Resumo:
O trabalho tem como objetivo apresentar a interdependente relação entre música e fisiologia no Nietzsche tardio. A produtividade de tal pretensão reside em investigar o estatuto da fisiologia enquanto categoria filosófica fundante da experiência da arte e, em nosso caso específico, da música. Nos deteremos na reconstrução interpretativa de alguns problemas apresentados em Nietzsche contra Wagner e, a partir de um esforço hermenêutico, apontaremos para os desdobramentos filosóficos daí resultantes, capazes de contribuir com a tese central que perpassa este ensaio: a de que música é fisiologia aplicada no Nietzsche tardio, e que tal primado se estabelece como categoria para a crítica à música de Wagner, e integra a lógica mais ampla da crítica à modernidade e metafísica tradicional.
Palavras-chave: música e fisiologia; Nietzsche e Wagner
Abstract:
The purpose of this study consists on presenting an interdependent relation between music and physiology in later Nietzsche. The productivity of such pretension lies on investigating the statute of physiology as a founding philosophical category of the art experience, in the specific case of music. We will focus on the reconstruction of the interpretation of some problems presented by Nietzsche against Wagner. After a hermeneutic effort, we will point the resulting philosophical outcome, capable of contributing to the core thesis in this essay: music is physiology applied to later Nietzsche, and this rule is established as a category for the criticism against Wagner's music, integrating the broadest logic of criticism into modernity and traditional metaphysics.
Keywords: music and physiology; Nietzsche and Wagner
De todas as artes que costumam brotar num determinado solo cultural, em determinadas condições políticas e sociais, a música aparece como a última das plantas, no outono e fenecimento da cultura que lhe é própria [...] Assim, um amante das imagens sensíveis pode dizer que toda música verdadeiramente significativa é canto de cisne. - Pois a música não é uma linguagem universal, supratemporal como frequentemente se diz em sua homenagem, mas corresponde exatamente a uma medida de sensibilidade, calor e tempo, que uma cultura bem determinada, delimitada no tempo e no espaço, traz em si como uma lei interior: a música de Palestrina, seria totalmente inacessível a um grego, e, por sua vez - o que ouviria Palestrina na música de Rossini? - Talvez também a nossa música alemã recente, por mais que domine e anseie dominar, não seja mais compreendida num futuro próximo: pois surgiu de uma cultura que está prestes a desaparecer. (Humano, demasiado humano,§ 171).
I
O projeto filosófico nietzschiano se caracteriza pela crítica contundente à moral e à metafísica tradicional em suas matrizes platônica e cristã, e aos desdobramentos de tais tradições na fundação do edifício secularizado do projeto moderno. Na macroestrutura da perspectiva transvalorativa de Nietzsche, a fisiologia adquiriu uma posição nuclear ao se configurar como categoria filosófica capaz de fazer frente ao pouco valor atribuído ao corpo desde a clássica divisão platônica entre mundo sensível e mundo das ideias, à reestruturação dessa perspectiva no interior do racionalismo abstrato medieval de cunho religioso e ao aprofundamento secularizado dessa condição no contexto do racionalismo cartesiano fundador do paradigma da consciência pura. O caminho percorrido pelo filósofo ao propor uma filosofia fisiológica pode ser mapeado desde os escritos da juventude até a chegada ao ideal de razão corpórea da maturidade presente em seu Zaratustra, e incorpora, consequentemente, peculiaridades das continuidades e rompimento que marcam fases do pensamento nietzschiano.
No decorrer da obra de Nietzsche, podem ser identificadas mutações na concepção de fisiologia. Foi ainda no seio de sua "Metafísica de Artista" em O Nascimento da Tragédia (1872) que o filósofo apresentou Apolo e Dionísio enquanto categorias fisiológicas fundamentais da experiência da arte. Essa nova leitura apresentada para a compreensão do nascimento da tragédia a partir do espírito da música já comportava em si o espectro da crítica à metafísica tradicional. Contudo, como diz o próprio Nietzsche na Tentativa de autocrítica em Ecce Homo (1888), o nascimento ampara-se em pressupostos metafísicos. Esse argumento levado ao extremo nos induziria a afirmar que só o Nietzsche, após Humano, Demasiado humano (1878) - no qual a crítica da metafísica adquire um sentido programático em seu pensamento -, poderia contribuir para conceber o problema da fisiologia como recusa à concepção de corpo que permeia a metafísica tradicional e a racionalidade do projeto moderno. Precisamos tornar claro, aqui, que não nos deteremos a essa discussão, e que, embora optemos, mais adiante, por tematizar música e fisiologia, no âmbito da obra do Nietzsche tardio entendemos ser também possível rastrear tal relação e problemática desde as obras da juventude.
