samba; Popular music

1. Introdução

"Vamos tocar Partido Alto?, sugeriu o saxofonista, sem nenhum ensaio prévio. "Como podemos começar? Deixem que eu “puxo” um groove de samba aqui!", sugeri ao iniciar um motivo rítmico com três notas abafadas, em síncope, no contrabaixo elétrico, que se repetia em loop. A partir dessa linha de acompanhamento improvisada, o hi hat (chimbal) da bateria iniciou uma rítmica acentuando a primeira e quarta semicolcheia. A guitarra elétrica dobrou o motivo rítmico com o contrabaixo e o saxofone segurou uma nota em trinado, oscilando a dinâmica entre um mezzo forte e forte.

O relato acima reflete uma rotina bem conhecida da atuação de contrabaixistas profissionais em grupos de música popular. As demandas profissionais desses músicos fazem com que se elaborem ideias musicais que estão fundadas no gênero musical, mas exibem individualidades apoiadas em elementos técnicos do instrumento, conceitos musicais tradicionais e vernaculares, visões interpretativas e competências musicais individuais. Essas idiossincrasias que formam o discurso musical desses profissionais se manifestam de maneira difusa no discurso verbal do campo profissional, que são raramente discutidas na literatura científica, como a própria ideia de groove.

O estudo do groove emerge na literatura dos estudos musicais nas últimas décadas como um fenômeno característico de estilos como o samba ou o jazz, e permeia a performance em música popular como um todo. Este estudo busca compreender como a ideia de groove é delineada por elementos da performance do contrabaixo elétrico dentro do contexto específico do samba afro-brasileiro. Para isso, investigamos como os contrabaixistas manipulam elementos técnicos na elaboração de um discurso musical idiomático do instrumento que, além de suportar a estrutura estilística do samba, sustenta uma qualidade do groove característica dos domínios subjetivos da musicalidade no samba.

O estudo está dividido em três partes. Primeiro, investigamos como a literatura trata o conceito do groove e como ele se adapta ao contexto do samba. Num segundo momento, descrevemos como o samba, as linhas do contrabaixo e o groove emergem como conceitos e interpretação musical no experimento. Por último, desenvolvemos um mapa a partir de gravações de instrumentistas, que descreve como eles alteram o texto musical para produção de performances com o groove. A metodologia está baseada em uma revisão ampla da literatura e em um experimento que envolve o registro de performances, anotação de áudio musical e a visualização de dados (ciência de dados), como veremos adiante.

A seguir, realizaremos uma breve revisão da literatura, onde pontos chaves do tópico serão abordados, assim como os pontos de interseção entre a performance do contrabaixo e o groove. Na seção “Metodologia”, apresentamos o desenho do experimento e procedimentos de análise. Na seção “Resultados”, é apresentada uma visão dos dados desenvolvidos pelos nossos métodos de análise, seguida de uma discussão aprofundada na seção “Discussão” e “Considerações Finais”.

1.1 Groove, swing e balanço

O termo groove surge dentro de uma rede semântica utilizada na pesquisa em música nas últimas sete décadas. Di Cione (2015Di Cione, Lisa. 2015. “Del Vinilo al Amor: Algunos Usos Locales, Musicales y Estéticos Del Concepto de Groove.” Boletín de La Asociación Argentina de Musicología 28 (69).) aponta que a origem do termo remonta à expressão in the groove na década de 30. A expressão se refere à forma precisa e ao mesmo tempo contagiante da condução rítmica (Di Cione 2015Di Cione, Lisa. 2015. “Del Vinilo al Amor: Algunos Usos Locales, Musicales y Estéticos Del Concepto de Groove.” Boletín de La Asociación Argentina de Musicología 28 (69)., 2) e teve como contexto o início da expansão da indústria fonográfica e seus impactos na sociedade e nas transformações da música. O caráter generalista do termo groove acabou se mostrando “complexo, polissêmico e inespecífico”, ainda que representasse uma das poucas opções para caracterizar alguns elementos específicos das práticas musicais contemporâneas. Essa imprecisão do termo e a demanda por bases metodológicas mais objetivas para o estudo da música popular produziram um campo fértil de estudos musicais relacionados ao tópico.

Com o passar do tempo, o termo groove passou de uma simples metáfora para um termo com significado próprio, resultando em uma multiplicidade de abordagens na literatura da área. A tentativa de definição apresentada por Keil (2010Keil, Charles. 2010. “Defining ‘Groove.’” Humboldt-Universität zu Berlin. doi:10.18452/20304.
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) exemplifica essa multiplicidade:

Ao longo dos anos, utilizei as frases "impulso vital" ou “sensação de tempo" ou "no bolso" para os substantivos “groove" ou “swing", e os equivalentes verbais podem incluir "empurrar", "cozinhar", "trancar" ou "encravar", "levar mais alto", "descer", "divertir", "descer" etc. Mas ficou claro para mim, pelo menos, que embora possamos não estar de acordo quanto à direção (para cima ou para baixo) o groove nos leva, e há algum tipo de consenso externo que, como Gertrude Stein poderia ter dito, um groove é um groove e um groove. Tomamos conhecimento quando estamos nele. Existem ali e acolá.” (Esta tentativa de tradução exclui a tradução do próprio termo groove e swing, amplamente utilizados na língua portuguesa).1 1 “Over the years I've used the phrases ´vital drive´ or ´time feel´ or ´in the pocket´ for the nouns ´groove´ or ´swing´, and verb equivalents can include ´to push´, ´to cook´, ´to lock up´ or ´interlock´, ´to take it higher´, ´to get down´, ´to funk it up´, ´to get down on it´, etc. but it has become clear to me, at least, that while we may not agree on the direction (up or down) a groove is taking us, there is some kind of consensus out there that, as Gertrude Stein might have put it, a groove is a groove is a groove. We know it when we are in it. There is some there there”. (Keil 2010, 02) (Keil 2010Keil, Charles. 2010. “Defining ‘Groove.’” Humboldt-Universität zu Berlin. doi:10.18452/20304.
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, 02 Tradução nossa)

A série de terminologias pode indicar ainda que a dinâmica das terminologias reflete uma variedade de fenômenos similares, como o termo suingue (swing) no contexto afro-americano e a ginga e o balanço, utilizados no contexto da música brasileira (Sodré 1979Sodré, Muniz. 1979. Samba, O Dono Do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri.).

Para Bolden (2013Bolden, Tony. 2013. “Groove Theory: A Vamp on the Epistemology of Funk.” American Studies 52 (4): 9-34. doi:10.1353/ams.2013.0114.
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), o funk estadunidense forma uma cultura na qual o groove emerge como espécie de componente dinâmico e vital da música, num complexo de questões que mediam o indivíduo e a sua relação com o som. Essa amplitude e subjetividade sugere também que os conceitos do funk e groove imprimem vitalidade e dinâmicas rítmicas para outros gêneros. A discussão apresentada descreve a ação das dinâmicas rítmicas do gênero, no âmbito das emoções (feel), na performance e no estímulo ao movimento, como o autor discorre em Groove Theory: A Vamp on the Epistemology of Funk:

De fato, o funk é normalmente construído pela interação fenomenológica entre o movimento e a emoção. O etnomusicólogo e percussionista John Miller Chernoff refere-se a este dinamismo de condução como "uma fonte básica de energia funk". Do mesmo modo, o estudioso de funk Rickey Vincent argumentou que o funk (por oposição à música funk) é na realidade um impulso. Ele afirma que é "muito mais do que um estilo? é um meio para um estilo” (Bolden 2013Bolden, Tony. 2013. “Groove Theory: A Vamp on the Epistemology of Funk.” American Studies 52 (4): 9-34. doi:10.1353/ams.2013.0114.
https://doi.org/10.1353/ams.2013.0114...
, 10 Tradução nossa)2 2 “In point of fact, the funk is typically constructed by the phenomenological interplay between motion and emotion. The ethnomusicologist and percussionist John Miller Chernoff refers to this driving dynamism as ´a basic funk energy source´. Likewise, funk scholar Rickey Vincent has argued that the funk (as distinct from funk music) is actually an impulse. He states that it is ´much more than a style it is a means to a style´”. (Bolden 2013, 10) .

