Resumo
Justificativa e objetivos: Estima-se que 38-45% dos pacientes apresentem ansiedade pré-operatória. Observamos que doadores vivos submetidos à nefrectomia para doação apresentam ansiedade. A ansiedade pré-operatória pode complicar a recuperação anestésica e controle pós-operatório de dor do paciente. O presente estudo mediu as taxas de ansiedade no pré-operatório e seus efeitos na recuperação anestésica e dor pós-operatória em pacientes doadores submetidos a nefrectomia.
Método: Quarenta e oito doadores vivos submetidos a nefrectomia para doação de rim foram incluídos neste estudo de coorte prospectivo observacional. A ansiedade pré-operatória foi medida usando os inventários IDATE-I e IDATE-II. As relações entre os escores de ansiedade e dados relacionados a demografia, recuperação da anestesia e escores de dor no pós-operatório foram estudadas.
Resultados: Os achados foram notáveis porque os escores de ansiedade de doadores renais vivos se correlacionaram de maneira significante com as variáveis de recuperação, a saber, tempo para respiração espontânea, tempo para respiração adequada, tempo para extubação e tempo para alta da RPA (p < 0,01). Os escores de ansiedade apresentaram correlação significantemente positiva com os escores de dor do 30o minuto e horas 1, 2, 4, 8, 12 e 24, e a quantidade total de analgésicos administrada nas 24 horas (p < 0,05). Foi observada também correlação significantemente negativa entre os escores de ansiedade e satisfação dos pacientes.
Conclusão: Nosso estudo mostrou que doadores vivos submetidos a nefrectomia para doação com altos níveis de ansiedade apresentaram tempos de recuperação tardios e altos escores de dor no pós-operatório. Assim, a identificação dos pacientes com alto nível de ansiedade no pré-operatório é crucial para propiciar recuperação da anestesia e controle da dor no pós-operatório satisfatórios durante a nefrectomia para doação de órgão.
PALAVRAS-CHAVE Período de recuperação da anestesia; Ansiedade; Doadores vivos; Dor pós-operatória; Transplante renal
Abstract
Background and objectives: It is suggested that 38-45% of patients experience preoperative anxiety. We observe that patients undergoing living donor nephrectomy suffer from anxiety. Preoperative anxiety may complicate a patient’s recovery from anesthesia and postoperative pain control. This study investigates the preoperative anxiety rate and its effect on anesthetic recovery and postoperative pain in patients undergoing donor nephrectomy.
Methods: Forty-eight individuals undergoing living-related renal donor nephrectomy were included in this analytic prospective observational cohort study. Their preoperative anxiety was measured with the STAI-I and STAI-II inventories. The relationships between anxiety scores with data regarding demographics, recovery from anesthesia, and postoperative pain scores were investigated.
Results: The findings were remarkable in that the anxiety scores of living renal donors were significantly correlated with their recovery variables, which are spontaneous respiration time, sufficient respiration time, extubation time, and PACU discharge time (p < 0.01). Anxiety scores were significantly positively correlated with the pain scores of the 30th minute, 1st, 2nd, 4th, 8th, 12th, 24th hours, and the total amounts of analgesic administered in 24 hours (p < 0.05). A significantly negative correlation was also determined between anxiety scores and patients’ satisfaction.
Conclusion: Our study showed that patients undergoing living-related donor nephrectomy with high anxiety levels had late recovery times and high postoperative pain scores. Thus, determining those patients with high preoperative anxiety level is crucial to providing patients with satisfactory emerging from anesthesia and the control of their postoperative pain during donor nephrectomy.