O objetivo principal deste ensaio constitui-se em apresentar a interdependente relação entre música e fisiologia no Nietzsche tardio. A produtividade de tal pretensão reside em investigar o estatuto da fisiologia enquanto categoria filosófica fundante da própria experiência da arte e, em nosso caso específico, da música. Tal empreendimento nos confere as condições de tematizar música enquanto fisiologia aplicada como resultado das objeções apresentadas por Nietzsche a Richard Wagner. Entendemos ser necessário, para essa tarefa, vincular essa discussão - mesmo que de forma delimitada - ao contexto mais amplo da crítica da metafísica como a pretendeu Nietzsche. Sabemos por exemplo, que Wagner e sua música, outrora apresentados como sinônimos de saúde, na maturidade, foram posteriormente concebidos por Nietzsche como símbolos da cultura adoecida e decadente. Para o filósofo, a música de Wagner incorporou os pressupostos da metafísica tradicional e, ao passo que tornou a castidade uma virtude, anulou a dimensão fisiológica necessária à criação artística. Tendo em vista nossos objetivos, essa problemática adquire posição nuclear, posto que cria as condições para mantermos coerente o caminho da nossa argumentação, a qual, se por um lado terá de mostrar de que forma a música pode ser entendida como fisiologia aplicada no Nietzsche tardio, por outro precisa considerar que isso só se faz possível a partir da crítica ao Wagner metafísico, a qual está inserida de forma programática no projeto maior da crítica nietzscheana à modernidade.
Expostas tais questões, recai sobre nós a exigência de delimitação e apresentação dos objetivos deste ensaio. Surge como fundamental o questionamento sobre o que significa tematizar música como fisiologia aplicada em Nietzsche. E soma-se a essa especulação problematizadora a pergunta sobre quais caminhos seguir e quais obras do autor delimitar como objeto de investigação. Tais preocupações ampliam-se na medida em que a crítica de Nietzsche a Wagner insere-se em seu projeto maior de crítica à metafísica ocidental de tal forma que o lançar mão da dimensão fisiológica como ponto de partida para a crítica à música wagneriana coincide com o ideal de superação da clássica divisão entre corpo e alma estabelecida pelo platonismo, cristianismo e racionalismo moderno. Em partes, a argumentação que toma o corpo como elemento nuclear dirige-se a um Wagner metafísico; e desperta para várias questões, dentre as quais deverão nos interessar principalmente as que remetem à experiência ou fazer musical que privilegia o âmbito da consciência pura se pensamos do ponto de vista epistemológico, ou às que minimizam ou anulam o papel do corpo, se pensamos do ponto de vista da moral.
Tomaremos como orientação para a condução de nossa reflexão a divisão apresentada por Giacoia (2000), para quem, no todo da produção filosófica de Nietzsche, considerando-se a sequência das obras próprias de cada fase, o primeiro período situa-se aproximadamente entre os anos de 1870 e 1876, o segundo entre 1876 e 1882, e o terceiro momento, que, iniciado em 1882, interrompe-se abruptamente em 1889. A desconfiança de Nietzsche em relação aos sistemáticos e a decisão em evitá-los exposta de forma tão clara em Crepúsculo dos Ídolos (1888) tornou-o, como diz Kaufmann (1974), um pensador de problemas. Assim, tendo em vista a complexidade temática e a forma como tais problemas orbitam e transformam-se, sugerindo continuidade e rompimentos no pensamento nietzschiano, devemos ter claro que será de nosso interesse em específico o problema musical apresentado pelo Nietzsche tardio, em específico a reflexão desenvolvida em Nietzsche contra Wagner, de 1888. Mas que significa um recorte sobre Nietzsche tardio? É bastante difundido o debate desencadeado pelos comentadores de Nietzsche sobre as possíveis divisões da produção filosófica do teórico. Sabemos, por exemplo, que aos duros golpes de martelo, nem mesmo os grandes mestres da juventude, Wagner e Schopenhauer, passaram ilesos. Foi justamente a decidida postura crítica nietzschiana que metamorficamente sugeriu descontinuidades e permanências temáticas em seu pensamento, o que motivou discussões diversas que, se por um lado em muito discordaram entre si, tiveram, em contrapartida, de concordar que determinados problemas e grupos de ideias permanecem, por vezes, presentes, e outras vezes são descontinuados nos diversos períodos de sua filosofia.
Em sentido conceitual, a fisiologia em Nietzsche designa um todo processual determinado natural e organicamente, que de forma interdependente mantém em constante e perene relação aspectos somáticos e psíquicos que constituem a energia vital responsável pela dinâmica do existir e do criar. Nesse contexto todos os processos orgânicos mais básicos, como a digestão, a circulação sanguínea ou a ruminação, os quais nos aproximam da natureza, tencionam-se indissociavelmente com todo o nosso universo psíquico no qual residem instintos e afetos. Em sentido geral, a compreensão da vida numa perspectiva orgânica constitui-se no elemento nuclear que norteia a crítica nietzschiana tanto à moral e à metafísica tradicional, quanto à ciência moderna cujo cogito se estabeleceu como pressuposto básico. Ao contrário do que pretendeu a tradição ocidental e o projeto moderno, em Nietzsche, o corpo, o fisiológico é o pressuposto básico a partir do qual emergem experiências morais, religiosas, artísticas, além da cultura como um todo e o próprio conhecimento. Trata-se do que se faz ouvir em Assim falou Zaratustra (1883/1885) de forma tão acabada:
Aos desprezadores do corpo desejo falar. Eles não devem aprender e ensinar diferentemente, mas apenas dizer adeus a seu próprio corpo - e, assim, emudecer.
"Corpo sou eu e alma" - assim fala a criança. E por que não se deveria falar como as crianças?
Mas o desperto, o sabedor, diz: corpo sou eu inteiramente, e nada mais; e alma é apenas uma palavra para um algo no corpo.
Corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um só sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.
Instrumento de teu corpo é também tua pequena razão que chamas de "espírito", meu irmão, um pequeno instrumento e brinquedo de tua grande razão.
"Eu" dizes tu, e tens orgulho dessa palavra. A coisa maior, porém, em que não queres crer - é teu corpo e sua grande razão: essa não diz Eu, mas faz Eu. [...]