Essa perspectiva etnomusicológica e cultural conectou o termo groove ao funk estadunidense da década de 70. Em especial, essa noção de groove se atrelou à sonoridade de artistas como Earth, Wind And Fire, George Clinton and Funkadelic (1941) e Stevie Wonder (1950), e de maneira geral à música da diáspora africana. O sentido de vínculo com musicalidades da África alinha culturalmente outros termos como suingue, balanço e movimento, em português, que parecem pertencer à mesma rede semântica. O termo swing, particularmente, surge das orquestras de jazz, entre as décadas de 30 e 50, partindo da elaboração rítmica de compositores como Duke Ellington (1899-1974), Count Basie (1904-1984) e Charles Mingus (1922-1979), que movimentaram elementos característicos do groove (Bolden 2013Bolden, Tony. 2013. “Groove Theory: A Vamp on the Epistemology of Funk.” American Studies 52 (4): 9-34. doi:10.1353/ams.2013.0114.
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).

No contexto do samba, os termos ginga e balanço são uma das alternativas mais recorrentes que apontam para (ou se apropriam de) definições semelhantes ao groove no contexto afro-brasileiro. Um ponto em comum para essas definições são suas relações com o ritmo e com a materialidade do corpo na dança. Para Sodré (1979Sodré, Muniz. 1979. Samba, O Dono Do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri.), no samba e no jazz as inflexões rítmicas participam da interdependência entre música e dança por meio de uma interferência mútua em suas estruturas e identificação cultural:

De fato, tanto no jazz quanto no samba atua de modo especial a síncopa, incitando o ouvinte a preencher o tempo vazio com a marcação corporal. [...] A resposta dançada de um indivíduo a um estímulo musical não se esgota numa relação técnica ou estética, uma vez que pode ser também por meio de comunicação com o grupo, uma afirmação de identidade social ou um ato de dramatização religiosa (Sodré 1979Sodré, Muniz. 1979. Samba, O Dono Do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri., 11).

Outros estudos sobre o groove abordam o caráter tácito e o fenômeno musical. O conceito de Participatory Discrepancies (discrepâncias participatórias ou simplesmente PDs), como denominado por Keil (1987Keil, Charles. 1987. “Participatory Discrepancies and the Power of Music.” Cultural Anthropology 2 (3): 275-283. doi:10.1525/can.1987.2.3.02a00010.
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), atribui às tensões, relaxamento e articulações rítmicas o caráter orgânico e vital do groove. O conceito pode ser compreendido como uma resultante das diferenças sutis entre os eventos rítmicos de cada participante de performances coletivas. Essas diferenças não são percebidas objetivamente nem facilmente capturadas na notação tradicional uma vez que, dentro de uma perspectiva rítmica cronológica e divisiva3 3 ver discussão em Sandroni (2001, 24) elas representam micro-variações sistemáticas em relações de tempo, intensidade ou alturas que estão além das capacidades de notação presentes na ontologia da notação ocidental (no caso do tempo cronológico, essas diferenças são da ordem de algumas dezenas de milissegundos). Sob a perspectiva da percepção no campo das ciências cognitivas, essas diferenças são percebidas qualitativamente com nuances, padrões ou idiossincrasias atreladas à fonte sonora. Sob a perspectiva cultural, elas provavelmente se vinculam a qualidades como modos de tocar, tipos de suingue, qualidades de estilos pessoais e tipologias de groove.

Nas últimas décadas, o campo de estudo sobre groove e microtempo atraiu uma série de pesquisadores que abordaram o tema sob várias perspectivas metodológicas e a partir de várias culturas musicais. Depois da proposta seminal de Keil (1995Keil, Charles. 1995. “The Theory of Participatory Discrepancies: A Progress Report.” Ethnomusicology 39: 1. doi: 10.2307/852198.
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), Benadon (2003Benadon, Fernando. 2003. “The Expressive Role of Beat Subdivision in Jazz.” In Conference Proceedings of the Society of Music Perception and Cognition. Las Vegas.), Friberg e Sundström (1997Friberg, Anders, and Andreas Sundström. 1997. “Preferred Swing Ratio in Jazz as a Function of Tempo.” TMH-QPSR 38 (4): 019-027. https://urn.kb.se/resolve?urn=urn:nbn:se:kth:diva-234423.
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) e Progler (1995Prögler, Joseph. 1995. “Searching for Swing: Participatory Discrepancies in the Jazz Rhythm Section.” Ethnomusicology 39 (1): 21-54.), dedicaram-se a caracterizar o groove como uma questão fundamentalmente microtemporal no contexto cultural do jazz. Estes autores utilizaram a proximidade da definição culturalmente situada do groove no jazz com as evidências já reportadas na literatura do jazz. Outros estudos enfrentaram a questão fora do escopo do jazz, apresentando padrões microtemporais e uma discussão do groove em culturas musicais como a música cubana (Alén 1995Alén, Olavo. 1995. “Rhythm as Duration of Sounds in Tumba Francesa.” Ethnomusicology 39: 55. doi:10.2307/852200.
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; Manuel 1985Manuel, Peter. 1985. “The Anticipated Bass in Cuban Popular Music.” Latin American Music Review 6 (2): 249-261.; Washburne 1998Washburne, Christopher. 1998. “Play It Con Filin! : The Swing and Expression of Salsa.” Latin American Music Review-Revista De Musica Latinoamericana 19: 160-185. doi:10.2307/779989.
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), na percepção de groove em culturas de Nova Guiné (Feld 1988Feld, Steven. 1988. “Aesthetics as Iconicity of Style, or ‘Lift-Up-Over Sounding’: Getting into the Kaluli Groove.” Yearbook for Traditional Music 20: 74-113. doi:10.2307/768167.
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), e na música norueguesa (Kvifte, 2007Kvifte, Tellef. 2007. “Categories and Timing: On the Perception of Meter.” Ethnomusicology 51 (1): 64-84.). A partir dos anos 2000, uma série de estudos começaram a utilizar aportes do campo de recuperação de informação musical (MIR) e música computacional para definir padrões de microtempo em bases de áudio musical. Esses estudos incluem bases de dados heterogêneas de música comercial, jazz e música brasileira (Davies et al. 2012Davies, Matthew, Guy Madison, Pedro Silva, and Fabien Gouyon. 2012. “The Effect of Microtiming Deviations on the Perception of Groove in Short Rhythms.” Music Perception: An Interdisciplinary Journal 30 (5). University of California Press: 497-510.; Pressing 2002Pressing, Jeff. 2002. “Black Atlantic Rhythm: Its Computational and Transcultural Foundations.” Music Perception 19 (3): 285-310.) e estudos sobre a percepção do groove (Frühauf, Kopiez, and Platz 2013Frühauf, Jan, Reinhard Kopiez, and Friedrich Platz. 2013. “Music on the Timing Grid: The Influence of Microtiming on the Perceived Groove Quality of a Simple Drum Pattern Performance.” Musicae Scientiae 17 (2). Sage Publications Sage UK: London, England: 246-260.; Janata, Tomic, and Haberman 2012Janata, Petr, Stefan T. Tomic, and Jason M. Haberman. 2012. “Sensorimotor Coupling in Music and the Psychology of the Groove.” Journal of Experimental Psychology: General 141 (1): 54. http://psycnet.apa.org/journals/xge/141/1/54/.
http://psycnet.apa.org/journals/xge/141/...
). Tais abordagens são importantes, porque a detecção computacional de eventos no áudio permite mais consistência na definição de padrões microtemporais, o que a percepção auditiva humana impede, no nível de precisão necessário para as análises. Abordagens sistemáticas sobre padrões de groove e microtempo no samba estão presentes nos esforços de Gerisher (2006Gerischer, C. 2006. “O Suingue Baiano: Rhythmic Feeling and Microrhythmic Phenomena in Brazilian Percussion.” Ethnomusicology 50 (1): 99-119.), que abordou o samba baiano a partir de uma detecção manual em software, e da série de estudos iniciados por Gouyon e Naveda (Gouyon 2007Gouyon, F. 2007. “Microtiming in ‘Samba de Roda’-Preliminary Experiments with Polyphonic Audio.” In Proceedings of the XII Simpósio Da Sociedade Brasileira de Computação. São Paulo, Brazil: Sociedade Brasileira de Computação Musical.; Naveda et al. 2009Naveda, Luiz, Fabien Gouyon, Carlos Guedes, and Marc Leman. 2009. “Multidimensional Microtiming in Samba Music.” In 12th Brazilian Symposium on Computer Music, edited by M Pimenta, Damián Keller, Regis Faria, Marcelo Queiroz, Geber Ramalho, and Giordano Cabral. Recife: SBCM.; Naveda et al. 2011Naveda, Luiz, Fabien Gouyon, Carlos Guedes, and Marc Leman. 2011. “Microtiming Patterns and Interactions with Musical Properties in Samba Music.” Journal of New Music Research 40 (3): 223-236.), que abordaram a questão específica de padrões de microtempo no samba comercial. Mais especificamente, Naveda e colegas (2011Naveda, Luiz, Fabien Gouyon, Carlos Guedes, and Marc Leman. 2011. “Microtiming Patterns and Interactions with Musical Properties in Samba Music.” Journal of New Music Research 40 (3): 223-236.) ampliaram a investigação sobre os desvios de microtempo incluindo padrões de dinâmica (intensidade) e estruturas métricas, ainda suportados por uma abordagem computacional sobre excertos de canções populares de samba. Essa análise demonstra como o samba apresenta padrões recorrentes que combinam desvios sistemáticos de posições métricas e padrões dinâmicos (intensidade do som) repetitivos. O estudo sugere que esses padrões multidimensionais formam características fundamentais, ainda que tácitas, dos elementos rítmicos e do groove do samba.