KEYWORDS Anesthesia recovery period; Anxiety; Living donors; Postoperative pain; Kidney transplantation
Introdução
O transplante renal é o tratamento mais eficaz em termos de qualidade de vida e longevidade para pacientes com insuficiência renal terminal. A nefrectomia em doador vivo é um procedimento cirúrgico para a obtenção de um rim saudável a ser transplantado no receptor com doença renal terminal. O procedimento oferece excelentes taxas de sobrevida do enxerto.1 Atualmente, 20% a 25% de todos os transplantes renais realizados são com doadores vivos. Antes da cirurgia, cada um desses doadores passa pela avaliação de um conselho de transplante com psiquiatra e psicólogo. Apesar de concordarem em ser doadores de rim, algumas dessas pessoas parecem apresentar ansiedade e outros problemas de saúde mental, como preocupações e depressão, durante a avaliação pré-operatória. Candidatos a doador podem sentir-se sob pressão emocional advinda de expectativas sociais ou de saúde (sua própria ou do receptor) no futuro.2-5
A ansiedade pré-operatória é estado de desconforto e inquietude relacionado a baixas expectativas ou falta de conhecimento acerca do procedimento ao qual será submetido, como hospitalização, anestesia e cirurgia. Vários estudos examinaram o elo entre ansiedade pré-operatória e dor pós-operatória.6-11 As pessoas submetidas a nefrectomia para doação formam um grupo específico porque passam por cirurgia, apesar de não terem nenhum problema de saúde específico. Há uma escassez de estudos clínicos mostrando os efeitos da ansiedade pré-operatória na recuperação anestésica e na dor pós-operatória em pacientes submetidos à nefrectomia para doação. Neste estudo, temos a hipótese de que níveis maiores de ansiedade pré-operatória prejudicam a recuperação da anestesia e o controle da dor pós-operatória.
Método
Após a aprovação do Comitê de Ética da Faculdade de Medicina Ege University (nº 14?5.1/5), os indivíduos elegíveis para nefrectomia para doação foram incluídos prospectivamente no estudo entre os dias 1 de Janeiro de 2015 e 31 de Dezembro de 2015. Todos os pacientes tinham a aprovação do conselho de transplante renal para nefrectomia para doação. Os pacientes receberam informações acerca dos procedimentos cirúrgico e anestésico, prováveis eventos perioperatórios, responderam aos Inventários de Ansiedade Traço-Estado - IDATE (State Trait Anxiety Inventory) I e II, aprenderam como usar a analgesia controlada pelo paciente por via intravenosa (bomba de PCA) (Abbott Pain Management Provider, EEUU) e receberam explicações sobre a Escala Visual Analógica (EVA, 0 sem dor até 10 pior dor). Após os pacientes receberem todas as informações acerca do estudo, obteve-se seu consentimento informado.
Cinquenta e três pacientes consecutivos foram examinados para nosso estudo. Desses, foram incluídos 48 pacientes que concordaram em participar do estudo e que atendiam aos critérios de inclusão, a saber, sua anuência em participar do estudo e ter idade entre 18 e 60 anos. Foram excluídos os pacientes com cirurgia postergada, dor crônica, histórico de alergia a qualquer droga que pudesse ser usada no período perioperatório, aqueles com transtornos psiquiátricos e em uso de qualquer antidepressivo, opiáceo ou ansiolítico. Candidatos à nefrectomia para doação foram considerados pacientes no estudo. No dia anterior à cirurgia, o nível de ansiedade de cada paciente foi medido através das escalas de IDATE-I (para ansiedade-estado) e IDATE-II (para ansiedade-traço) na enfermaria de transplante de órgãos. Cada escala contém 20 perguntas e pontuações que vão de 20 a 80. Dois anestesiologistas estavam encarregados, um de obter as pontuações das escalas de IDATE-I e II, e o segundo, de realizar o procedimento anestésico e coletar dados pós-operatórios. O segundo anestesiologista era cego para as pontuações do paciente nas escalas de IDATE-I e II.
Procedimento cirúrgico
Todos os pacientes foram submetidos à técnica cirúrgica aberta em decúbito lateral, com uma incisão lateral feita do lado do rim.
Técnica anestésica
Segundo a abordagem institucional padrão, após a inserção de cânula venosa 16?18G e instalação de monitoramento ASA padrão por Eletrocardiografia (ECG), oximetria periférica (SpO2) e pressão sanguínea não invasiva, os pacientes receberam anestesia geral inalatória com intubação traqueal. A anestesia foi induzida com administração de 2 mg.kg-1 de propofol, 1-2 µg.kg-1 de fentanil e 0,6 mg.kg-1 de rocurônio, e mantida com 0,8%?1,2% de isoflurano com FiO2 em 40% e infusão de 0,25?1 µg.kg-1.min-1 de remifentanil e bolus de 0,15 mg.kg-1 de rocurônio, conforme necessário. O anestesiologista que realizou a anestesia era cego para as pontuações dos pacientes no IDATE. Após o início da anestesia, pressão arterial radial invasiva foi utilizada para o monitoramento cuidadoso da pressão sanguínea. Nenhum paciente usou anestesia/analgesia neuraxial ou cateterismo venoso central. O procedimento de controle da dor pós-operatória iniciou-se com a administração de 0,1 mg.kg-1 de morfina intramuscular quando o tempo previsto para o final da cirurgia era 30 minutos. O bloqueio neuromuscular foi revertido com 0,5 mg de atropina e 0,04 mg.kg-1 de neostigmina.
