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CAPACIDADE ABSORTIVA EM IMPLEMENTAÇÕES DE ANALYTICS: UM MODELO DE PESQUISA* * Este artigo foi financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), I.P., no âmbito do projeto «UID/ECO/03182/2019.

RESUMO

Objetivo:

Apresentar um estudo em profundidade com empresas portuguesas a fim de propor um modelo conceitual que emergiu dos dados coletados, enfatizando o modo como a ferramenta contribui para a formação de capacidade absortiva.

Originalidade/valor:

Foi possível delinear um modelo com as associações teóricas entre capacidade absortiva e analytics a partir das vozes de especialistas e tomadores de decisão de empresas portuguesas, contribuindo como instrumento para orientar estratégias que ajudem as empresas a compreender melhor como acontece a absorção do conhecimento em implementações de analytics para um direcionamento mais eficiente de esforços e consequente geração de valor incremental.

Design/metodologia/abordagem:

Realizou-se um estudo de natureza qualitativa com a adoção da Grounded Theory como estratégia de pesquisa. Dessa forma, adotaram-se técnicas e procedimentos do método que permitiram a constante coleta e análise dos dados. Para tanto, utilizou-se o software Atlas.ti.

Resultados:

A principal contribuição teórica é a proposição de um modelo conceitual que considere as categorias, subcategorias, propriedades e dimensões emergentes, que qualificam o alinhamento conceitual entre capacidade absortiva e analytics e explicam a existência do construto ao longo da implementação. Como contribuições empresariais, ressalta-se a configuração da absorção do conhecimento de acordo com dois padrões de uso do analytics: orientado à resolução de problemas específicos e como orientador do planejamento institucional.

PALAVRAS-CHAVE
Capacidade absortiva; Analytics; Big Data Analytics; Extração de valor; Grounded Theory

ABSTRACT

Purpose:

Propose a research model that involves the conceptual relationships between the theoretical support of the absorptive capacity and analytics, emphasizing the way in which the tool contributes to the formation of absorptive capacity within the companies.

Originality/value:

It was possible to delineate a model with the theoretical associations between absorptive capacity and analytics from the voices of experts and decision makers of Portuguese companies, contributing as a tool to guide strategies that help companies for a better understanding of how the absorption of knowledge occurs in analytics implementations to better target efforts at incremental value generation.

Design/methodology/approach:

A qualitative study was carried out with the adoption of Grounded Theory as a research strategy. In this way, techniques and procedures of the method were followed that allowed the constant collection and analysis of the data, supported with the use of Atlas.ti software.

Findings:

The main theoretical contribution is the proposition of a conceptual model that considers emerging categories, subcategories, properties, and dimensions, that qualify the conceptual alignment between absorptive capacity and analytics and explain the existence of the construct over implementation. As entrepreneurial contributions, the configuration of knowledge absorption according to two analytic use patterns is emphasized: as oriented towards solving specific problems and as a guideline of institutional planning.

KEYWORDS
Absorptive capacity; Analytics; Big Data Analytics; Value extraction; Grounded Theory

1. INTRODUÇÃO

A motivação pelo estudo recai nos resultados de uma recente pesquisa da Bain & Company3 3 Mais informações estão disponíveis em: https://www.bain.com/insights/the-value-of-big-data. Acesso em: 29 jan. 2019. , a qual entrevistou executivos de mais de 400 empresas em todo o mundo, a maioria com receitas de mais de um bilhão de dólares. A pergunta foi sobre os dados, as capacidades de analytics e a velocidade e eficácia na tomada de decisões das empresas. Os resultados revelaram que apenas 4% das empresas eram realmente boas em analytics; 56% não possuíam sistemas apropriados para capturar dados ou não coletavam dados úteis; e 66% não tinham a tecnologia certa para armazenar e acessar dados. Esses resultados revelaram que, embora o fenômeno não seja recente, muitas empresas ainda não compreenderam como o analytics pode gerar valor aos negócios.

No entanto, as oportunidades associadas à ferramenta em diferentes contextos ajudam os tomadores de decisão a compreender o seu real significado (Grossman, 2018Grossman, R. L. (2018). A framework for evaluating the analytic maturity of an organization. International Journal of Information Management, 38(1), 45-51.). Essas oportunidades sempre são seguidas de desafios. Por um lado, o analytics traz oportunidades atraentes (Bayrak, 2015Bayrak, T. (2015). A review of business analytics: A business enabler or another passing fad. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 195, 230-239.; Ittmann, 2015Ittmann, H. W. (2015). The impact of big data and business analytics on supply chain management. Journal of Transport and Supply Chain Management, 9(1), 1-9.). Por outro lado, muitos desafios são enfrentados quando ele é utilizado para resolver problemas de negócio (Gartner, 2015Gartner. (2015). Flipping to digital leadership: Insights from the 2015 CIO Agenda Report. Gartner.; Tan, Zhan, Ji, Ye, & Chang, 2015Tan, K. H., Zhan, Y., Ji, G., Ye, F., & Chang, C. (2015). Harvesting big data to enhance supply chain innovation capabilities: An analytic infrastructure based on deduction graph. International Journal of Production Economics, 165, 223-233.). Diante disso, compreender como os especialistas e tomadores de decisão lidam com a aquisição, assimilação, transformação e aplicação do conhecimento no processo de implementação de analytics é um aspecto relevante, pois permite a priorização de elementos conceituais presentes nessas implementações, embora negligenciados na literatura (Gao, Yeoh, Wong, & Scheepers, 2017Gao, S., Yeoh, W., Wong, S. F., & Scheepers, R. (2017). A literature analysis of the use of absorptive capacity construct in IS research. International Journal of Information Management, 37(2), 36-42.; Grover, Chiang, Liang, & Zhang, 2018Grover, V., Chiang, R. H. L., Liang, T., & Zhang, D. (2018). Creating strategic business value from Big Data Analytics: A research framework. Journal of Management Information Systems, 35(2), 388-423.; Rodriguez & Cunha, 2018Rodriguez, L., & Cunha, C. (2018). Impacts of Big Data Analytics and absorptive capacity on sustainable supply chain innovation: A conceptual framework. Scientific Journal of Logistics, 14(2), 151-161.).

Diante dessa realidade, a investigação é justificada pela possibilidade de servir para fundamentar o surgimento de categorias que sejam propícias à constituição de novos conceitos, técnicas e processos que expliquem o fenômeno, dado que importantes avanços na prospecção e no uso do conhecimento em analytics, na maioria das vezes, são originados pela vivência e pela interação das equipes internas envolvidas.

Este estudo pretende contribuir para esse dilema e tem como objetivo apresentar um estudo em profundidade com empresas portuguesas, a fim de propor um modelo conceitual que emergiu dos dados coletados, enfatizando o modo como a ferramenta contribui para a formação de capacidade absortiva. A estrutura proposta enfoca os conceitos existentes nos antecedentes e nas dimensões da capacidade absortiva expostos por Zahra e George (2002)Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. e Lane, Koka e Pathak (2006)Lane, P., Koka, B., & Pathak, S. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and rejuvenation of the construct. Academy of Management Review, 31(4), 833-863. a fim de criar valor incremental para o negócio.