1.2. Bass lines, estruturação e função musical

As linhas de acompanhamento de contrabaixo são elementos da performance do instrumento relacionadas pela literatura com a definição do groove na performance (ver, por exemplo, Monson 1999Monson, Ingrid. 1999. “Riffs, Repetition, and Theories of Globalization.” Ethnomusicology 43 (1). JSTOR: 31-65. https://www.jstor.org/stable/852693.
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; Bolden 2013Bolden, Tony. 2013. “Groove Theory: A Vamp on the Epistemology of Funk.” American Studies 52 (4): 9-34. doi:10.1353/ams.2013.0114.
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). Definidas como linhas de acompanhamento de contrabaixo, ou mais frequentemente bass lines, elas denotam elementos e conceitos do discurso musical pertencentes ao vasto campo de estudos da música popular (De Toledo, 2018De Toledo, Rubim. 2018. “African Rhythm as the Foundation of Contemporary Bass Performance.” PhD Thesis, University of Auckland. https://roam.macewan.ca:8443/server/api/core/bitstreams/ecd50794-32b7-484a-b542-cb9bed405b6c/content.
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), onde se inserem o samba e a música brasileira. Essa ideia de performance em música popular se retroalimenta de padrões, estruturas, recursos técnicos e elementos interculturais que se combinam no intertexto característico das performances de música popular brasileira. Contudo, a perspectiva analítica musical tradicional, moldada segundo as demandas de análise da música erudita ocidental da Europa, apresenta ferramentas que normalmente falham em capturar as nuances e dinâmicas relevantes da música popular ou de músicas de outras matrizes culturais, em especial, os elementos que formam o groove (Caporaletti 2020Caporaletti, Vincenzo. 2020. “Una Musicología Audiotáctil.” Revue d’études Du Jazz et Des Musiques Audiotactiles 2. Sorbonne Université: 1-17. https://u-pad.unimc.it/bitstream/11393/281330/1/Caporaletti_Una%20Musicolog%C3%ADa%20Audiotactil_2020.pdf.pdf.
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, 2).

Estruturas como repetição, vínculos com culturas de movimento e dança, aberturas para jogos improvisativos e similaridades com estruturas musicais da diáspora africana estão presentes nas bass lines como condutores de um complexo difuso relacionado ao groove no contrabaixo. Ao mesmo tempo, essas estruturas reafirmam o status e a função do contrabaixo dentro de um plano da análise musical tradicional que permite transitar musicalmente nos ambientes musicais contemporâneos da música popular. Esse hibridismo parece ser essencial nos mecanismos de resistência afro-brasileira (ver discussão apresentada por Sandroni, 2001Sandroni, Carlos. 2001. Feitiço Decente: Transformações Do Samba No Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.; Sodré, 1979Sodré, Muniz. 1979. Samba, O Dono Do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri.), mas também permite uma abordagem musicológica tradicional por ainda estar dentro de uma estrutura total e pressupostos rítmicos da música tradicional. Para Monson (1999Monson, Ingrid. 1999. “Riffs, Repetition, and Theories of Globalization.” Ethnomusicology 43 (1). JSTOR: 31-65. https://www.jstor.org/stable/852693.
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, 32), as bass lines integram um conjunto de aspectos e elementos que corroboram para o entendimento do groove. O texto ainda indica que bass lines, entre outros elementos, são responsáveis por delinear a estética da música popular de diversas regiões do mundo, especialmente as emergentes da diáspora africana. Monson (1999Monson, Ingrid. 1999. “Riffs, Repetition, and Theories of Globalization.” Ethnomusicology 43 (1). JSTOR: 31-65. https://www.jstor.org/stable/852693.
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) afirma que a ideia de groove e das bass lines está conectada com a música popular afro-americana por meio da estruturação e organização dos elementos rítmicos como a repetição, riffs, ostinatos, pergunta e resposta, fragmentos melódicos e rítmicos. Esses elementos são capazes de transmitir o caráter musical vital, orgânico e enérgico, ao mesmo tempo em que são fatores responsáveis pelo cruzamento das características rítmicas de outras culturas (Monson 1999Monson, Ingrid. 1999. “Riffs, Repetition, and Theories of Globalization.” Ethnomusicology 43 (1). JSTOR: 31-65. https://www.jstor.org/stable/852693.
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, 32).

2. O groove no contrabaixo elétrico no samba

Para construir uma análise sobre o contrabaixo elétrico no samba é necessário compreender a trajetória do instrumento no gênero sob a perspectiva histórica regional. O instrumento torna-se parte integrante da grade instrumental no Brasil, ao longo de um processo crossover entre o acústico e o elétrico, entre as décadas de 1950 e 1970. Para Castanheira (2019Castanheira, Sérgio. 2019. “O Baixo Elétrico No Samba e a Escuta Nos Processos de Aprendizagem: A Importância Da Relação Entre o Baixo e a Percussão.” Master’s Thesis, Rio de Janeiro: UFRJ.) e Carraro (2011Carraro, Gadiego. 2011. Música e Educação, o Contrabaixo e a Bossa: Uma Perspectiva Histórica e Prática. Ebook: Projeto Passo Fundo. http://www.projetopassofundo.com.br.
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), o instrumento é parte de um processo diacrônico, o qual herda do contrabaixo acústico os princípios técnicos e funcionais dentro do que se estabeleceu como música popular, incluindo o samba nesse contexto:

Pela diacronia com a época em questão, direcionou-se essa análise mais precisamente ao contrabaixo acústico, porém, as mesmas ideias expostas no que se refere ao contrabaixo acústico podem também servir de parâmetro para o contrabaixo elétrico, tendo em vista que ambos seguem uma ótica parecida de concepção, principalmente quando inseridos na Bossa Nova. A partir dessas obras, tentou-se explicar as formas básicas de inserção do contrabaixo na MPB, principalmente no que diz respeito ao grande gênero “Samba” e o funcionamento interno da Bossa Nova em termos harmônicos, melódicos e rítmicos. (Carraro 2011Carraro, Gadiego. 2011. Música e Educação, o Contrabaixo e a Bossa: Uma Perspectiva Histórica e Prática. Ebook: Projeto Passo Fundo. http://www.projetopassofundo.com.br.
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, 82)

Esse período de inserção do instrumento na música brasileira produziu adaptações no contexto da performance. O contrabaixo elétrico foi inicialmente entendido em sua função musical como o contrabaixo acústico, em sua extensão e padrão de performance. À medida que o instrumento era disseminado em registros fonográficos e em performances ao vivo, os músicos criaram um idioma mais específico. Tal fato se deu a partir das construções de ideias e linhas de acompanhamento concebidas e disseminadas por expoentes como Luizão Maia (1949- 2005), Luiz Alves (1944), Sizão Machado (1959), Alex Malheiros (1946), Tião Neto (1931-2001), Zeca Assumpção (1945) e Nico Assumpção (1954-2001). Essa evolução da identidade do instrumento no contexto do samba oferece uma série de importantes verificações, pois permite observar como as características sonoras e musicais de um instrumento estranho ao gênero vão sendo moldadas pelas prioridades estilísticas locais.