Por trás dos teus pensamentos e sentimentos, irmão, há um poderoso soberano, um sábio desconhecido - ele se chama Si-mesmo. Em teu corpo habita ele, teu corpo é ele.
Há mais razão em teu corpo do que em tua melhor sabedoria (ZA 1, 2011, p. 34-35).
Essa passagem anuncia questões diversas que se coadunam e favorecem o norte de nossa argumentação. O corpo, enquanto grande razão, torna possível o questionamento à clássica cisão platônica entre corpo e alma, que não só permitiu o atenuado tratamento e a importância oferecidos ao corpo no medievo, como criou as condições para a fundação do racionalismo moderno. Em Nietzsche, o corpo é uma inteireza determinadora e, dependente deste, encontra-se a própria razão. Tal dependência põe a razão, o espírito e o pensamento na condição de instrumentos do corpo. Essa perspectiva apresenta uma profunda transvaloração como bem pretendeu o filósofo: ela subverte todo o modelo geral da epistemologia moderna, para quem a consciência é condição a priori. A concepção nietzschiana de corpo põe em xeque a arte e a moral; de maneira que o corpo se estabelece como precondição para a própria razão e para a criação artística. Essa reviravolta ético-epistemológica é o que confere as condições de compreensão da música como fisiológica aplicada.
Tendo chegado a este momento do trabalho, alguns passos serão necessários para a coerente condução de nosso ensaio. Como segundo momento, nos deteremos na reconstrução interpretativa de alguns problemas apresentados em Nietzsche contra Wagner e, na terceira e última parte, a partir de um esforço hermenêutico, apontaremos para alguns desdobramentos filosóficos daí resultantes, capazes de contribuir com a tese central que perpassa este ensaio: a de que música é fisiologia aplicada no Nietzsche tardio, que tal primado se estabelece como categoria para a crítica à música de Wagner e integra a lógica mais ampla da crítica à modernidade e metafísica tradicional.
II
O prólogo de Nietzsche contra Wagner escrito no natal de 1888 em Turim é demasiado objetivo não só para cumprir uma função oratória em relação à apresentação do escrito, mas para tornar claras as preocupações de escritor: não deixar dúvidas acerca de Nietzsche e Wagner. "Nós somos antípodas" (NW, 1999, p. 49), eis o veredicto! Essa definição deverá pulsar constantemente, seja na nietzschiana, seja na nossa argumentação. Wagner, de fato, foi de grande influência para Nietzsche, e, para chegar a apresentar suas objeções ao músico, o filósofo precisou primeiramente pôr às claras sua admiração. Aqui, Wagner surge como incomparável, nenhum outro músico a ele se assemelha. Essa era a posição que o músico, juntamente com Schopenhauer, ocupara nas preocupações filosóficas nietzschianas da juventude. Desperta a admiração de Nietzsche à capacidade wagneriana em "[...] de maneira mais feliz que outros, haurir o mais profundo da felicidade humana. [...] Em achar tonalidade no mundo das almas sofredoras, oprimidas, torturadas, em dar voz também à muda miséria" (NW, 1999, p. 51). Essa consideração está ligada à aptidão de Wagner para o drama da existência, ao tratamento oferecido ao trágico no conjunto de sua obra, que em outro momento junto a Nietzsche vislumbrou o renascimento do espírito alemão. Nas palavras de Nietzsche, "Wagner é alguém que sofreu profundamente [essa é] sua prerrogativa ante os outros músicos. [...][Portanto,] eu admiro Wagner quando ele põe a si mesmo em música" (NW, 1999, p. 52). Aqui, Nietzsche refere-se ao Wagner que em sua música afirma a própria vida para além de quaisquer fabulações metafísicas. E será também em relação a esse ponto sua crítica.
A admiração, portanto, não se dá por completo, nem mesmo chega ao ponto em que Nietzsche considere sinônimo de saúde a música wagneriana. Nesse ponto da crítica, o Wagner antes admirado é posto frente ao martelo nietzschiano, cuja passagem deve nos interessar na íntegra:
Minhas objeções à música de Wagner são fisiológicas: por que disfarça-las em fórmulas estéticas? Afinal, a estética não passa de fisiologia aplicada. - Meu "fato", meu "petit fait vrai [pequeno fato verdadeiro]", é que já não consigo respirar direito, quando essa música me atinge; logo o meu pé se irrita com ela e se revolta: ela necessita de compasso, dança, marcha - ao som da Kaisermarsch, de Wagner, nem mesmo o jovem Kaiser pode marchar -, ele requer, da música, primeiramente as delícias do bom andar, caminhar, dançar. Mas também não protesta meu estômago? Meu coração? Minha circulação? Não se turvam minhas vísceras? Não fico inesperadamente rouco? ... Para ouvir Wagner necessito de pastilhas Gérandel ... Então me pergunto: o que quer mesmo da música o meu corpo inteiro? Pois não existe alma ... O seu próprio alívio, creio: como se todas as funções animais fossem aceleradas por ritmos leves, ousados, exuberantes, seguros de si; como se áureas ternas lisas melodias tirassem o peso da brônzea, plúmbea vida. Minha melancolia quer descansar nos esconsos e abismos da perfeição: para isso necessito de música. Mas Wagner torna doente (NW, 1999, p. 52).