Foram registradas as variáveis demográficas, escolaridade, tabagismo, cirurgia anterior, dor crônica, parentesco com o receptor, pontuações de ansiedade (IDATE-I e II), duração da cirurgia, anestesia e recuperação. Após a interrupção da infusão de isoflurano e remifentanil, o tempo para a primeira respiração espontânea foi aceito como tempo da respiração espontânea, tempo para manter a frequência respiratória ≥ 8 min ou ETCO2 menor que 50 mmHg como tempo da respiração adequada, tempo para extubação com tempo da extubação e tempo para Aldrete Modificada (MAS) ≥ 9 como tempo da alta da unidade de Recuperação Anestésica (RPA).
O controle da dor pós-operatória foi mantido através do uso de um esquema de PCA IV com bolus de morfina de 0,02 mg.kg-1 e um intervalo mínimo permitido entre doses de 15 minutos. Mais 2 mg de morfina IV foram administrados aos pacientes, se Escala Visual Analógica (EVA) ≥ 4. Caso não se obtivesse analgesia eficaz no prazo de 15 minutos, acrescentava-se 1 g de paracetamol IV como analgesia de resgate.
Os valores da EVA demanda total e número de bolus fornecidos via PCA, quantidade total de morfina administrada e necessidade de analgesia adicional foram registrados no 30º minuto e nas horas pós-operatórias 1 ª, 2 ª, 4 ª, 8 ª, 12ª e 24ª. No segundo dia pós-operatório (48ª hora), o nível de satisfação foi avaliado com uma escala de satisfação do paciente de 5 pontos (muito insatisfeito 1, muito satisfeito 5).
Análise estatística
Como não há nenhum estudo semelhante ao nosso na literatura, o tamanho da amostra foi avaliado segundo as correlações entre o IDATE-I e as variáveis de recuperação anestésica e parâmetros de dor pós-operatória (EVA) na análise interina, e se baseou na correlação entre o IDATE-I e tempo da respiração espontânea com menor coeficiente de correlação. O tamanho da amostra de 42 (pacientes estudados durante esse tempo) atingiu poder de 81% para detectar correlação de 0,42 entre os parâmetros selecionados através do teste de hipótese bicaudal com nível de significância de 0,05. Quarenta e oito pacientes foram incluídos na avaliação estatística ao final do estudo. A estatística descritiva dos dados foi definida como média ± desvio padrão, mínimo e máximo, mediana e proporção (%), onde cabível. A distribuição das variáveis foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. A relação entre as pontuações do IDATE (I-II) e variáveis numéricas foi avaliada com os testes de coeficiente de correlação Pearson e Spearman. A diferença significante entre grupos de dados com distribuição normal foi testada com o teste t de Student ou ANOVA. A análise estatística foi realizada pelo programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 21.0, IBM Corp, Armonk, NY). Considerou-se significância estatística quando os valores de p eram menores que 0,05.
Resultados
Quarenta e oito pacientes entre 18 e 60 anos de idade foram incluídos em nosso estudo e cinco deles foram excluídos. As razões de exclusão são apresentadas na figura 1.
Características demográficas e ansiedade pré-operatória
Durante o período pré-operatório, as pontuações médias no IDATE-I e IDATE-II foram calculadas como 39,8 ±1,1 e 45,2 ±0,9, respectivamente. Não houve correlações estatisticamente significantes entre as pontuações do IDATE (I-II) e características pré-operatórias (idade, peso, altura, gênero, ASA, tabagismo, cirurgia anterior, dor crônica, grau de parentesco com o receptor e escolaridade) (tabela 1).