Para De Toledo (De Toledo 2018De Toledo, Rubim. 2018. “African Rhythm as the Foundation of Contemporary Bass Performance.” PhD Thesis, University of Auckland. https://roam.macewan.ca:8443/server/api/core/bitstreams/ecd50794-32b7-484a-b542-cb9bed405b6c/content.
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), a linguagem idiomática do contrabaixo na música popular contemporânea (mais precisamente a partir do século XX) europeia, estadunidense, caribenha e latino-americana está diretamente moldada pela estética rítmica musical da África Ocidental. No entanto, o texto indica que a abordagem de estudo das bass lines e do contrabaixo, especialmente na música popular, são discutidas por uma literatura que desconsidera uma análise intrínseca aos estilos e elementos a eles pertencentes no âmbito rítmico, ao longo do seu desenvolvimento. Na visão do autor:

[...] muitos livros sobre o contrabaixo têm sido escritos oferecendo uma visão do jazz, funk, R&B, ou baixo latino tocando, fornecendo transcrições de linhas de baixo e exemplos de escolhas apropriadas de estilo, mas não oferecendo antecedentes sobre o desenvolvimento e evolução dos estilos [...] No entanto, embora tenha havido vários artigos acadêmicos e livros de música que trazem à luz a noção de ritmos centrais encontrados na diáspora da África Ocidental, nenhum recurso apresenta essas ideias como relacionadas ao contrabaixo em um contexto de jazz ou de música popular. (De Toledo 2018De Toledo, Rubim. 2018. “African Rhythm as the Foundation of Contemporary Bass Performance.” PhD Thesis, University of Auckland. https://roam.macewan.ca:8443/server/api/core/bitstreams/ecd50794-32b7-484a-b542-cb9bed405b6c/content.
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, 11 Tradução nossa)

Para Graeff (2014Graeff, Nina. 2014. “Fundamentos Rítmicos Africanos Para a Pesquisa Da Música Afro-Brasileira: O Exemplo Do Samba de Roda.” Música e Cultura 9 (1). http://www.musicaecultura.abetmusica.org.br/index.php/revista/article/view/286.
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, 38), o contrabaixo elétrico surge na instrumentação do samba nos últimos 40 anos. Exemplos de métodos e materiais de estudo produzidos nas últimas décadas apresentam abordagens relacionadas à concepção do arranjo (Faria et al. 2001Faria, Nelson, Cliff Korman, David Finck, Itaiguara Brandão, Paulo Braga, and Café (Musician). 2001. Inside the Brazilian Rhythm Section: For Guitar, Piano, Bass, and Drums. Sher Music.; Conceição 2006Conceição, Ney. 2006. Toque Junto Bossa Nova - Baixo Eletrico. Rio de Janeiro: Lumiar Editora.), estudos rítmicos brasileiros (Giffoni 2002Giffoni, Adriano. 2002. Musica Brasileira Para Contrabaixo. Lumiar Editora.; Giffoni and Alves 1997Giffoni, Adriano, and Luciano Alves. 1997. Música Brasileira Para Contrabaixo: Acompanha CD Com 90 Trilhas Gravadas: Demonstrações e Exercícios Com Ritmos Brasileiros. 70 Anos de Música. São Paulo, Brasil: Irmãos Vitale.), harmonia e improvisação (Assumpção 2012Assumpção, Nico. 2012. Bass solo: segredos da improvisação. Irmãos Vitale.), além de relações entre percussão e bateria com o contrabaixo (Syllos and Montanhaur 2003Syllos, Gilberto, and Ramon Montanhaur. 2003. Bateria e Contrabaixo Na Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Lumiar Editora.). Embora essa literatura descreva vários elementos técnicos da instrumentação sob o ponto de vista da performance musical, os autores não apresentam um quadro mais amplo de relações entre esses elementos técnicos e estruturas fundamentais da estrutura musical do samba, como métrica, timing ou recorrência de padrões de recursos idiomáticos. Dentre eles, as bass lines e seus elementos de estruturação como a repetição, o ostinato, contrametricidade, padrões e variações rítmicas e o uso de técnicas e articulação (Pizzicato, Hammer On, Pull-Off, Ghost notes, Muted Notes, Stacatto, Glissando). Essa lacuna move a necessidade de abordar a relação contrabaixo elétrico/samba através de uma análise centrada nos aspectos musicais e recursos interpretativos que estabelecem a relação do instrumento com o gênero. Esses recursos específicos e recorrentes na interpretação podem ser os considerados como base constituinte da identidade do contrabaixo elétrico no samba sob uma perspectiva bottom-up, ou seja, onde os materiais musicais distribuídos nas performances são constituintes de, e engendram níveis superiores de expressão, forma e estilo, de maneira similar ao proposto nas camadas de desenvolvimento musical propostas por Swanwick (1994Swanwick, Keith. 1994. Music Knowledge: Intuition, Analysis and Music Education. London: Routledge.) ou nas camadas de representação de informação multimodal proposto em Lesaffre et al. (2003Lesaffre, Micheline; Leman, Marc; Tanghe, Koen; B De Baets, H De Meyer, and J P Martens. 2003. “User-Dependent Taxonomy of Musical Features as a Conceptual Framework for Musical Audio-Mining Technology.” Proceedings of the Stockholm Music Acoustics Conference (SMAC 03), 635-638.).

Para Giffoni (1997) e Alves (1997)Giffoni, Adriano, and Luciano Alves. 1997. Música Brasileira Para Contrabaixo: Acompanha CD Com 90 Trilhas Gravadas: Demonstrações e Exercícios Com Ritmos Brasileiros. 70 Anos de Música. São Paulo, Brasil: Irmãos Vitale., o estudo das linhas de contrabaixo no samba parte da prática das síncopes brasileiras. O texto aborda a aplicação dessas estruturas rítmicas em subgêneros como o partido alto e o samba funk. Syllos & Montanhaur (2003Syllos, Gilberto, and Ramon Montanhaur. 2003. Bateria e Contrabaixo Na Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Lumiar Editora.) atribuem as estruturações rítmicas das linhas de contrabaixo aos elementos rítmicos da percussão e bateria. Contudo, ao nos debruçarmos sobre alguns exemplos, é possível verificar que a rítmica emerge igualmente da especificidade do uso de recursos técnicos e de elementos da articulação. Para exemplificar esse panorama difuso de referências, apresentamos um fragmento da linha de acompanhamento de contrabaixo executada pelo contrabaixista Luizão Maia (1949- 2005), retirado de um registro4 4 Registro audiovisual disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QDYFRHm_lZo. O trecho transcrito é compreendido entre os minutos 1:56 e 2:15. ao vivo da releitura da canção Bala com Bala (Aldir Blanc/João Bosco), em versão instrumental. Nesse trecho, a bass line se consolida como elemento condutor da performance e o groove é o principal elemento até a reexposição do tema.

Figura 1 -
Transcrição da linha de contrabaixo gravada por Luizão Maia em “Bala com Bala”, ao vivo

As características do trecho acima demonstram várias questões discutidas pela literatura sobre os conceitos do groove contextualizado na rítmica do samba. Para esta análise, dividimos elementos da estrutura musical em dois grupos. O primeiro grupo de elementos de estruturação envolve o ritmo e ornamentos interpretativos. O segundo refere-se a recursos técnicos específicos do contrabaixo elétrico.

O elemento de repetição aparece em uma visão macrotemporal da performance. Esse fator se apresenta à medida que o trecho é executado em loop na introdução e na parte “A” da canção. Do ponto de vista da estruturação, o trecho apresenta alguns elementos pertinentes, tanto na discussão do groove quanto na do samba. O primeiro diz respeito ao ostinato, o fragmento caracteriza a ideia rítmico-melódica sempre no tempo 2 de cada compasso (t2). Simultaneamente, o fato de se iniciar no segundo tempo aproxima do que Sandroni (2001Sandroni, Carlos. 2001. Feitiço Decente: Transformações Do Samba No Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., p. 16) descreve como contrametricidade no samba, enquanto a nota se afasta da métrica tética subjacente. Ainda no contexto da contrametricidade e mais especificamente do que a transcrição apresenta como síncope, alguns elementos de flutuação e tensão rítmica aparecem em t3 dos compassos 1, 3, 5, 6 e 7, contribuindo para o swing (Butterfield 2010Butterfield, Matthew. 2010. “Participatory Discrepancies and the Perception of Beats in Jazz.” Music Perception 27 (3): 157-176., 304). Quanto à articulação, o staccato reforça a relevância da síncope, visto os pontos que são utilizados, valorizando o caráter contramétrico do trecho.