Para atingir esse objetivo, utilizamos técnicas e procedimentos da Grounded Theory (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.) para explicar, de acordo com a interpretação dos significados do ponto de vista dos participantes, o processo de absorção do conhecimento em implementação de analytics nas principais empresas que utilizam de forma intensiva tecnologias associadas à ferramenta.

2. CAPACIDADE ABSORTIVA EM IMPLEMENTAÇÃO DE ANALYTICS

Neste estudo, tratamos o analytics como “a ciência da análise” (Davenport, 2006Davenport, T. H. (2006). Competing on analytics. Harvard Business Review, 84(1), 98-107., p. 3), que, geralmente, é caracterizado por requisitos incertos ou variáveis e um alto risco de implementação (Viaene & Bunder, 2011Viaene, S., & Bunder, A. van den (2011). The secrets to managing business analytics projects. MIT Sloan Management Review, 53(1), 65-69.). Davenport (2006)Davenport, T. H. (2006). Competing on analytics. Harvard Business Review, 84(1), 98-107. usou o termo analytics pela primeira vez em um artigo intitulado “Competing on analytics” publicado pela Harvard Business Review. Esse artigo foi seguido por um livro com o mesmo título (Davenport & Harris, 2007Davenport, T. H., & Harris, J. G. (2007). Competing on analytics: The new science of winning. Boston, MA: Harvard Business School Review Press.), que é amplamente creditado por criar conscientizações acerca do tema analytics. A definição atribuída por Davenport (2006, p. 3)Davenport, T. H. (2006). Competing on analytics. Harvard Business Review, 84(1), 98-107. contém o termo com que a maioria dos tomadores de decisão já se relaciona. Porém, uma definição mais elaborada de analytics foi concebida: “é o uso extensivo de dados, análise estatística e quantitativa, modelos explicativos e preditivos e gerenciamento baseado em fatos para orientar decisões e ações” (Davenport & Harris, 2007Davenport, T. H., & Harris, J. G. (2007). Competing on analytics: The new science of winning. Boston, MA: Harvard Business School Review Press., p. 7). Muitos autores vinculam o termo ao big data e à geração de vantagem competitiva mediante a melhor compreensão do negócio (Kabir & Carayannis, 2013Kabir, N., & Carayannis, E. (2013). Big data, tacit knowledge and organizational competitiveness. Journal of Intelligence Studies in Business, 3(3), 54-62.; Holsapple, Lee-Post, & Pakath, 2014Holsapple, C., Lee-Post, A., & Pakath, R. (2014). A unified foundation for business analytics. Decision Support Sciences, 64, 130-141.; Gandomi & Haider, 2015Gandomi, A., & Haider, M. (2015). Big data concepts, methods and analytics. International Journal of Information Management, 35, 137-144.; Guszcza, 2015Guszcza, J. (2015). The last-mile problem. How data science and behavioral science can work together. Delloite.; Tan et al., 2015Tan, K. H., Zhan, Y., Ji, G., Ye, F., & Chang, C. (2015). Harvesting big data to enhance supply chain innovation capabilities: An analytic infrastructure based on deduction graph. International Journal of Production Economics, 165, 223-233.).

Pesquisas demonstram que a utilização do analytics auxilia o processo de tomada de decisão com o objetivo de influenciar o comportamento e restringir a ocorrência de vieses cognitivos (Guszcza, 2015Guszcza, J. (2015). The last-mile problem. How data science and behavioral science can work together. Delloite.). Enquanto Chen, Chiang e Storey (2012, p. 1166)Chen, H., Chiang, R. H. L., & Storey, V. C. (2012). Business intelligence and analytics: From Big Data to Big Impact. Mis Quarterly, 36(4), 1165-1188. sugerem que o analytics e as tecnologias relacionadas podem ajudar as organizações a “entender melhor seus negócios e mercados”, LaValle, Lesser, Shockley, Hopkins e Kruschwitz (2011, p. 22)LaValle, S., Lesser, E., Shockley, R., Hopkins, M., & Kruschwitz, N. (2011). Big data, analytics and the path from insights to value. MIT Sloan Management Review, 52(2), 21-32. relatam que “as organizações de alto desempenho tomam decisões baseadas em análises rigorosas mais do que o dobro das empresas de baixo desempenho”.

No entanto, em ambientes complexos do setor privado, aqueles que tomam decisões não estão lidando apenas com grandes volumes de dados, mas também com outras questões mais complexas (Ittmann, 2015Ittmann, H. W. (2015). The impact of big data and business analytics on supply chain management. Journal of Transport and Supply Chain Management, 9(1), 1-9.). Ao implementarem iniciativas de analytics nas organizações, os tomadores de decisão podem integrar fontes de dados distintas, prever tendências, melhorar o desempenho, analisar indicadores-chave de desempenho, identificar oportunidades de negócios e tomar decisões melhores e mais informadas (Bayrak, 2015Bayrak, T. (2015). A review of business analytics: A business enabler or another passing fad. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 195, 230-239.; Ittmann, 2015Ittmann, H. W. (2015). The impact of big data and business analytics on supply chain management. Journal of Transport and Supply Chain Management, 9(1), 1-9.).

No entanto, a ideia de ter mais ou melhores dados analisados ajuda os tomadores de decisão a entender o desempenho atual e, portanto, tomar decisões que melhorem a eficácia ou a eficiência da organização. Uma visão mais orientada a resultados sugere que o analytics deve impactar a produtividade, a agilidade, a inovação ou a reputação da empresa (Holsapple et al., 2014Holsapple, C., Lee-Post, A., & Pakath, R. (2014). A unified foundation for business analytics. Decision Support Sciences, 64, 130-141.).

Ao relacionarem o analytics ao construto da capacidade absortiva, Grover et al. (2018)Grover, V., Chiang, R. H. L., Liang, T., & Zhang, D. (2018). Creating strategic business value from Big Data Analytics: A research framework. Journal of Management Information Systems, 35(2), 388-423. resumem a lógica teórica subjacentes à criação de valor do analytics. Para os autores, a lógica da capacidade absortiva indica que o valor do analytics ocorre quando há uma efetiva integração de dados para criar inovação. Os autores também fornecem uma explicação acerca dessa lógica, a qual está apresentada na Figura 2.1.

Figura 2.1
LÓGICA TEÓRICA DE CRIAÇÃO DE VALOR

Outros autores associam a capacidade absortiva como pré-requisito do analytics (Kabir & Carayannis, 2013Kabir, N., & Carayannis, E. (2013). Big data, tacit knowledge and organizational competitiveness. Journal of Intelligence Studies in Business, 3(3), 54-62.) ou como um recurso facilitador para essa ferramenta (Wang, Kung, & Byrd, 2015Wang, Y., Kung, L. A., & Byrd, T. A. (2015). Big data analytics: Understanding its capabilities and potential benefits for healthcare organizations. Technological Forecasting and Social Change, 126, 3-13. doi:10.1016/j.techfore.2015.12.019
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2015....
; Rodriguez & Cunha, 2018Rodriguez, L., & Cunha, C. (2018). Impacts of Big Data Analytics and absorptive capacity on sustainable supply chain innovation: A conceptual framework. Scientific Journal of Logistics, 14(2), 151-161.), dada a capacidade de ele fornecer informações críticas em tempo real e, assim, oferecer o destaque para a aquisição, assimilação, transformação e aplicação dessas informações e conhecimento para fins comerciais (Rodriguez & Cunha, 2018Rodriguez, L., & Cunha, C. (2018). Impacts of Big Data Analytics and absorptive capacity on sustainable supply chain innovation: A conceptual framework. Scientific Journal of Logistics, 14(2), 151-161.). No entanto, apesar de uma massa crítica de pesquisas que se baseia na capacidade absortiva, parece que não houve uma avaliação do papel desse construto no contexto de analytics (Gao et al., 2017Gao, S., Yeoh, W., Wong, S. F., & Scheepers, R. (2017). A literature analysis of the use of absorptive capacity construct in IS research. International Journal of Information Management, 37(2), 36-42.; Rodriguez & Cunha, 2018Rodriguez, L., & Cunha, C. (2018). Impacts of Big Data Analytics and absorptive capacity on sustainable supply chain innovation: A conceptual framework. Scientific Journal of Logistics, 14(2), 151-161.; Grover et al., 2018Grover, V., Chiang, R. H. L., Liang, T., & Zhang, D. (2018). Creating strategic business value from Big Data Analytics: A research framework. Journal of Management Information Systems, 35(2), 388-423.).