Nessa citação, são anunciados temas nucleares indispensáveis à condução de nossa argumentação. A categoria fisiológica que já em Humano, Demasiado Humano (1878) havia sido adotada como componente integrante de um processo metodológico da filosofia histórica a fim de promover o corpo como dimensão fundamental na investigação de sentimentos e valores morais, integra agora o projeto de uma fisiologia da arte, que se constituiria no fio condutor das interpretações a respeito da música e da tipologia psicológica da cultura moderna. Nesse caso, ao especificar como fisiológicas suas objeções a Richard Wagner, o filósofo o faz descartando qualquer interesse por formulações estéticas, ou especulações de cunho racionalista. Daí a ideia de música como fisiologia aplicada. Foi a recusa às abstrações racionalistas no campo da arte que possibilitou o ideal de estética como fisiologia aplicada, e esta é justificada, por sua vez, com o recurso à crítica a Wagner. Em temos gerais, o que falta à música é a experiência corporal em seu sentido mais orgânico. Portanto, o conceito de corpo orgânico comporta uma crítica não só à res extensa cartesiana, mas também às concepções mecânicas de corpo de influência galileana e newtoniana.
Por isso a afirmação de que a música de Wagner inviabiliza a dança, o movimento. A própria marcha composta por ocasião da vitória prussiana sobre os franceses vê-se impossível de ser marchada, eis que rompe com os movimentos mais básicos do próprio andar e dançar. Sendo assim, o protesto é também orgânico, é o estômago, o coração, a circulação, as vísceras que reagem. O corpo inteiro deseja a música, e esta, só é possível ao passo que o toma como ponto de partida. Nietzsche dá seguimento estendendo sua crítica à propensão de Wagner para o teatro. Para o filósofo, seja do ponto de vista da crítica da moral e epistemologia, seja do ponto de vista sobre o que de fato foi o drama grego, a postura de Wagner incorreu em um grande equívoco: o de apresentar o drama como fim e a música como meio. O jovem Nietzsche já havia tornado conhecida a tese segundo a qual o drama nasce do espírito da música, e o próprio Wagner compartilhara com o jovem filósofo tal compreensão. Ora, o caminho tomado pela música wagneriana será o responsável por ignorar a categoria fisiológica e por compreender a música como a serva do drama. Em sentido estrito, esse empreendimento significa subterrar Dionísio, destruindo a necessária aliança fraterna com Apolo. Por isso Wagner é um perigo!
A crítica segue, então, dirigindo-se à noção de "melodia infinita". Para o filósofo, ela é a experiência de quem perde o chão ao se encontrar na água, e, a mercê do elemento, precisa nadar. Essa experiência subverte a dinâmica dos movimentos que propiciam a dança. Com isso,
[...] Wagner quis outra espécie de movimento - ele subverteu o pressuposto fisiológico da música. Nadar, flutuar - não mais caminhar, dançar. Talvez esteja ai o essencial. A "melodia infinita" quer [...] romper toda uniformidade de tempo e espaço" (NW, 1999, p. 55). Trata-se do que soaria a um "ouvido mais velho, [...] como paradoxia e blasfêmia rítmica (NW, 1999, p. 55).
Para a música, o compositor ergue-se como o grande perigo, ao ignorar o corpo, e promover a "[...] completa degeneração do sentimento rítmico" (NW, 1999, p. 56). Nessa perspectiva, há um ápice a ser atingido quando "[...] a música se apoia cada vez mais numa histrionia de arte dos gestos inteiramente naturalista, não mais dominada por qualquer lei da plasticidade, que quer efeito e nada mais... o expressivo a todo custo e a música [...] tornada serva da atitude [...]" (NW, 1999, p. 56-57). O que então decorre do empreendimento wagneriano, e com que temas mais o diagnóstico de subversão do pressuposto fisiológico na música dialoga na obra tardia nietzschiana?
O fazer musical que ignora o corpo constitui-se no pressuposto fundador da música sem futuro. Música entendida aqui como a que, entre todas as artes, surge como última expressão no fenecer da cultura à qual pertence. Como exemplo, são citados os mestres holandeses, como última expressão musical do cristianismo medieval, cuja perspectiva sonora está intrinsecamente ligada ao estilo gótico. O mesmo processo pode ser encontrado na música de Händel, que, para Nietzsche, constitui-se na mais acabada expressão da alma de Lutero e seus ideais judaico-heroicos que tornaram grande os ideais da Reforma. Também só em Mozart se encontra Luís XIV, a arte de Racine e Claude Lorrain; bem como em Beethoven e Rossini viu-se de forma tardia o século XVIII tonar música o século do entusiasmo (NW, 1999). Daí a ideia nietzschiana segundo a qual, toda música verdadeira é canto de cisne. Dessa forma, a problematização do filósofo sugere que a nascente música de sua época, com toda sua pretensão de grandeza e autonomia, talvez devesse considerar a possibilidade de perdurar por um breve período. Por isso a ideia de uma música sem futuro: "[...] ela se originou de uma cultura cujo solo afunda rapidamente [...]. Um certo catolicismo do sentimento e um gosto em alguma natureza e desnatureza velha e nativa, chamada de 'nacional', são seus pressupostos" (NW, 1999, p. 57).