Outro fator latente no trecho são as variações rítmicas. A cada finalização de frase, o contrabaixista se utiliza da semicolcheia com diferentes deslocamentos como em t4 do compasso 6 e t3 e t4 do compasso 8, contudo, sem perder o efeito da síncope. Do ponto de vista interpretativo, o fragmento de acompanhamento traz recursos que misturam recursos técnicos e elementos da articulação. No t1 do compasso 3, t4 do compasso 5 e t1 do compasso 6, o contrabaixista lança mão das ghost notes, componente rítmico de frequência indefinida (Borém and dos Santos 2003Borém, Fausto, and Rafael dos Santos. 2003. “Práticas de Performance" Erudito-Populares" No Contrabaixo: Técnicas e Estilos de Arco e Pizzicato Em Três Obras Da MPB.” Revista Música Hodie 3 (1/2)., 73), responsável pelos efeitos percussivos do instrumento. Em contraste com as características sincopadas das notas, o trecho apresenta fragmentos com fluidez rítmica, a contar da utilização do hammer on e pull-off em t4 do compasso 4. O hammer on é uma técnica de mão esquerda que incide em tocar uma nota mais grave e martelar a próxima nota mais aguda, sendo que o pull-off consiste em tocar uma nota e friccioná-la até a nota anterior mais grave. Esses recursos são empregados em uma mesma corda e o objetivo é fazer com que notas soem com um único ataque da mão direita. Quando utilizados sucessivamente e rapidamente, caracterizam o trinado na linguagem tradicional (Chen, Su, and Yang 2015Chen, Yuan-Ping, Li Su, and Yi-Hsuan Yang. 2015. “Electric Guitar Playing Technique Detection in Real-World Recording Based on F0 Sequence Pattern Recognition.” In ISMIR, 708-714. https://archives.ismir.net/ismir2015/paper/000119.pdf.
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, 710).

Embora esta análise musical corrobore com as perspectivas apresentadas sobre o fenômeno do groove no contrabaixo elétrico, a análise de performances comerciais produzidas em estudos da literatura não oferece um panorama claro dos elementos colocados em prática pelos contrabaixistas profissionais. Gravações de estúdio representam arranjos elaborados que, não obstante sejam utilizados como referência, podem mascarar condições profissionais e culturais mais amplas. Para obter um panorama mais real das condições de construção da performance com groove no contrabaixo, coletamos e analisamos gravações de profissionais, como descrito nas próximas seções.

3. Metodologia

Para aprofundar o entendimento sobre como instrumentistas produzem linhas de baixo com características de groove, elaboramos um experimento que coletou performances em um ambiente com um controle maior de variáveis, que assegura menos variabilidade que performances ou gravações comerciais. O experimento consistiu da coleta e análise de gravações de performances de contrabaixo realizadas por um grupo de 19 músicos (contrabaixistas profissionais), atuantes na cidade de Belo Horizonte, com idade entre 24 e 53 anos. O critério de inclusão dos participantes foi ter domínio técnico do instrumento, domínio de leitura de partitura e vivência profissional em alguma área de atuação na performance do instrumento, além de familiaridade com o estilo samba. O experimento foi composto de uma gravação de performance, entrevista e questionário e foi aprovado pelo Conselho de Ética da UEMG, registrado na Plataforma Brasil pelo CAAE: 52994921.0.0000.5525. Nesse artigo, reportamos os resultados da comparação das gravações de uma linha de improvisação livre de uma bass line sobre uma sequência harmônica, seguindo o procedimento descrito a seguir.

Figura 2 -
Figura 02. Estrutura harmônica da linha de baixo utilizada no experimento

Os sujeitos foram levados a construir uma linha de acompanhamento de samba desconsiderando variações e subgêneros. Antes de cada gravação os sujeitos eles ouviram um click ajustado a 90 BPM e foram informados para ajustar o tempo da improvisação neste BPM. Após o click, eles puderam utilizar elementos musicais, variar andamentos, recursos de interpretação e ferramentas técnicas desenvolvidas de acordo com a experiência individual, mas foram orientados a produzir uma linha de baixo “grovada” ou “suingada”. A explicação desses conceitos e eventuais dúvidas foram discutidos individualmente antes das gravações. As gravações foram realizadas em home studio e gravadas no software Apple Logic com a utilização de um computador Apple. Embora tenha sido considerada a gravação de performances “neutras” ou sem groove, esta opção foi descartada nos testes piloto que precederam o experimento. Isto se deve porque os contrabaixistas não conseguiam realizar conduções de linhas de baixo sem produzir variações de recursos e tempo neutras, ou não conseguiam terminar a gravação, ou não entendiam claramente a orientação. Este fato indica que a importância da ideia de groove na formação do estilo parece estar indissociável do estilo em si.

A escolha por um procedimento em estúdio ao invés de analisar gravações comerciais se deve a vários motivos. Primeiramente, não há como saber se performances comerciais estão guiadas pela orientação de performance em groove ou se foram editadas ou dirigidas de alguma forma que alterasse a expressão original dos instrumentistas. Segundo, as complexidades de variações de habilidades cognitivas e fatores demográficos são inacessíveis ou incontroláveis quando se utilizam gravações comerciais (Corrigall, Schellenberg, and Misura 2013Corrigall, Kathleen A., E. Glenn Schellenberg, and Nicole M. Misura. 2013. “Music Training, Cognition, and Personality.” Frontiers in Psychology 4 (April). Frontiers. doi:10.3389/fpsyg.2013.00222.
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). Por fim, como mencionado anteriormente, as gravações em estúdio permitem um melhor controle de variabilidade da performance, o que contribui com a validade do experimento, embora diminua sua validade ecológica.

3.1. Processamento de dados

Cada gravação foi exportada em arquivo wave e analisada/anotada no software Sonic Visualizer (Cannam et al. 2006Cannam, C., C. Landone, M. Sandler, and J.P. Bello. 2006. “The Sonic Visualiser: A Visualisation Platform for Semantic Descriptors from Musical Signals.” In Proceedings of the 7th International Conference on Music Information Retrieval, 324-327. Citeseer.). A posição e duração de cada nota executada em cada gravação foi registrada manualmente, e os ataques, classificados segundo a tabela de categorias de recursos, descritas na tabela 1. A anotação foi realizada com base na audição de cada nota e nas informações visuais presentes na representação no domínio do tempo e espectro, como demonstrado na Figura 3. Além das notas, foi realizada a anotação das posições dos pulsos, iniciada a partir do 1 tempo forte do primeiro compasso da performance.

Tabela 1:
Tipos de recursos utilizados na anotação

Figura 3 -
Telas do software Sonic Visualizer: segmentação do áudio, tabela de anotações e rótulos

3.3. Análise de Dados

A análise de dados envolveu duas partes. Na primeira parte, visualizamos a distribuição de recursos e técnicas utilizadas pelos sujeitos, apoiados nas técnicas de visualização de dados produzidas pela plataforma RawGraphs (Mauri et al. 2017Mauri, Michele, Tommaso Elli, Giorgio Caviglia, Giorgio Uboldi, and Matteo Azzi. 2017. “RAWGraphs: A Visualisation Platform to Create Open Outputs.” In Proceedings of the 12th Biannual Conference on Italian SIGCHI Chapter, 28:1-28:5. CHItaly ’17. New York, NY, USA: ACM. doi:10.1145/3125571.3125585.
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). A visualização de dados permitiu verificar a recorrência e relevância dos recursos no corpus de dados, a distribuição de recursos por sujeito, no decorrer de cada performance, e a relação sequencial entre recursos. Nessa fase, as visualizações não envolveram processamento numérico de dados, simplificando o processo de descoberta de padrões. Na segunda parte, as anotações de recurso foram cruzadas com dados obtidos pela anotação dos pulsos nas gravações (realizadas no software Sonic Visualizer). Os dados foram processados no software Matlab, o que permitiu analisar a variação de BPM e o desvio padrão de cada sujeito (figura 7), a recorrência de cada recurso na estrutura da métrica da performance (figura 5) e as estimativas de tendência de desvios de microtempo (figura 9). Essas informações foram obtidas pelo processamento dos dados de tempo, ao início de anotação de cada nota (ou posição temporal do ataque), com as anotações de pulso, além da estimativa de desvio da nota da subdivisão do pulso em ¼ de tempo, calculada como a subdivisão exata de ¼ de tempo entre cada pulso anotado. Em cada resultado apresentado, na próxima seção, serão especificadas as condições de visualização e análise de dados.