Recuperação anestésica
Foram encontradas correlações estatisticamente significantes entre as pontuações do IDATE-I e os tempos de respiração espontânea (r = 0,47; p < 0,01); tempos de respiração adequada (r = 0,56; p < 0,01); tempos de extubação (r = 0,67; p < 0,01) e tempos de alta da RPA (r = 0,67; p < 0,01); enquanto que as pontuações do IDATE-II apresentaram correlação significante apenas com tempos de extubação (r = 0,32; p < 0,05) (tabela 2).
Período pós-operatório
Encontrou-se correlação significante entre as pontuações de IDATE-I e IDATE-II com pontuações EVA do 30º minuto até a 24ª hora (p < 0,05) (tabela 3). O número de doses de analgesia demandadas (DEM) e entregues (DEL) via PCA IV são apresentados na tabela 4. Encontrou-se correlação significante entre as pontuações de IDATE-I e IDATE-II com contagens de DEM e DEL em todos os momentos de mensuração (p < 0,05; dados não apresentados). O consumo médio de morfina em 24 horas foi 42 ± 13 mg. Os consumos de morfina apresentaram correlação significante com as pontuações de IDATE-I e II, assim como com r = 0,45; p = 0,001 no IDATE-I e r = 0,53; p < 0,001 no IDATE-II, respectivamente.
Todos os pacientes precisaram de analgesia de resgate a partir do 30o minuto, com redução ao longo do tempo. O IDATE-I apresentou correlação significante com o número de pacientes que precisou de analgesia adicional nas horas 1 ª a 8 ª, ao passo que o IDATE-II apresentou correlação significante nas horas 2 ª e 4 ª pós-operatórias (tabela 5, p < 0,05). Foi encontrada uma correlação negativa significante entre as pontuações de IDATE-I e IDATE-II com o nível de satisfação dos pacientes (r = -0,366; p = 0,01 no IDATE-I e r = -0,29; p = 0,04 no IDATE-II, respectivamente).
Discussão
No presente estudo, os doadores vivos consanguíneos submetidos à nefrectomia para doação com altos níveis de ansiedade tiveram tempos de recuperação mais longos e altas pontuações de dor pós-operatória. Considerando-se a escassez de órgãos, a doação de órgãos entre vivos é cada vez mais considerada uma alternativa viável para transplantes renais e hepáticos. Como essas pessoas saudáveis se defrontam com muitos riscos médicos, psicossociais ou desconhecidos, podem desenvolver ansiedade antes ou após a cirurgia.12 Os autores mostram que as pontuações de depressão caíram significantemente após a doação, mas as pontuações de ansiedade permaneceram estáveis. O presente estudo mostrou que doadores vivos de rim possuem ansiedade moderada com a pontuação média no IDATE-I de 39,8 e ansiedade alta com a pontuação média no IDATE-II de 45,2. Pontuações do IDATE entre 20 e 80 podem também ser classificadas como “ansiedade baixa ou nenhuma” (20-37), “ansiedade moderada” (38-44) e “ansiedade alta” (45-80).
Atualmente, a ansiedade pode ser medida através de diferentes métodos. O IDATE é amplamente utilizado para examinar a ansiedade pré-operatória e é considerado o padrão ouro em anestesia em diferentes tipos de cirurgia. Os efeitos das características de personalidade na ansiedade não foram determinados; há resultados conflitantes de estudos que avaliaram características de personalidade dos pacientes e ansiedade. A variabilidade nas relações entre o nível de ansiedade do paciente e o tipo de cirurgia, anestesia, idade, gênero, ASA e escolaridade foi determinada em diferentes estudos.12-17 Domar et al. encontraram a pontuação do IDATE média de 45 em 523 pacientes, a maioria dos quais (57%) eram pacientes ginecológicas.13 Ali et al. encontraram uma taxa de ansiedade pré-operatória de 38% em pacientes submetidos a colecistectomia laparoscópica e enfatizaram que não apenas o tipo de cirurgia, mas também a anestesia é um dos principais motivos para ansiedade.14 O gênero feminino e idade podem ter efeito na ansiedade pré-operatória.15 Constatou-se que a ansiedade pré-operatória é mais alta em mulheres do que em homens.16 Pacientes idosos apresentaram níveis mais baixos de ansiedade pré-operatória, apesar de a idade não ter tido efeito no nível de ansiedade em outros estudos.14,16,18 Gênero feminino, maior idade e pontuação baixa na classificação ASA estavam correlacionados com maior ansiedade pré-operatória antes da raquianestesia.19 A ASA foi um