O faro nietzschiano detecta no subterrâneo do fazer musical de sua época o edifício da moral cristã, o qual, por sua vez, mesmo ressignificado a partir de outros termos, oculta o desprezo ao corpo e à própria vida. Encaixa-se aqui, por exemplo, "a apropriação que Wagner fez de velhas sagas e canções, em que o preconceito erudito aprendera a enxergar algo germânico por excelência [...]" (NW, 1999, p. 57). Nesse sentido, mesmo que em uma Europa agitada por guerras e nacionalismos, a música de Wagner surja como repentina glória, isso não lhe garante futuro algum: seus pressupostos são antinaturais, subvertem o fisiológico e endossam a psicologia da racionalidade moderna, são, portanto, incapazes de oferecer uma base sólida a qualquer arte. A crítica incursão feita por Nietzsche precisou em seguida mostrar, porque ele e Wagner devem ser considerados antípodas. O filósofo inicia por retomar de forma geral sua simpatia e superestima para com o mundo moderno, e as caracteriza como erros da juventude, porém, também aponta a presença de sentimentos de esperança. De suas esperanças, nasceu a compreensão do "[...] pessimismo filosófico do século XIX como sintoma de uma mais elevada força de pensamento, de uma mais vitoriosa abundância de vida, do que a que tivera expressão na filosofia de Hume, de Kant e de Hegel [...]" (NW, 1999, p. 59).
O conhecimento trágico transpareceu como o mais belo tesouro da cultura, de modo que foi possível, da parte de Nietzsche, "[...] interpretar a música de Wagner como a expressão de uma potência dionisíaca da alma, nela [...] ouvir o terremoto com que uma força primordial da vida, há muito represada, finalmente se desafoga [...]" (NW, 1999, p. 59). O filósofo reconhece aqui seu erro. Tanto Wagner como Schopenhauer, seus grandes mestres da juventude, representaram de fato uma saída para a doentia cultura moderna perplexa pelo otimismo científico. Em todo caso, há uma sutil diferença, que agora parece saltar aos olhos. Os mestres da juventude padeciam de um sofrimento de empobrecimento de vida, que requer a todo custo o silêncio da arte e da filosofia. Diferente desse sofrimento, há os que sofrem de superabundância de vida e buscam sem cessar uma arte dionisíaca; estes alimentam-se da perspectiva trágica da vida. Aqueles, por sua vez, querem "vingança sobre a vida mesma - a mais voluptuosa espécie de embriaguez para aqueles assim empobrecidos [...]" (NW, 1999, p. 59). A subversão do pressuposto fisiológico na música confunde-se aqui ao núcleo central da crítica nietzschiana, cujo sim à vida ergue-se como categoria questionadora da cultura, arte e ciência moderna. Nesse contexto, passam pelo tribunal dionisíaco "[...] a lógica, a compreensibilidade conceitual da existência [...] os típicos 'livres-pensadores', como os 'idealistas' e 'almas belas', [...] todos decadentes [presos] em horizontes otimistas que permite o embotamento" (NW, 1999, p. 60).
Com esse diagnóstico, o filósofo nos conduz à concepção de epicurismo cristão que tem conduzido o princípio do hedonismo, pondo-o acima de qualquer retidão intelectual. Posto dessa forma, o problema é conduzido ao que Nietzsche denomina inferência regressiva, a qual é parte integrante do projeto de crítica psicológica de sua época. Trata-se da inferência que, ao partir da obra ao autor, do ato ao agente, mira o que está subjacente e transmuta-se em força condutora. Em sentido estrito, Wagner pertence a esse contexto artístico-epistemológico, o qual o torna o símbolo da "[...]âme moderne[alma moderna][...]" (NW, 1999, p. 62) e, por consequência, um decadente. Essa patologia psicológica cultural é o que possibilitará a compreensão de Wagner como apóstolo da castidade. Tal temática é introduzida por Nietzsche a partir da pergunta sobre o que é alemão, a qual os vincula, de forma geral, ao contexto maior da filosofia, política, arte e literatura alemã do século XIX, as quais incorporam a luta pela Bildung e inspiram-se na mesma pergunta já posta por Lutero em À Nobreza Cristã de Nação Alemã, acerca do Melhoramento do Estado Cristão (1520) e retomada por Fichte no Discurso à nação alemã, proferidas na Academia de Berlim entre 1807 a 1808. Para Nietzsche, Wagnerembotou seu discurso, e em sua música, ouve-se "[...] a fé de Roma sem o discurso [...]" (NW, 1999, p. 63).
O Wagner surge, então, como o adorador da castidade, "[...] que ainda no final da vida [...] quis inegavelmente pôr em música e levar ao palco" (NW, 1999, p. 64). Nietzsche refere-se ao Parsifal, que, tornado católico pelo compositor, representa a forma mais acabada do que é antinatural: o ideal ascético, que dentre outras coisas representa a "[...] negação e cancelamento de si, [...] o ódio ao espírito e à sensualidade, [...] a volta a ideais cristão-mórbidos [...]" (NW, 1999, p. 64-65). Nietzsche pergunta-se ainda o que pode ter ocorrido com o Wagner leitor de Feuerbach, que em muito inspirou os jovens alemães com o conceito de sensualidade sadia. O notável abandono wagneriano do ensinamento feuerbachiano fez-se cada vez mais notável em sua música. A castidade como pressuposto coroou, portanto, o fio condutor da obra wagneriana aniquilador do corpo. Os ideais ascéticos nesse contexto expressam necessariamente o ódio ao fisiológico e ao que está a ele ligado por determinação da natureza. Para o todo da crítica nietzschiana, e em especial para a compreensão do que traçamos aqui como objetivo, é de suma importância tornar claro que, em Wagner, "[...] o Parsifal é uma obra de perfídia, de vingança, de secreto envenenamento dos pressupostos da vida. [Que] a pregação da castidade é um estímulo à antinatureza, [...] um atentado aos costumes" (NW, 1999, p. 65). O que todo esse cenário crítico contribui como a compreensão do conceito de música enquanto fisiologia aplicada? De que forma os problemas apresentados por Nietzsche em Nietzsche contra Wagner contribuem para tornarmos o corpo pressuposto fundamental para a criação musical?