4. Resultados e discussão

Os resultados reportados nas figuras 3 a 9 têm como base tabelas de dados e anotações exportadas do software Sonic Visualizer. Este conjunto de dados representa 1.652 anotações realizadas sobre 19 gravações, contendo dados do tipo de recurso (texto), tempo inicial (segundos) e duração (segundos) para cada gravação. Deste total, os resultados produziram 791 anotações relacionadas a recursos específicos (47,9% do número absoluto de notas gravadas), se não considerarmos as notas acionadas em pizzicato (padrão de ataque normal nas cordas do contrabaixo). Os dados reportados abaixo também levam em consideração a duração de cada evento musical (ex.: duração da nota, de um acorde ou nota em slap).

A figura 4 representa uma visão geral da proporção da utilização de recursos para o desenvolvimento de linhas de contrabaixo com características de “groove ou “suingue”. O termo “geral” indica recursos compartilhados com a estruturação musical formal e o termo específico indica recursos específicos do contrabaixo. A proporção dos discos na visualização é definida pela somatória do tempo gasto em cada recurso nas gravações. A visualização realiza uma soma automática das durações de cada nota, para cada categoria de recurso.

A maior parte do tempo de execução foi realizada como pizzicatos, recurso padrão de acionamento de notas no contrabaixo elétrico. O gráfico demonstra igualmente que as ghost notes são amplamente utilizadas para a construção dessas texturas, seguidas da utilização de pull-offs, muted notes e glissandos. Outros recursos anotados disputam a construção dessas texturas constituídas tanto de elementos gerais da estruturação musical (em laranja) como de elementos específicos da técnica do contrabaixo.

Figura 4 -
Distribuição do tempo gasto por cada tipo de recurso, considerando todas as execuções

A figura 5, a seguir, representa uma descrição pormenorizada de como cada instrumentista lança esses recursos no decorrer da execução (excluindo o recurso padrão do pizzicato). Esta figura mostra a recorrência de recursos técnicos nas execuções de linhas de baixo para os 19 participantes do estudo no decorrer de cada execução. Cada círculo presente na linha do tempo (eixo horizontal) representa a execução de um recurso técnico, especificado pelas cores da legenda. O tamanho do círculo é proporcional à duração de cada execução da nota. Nesta figura não está representado o recurso pizzicato por se tratar do recurso padrão para execução de notas no contrabaixo.

Figura 5 -
Utilização dos recursos técnicos no decorrer das execuções de linhas de baixo para os 19 participantes do estudo

Primeiramente, a figura 5 demonstra uma ampla variabilidade de formas de construção de linhas de baixo em relação aos recursos. Cada círculo representa a execução de um recurso técnico especificado pela legenda através da cor e no decorrer do tempo (eixo horizontal). O tamanho do círculo representa a duração de cada execução do recurso. Nessa figura, o recurso pizzicato não está representado por se tratar do recurso padrão para execução de notas no contrabaixo. Os resultados indicam duas estratégias marcantes: alguns sujeitos (1) utilizam grandes variações de recursos no decorrer da performance (sujeitos 1, 3, 4, 7, 16 e 18, por exemplo), enquanto outros (2) optam por permanecer em um mesmo padrão de utilização de recursos (sujeitos 5, 6, 14, 17 e 19, por exemplo). Os resultados dos sujeitos 8, 11 e 14 mostram uma estratégia mais sofisticada, com sessões de variação e a permanência de recursos. Os sujeitos 1, 5 e 12 variam entre um e quatro recursos distribuídos de forma consecutiva e linear. Em contrapartida, os sujeitos 3, 7 e 11 aplicam uma intensa variação de recursos. Os resultados indicam que não existe um padrão claro de quantidade e intensidade de uso dos recursos entre os sujeitos.

Alguns recursos específicos para a condução da bass line parecem estar relacionados às escolas e estilos dos contrabaixistas. O sujeito 17 utiliza muted notes para a execução de todo o trecho. Esse tipo de condução contínua numa linha de samba, de acordo com a literatura do instrumento, não é uma técnica usual.

Sobre os efeitos técnicos percussivos do contrabaixo elétrico é possível identificar alguns pontos de destaque. O uso de ghost notes é recorrente em grande parte das execuções. Como um recurso percussivo, isto corrobora com a hipótese de uma função rítmica do contrabaixo elétrico, como nos casos dos sujeitos 5, 6, 8 e 14. Essa observação é reforçada por outros recursos técnicos percussivos como o slap, caso do sujeito 11. É preciso notar que os dados podem não capturar a importância de ghost notes, slap e stacatto, uma vez que, além da função timbrística, a duração da performance desses recursos é muito curta. Ainda sobre esses efeitos é possível identificar o uso em agrupamento ou sequências repetidas, como no caso do sujeito 19, que divide sua performance entre o stacatto e as ghost notes, ambos agrupados em sequência. Essa concepção assemelha-se aos instrumentos percussivos à medida que se trata de uma sequência repetitiva de notas sem alturas definidas, como é o caso das ghost notes.

O glissando é responsável pelo deslizamento entre duas notas. Portanto, do ponto de vista da fluidez, é possível identificar o uso desse recurso na questão da elasticidade rítmica das bass lines. Com exceção do sujeito 11, fica evidente o seu uso de forma intervalar, porém contínua, nos casos dos sujeitos 1, 4, 8, 13, 14. Outro ponto relevante é seu equilíbrio de tempo de duração nestes mesmos sujeitos. A figura 6 mostra a frequência de pares de recursos em sequência, ou como cada recurso é seguido por outro recurso, denotando uma relação de sequencialidade. A largura das bandas indica o tempo gasto em cada recurso. Essa informação nos ajuda a entender como pares sequenciais de recursos podem formar estruturas musicais específicas. Por exemplo, os resultados na figura 6 indicam que ghost notes são normalmente sucedidas por outras ghost notes ou por notas padrão em pizzicato. Essa combinação faz com que sua execução dependa dessa relação entre um “quase” evento musical sem altura definida, e outro evento musical com altura e timbre definidos. Essa mesma forma se repete em staccatos e pull-offs.

Métodos, programas pedagógicos e revistas especializadas da área atribuem frequentemente uma função rítmica ao contrabaixo. Os resultados confirmam as bases de interpretação das bass lines. Os dados indicam que a técnica de pizzicato e ghost notes são recursos predominantes na execução. O discurso percussivo apresentado pelas linhas parece ser intercalado por movimentos lineares e melódicos por meio do glissando e das técnicas de pull-off e hammer on. Essa dinâmica é responsável por estabelecer um caráter orgânico e fluido ao fenômeno sonoro e pode estar presente na ideia de groove. O slap é caracterizado pela alternância de graves e agudos, simulando um tambor bumbo e uma caixa. A muted note está relacionada a instrumentos de timbres médios e sem excessos de graves e agudos, como o bongô. Esses recursos são frequentemente tocados em repetição (sucedidos pela mesma categoria), o que indica passagens inteiras com características percussivas. Essa execução contínua é responsável por estabelecer um equilíbrio quantitativo entre a nota (altura) e o timbre percussivo. Essa relação de equivalência estabelece, para o contrabaixo elétrico, uma função que transita entre a função harmônica e rítmica. Neste sentido, é possível compreender que, no samba, os recursos admitidos para a condução no acompanhamento têm por caraterística a qualidade percussiva que compõem seu timbre.

Uma vez que, no início das gravações os sujeitos ouviram um click em 90 BPM, o efeito do andamento na percepção de groove deveria estar razoavelmente controlado (ou seja, controlamos a variável da concepção inicial de andamento na ideia da interpretação de groove, embora os sujeitos estivessem livres para varia o andamento durante a interpretação). Alguns sujeitos prolongaram a performance em até 70 tempos. Nas performances dos sujeitos 6, 9, 17 (S. 6, S. 9, S. 17), é possível visualizar uma maior estabilidade das curvas de tempo, verificada tanto pelo padrão do gráfico quanto pelo nível de desvio padrão (DP). Ao analisar essa relação com o uso das escolhas por recursos técnicos (figura 5), em ambos os casos, os sujeitos optaram por se concentrar em uma técnica específica, durante a maior parte da performance ou a alternância após períodos maiores de execução. Essa observação pode explicar a oscilação temporal dos sujeitos 3, 11, 13, 15, (S. 3, S. 11, S. 13, S. 18), que optaram por uma alternância constante de técnicas e recursos para um mesmo tempo médio dos anteriores citados. O sujeito 11 faz uso de sete diferentes técnicas (ver figura 5), em um curto período, o que tem como consequência uma oscilação marcante de tempo.