Considerada como a capacidade de identificar, assimilar e explorar o conhecimento (Cohen & Levinthal, 1989Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1989). Innovation and learning: The two faces of R&D. Economic Journal, 99(397), 569-596.), alguns autores se dedicaram a oferecer contribuições críticas desde a introdução do conceito (por exemplo, Kim, 1998Kim, L. (1998). Crisis construction and organizational learning: Capability building in catching-up at Hyundai Motor. Organization Science, 9(4), 506-521.; Lane & Lubatkin, 1998Lane, P. J., & Lubatkin, M. (1998). Relative absorptive capacity and interorganizational learning. Strategic Management Journal, 19(5), 461-477.; Van den Bosch, Volberda, & Boer, 1999Van den Bosch, F. J., Volberda, H. W, & Boer, M. (1999). Coevolution of firm absorptive capacity and knowledge environment: Organizational forms and combinative capabilities. Organization Science, 10, 551-568.; Van den Bosch & Volberda, 2003Van den Bosch, F. J., & Volberda, H. W. (August 2003). Absorptive capacity: Antecedents, models and outcomes. ERIM Report Series Research in Management ERS-2003-035-STR, 1-54.; Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.; Liao, Welsch, & Stoica, 2003Liao, J., Welsch, H., & Stoica, M. (2003). Organizational absorptive capacity and responsiveness: An empirical investigation of growth-oriented SMEs. Entrepreneurship Theory and Practice, 28(1), 63-86.; Matusik & Heeley, 2005Matusik, S. F., & Heeley, M. B. (2005). Absorptive capacity in the software industry: Identifying dimensions that affect knowledge and knowledge creation activities. Journal of Management, 31, 549-572.; Jansen, Van Den Bosch, & Volberda, 2005Jansen, J. J. P., Van Den Bosch, F. A. J., & Volberda, H. W. (2005). Managing potential and realized absorptive capacity: How do organizational antecedents matter? Academy of Management Journal, 48(6), 999-1015.; Lane et al., 2006Lane, P., Koka, B., & Pathak, S. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and rejuvenation of the construct. Academy of Management Review, 31(4), 833-863.; Todorova & Durisin, 2007Todorova, G., & Durisin, B. (2007). Absorptive capacity: Valuing a reconceptualization. Academy of Management Review, 32(3), 774-786.), demonstrando que o conceito de capacidade absortiva mostra flexibilidade suficiente para ser aplicado a diferentes unidades de análise e em uma variedade de campos de pesquisa.

Para o estudo, consideraram-se os fatores determinantes de capacidade absortiva propostos por Zahra e George (2002)Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. e os conceitos introduzidos por Lane et al. (2006)Lane, P., Koka, B., & Pathak, S. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and rejuvenation of the construct. Academy of Management Review, 31(4), 833-863.. A Figura 2.2 demonstra esses antecedentes e conceitos.

Figura 2.2
MODELO TEÓRICO SEGUIDO NO ESTUDO

3. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Este estudo foi conduzido em oito empresas situadas em Portugal, com a utilização de técnicas e procedimentos da corrente straussiana do método Grounded Theory (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.). Buscou-se analisar os dados a partir da perspectiva dos sujeitos envolvidos, destacando as peculiaridades associadas ao fenômeno através de uma realidade subjetiva (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.). Assim, confiou-se na efetiva possibilidade de esclarecer melhor os conceitos existentes no contexto de analytics, investigado sob a ótica da capacidade absortiva.

As principais razões pela escolha do método Grounded Theory baseia-se, primeiro, na ênfase de o aprendizado no método emergir dos dados, buscando um equilíbrio entre a teoria que suporta o estudo e a fundamentação da investigação a partir dos dados (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.). A segunda razão reside em uma das premissas propostas pelo método que, para produzir resultados úteis, as complexidades do contexto organizacional devem ser incorporadas no entendimento do fenômeno, o qual ocupa ou deveria ocupar relativa evidência no contexto organizacional, sendo um contexto relevante a ser compreendido.

A seleção de casos se deu por amostra teórica (Glaser & Strauss, 1967Glaser, B., & Strauss, A. (1967). The discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. New York: Aldine de Gruyter.), não aleatória. Dessa forma, a seleção visou garantir que uma área significativa para o objetivo de pesquisa fosse endereçada, ou seja, empresas com experiência em implementação de analytics. Sendo assim, a seleção obedeceu à estratégia de criterion sampling (Miles & Huberman, 1990Miles, M., & Huberman, A. (1990). Qualitative Data Analysis. London: Sage.), cuja lógica é identificar casos que atendam a alguns critérios de importância previamente definidos para garantir a qualidade dos dados coletados (Petrini & Pozzebon, 2009Petrini, M., & Pozzebon, M. (2009). Usando Grounded Theory na construção de modelos teóricos. Revista Gestão e Planejamento, 10(1), 1-18.). O foco em empresas de variados setores e de diferentes localidades do país considerou duas questões básicas. Em primeiro lugar, era fundamental que as empresas extraíssem insights de negócios por meio de um conjunto de dados altamente variáveis (Wang, 2015Wang, Y. (2015). Business intelligence and analytics education: Herme neutic literature review and future directions in IS Education. Americas Conference on Information Systems, Puerto Rico, 21.). Por conseguinte, era necessário disponibilizar especialistas ou tomadores de decisão das áreas técnicas de desenvolvimento e implementação de analytics para garantir maior variabilidade dos dados.

Em segundo lugar, constatou-se que a inclusão de empresas no estudo que representassem adequadamente tais variações exigiria amostras maiores, situadas em distintas localidades do país, dadas as diferenças consideráveis nas características econômicas, sociais e culturais apresentadas pelas regiões de Portugal. Sendo assim, optou-se por não limitar a variável regional no estudo, uma vez que a coleta de dados envolvia uma complexidade razoável por requerer a participação de empresas que contivessem casos práticos de implementações de analytics, e, sobretudo, era fundamental que pelo menos a maioria já estivesse experimentando resultados que servissem de referência.