III
Música como fisiologia aplicada em Nietzsche consiste em reconhecer o corpo como princípio fundante. Essa perspectiva procura, entre outros aspectos, pôr em destaque o fato de que "[...] a música não é uma linguagem universal, supratemporal, como frequentemente se diz em sua homenagem, mas corresponde exatamente a uma medida de sensibilidade, calor e tempo [...]" (HH II, 2008, p. 80). Para o filósofo, a música está para a humanidade, tendo-se em consideração o princípio da sensibilidade e predisposição corporal em seu sentido mais orgânico. É do corpo que nasce a música, e é com ele que esta mantém sua relação mais íntima, de forma que qualquer atividade intelectiva que a ela esteja ligada - e, em sentido metafísico, qualquer tentativa de fundamentação última do sentido da música para a existência - deve ser compreendida com fatores consequentes. Só nesse contexto pode ser compreendida a ideia de música decadente. A música decaiu ao subverter o princípio fisiológico e ao pôr em seu lugar a especulação intelectiva ou metafísica. Wagner e a música de seu tempo representaram para Nietzsche a expressão mais acabada de supervalorização de tradições ascéticas e metafísicas que põem o corpo em esquecimento: a marca dessa iniciativa encontra-se na "[...] reanimação dessas figuras, às quais [Wagner] acrescentou a sede cristã-medieval de extática sensualidade e ascetismo [...]" (HH II, 2008, p. 80).
No espírito da música wagneriana como expressão tardia no contexto do pensamento moderno, a crítica nietzschiana alveja o resultado de uma cultura que, no âmbito da arte, constitui-se na mais concreta negação da própria vida: tema que, em certa medida, perpassa toda a filosofia nietzschiana. Trata-se da grande herança do racionalismo socrático, que fora alvo de crítica inda na juventude.2 Com Sócrates, a cultura moderna aprendeu a fundamentar metafisicamente os valores tomando como orientação o dualismo dos mundos. E, como parte de um mesmo processo, a ciência moderna levou a cabo tal cisão, ao separar corpo e mente, o que, para Nietzsche, promoveu a separação entre homem e natureza. Sobre isso, devemos considerar ainda que a opção de Nietzsche pela fisiologia enquanto fio condutor da critica à modernidade levou em conta a oposição necessária ao naturalismo cientificista de sua época. Nessas condições, o corpo (Leib), numa perspectiva orgânica, leva em conta as noções de impulso (Trieb) e instinto (Instinkt) que estimularam a crítica nietzscheana desde a juventude como categorias filosóficas necessárias para a compreensão das forças que atuam e movem a história. Será essa perspectiva, como afirma Foucault (1967), a responsável por inaugurar uma "nova hermenêutica", a qual, ao refutar a relação dicotômica entre mente e corpo e entre sujeito e objeto, sugere uma nova posição para o fisiológico na macroestrutura da arte e epistemologia moderna.
Essa crítica estende-se à metafisica da música fundada, a partir do dualismo de matriz platônico-cartesiana e do ascetismo cristão de espírito medieval, e como superação sugere uma nova concepção de música que implica necessariamente reciprocidade entre música e fisiologia. O caráter simbólico que o corpo adquiriu no Nietzsche tardio tornou-se, portanto, o fio condutor de um projeto mais profundo, que pretendeu desvelar a tensa relação: "'racionalidade' contra instinto. A 'racionalidade' a todo preço como força perigosa, solapadora da vida!" (HH, 2008, p. 60). A racionalidade dialética como sinônimo de doença não só remonta em sentido crítico à filosofia socrático-platônica, mas põe às claras os alicerces do projeto moderno cuja matéria-prima é a supervalorização do inteligível. Ora, a união fraterna entre música e fisiologia caracteriza-se como abalada em tal contexto epistemológico, e o motivo principal é o resultado consequente de uma época na qual o inteligível surge como fonte suprema da verdade. Daí decorre, seja do ponto de vista epistemológico, seja do ponto de vista da moral, a ideia segundo a qual os sentidos constituem-se em fontes de erro. Nessa perspectiva, parece que Platão está novamente diante de nossos olhos: os sentidos como fontes de erro correspondem, no norte de nossa argumentação, à negação do corpo e à decomposição do fisiológico.
O espírito da música wagneriana corresponde à forma mais acabada do espírito da modernidade. Trata-se de uma música na qual o fisiológico não é o pressuposto. Compreende-se, aqui, por exemplo, o que permitiu a Nietzsche afirmar, na Genealogia da Moral (1887), que "Wagner virou o seu oposto [ao] render homenagem à castidade na velhice [...]". (GM I - II, 2009, p. 80-81). O que se reflete na ideia de que "Richard Wagner, aparentemente o mais triunfante, é na verdade um décadent desesperado e fenecido, [que] sucumbiu de repente, desamparado e alquebrado, ante à cruz cristã [...]" (NW, 1999, p. 66). Assim, o caminho tomado pela música de Wagner não só nos direciona à necessidade de libertação que Nietzsche teve em relação ao compositor, mas nos revela, tal como temos conduzido a argumentação, a posição que a fisiologia ocupa no pano de fundo desse conflito. De tal problemática resulta, consequentemente, a noção do que é o espírito moderno e da maneira como precisamos atentar criticamente a este para compreender o nexo entre música e fisiologia na macrológica desse processo. Segundo Nietzsche, "através de Wagner, a modernidade fala sua linguagem mais íntima: não esconde seu bem nem seu mal [...]" (CW, 1999, p. 10).