Figura 6 -
Gráfico aluvial- proporção da sequência de escolhas dos recursos das performances. O gráfico demonstra o fluxo de um tipo de recurso de performance no contrabaixo (recurso anterior) para outro (recurso posterior), no conjunto de todas as performances

A figura 8 apresenta a porcentagem de distribuição dos recursos técnicos por posição métrica para cada sujeito. As subdivisões estão representadas por semicolcheias abaixo do eixo horizontal. No eixo vertical está representada a recorrência do recurso em porcentagem sobre o total de notas tocadas na subdivisão métrica. As cores representam cada tipo de recurso. Nestes resultados, podemos verificar que, na posição do compasso (2 tempos), foi realizada cada nota ou recurso e foi calculada a distribuição de recursos para cada posição. Cada recurso e técnica utilizada no instrumento possui uma finalidade interpretativa. Neste caso, é possível identificar o pizzicato e a ghost note como técnicas predominantes, pois há uma uniformidade em sua disposição no tempo. De um lado, os dados sugerem que o uso de ambas as técnicas é assimilado em certa conformidade métrica pelos indivíduos. Como verificado anteriormente e esperado, os dados indicam que o pizzicato está distribuído em todas as posições, com maior recorrência nas posições “fortes” da métrica, ou seja, perto das cabeças de tempo. Curiosamente, essa recorrência é afetada pela frequência de ghost notes tocadas na segunda metade do 1º tempo do compasso, que é uma posição contramétrica. Embora não seja possível trabalhar com padrões tradicionais de significância estatística, é possível explorar a hipótese de que a recorrência de pizzicatos na cabeça do 2º tempo também reflete a característica de acentuação do 2º tempo pela percussão no samba. Essa concepção pode reforçar a função do contrabaixo elétrico, especialmente na música popular, que transita entre a função rítmica e harmônica. Ambas as funções são evidenciadas pelas especificidades das técnicas em que a ghost note traduz a intenção percussiva com altura indefinida da nota e o pizzicato, como a técnica predominante da ação sobre a nota definida no instrumento.

Figura 7 -
Curvas de tempo (em BPM, ou batidas/pulso por minuto) extraídas da anotação de tempos para cada gravação

Figura 8 -
Distribuição de recursos por posição métrica nas subdivisões de ¼ de tempo no compasso binário

Como abordado anteriormente, a ideia de variação de microtempo pode ter uma relação direta com as questões das dinâmicas de desvios rítmicos do som em relação ao pulso. A figura 9 busca traduzir as particularidades de desvios de microtempo de cada recurso analisado nas performances do experimento. O eixo horizontal representa o desvio calculado pela diferença entre o ataque das notas e a subdivisão métrica precisa do tempo (¼ de tempo) e o eixo vertical representa a contagem de notas no intervalo. Cada barra representa o número de ataques encontrados nas posições dos desvios, distribuídos por recursos interpretativos. Esses dados foram calculados a partir do desvio da posição métrica mais próxima à nota (matematicamente calculada como ¼ de tempo, distribuídos em 2 tempos anotados, como ilustrado na figura 8). Como esses dados foram anotados manualmente, a precisão temporal das anotações não pode ser considerada um parâmetro preciso e somente os resultados de pizzicatos, ghost notes, pull-offs e muted notes contêm quantidades relevantes de dados para a análise. Entretanto, os dados resultantes sugerem algumas observações interessantes, que podem servir de hipóteses de trabalhos futuros.

Os ataques de pizzicato e ghost notes não parecem ter nenhuma tendência de desvio, uma vez que estão distribuídos uniformemente entre -0.1 e +0.1 segundos no entorno da posição métrica. Já as distribuições das muted notes têm uma tendência sutil para o adiantamento, enquanto as distribuições de pull-offs estão ligeiramente atrasadas. Essas características podem tanto formar assinaturas temporais aos recursos (ex.: muted notes podem ser naturalmente tocadas adiantadas como resultado das demandas estilísticas do recurso) quanto serem um resultado de condições técnicas, biomecânicas ou físicas da performance do recurso. As técnicas apresentam movimentos com ergonomia e biomecânica específicas, estabelecendo distâncias diferentes do ponto de contato entre os dedos do músico e a corda, consequentemente com a nota. O pizzicato, as ghost notes e o staccato são movimentos estabelecidos com os dedos sobre as cordas, diminuindo, assim, o tempo de contato. Já as técnicas de hammer on, pull-off e slap têm por características movimentos mais largos e de maior deslocamento do dedo ao ponto de contato. Em todos os casos, a interação entre microtemporalidade e classes de recursos formam um campo de análise importante, pois rejeita a simplificação do groove como um resultado dos desvios ou da execução métrica temporal.

Além da função de estabelecer as notas fundamentais no contexto de uma performance, o contrabaixo elétrico na música popular, especialmente no samba, é influenciado por outras questões de natureza subjetiva e musical. Uma dessas questões, que abordamos especialmente neste estudo, trata do caráter rítmico do samba. Os dados e a literatura sugerem que o uso de recursos e técnicas pode servir para que o contrabaixista manipule as dinâmicas do ritmo, atribuindo-lhe certa vitalidade, que parece estar composta de uma variedade de estruturas de timbre, tempo, interações musicais e muito provavelmente de movimento corporal do intérprete. Essa organicidade pode ser identificada enquanto o músico imprime a sensação de movimento sonoro por meio dos recursos de interpretação e técnicas específicas do instrumento. Essas impressões de caráter orgânico, presentes no som, podem ser estimuladas pela alternância entre a aproximação e o distanciamento do que se denomina como pulso dentro do ritmo.

As bass lines ou linhas de acompanhamento podem ser consideradas elementos base para uma análise musical da performance do contrabaixo na música popular. Os resultados aqui apresentados definem um retrato das escolhas dos recursos técnicos e elementos interpretativos individuais do grupo de sujeitos, mas retratam condições inerentes à performance ao vivo de músicos profissionais no contexto do samba (em contraposição às performances gravadas, editadas e produzidas por músicos de referência). Este estudo pode ser compreendido como um layout da organização expressiva e espontânea dos aspectos musicais das bass lines no samba. Os resultados indicam que este horizonte técnico, expressivo e cultural do instrumento envolve categorias limitadas de técnicas de performance no contrabaixo como as ghost notes, hammer on, pull-off, slap e muted notes, mas também explora ornamentos ligados à interpretação em uma versão tradicional, como o stacatto e o glissando. Ao analisar os sujeitos individualmente, os dados sugerem que a escolha pelo uso de um recurso ou outro surge de desenhos individuais do processo criativo musical e improvisativo, dentro de uma prática espontânea da performance. O desenho experimental suporta essa condição: conforme os contrabaixistas seguem somente as indicações de harmonia por meio do sistema de cifras, tendo apenas o metrônomo como referência temporal inicial. As decisões interpretativas, na opção do recurso técnico, são tomadas enquanto o músico desenvolve a bass line. Com isso, a identidade da linha de acompanhamento de cada sujeito pode estar vinculada à dinâmica de escolhas dos elementos e recursos, do ponto de vista técnico e interpretativo. Ao mesmo tempo, a análise da visão macro dos gráficos pode identificar as características mais comuns dos elementos técnicos e de interpretação.

Figura 9 -
Histogramas de desvio de microtempo organizados por recurso do contrabaixo

5. Considerações Finais

Neste trabalho, buscou-se identificar os elementos da interpretação do groove no contrabaixo elétrico do samba, o que produziu um conjunto de hipóteses que foram observadas no plano objetivo de performances de contrabaixistas profissionais, gravadas em um experimento.