Selecionadas as empresas, os dados primários foram informações obtidas com indivíduos que tivessem mais condições de fornecer informações relevantes, ou seja, especialistas ou tomadores de decisão originários das áreas de tecnologia da informação (TI) ou de área de negócio envolvidos em implementações de analytics. Como precondição para participação na pesquisa, todos os indivíduos deveriam ter experiência no gerenciamento de iniciativas de analytics ou de áreas de negócio que tivessem atuado na implementação e fossem apoiadas pelos resultados do analytics.

Por meio de entrevistas em profundidade (McCracken, 1988McCracken, G. (1988). The long interview. Newbury Park, CA: Sage.) com questões abertas (Foddy, 1993Foddy, W. (1993). Constructing questions for interviews and questionnaires: Theory and practice in social research. New York: Cambridge University Press.; Seidman, 2006Seidman, I. (2006). Interviewing as qualitative research: A guide for researchers in education and the social sciences (3rd ed.). New York: Teachers College Press.), os dados foram coletados entre dezembro de 2018 e março de 2019. Ao final, foram entrevistados oito indivíduos (quatro respondentes participaram com questões adicionais e mais concentradas), perfazendo um total de quatro horas, com uma média de 30 minutos por entrevista.

Visando obter sucesso na pesquisa, para a sua primeira fase considerou-se previamente a possibilidade de algumas implementações serem delineadas por questões de caráter estratégico, especificamente sobre captação de novos clientes, produtos ou negócios. Tais características podem tornar mais difíceis a identificação e participação de empresas ou pessoas que possam revelar questões conceituais e gerenciais de elevado impacto acadêmico. Além disso, o analytics ainda é um tema relativamente confundido no ambiente organizacional, pelas próprias denominações disparadas pelo mercado, tais como data science, machine learning, business intelligence e big data (Russom, 2011), de forma que há empresas que julgam possuírem iniciativas de analytics, porém se limitam apenas às potencialidades do big data e/ou business intelligence. Muitas vezes, esse fato somente é descoberto quando o pesquisador está imerso nos dados. Por essas razões, desenvolveu-se a pesquisa com oito indivíduos que possuem experiências comprovadas por meio de cursos de pós-graduação lato e stricto sensu e também por desenvolverem e/ou terem desenvolvido projetos de analytics, o que garantiu maiores chances de emergirem conceitos e características que originassem variabilidade dos dados e garantissem o enriquecimento da teoria.

A segunda fase de entrevistas buscou entender melhor as relações entre as implementações de analytics e os elementos relevantes que foram reve lados nas entrevistas iniciais, tais como: condições das áreas funcionais envolvidas, estratégias realizadas ao longo do processo e potencialidades de geração de valor com o fenômeno. Por isso, quatro respondentes identificados como possuidores de conhecimento multidisciplinar nas empresas participaram respondendo a questões adicionais. A Figura 3.1 apresenta o perfil dos participantes na pesquisa.

Figura 3.1
PERFIL DOS PARTICIPANTES

O processo de codificação consistiu em três tipos: aberta, axial e seletiva (Strauss, 1987Strauss, A. (1987). Qualitative analysis for social scientists. Cambridge, UK: CU Press.; Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage., p. 143). Dessa forma, a codificação aberta consistiu num processo analítico por meio do qual os conceitos são identificados e suas propriedades são descobertas nos dados (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.). Essa fase envolveu a análise da observação dos dados em cada linha e parágrafo das transcrições de entrevistas (Parker & Roffey, 1996Parker, L. D., & Roffey, B. H. (1996). Methodological themes: Back to the drawing board: Revisiting grounded theory and the everyday accountant’s and manager’s reality. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 10(2), 212-247.). A codificação axial, por sua vez, ainda está preocupada com o desenvolvimento de categorias, mas além das propriedades e dimensões, que são sistematicamente desenvolvidas e associadas às subcategorias (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage., p. 143). O foco nessa codificação foi especificar uma categoria em termos das condições que a originam, o contexto em que ela está inserida, as estratégias pelas quais ela é tratada e as consequências dessas estratégias (Jones & Noble, 2007Jones, R., & Noble, G. (2007). Grounded theory and management research: A lack of integrity? Qualitative Research in Organizations and Management: An International Journal, 2(2), 84-103.). Por fim, a codificação seletiva, que visa integrar as várias categorias para “formar um esquema teórico maior” (Strauss & Corbin, 1998Strauss, A., & Corbin, J. (1998). Basics of qualitative reseach: Techniques and procedures for developing grounded theory (2nd ed.). Thousand Oaks: Sage., p. 143), ocorreu depois que as principais categorias foram finalmente integradas para formar um esquema teórico, assumindo a forma de teoria (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.), correlacionando os principais códigos derivados das codificações anteriores (Parker & Roffey, 1996Parker, L. D., & Roffey, B. H. (1996). Methodological themes: Back to the drawing board: Revisiting grounded theory and the everyday accountant’s and manager’s reality. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 10(2), 212-247.).

Uma vez atingida a saturação teórica, será executada a relação das categorias, de suas propriedades e dos relacionamentos entre elas, gerando um modelo conceitual com as principais ideias e fatos sobre a investigação (Petrini & Pozzebon, 2009Petrini, M., & Pozzebon, M. (2009). Usando Grounded Theory na construção de modelos teóricos. Revista Gestão e Planejamento, 10(1), 1-18.). Em relação aos critérios de validade interna, confiabilidade e validade externa, respectivamente:

  • Deve-se considerar que a realidade é construída socialmente, a partir da percepção dos participantes. Sendo assim, descobre-se a realidade observada por meio dos dados sistematicamente coletados.

  • Deve-se considerar que a subjetividade humana não é regida por normas que promovem resultados iguais, nem deveriam. Com isso, garante-se a confiabilidade pela consistência entre os resultados da pesquisa e os dados empíricos coletados no campo.

  • A validade externa é explicada por meio da teoria geral revelada por meio das variações nas diferentes condições descobertas (Strauss & Corbin, 1998Strauss, A., & Corbin, J. (1998). Basics of qualitative reseach: Techniques and procedures for developing grounded theory (2nd ed.). Thousand Oaks: Sage.).

A Figura 3.2 sintetiza as etapas e os procedimentos da Grounded Theory adotados.

Figura 3.2
ETAPAS E PROCEDIMENTOS DA GROUNDED THEORY SEGUIDOS NESTE ESTUDO

4. RESULTADOS E ANÁLISES

Em coerência com as técnicas e os procedimentos da corrente straussiana do método Grounded Theory (Strauss & Corbin, 2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing grounded theory (3rd ed.). Newbury Park, CA: Sage.), transcreveram-se as entrevistas e analisaram-nas com o apoio da recente versão 8.3.20 do software de análise qualitativa Atlas.ti (Friese, 2017Friese, S. (2017). ATLAS.ti 8 Windows Quick Tour. Berlin: Atlas.ti scientific software development.). O uso do software auxiliou o pesquisador na obtenção de maior eficiência na coleta e análise dos dados, a partir da utilização dos seguintes artefatos: unidade hermenêutica, documentos primários, citações, códigos, memorandos e redes (Costa & Itelvino, 2018Costa, P., & Itelvino, L. (2018). Grounded Theory com utilização do software Atlas.ti: Um exemplo empírico de estudo sobre estratégia de ascensão do empreendedorismo inovador em negócios sociais. Iberoamerican Journal of Strategic Management, 17(3), 17-40.).