Chega-se ao ponto da afirmação de que "a estética se acha indissoluvelmente ligada a [...] pressupostos biológicos" (CW, 1999, p. 43) e que a procura pelo "[...] 'belo em si' [é, como afirma Nietzsche,] uma quimera, como todo o idealismo [...]" (CW, 1999, p. 43). Com a crítica ao idealismo, entra em jogo toda a modernidade e os sistemas filosóficos metafísicos subjacentes. No entanto, como tudo isso é transformado em música e em que medida subverte o princípio da fisiologia? O filósofo nos apresenta uma resposta:
Sobre nenhuma outra coisa Wagner refletiu tão profundamente: sua ópera é a ópera da redenção. Em Wagner, há sempre alguém que deseja ser redimido: oraum homenzinho, ora uma senhorita - este é o problema dele. - E como varia ricamente o seu leitmotiv! Que digressões raras e profundas! Quem, senão Wagner, nos ensinaria que a inocência redime de preferência pecadores interessantes? (O caso de Tannhäuser.) Ou que mesmo o judeu errante é redimido, torna-se sedentário, quando se cada? (No Navio fantasma.) Ou que velhas mulheres depravadas preferem ser redimidas por castos? (O caso de Kudry.) Ou que donzelas bonitas preferem a redenção por um cavaleiro que seja wagneriano? (O caso dos Mestres cantores.) Ou quem também mulheres casadas gostam de ser redimidas por um cavaleiro? (Caso de Isolda.) Ou que o "velho Deus", depois de haver se comprometido moralmente em todo sentido, é finalmente por um livre-pensador e moralista? (Caso do Anel) (CW, 1999, p. 14).
Com a passagem citada, Nietzsche apresenta um panorama geral a respeito da obra wagneriana, vinculando-a ao ideal de redenção. Esta por sua vez, caracterizará o elemento fundamental da decadência musical wagneriana, justamente pelo fato de manter estrito diálogo com princípios cristãos da metafísica tradicional, os quais, de forma secularizada, permanecem no subterrâneo da epistemologia moderna. Com o conceito de ópera da redenção, Nietzsche vincula Wagner a tudo que é antinatural, a tudo que rejeita em nome do idealismo e da ciência, a dimensão biológica da vida e, por conseguinte, o bem que a mesma faz à arte, à música. Tomando como referência os objetivos apresentados para a condução deste ensaio e de forma ainda mais pertinente - pois vincula nosso debate ao conjunto dos problemas filosóficos apresentados por Nietzsche -, cabe-nos a pergunta sobre que significa pensar a música desvinculada da dimensão fisiológica. Para o filósofo, o resultado desse processo incorre no "[...] fato de que a música foi despojada de seu caráter afirmativo, transfigurador do mundo, de que é música de décadence e não mais a flauta de Dionísio" (EH, 2008, p. 96). A posição crítica assumida aqui por Nietzsche dirige-se, portanto, à modernidade e aos que, a partir de seu diagnóstico, "[...] engole[m] tanto 'a fé' como a cientificidade, tanto o 'amor cristão' como o antissemitismo, tanto a vontade de poder (de 'Reich') como o évangile des humbles[evangelho dos humildes]" (EH, 2008, p. 96).3
Nesse sentido, para, de fato, chegarmos ao conceito de música como fisiologia aplicada, temos que levar em conta a importante conjectura proposta por Rosa Maria Dias, segundo a qual:
Nietzsche sente e entende a arte a partir do corpo, pensado como multiplicidade hierarquizada de forças cuja organização é indício de saúde ou de doença, de negação ou afirmação, da vida. E daí, seguindo "o corpo como fio condutor", desmascara o que o drama wagneriano simula com temas exóticos e paisagens abandonadas, tempestades e florestas virgens: os vícios raros, os casos patológicos monstruosos, a força ausente, em suma, o mau funcionamento do corpo, a desarticulação psicofisiológica. (2005, p. 136).
No âmbito musical, a problemática apresentada por Dias pode nos remeter à necessidade de fundamentação metafísica da obra de arte wagneriana, bem como à exigência de uso da consciência no processo de apreciação sua música. O tremendo esforço de renovação artístico-musical empreendido por Wagner - cujas obras A arte e a revolução (1849),A obra de arte do futuro (1849), Música e Drama (1850-1851)guardam o núcleo teórico de sua perspectiva composicional -, embora tenha revolucionado em relação a gêneros musicais tradicionais, conservou consigo todo o ideal moderno de cunho científico e metafísico. Desse empreendimento nasceu a perversão dos instintos vitais, que terá como expressão máxima em Wagner, conforme a crítica nietzschiana, o "[...] considerar a ópera como meio de expressão para conceitos, e não como um fim estético, tornando a música uma serva das teorias ascéticas e morais vinculadas ao drama operístico" (BITTENCOURT, 2010, p. 12). Dessa forma, a ideia de música como fisiologia aplicada, a partir do Nietzsche tardio, exige considerar as esferas da ética e epistemologia moderna, e requer um olhar acurado à dimensão fisiológica no âmbito da experiência com a música em sentido lato. Dessa forma, apresenta-se como tarefa levar em conta todo o complexo fenômeno de motivações psicofisiológicas que conferem as condições, não só para o ato criativo em música, mas com igual importância para os âmbitos da performance, da apreciação e da educação musical.