O corpo de observações apresentadas representa resultados originais provenientes de dados primários, coletados dentro do universo descrito e dentro das limitações do estudo. Neste contexto, os resultados indicam que a relação entre groove e performance não parece estar mediada por um ambiente livre de interpretação, mas por uma coleção limitada de recursos. Além do recurso padrão do pizzicato, ghost notes, muted notes, stacatto e pull-off orbitam a ideia de linhas de baixo caracterizadas pelo groove. As estratégias de disponibilização de recursos, na tessitura da performance, são muito diversas e constituem um campo de variação e criação provavelmente relacionada com as capacidades artísticas, imaginativas ou estilísticas que cada músico coloca em prática em sua improvisação. Essa variação de estratégias pode sugerir que a ideia de groove é independente do modo de destinação de recursos no decorrer da performance. No entanto, a recorrência da sequência entre pizzicato-ghost note e ghost note-pizzicato pode refletir um jogo criativo entre melódico/harmônico e percussivo, representado pela altura declarada das notas em pizzicato e a ausência de altura e caráter percussivo das ghost notes. A utilização de elementos de pausa com efeito percussivo explora características relevantes da performatividade da herança afro-brasileira, que tem no silêncio musical um espaço para o movimento corporal, fator importante da rede de elementos do groove (Sodré 1979Sodré, Muniz. 1979. Samba, O Dono Do Corpo. Rio de Janeiro: Codecri.; Naveda et al. 2011Naveda, Luiz, Fabien Gouyon, Carlos Guedes, and Marc Leman. 2011. “Microtiming Patterns and Interactions with Musical Properties in Samba Music.” Journal of New Music Research 40 (3): 223-236.).

Os resultados também indicam uma relação entre a variabilidade do andamento e a variabilidade de recursos, o que sugere que os recursos têm um impacto no fluxo métrico. Essa variabilidade pode ser uma contribuição original à caracterização do groove, embora não seja claro se a variabilidade de recurso ou de andamento são a causa do efeito em si. Há uma tendência que recursos rítmicos estejam localizados em posições rítmicas contramétricas. Esses resultados apoiam a ideia de intercalação percussiva com elementos contramétricos e melódicos, com base na recorrência de pizzicatos em posições contramétricas. Nesse caso, o contrabaixo atuaria como um instrumento de função múltipla, reforçando elementos melódicos, harmônicos e mesmo percussivos, no sentido de simular componentes percussivos como tamborins e caixas. Por fim, as tendências de desvio microtemporais assinalam características interessantes. Por um lado, as muted notes tendem a ser adiantadas, reforçando um acento métrico negativo, potencialidade pela expectativa cortada pelo silêncio. Por outro lado, as ghost notes atrasadas podem sugerir um outro tipo de quebra de expectativa, ao deixar as cabeças de ataque de nota vazias, seguidas de acentos percussivos de altura indefinida, atrasadas em relação à régua métrica. Em uma estrutura que se assemelha a um fractal, a ambiguidade funcional do contrabaixo no campo das decisões macroestruturais de instrumentação ou estruturação musicais são replicadas em um nível microestrutural, onde por vezes o contrabaixista lança elementos voltados à função melódica, outras vezes, reforça a sua natureza rítmica.

Sob uma ótica conceitual, o groove e sua teia de significados apresentam discussões que demandam mais aprofundamento para a sua compreensão. O termo parece admitir atribuições que perpassam o campo da etnomusicologia, dialogando com as questões intrínsecas aos processos da performance. Contudo, além de definições pragmáticas, o termo é compreendido em uma instância de vitalidade dos fenômenos nos quais está inserido. Esse caráter orgânico e vital pode ser observado no âmbito de convergência entre questões musicais e culturais. O groove, quando associado ao funk estadunidense da década de 1970, retrata esse aspecto orgânico e vital na comunicação entre o som e o indivíduo, que é mediada por uma estética rítmica característica de seu contexto e de sua individualidade. Neste sentido, essa individualidade explora o caráter de fluidez e movimento a partir da utilização de elementos, recursos e aspectos responsáveis por atribuir elasticidade, tensão e relaxamento ao fenômeno sonoro.

Os termos suingue, balanço e ginga são, por vezes, relacionados ao groove. Quando utilizados para se referir ao som, eles corroboram com a ideia de uma semântica compartilhada entre som e movimento. Na comunicação verbal sobre as questões musicais do samba, esses termos são utilizados pelos contrabaixistas para elucidar as dimensões de estímulo do ritmo ao movimento corporal. De alguma maneira, o uso desses termos se estende à linguagem da instrumentação assim como a da performance. A nomenclatura de técnicas no contrabaixo elétrico, como staccato (destacado), glissando/slide (escorregar), pull-off (puxar), hammer on (martelar), ghost notes (notas fantasmas/mortas), slap (tapa) e muted notes (notas abafadas), indicam ações de estímulo no âmbito sonoro. Portanto, ao integrar, nesse contexto, a condução rítmica do contrabaixo elétrico (ou as bass lines no samba) torna-se plausível e, de alguma forma, justificável o dimensionamento e o mapeamento da questão do groove, observado a partir da questão rítmica e de seu caráter dinâmico e interpretativo. O processo aqui apresentado nos permitiu tal investigação por meio de parâmetros quantitativos e qualitativos da utilização das ferramentas e recursos técnicos. Aspectos esses que, de acordo com métodos e materiais técnicos de desenvolvimento em performance do instrumento, estimulam o fenômeno sonoro do instrumento, acrescendo um caráter dinâmico a ele, no que diz respeito a sensações de fluidez e movimento rítmico.

O estudo do groove é normalmente abordado pela literatura especializada, num contexto global, apoiado em um repertório de padrões comerciais ou tradicionais, como a música tradicional ou mesmo os expoentes da música comercial norte-americana. Isto mostra um campo ainda inexplorado para o estudo de contextos específicos, como o contexto do samba. Por se tratar de um estudo que estabelece relação entre a performance musical e um corpo de dados extraídos de ferramentas computacionais, a pesquisa ainda se conecta com trabalhos futuros no campo da computação musical e tecnologia. Neste sentido, é necessário aprofundar a descrição de variações microtemporais na performance coletiva e individual do samba como um aprofundamento técnico das nuances do instrumento. Este estudo e abordagens futuras podem produzir aportes importantes para a musicologia e sociologia do samba além de contribuições para uma pedagogia regional do instrumento no samba afro-brasileiro.

6. Agradecimentos

Este artigo foi apoiado por desenvolvimentos realizados por projetos financiado pela Fundação De Amparo à Pesquisa Do Estado De Minas Gerais (FAPEMIG - APQ-02776-21), e por uma bolsa Pesquisador Produtividade da UEMG - PQ/UEMG, concedida à um dos autores.

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    » https://doi.org/10.2307/779989
  • 1
    Over the years I've used the phrases ´vital drive´ or ´time feel´ or ´in the pocket´ for the nouns ´groove´ or ´swing´, and verb equivalents can include ´to push´, ´to cook´, ´to lock up´ or ´interlock´, ´to take it higher´, ´to get down´, ´to funk it up´, ´to get down on it´, etc. but it has become clear to me, at least, that while we may not agree on the direction (up or down) a groove is taking us, there is some kind of consensus out there that, as Gertrude Stein might have put it, a groove is a groove is a groove. We know it when we are in it. There is some there there”. (Keil 2010Keil, Charles. 2010. “Defining ‘Groove.’” Humboldt-Universität zu Berlin. doi:10.18452/20304.
    https://doi.org/10.18452/20304...
    , 02)
  • 2
    In point of fact, the funk is typically constructed by the phenomenological interplay between motion and emotion. The ethnomusicologist and percussionist John Miller Chernoff refers to this driving dynamism as ´a basic funk energy source´. Likewise, funk scholar Rickey Vincent has argued that the funk (as distinct from funk music) is actually an impulse. He states that it is ´much more than a style it is a means to a style´”. (Bolden 2013Bolden, Tony. 2013. “Groove Theory: A Vamp on the Epistemology of Funk.” American Studies 52 (4): 9-34. doi:10.1353/ams.2013.0114.
    https://doi.org/10.1353/ams.2013.0114...
    , 10)
  • 3
    ver discussão em Sandroni (2001Sandroni, Carlos. 2001. Feitiço Decente: Transformações Do Samba No Rio de Janeiro, 1917-1933. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., 24)
  • 4
    Registro audiovisual disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QDYFRHm_lZo. O trecho transcrito é compreendido entre os minutos 1:56 e 2:15.

Editor de Seção:

Fernando Chaib

Editor de Layout:

Fernando Chaib

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2024
  • Aceito
    12 Abr 2024
  • Publicado
    31 Maio 2024
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