A etapa de análise iniciou-se imediatamente depois de realizada a primeira entrevista. À medida que se foi avançando na análise, as entrevistas se tornaram mais estruturadas, com questões concentradas criadas em torno das categorias que foram emergindo. A análise feita com o uso da capacidade absortiva como suporte teórico considerou as cinco categorias constantes nos modelos de Zahra e George (2002, p. 192)Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. e Lane et al. (2006, p. 856)Lane, P., Koka, B., & Pathak, S. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and rejuvenation of the construct. Academy of Management Review, 31(4), 833-863. para explicar o fenômeno: 1. antecedentes; 2. aquisição do conhecimento; 3. assimilação do conhecimento; 4. transformação do conhecimento; e 5. aplicação do conhecimento. Além dessas categorias, a interpretação dos dados constatou evidências de suas respectivas subcategorias e propriedades.

Sobre os antecedentes da capacidade absortiva em analytics, parcerias estratégicas e conhecimento individual complementar foram identificados. Definidas como “acordos voluntários entre empresas envolvendo troca, compartilhamento ou codesenvolvimento de produtos, tecnologias ou serviços” (Gulati, 1998Gulati, R. (1998). Alliances and networks. Strategic Management Journal, 19, 293-317., p. 293), as parcerias estratégicas revelam-se como um dos pontos de partida para o modelo de pesquisa. Elas são consideradas ferramentas para aquisição e assimilação e posterior transformação e exploração do conhecimento (Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.) e têm sido utilizadas como forma de obter acesso aos recursos valiosos dos parceiros (Sáez, Arribas, & García, 2002Sáez, C. B., Arribas, E. H., & García, T. (2002). Collaboration in R&D with universities and research centers: An empirical study of Spanish firms. R&D Management, 32(4), 321-341.), especialmente quanto ao desenvolvimento de tecnologias associadas ao analytics.

De forma adicional, o conhecimento individual complementar (Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.) também foi evidenciado nos dados como um dos antecedentes da capacidade absortiva capaz de lidar com o dinamismo do ambiente (Volberda & Van Bruggen, 1997Volberda, H. W., & Van Bruggen, G. H. (1997). Environmental turbulence: A look into its dimensionality. In M. T. A. Bemelmans (Ed.). Dynamiek in Bedrijfsvoering. Enschede, The Netherlands: NOBO.) que envolve o analytics. Esses antecedentes, ao reagirem aos gatilhos de ativação, forçam a empresa a responder aos estímulos internos e externos (Walsh & Ugson, 1991Walsh, J. P., & Ugson, G. R. (1991). Organizational memory. Academy of Management Review, 16, 57-91.) e amplificam a capacidade absortiva, visto que aumentam a possibilidade de identificação de conhecimentos que são críticos para as operações (Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.) e permitem o seu alcance (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.), enfatizando a ideia de a capacidade absortiva ser acionada através das redes construídas a partir de recursos individuais, que aumentam de acordo com as interações feitas pelos indivíduos que possuem conhecimentos distintos e, com isso, podem gerar novas redes inovadoras (Nelson & Winter, 1982Nelson, R. R., & Winter, S. G. (1982). An evolutionary theory of economic change. London: Harvard University Press.). Portanto, ficou evidente que os antecedentes identificados são condições fundamentais para que as empresas consigam identificar e avaliar o conhecimento sobre analytics que vão além de suas fronteiras (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.), assim como o conhecimento individual complementar (Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.).

Em relação à próxima categoria - aquisição do conhecimento -, a análise dos dados nos levou a inferir que a adoção do analytics no ambiente é incentivada por duas principais propriedades: 1. identificação de estruturas internas de conhecimento e 2. identificação de estruturas externas de conhecimento. As análises evidenciaram a propriedade de identificação deestruturas internas e externas de conhecimento, as quais servem como gatilhos (Walsh & Ugson, 1991Walsh, J. P., & Ugson, G. R. (1991). Organizational memory. Academy of Management Review, 16, 57-91.) para ativar novas oportunidades e desafios detectados. Essas estruturas são consideradas internas quando os estímulos são originados por parte do ambiente interno, individualmente (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152.), ou externas quando os estímulos são originados pelo ambiente externo (Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.). Nos dados analisados, estruturas internas de conhecimento começam a existir a partir das aptidões internas e da propensão às descobertas do potencial que o analytics pode oferecer ao negócio. Esses resultados são importantes para os líderes de equipes e tomadores de decisão. De forma prática, os líderes precisam manter um equilíbrio entre esperar que essas habilidades estejam presentes em todos os membros da equipe e garantir que esses atributos sejam de fato reconhecidos pela equipe (Nemanich, Keller, Vera, & Chin, 2010Nemanich, L. A., Keller, R. T., Vera, D., & Chin, W. W. (2010). Absorptive capacity in R&D project teams: A conceptualization and empirical test. IEEE Transactions on Engineering Management, 57(4), 674-688.).

Portanto, em havendo baixo acesso ao conhecimento externo e baixa propensão quanto às estruturas internas de conhecimento, o modelo mental da equipe tende a permanecer desfavorável quanto à perspectiva de acompanhar o avanço das tecnologias relacionadas ao analytics, o que evidencia baixa ou quase nula oportunidade de identificação dessas estruturas e, consequentemente, da não ativação da aquisição de conhecimento. No caso de existir alto ou moderado acesso ao conhecimento externo, além de alta ou moderada propensão quanto às estruturas internas de conhecimento, o modelo mental da equipe tende a apresentar-se favoravelmente aos avanços das tecnologias emergentes e, dessa forma, proporciona a positiva variação dimensional e define a existência de oportunidade de aquisição de conhecimento sobre os conceitos e as tecnologias relacionados ao analytics.

A categoria aquisição de conhecimento evidenciada nos dados pressupõe as propensões dos próprios funcionários quanto ao acesso ao aprendizado contínuo, independentemente de esse acesso ser ou não patrocinado pela empresa à qual estão vinculados, ou seja, de maneira particular, o indivíduo percebe a importância da utilização do analytics como instrumento de geração de valor ao negócio e, a partir daí, recorre às universidades e instituições educacionais para obter conhecimento acerca dessas tecnologias. O nível de aquisição de conhecimento também pode ser explicado pelo satisfatório acesso às tecnologias relacionadas ao fenômeno, fundamentado nos dados pelas parcerias praticadas entre as empresas e as principais universidades do país, inclusive mediante convênios de reciprocidade educacional e tecnológica.

Assim, a variação entre um baixo acesso e uma baixa propensão às estruturas de conhecimento ocasiona baixa oportunidade de aquisição de conhecimento e estagnação da equipe quanto às tecnologias usuais do analytics. Essa estagnação pode gerar um ciclo vicioso na empresa, em que oportunidades de geração de valor ao negócio são negligenciadas pela não aplicabilidade das tecnologias que poderiam resolver problemas por meio do analytics (Chen et al. 2012Chen, H., Chiang, R. H. L., & Storey, V. C. (2012). Business intelligence and analytics: From Big Data to Big Impact. Mis Quarterly, 36(4), 1165-1188.).