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No que diz respeito às citações das obras de Nietzsche, faremos a opção em adotar a convenção proposta pela edição Colli/ Montinari das Obras Completas. Adotaremos, portanto, a seguinte dinâmica: as citações no corpo do texto serão acompanhadas das siglas em português e, ao final, nas referências, as siglas em português e alemão serão inseridas entre parêntese após o título de cada obra citada.
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A crítica ao Wagner metafísico esboça-se ainda a partir da ideia de que, aconteceu ao músico, o que já sucedeu com muitos artistas: se enganou ao interpretar os personagens que havia criado e não compreendeu a filosofia implícita em sua arte mais característica. Richard Wagner se deixou desencaminhar por Hegel até a metade de sua vida; e o fez novamente mais tarde, quando começou a ver a teoria de Schopenhauer em seus personagens e a formular a si mesmo recorrendo à noções de "vontade", "gênio" e "compaixão" (GC I-V, 2001).
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Importante destacar que, para Rosa Maria Dias (2005), toda essa crítica de Nietzsche a Wagner só pode ser entendida se situada onde foi produzida, isto é, dentro de uma nova concepção de arte que o filósofo começa a esboçar em Humano, demasiado humano. Trata-se de uma mudança de perspectiva, a partir de 1876, que não poucas vezes foi relacionada à desilusão que Nietzsche sofreu com as representações do Anel em Bareuth. No entanto, algo lhe escapa. Sem dúvida, o mais fundamental é o fato de Nietzsche não estar satisfeito com a própria análise da arte e, principalmente, com o seu entendimento sobre música, o que resulta numa autocrítica em profundidade.
Referências
- 1 BITTENCOURT, R, N. (2010) Estética como fisiologia aplicada em Nietzsche. Viso. Cadernos de estética aplicada n. 8, jan-jun.
- 2 RAJOBAC, R. (2015) Bildung enquanto formação estética no jovem Nietzsche Porto Alegre: EDIPUCRS.
- 3 DIAS, R. M. (2005) Nietzsche e a música São Paulo: Discurso Editorial; Ijuí: Editora UNIJUÌ.
- 4 FICHTE, J. G. (1994) Discursos à Nação Alemã (Segundo Discurso) In: VINCENTI, Luc. Educação e Liberdade: Kant e Fichte. Tradução de Élcio Fernandes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista.
- 5 FOUCAULT, M. (1967) Nietzsche, Freud, Marx Nietzsche - Cahiers de Royaumont - Philosophie, n. VI.
- 6 FREZZATTI JR, Wilson Antonio. (2006) A Fisiologia de Nietzsche: a superação da dualidade cultura/biologia Ijuí: Ed.Unijuí.
- 7 GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. (1997) Labirintos da alma Campinas: Editora da Unicamp.
- 8 _______. (2000) Nietzsche São Paulo: Publifolha.
- 9 HAAR, Michel. (1996) Nietzsche and Metaphysics Translated: Michael Gendre. Albany: State University of New York Press.
- 10 KAUFMANN, Walter. (1974) Nietzsche: philosopher, psychologist, antichrist New Jersey: PrincentonUniversity Press.
- 11 NIETZSCHE F. W. (2011) Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém (ZA/Za). Paulo César de Souza [trad.]. São Paulo: Companhia das Letras.
- 12 ______. (2006) Crepúsculo dos ídolos (CI/GD). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.
- 13 ______. (2008) Ecce Homo (EH/ EH). São Paulo: Paulo César de Souza. Companhia das letras.
- 14 ______. (2009) Genealogia da moral (GM I - III/ GM). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras.
- 15 ______. (2008) Humano, demasiado humano II (HH II/MA II). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo, Cia das Letras.
- 16 ______. (2001) A gaia ciência (GC I-V/FW). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo. Companhia das Letras.
- 17 ______. (1999) O caso Wagner e Nietzsche contra Wagner (CW/NW - WA/NW). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.
- 18 ______. (1993) O nascimento da tragédia (NT/GT). Tradução de J. Guinsburg. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.
- 19 WAGNER, R. (2000) A arte e a revolução Trad. José M. Justo. 2 ed. Lisboa: Antigona.
Literatura recomendada
- 1 BARROS, Márcio Benchimol. (2012) Música como aia da vontade: ensaio sobre a leitura wagneriana de Schopenhauer. Kriterion vol.53, n.125,. pp. 179-193.
- 2 CHAVES, E. P. (2007) Considerações sobre o ator: uma introdução ao projeto nietzschiano da fisiologia da arte Revista Tran/Form/Ação. São Paulo, 30(1): 51-63, pp. 51-63.
- 3 ONFRAY, Michel. (1999) A razão gulosa: filosofia do gosto Trad. de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco.
- 4 ________. (1990) O Ventre dos Filósofos - Crítica da razão dietética Trad. de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2016
Histórico
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Recebido
07 Jan 2016 -
Aceito
24 Abr 2016