A próxima categoria é a forma de assimilação do conhecimento adotado pelas empresas para usar o analytics. Os dados evidenciam diferenças em como as empresas se apropriavam das estruturas de conhecimento existentes, trazendo implicações para o gerenciamento do processo de implemen tação. Então, focamos a análise para compreender como a forma de apropriação do conhecimento em torno do analytics é tratada pelas empresas e como afeta a implementação. Basicamente, identificaram-se dois tipos de variação: como as equipes que tratam diretamente do analytics são posicionadas nas empresas e como é fornecido apoio à integração das equipes envolvidas com as implementações. Assim, a categoria assimilação foi definida como a habilidade de a empresa processar a nova informação ou o novo conhecimento adquirido (Szulanski, 1996Szulanski, G. (1996). Exploring stickiness: Impediments to the transfer of best practice within the firm. Strategic Management Journal, 17, 27-43.; Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.), sendo caracterizada por duas propriedades: apropriar estruturas de conhecimento e apropriar ideias e conhecimento.

De acordo com os dados, o modo como as equipes que tratam diretamente do analytics e contenham cientistas de dados são posicionadas na estrutura organizacional indica a transversalidade dessas equipes. Assim, quanto mais transversais, parece que maiores são as chances de integração entre as equipes de TI e de negócio. Evidências mostram que, em alguns casos, as equipes de cientistas de dados são rotuladas à parte: equipes de TI e de negócio. Enquanto essas equipes têm papéis normalmente bem definidos, as equipes de cientistas de dados objetivam reduzir a incerteza que as empresas possuem em relação a uma série de problemas (Costa & Santos, 2017Costa, C., & Santos, M. Y. (2017). The data scientist profile and its representativeness in the European e-Competence framework and the skills framework for the information age. International Journal of Information Management, 37(6), 726-734.), que tradicionalmente são difíceis de descobrir (Verma, 2017Verma, S. (2017). Big Data and advance analytics: Architecture, techniques, applications, and challenges. International Journal of Business Analytics, 4(4), 21-47.). Portanto, na medida em que os cientistas de dados são posicionados de forma transversal na estrutura, parece que isso gera um ambiente de reciprocidade na resolução de problemas por meio do analytics.

A segunda propriedade - apropriar ideias e conhecimento - é caracterizada pelo apoio à integração das equipes envolvidas com as implementações de analytics. Conhecedoras do potencial dos resultados positivos que o uso do analytics pode proporcionar ao negócio, aliado aos papéis tradicionais que as equipes de TI e de negócio desempenham, as empresas percebem a importância da complementaridade do conhecimento (Zahra & George, 2002Zahra, S., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconcep tualization and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203.) entre essas áreas, de forma que a equipe de TI ajude as equipes de negócio a superar eventuais limitações com a tecnologia, e a equipe de negócio consiga perceber melhor que a troca de informações sobre os problemas do dia a dia pode ajudar na maneira como as tarefas são realizadas, por exemplo. Ademais, no estudo ficou evidente que implementações de analytics são dinâmicas, ou seja, em muitos casos, os profissionais cientistas de dados encaram desafios que nem sempre sabem ao certo se trarão resultados no final, pois, mesmo sabendo o caminho a ser seguido, nem sempre se sabe o que será encontrado nele que impedirá o sucesso da implementação. Portanto, para que as dificuldades práticas sejam minimamente suavizadas, há evidências de que o estímulo ao engajamento das equipes praticado pelos tomadores de decisão é fundamental (Nemanich et al., 2010Nemanich, L. A., Keller, R. T., Vera, D., & Chin, W. W. (2010). Absorptive capacity in R&D project teams: A conceptualization and empirical test. IEEE Transactions on Engineering Management, 57(4), 674-688.).

A combinação dessas duas propriedades define o padrão de apropriação das ideias e estruturas de conhecimento pelas empresas, caracterizados no estudo por dois padrões. O primeiro refere-se ao nível de transversalidade das equipes de cientistas de dados na estrutura organizacional. Nesse caso, a dimensão varia entre baixo e alto e caracteriza o acesso às demais equipes envolvidas, gerando um ambiente de reciprocidade na resolução de problemas por meio do analytics. O segundo padrão é definido pelo nível de apoio à integração das equipes, que varia entre baixo e alto, gerando ou não a premissa de um ambiente recíproco, funcionando de forma integrada, tendo o analytics como a ferramenta capaz de resolver problemas associados ao negócio (Bayrak, 2015Bayrak, T. (2015). A review of business analytics: A business enabler or another passing fad. Procedia - Social and Behavioral Sciences, 195, 230-239.; Ittmann, 2015Ittmann, H. W. (2015). The impact of big data and business analytics on supply chain management. Journal of Transport and Supply Chain Management, 9(1), 1-9.).

A categoria transformação do conhecimento está relacionada à legitimidade depositada pelas equipes receptoras dos produtos do analytics e pelos tomadores de decisão das empresas. Há evidências de que o produto do analytics desenvolvido apenas começa a ser efetivamente utilizado pelas equipes quando são aceitos os critérios utilizados para se verificar se ele se adéqua ao contexto do qual alega fazer parte. Existindo alta legitimidade, o produto tende a ser efetivamente operacionalizado pelas equipes. Caso contrário, parece que os resultados desejados não são eficientemente alcançados. Portanto, a aplicabilidade dos resultados do analytics pelos membros da organização está intrinsecamente ligada à legitimidade atribuída a eles.

A legitimidade atribuída pelas equipes e pelos tomadores de decisão pode ser percebida pela eficiência na comunicação com os stakeholders, ou seja, a equipe envolvida na implementação do analytics deve garantir que as ideias e os resultados originados pelo analytics podem resolver os problemas relacionados ao negócio advindos de variadas áreas da empresa. Essa garantia se dá por meio da comunicação, que é caracterizada pela forma de apresentação a ser feita e pelo nível de discussões a serem estimuladas. Para isso, devem-se considerar o perfil do cliente receptor e os objetivos da comunicação. Por exemplo: se o cliente for a diretoria da empresa, deve-se preparar uma comunicação mais sintética. Se o cliente pertencer à própria equipe de negócio que operacionalizará o analytics, a comunicação deve ser predominantemente analítica, de modo a permitir a troca de ideias e informações entre a equipe implementadora e o seu cliente. Os dados demonstram que uma comunicação eficaz induz à legitimidade quanto à aplicabilidade do analytics. Para ambos os perfis de clientes, devem ser priorizados os critérios visual e objetividade.

A categoria aplicação do conhecimento representa o grau de aderência dos resultados do analytics às peculiaridades do ambiente, caracterizada pela relação de custo versus benefício. Esses resultados, na maioria das vezes, requerem ajustes significativos em processos e em ativos organizacionais, os quais podem gerar gastos ou ações que não foram previstos. Dessa forma, procede-se à análise da relação entre custo versus benefício, e os resultados são operacionalizados quando essa relação for satisfatória. Ressalta-se que parte da dimensão aplicação do conhecimento não será efetivada, e a capacidade absortiva não será completamente desenvolvida e sistematizada caso essa relação não seja favorável e os resultados do analytics não sejam operacionalizados pela empresa. Entretanto, os dados revelam que a relação custo versus benefício também considera o ganho com a experiência que a equipe possuirá após a implementação do analytics, a partir do acúmulo de conhecimento que os seus resultados poderão proporcionar, permitindo a internalização do aprendizado e a melhoria dos resultados em implementações futuras.

A Figura 4.1 sumariza as quatro categorias e suas respectivas propriedades. A seguir, busca-se a relação entre elas com o objetivo de construir a teoria substantiva. É importante notar que apresentamos a teoria de uma forma estruturada, ou seja, cada categoria foi adequadamente definida e caracterizada por suas propriedades.

4.1 O modelo conceitual emergente

Um aspecto importante da Grounded Theory é a identificação de uma categoria central em que todas as outras se relacionam. Ao longo do processo de análise, percebeu-se que a absorção do conhecimento em analytics não estava associada somente à maneira como a capacidade absortiva ocorre ao longo das implementações de analytics (subcategoria “pré-analytics” da Figura 4.1), mas, sobretudo, como a operacionalização da ferramenta contribui para a formação de capacidade absortiva das empresas (subcategoria “pós-analytics” da Figura 4.1). Por isso, à medida que houve o avanço da análise dos dados, percebeu-se que a categoria principal é a maneira como as empresas conduzem o conceito de analytics em seus ambientes. De acordo com os dados, a adoção de novas perspectivas pode fazer a diferença na geração de resultados para o negócio e na transformação da empresa para lidar com o fenômeno sob uma ótica de geração de valor.

Figura 4.1
OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA TEORIA SUBSTANTIVA EMERGENTE

Além das propriedades já discriminadas, novas propriedades são deri vadas dos resultados do analytics, as quais foram denominadas subcategorias “pós-analytics”, ou seja, após as implementações, a empresa tende a receber inputs que originam uma série de discussões internas. Essas discussões tendem a gerar entendimentos e um novo olhar sobre o que se faz em relação a produtos, processos e ao próprio analytics. Dessa forma, uma nova propriedade - incentivar insights coletivos - é evidenciada nos dados. Nesse ponto, inicia-se o ciclo virtuoso da capacidade absortiva em analytics, em que a empresa tem a oportunidade de adquirir novas ideias e conhecimento acerca de seu negócio por meio de alinhamentos coletivos, originados pelos resultados do analytics. Os insights coletivos são impulsionados pelos resultados do analytics, em que as áreas envolvidas recebem inputs que podem servir para melhoria de processos e produtos. Nesse momento, parece que os insights coletivos provocam adaptações e melhorias com inclusão de novos dados ou fontes de dados a serem considerados no resultado do analytics, melhorando seus resultados ainda mais. Daí o ciclo virtuoso.

Diante desses insights coletivos, as ideias e os conhecimentos trazidos pelos resultados do analytics são assimilados ou não pelas equipes envolvidas. Novamente, o devido apoio à integração das equipes por parte dos tomadores de decisão é preponderante nesse momento, sendo identificado como a propriedade que alicerça a dinâmica de resolução de problemas e propicia o fôlego necessário para as equipes ajustarem a realidade às novas ideias e aos novos conhecimentos advindos do analytics.

Portanto, a principal questão observada nos dados sobre a ocorrência da capacidade absortiva em implementações de analytics configura-se de maneira em que a tecnologia ajuda na elaboração do planejamento institucional, sendo “capacidade absortiva em analytics” a categoria central identificada. Dessa forma, ficou evidenciado que empresas elegem o atributo de maturidade analítica como o caminho que propicia melhores resultados em inovação e eficiência de produtos, processos e analytics.

Essa maturidade analítica é caraterizada como o estágio em que a empresa atingiu completo desenvolvimento em relação ao analytics, de modo que seus resultados são o que definem as estratégias que a empresa irá seguir no período subsequente. Desse modo, estimulado pela situação econômico-financeira, define-se no planejamento institucional que a implementação de analytics para a área de marketing deve se preocupar com três processos básicos: a captação, a gestão e a saída de clientes, conforme declarado por um dos participantes. Portanto, os esforços das equipes serão dispostos para o levantamento de respostas que esclareçam falhas ou resolvam problemas relativos a esses três grandes blocos de atuação. A partir daí, as equipes se encarregam de implementar analytics que garanta a criação de valor incremental nesses processos. Esse ponto é rico em geração de insights coletivos, pois, uma vez constatado conjuntamente que a questão central a ser melhorada é de captação de clientes por exemplo, todo o trabalho de analytics será orientado nesse norte, gerando novos insights coletivos sobre como as equipes resolverão o problema identificado, provocando o intercâmbio de novas ideias e informações.

As demais propriedades - analytics norteando planejamento, utilização de indicadores e experiência prática - definem a maturidade analítica. Experiências em implementações anteriores, sobretudo naquelas em que houve efetivas gerações de insights de negócio, levaram as empresas a constituir indicadores do analytics. Por exemplo: se a implementação foi feita com a intenção de resolver problemas de captação de clientes, pode-se então estabelecer a quantidade de clientes conquistados como indicador diário. A partir dessas experiências, parece que há maior visibilidade da importância do analytics pelas equipes internas, fazendo com que ele comece a fornecer direcionadores para o planejamento institucional, de forma que a empresa começa a utilizar-se dos resultados do analytics para orientar o seu planejamento, ganhando maturidade analítica.

Nesse ponto, ressalta-se que, quando os problemas são identificados e os resultados do analytics são desenvolvidos continuamente de maneira multidisciplinar, esses procedimentos propiciam legitimidade capaz de fortalecer as equipes, intensificar fortes mecanismos de cooperação e criar bancos de conhecimento com as oportunidades de melhorias efetivadas. Esse banco de conhecimento permite que as equipes de analytics resolvam problemas futuros mais facilmente pela experiência acumulada. No entanto, com essa experiência acumulada e com a legitimidade conquistada, as equipes de negócio naturalmente acionam novas implementações de analytics por meio de novos atributos definidos no novo planejamento institucional. Essa recorrência tende a propiciar maturidade analítica até que as empresas começam a utilizar resultados do analytics como forma de orientar o seu planejamento institucional.

Figura 4.1.1
MODELO TEÓRICO PROPOSTO

5. CONCLUSÕES

Elaboramos um modelo de pesquisa que integra capacidade de absorção e analytics. Nossa análise mostra como ocorre a capacidade absortiva em implementações de analytics, assim como essa ferramenta contribui para a formação de capacidade absortiva. Os resultados mostram que o construto é importante para entender os diferentes padrões de apropriação de conhecimento, resultantes da geração e apropriação de específicas estruturas internas e externas de conhecimento, assim como a criação de legitimidade quanto aos resultados fornecidos pelo analytics.

Adicionalmente, evidências mostram como esses resultados são propulsores de formação de capacidade absortiva, dada a necessidade de haver alinhamentos entre as equipes impactadas, demandando esforços de toda a empresa. Esses alinhamentos requisitam apropriações, influenciadas pelo apoio às integrações entre as equipes que levam à inovação e eficiência organizacional. Esses resultados fornecem implicações para a pesquisa e prática nas áreas de capacidade de absorção em contextos de analytics.

A compreensão de como o significado em torno do analytics é construído dentro das empresas é decorrente de como elas são capazes de transformar resultados originados da ferramenta em fonte de oxigenação entre as equipes e de planejamento institucional, o que contribui para o entendimento da formação de dois padrões diferentes de apropriação do conhecimento em analytics nas empresas analisadas: um padrão de uso do analytics orientado para resolver problemas específicos e um padrão de uso do analytics orientado para a definição do planejamento institucional. O primeiro padrão desenvolve capacidade absortiva apenas ao longo das implementações, enquanto o segundo padrão permite desenvolvê-la ao longo das implementações, mas contribuindo também para o incremento na capacidade absortiva da empresa. Dessa forma, entendemos que a principal contribuição deste estudo é a sua demonstração empírica de como implementações de analytics são sus cetíveis à maneira como o conhecimento é absorvido, levando a diferentes padrões de apropriação da tecnologia pelas empresas.

Esses resultados fornecem várias implicações diretas para as empresas. Os gerentes que desejam extrair ganhos do analytics em um ambiente organizacional bem conectado precisam levar em conta a experiência que as equipes internas possuem com a tecnologia. A experiência facilita a capacidade da empresa de identificar, assimilar, transformar e aplicar conhecimento externo valioso em ambientes estáveis ​​e dinâmicos. Além disso, as parcerias interorganizacionais aumentam a capacidade de uma empresa de alavancar estruturas para esforços de absorção de conhecimento em analytics. No entanto, é preciso criar mecanismos de apropriação do conhecimento gerado pela experiência e pelas parcerias para que os resultados da tecnologia sejam reconhecidos e legitimados internamente, sendo o gatilho para geração de insights coletivos, novas apropriações e maturidade analítica como forma de absorver conhecimento externo valioso em ambientes de ritmo acelerado.

Entretanto, outras contribuições podem ser destacadas. Ao examinarmos o processo usando uma perspectiva que leve em consideração a interpretação da tecnologia pelos especialistas e tomadores de decisão, podemos melhor compreender como o analytics tem sido apropriado e usado nas empresas. Essa abordagem sugere um novo paradigma para a análise da implementação da tecnologia em contraste com as pesquisas descritivas ou normativas. O modelo emergente no estudo permite explicar a absorção do conhecimento em analytics antes e depois das implementações, o que tem sido omitido na literatura (Gao et al., 2017Gao, S., Yeoh, W., Wong, S. F., & Scheepers, R. (2017). A literature analysis of the use of absorptive capacity construct in IS research. International Journal of Information Management, 37(2), 36-42.; Grover et al., 2018Grover, V., Chiang, R. H. L., Liang, T., & Zhang, D. (2018). Creating strategic business value from Big Data Analytics: A research framework. Journal of Management Information Systems, 35(2), 388-423.; Rodriguez & Cunha, 2018Rodriguez, L., & Cunha, C. (2018). Impacts of Big Data Analytics and absorptive capacity on sustainable supply chain innovation: A conceptual framework. Scientific Journal of Logistics, 14(2), 151-161.). Adicionalmente, identificamos a legitimidade como um fator crítico que afeta a implementação e a disseminação do analytics nos ambientes das empresas analisadas. Nossas descobertas indicam que o modo como as equipes legitimam os resultados da tecnologia influencia a sua aplicabilidade. Para os gestores, a compreensão dos elementos teóricos presentes na pesquisa pode ser fundamental para as empresas definirem estratégias capazes de auxiliá-las a se manter competitivas em seu setor de atuação, minimizando ameaças do ambiente externo. Sendo assim, o estudo torna-se relevante ao oferecer uma visão prática de como investimentos e esforços em analytics podem ser alavancados para gerar valor e impulsionar os ganhos com projetos dessa natureza, facilitando o planejamento e as ações a serem tomadas pelas áreas funcionais específicas de inteligência, gestão do conhecimento ou correlatas.

Nossa análise empírica pretende fazer generalizações teóricas, ou seja, espera-se que o modelo apresentado neste estudo explique a forma como a absorção de conhecimento em analytics acontece nas empresas, assim como determinados acontecimentos e situações são interpretados pelos indivíduos. O método Grounded Theory utilizado é baseado na ideia de que os eventos e os objetos não têm significado intrínseco separado dos significados que os indivíduos atribuem a eles no curso de suas interações sociais. A fim de compreender a implementação do analytics, devemos ser sensíveis ao modo como os participantes interpretam e formam o significado em torno do objeto investigado. No entanto, apesar das condições associadas a esse estudo, os resultados encontrados podem servir como diretrizes para outras empresas. Apesar disso, sugere-se que sejam feitas outras pesquisas em outros países para verificar se ocorre a repetição dos padrões aqui encontrados com a intenção de buscar uma maior variabilidade dos resultados.

O estudo enfatiza três principais contribuições: 1. ao oferecermos uma síntese das pesquisas sobre implementação de analytics, ampliamos as possibilidades de práticas e pesquisas no âmbito do fenômeno; 2. propomos a adoção de alternativas práticas de formação de capacidade absortiva que possam minimizar desafios inerentes à implementação de analytics; e 3. sinalizamos para as oportunidades que podem surgir com o reposicionamento do modelo de negócio das empresas para o desenvolvimento de maturidade analítica como meio de transformação do status quo.

Considerando as potencialidades dessas contribuições, apresentamos sugestões para pesquisas: 1. pesquisar, comparativamente, desafios enfrentados em implementações de analytics por empresas de variados setores e países; 2. pesquisar as articulações ocorridas entre os atores envolvidos, utilizando outros respondentes, de diferentes áreas e níveis organizacionais; 3. considerar a capacidade absortiva em organizações públicas, cujas idiossincrasias podem gerar questões gerenciais, técnicas e sociais relevantes; e 4. pesquisar mecanismos de incentivos que otimizem o uso do analytics.

Após discutirmos as implicações, observamos algumas limitações do nosso estudo. Em primeiro lugar, contamos com um único informante em cada empresa participante, gerando, assim, potencial de viés de método comum. O método Grounded Theory utilizado é baseado na ideia de que os eventos e os objetos não têm significado intrínseco separado dos significados que indivíduos atribuem a eles no curso de suas interações sociais. O viés de método comum não parece ameaçar a validade dos nossos resultados, dado o emprego de técnicas de abordagem qualitativa para inibir declarações demasiadas positivas, em detrimento de revelar as demais idiossincrasias sofridas pelas empresas no contexto das implementações em que os respondentes participaram. Embora a abordagem de um único informante tenha sido amplamente aplicada em pesquisa organizacional empírica (Cycyota & Harrison, 2006Cycyota, C. S., & Harrison, D. A. (2006). What (not) to expect when surveying executives: A meta-analysis of top manager response rates and techniques over time. Organizational Research Methods, 9(2), 133-160.), ela é limitada à visão de um indivíduo sobre sua organização e seu ambiente. Sugere-se a utilização de outros agentes para aumentar a variabilidade dos dados.

Em segundo lugar, contamos com a participação de especialistas e tomadores de decisão, os quais podem maximizar declarações demasiadas positivas sobre as implementações de analytics, sobretudo aquelas que estão ou estiveram sob a responsabilidade deles. Finalmente, concentramo-nos em empresas privadas, o que pode causar alguma redução pelos efeitos do setor e outras explicações alternativas que poderiam complementar os conceitos e relacionamentos que emergiram na investigação. No entanto, apesar das condições associadas a este estudo, nossos resultados podem não ser totalmente generalizáveis ​​para outros setores. Pesquisas futuras devem investigar setores públicos, por exemplo, para nos ajudar a entender melhor o valor do construto da capacidade absortiva em contextos de analytics.

  • *
    Este artigo foi financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), I.P., no âmbito do projeto «UID/ECO/03182/2019.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2019
  • Aceito
    23 Ago 2019
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