fator determinante para a ansiedade pré-operatória.18,20 Demonstrou-se que ASA ˃ III e a complexidade da cirurgia têm efeitos significativos na ansiedade pré-operatória.21 A classificação ASA avalia o estado físico do paciente, ao passo que o IDATE avalia níveis de ansiedade instantânea e persistente do paciente. Seria de se esperar que um paciente grave com ASA maior e com comorbidades tivesse um nível de ansiedade maior. Também há vários dados acerca da relação entre escolaridade e ansiedade. Enquanto alguns estudos sugerem que maior escolaridade é acompanhada de maior nível de ansiedade, outros indicam que escolaridade não representa um fator de risco para ansiedade.15,20 Ansiedade pré-operatória pode influenciar a intensidade da dor pós-operatória e necessidades na anestesia e analgesia. Em certos tipos de cirurgia, a ansiedade pode até mesmo aumentar a morbidade e mortalidade pós-operatórias.22 Há poucos estudos investigando os níveis de ansiedade de doadores para transplante renal e seus efeitos na dor e recuperação pós-operatória. Em nosso estudo, dados demográficos, ASA, tabagismo, cirurgia anterior, dor crônica, parentesco e escolaridade do paciente não apresentaram efeito sobre a ansiedade pré-operatória. Apesar de o programa de transplante renal entre vivos permitir a seleção dos melhores doadores - pelo menos quanto a dados demográficos, ASA e comorbidades - e os doadores decidirem se submeter à cirurgia por vontade própria, ainda assim, eles apresentam nível de ansiedade moderado a alto. Talvez a nefrectomia para doação leve aos mesmos níveis de ansiedade pré-operatória, independente dos fatores mencionados acima.
Muito poucos estudos tentaram explorar os efeitos do nível de ansiedade na recuperação da anestesia. Constatou-se que o tempo da extubação e tempo de alta da RPA em pacientes com níveis altos de ansiedade eram significantemente mais longos do que em pacientes com níveis baixos de ansiedade, concluindo que um nível alto de ansiedade exerce efeito negativo sobre a recuperação anestésica.14 A ansiedade pré-operatória retardou a recuperação anestésica em artroplastias eletivas.23 Ficou claramente demonstrado em nosso estudo que o tempo da respiração espontânea, tempo da respiração adequada, tempo da extubação e tempo da alta da RPA, todos possuem correlação positiva com a pontuação de ansiedade-estado. Apenas o tempo da extubação foi afetado pela pontuação ansiedade-traço. Há uma sutil diferença entre IDATE-I e IDATE-II na avaliação dos efeitos da ansiedade pré-operatória sobre as variáveis de recuperação. Em nossa opinião, o atraso nas variáveis de recuperação determinadas pelo IDATE-I pode ser resultado da liberação de mediadores neuroendócrinos e seus efeitos no sistema nervoso central, porque as medidas do nível de ansiedade-estado do IDATE-I, comparadas ao medo subjetivo que o paciente sente, estão associadas ao sistema nervoso autônomo. O IDATE-II geralmente determina como as pessoas tendem a sentir ansiedade, independente de suas condições e circunstâncias. A medida de ansiedade-traço em pacientes de nefrectomia para doação correlacionou-se apenas com tempo da extubação.
A nefrectomia aberta também está associada com um grau significativo de dor aguda e exigirá analgesia com opioide caso a analgesia regional não seja utilizada, ou seja, mal sucedida.24 Pacientes podem sentir dor aguda pós-operatória relativamente intensa após nefrectomia aberta para doação devido à ampla incisão cirúrgica e ao posicionamento extremo. Sem dúvida, uma analgesia peridural é importante e proporciona a analgesia mais eficaz, entretanto, manter o cateter bem posicionado é difícil devido à sua proximidade do campo cirúrgico quando a técnica de nefrectomia aberta é utilizada. Portanto, não passamos cateter de peridural. Quando há condição para se usar peridural, talvez resultados diferentes possam ser obtidos.
Alguns estudos mostraram que pacientes com níveis altos de ansiedade pré-operatória tem altos níveis de dor pós-operatória.8-10 Em outros estudos, entretanto, nenhuma correlação significante foi encontrada entre ansiedade e dor.11 Parece que o nível de ansiedade é fator determinante para a dor pós-operatória em cirurgias gastrointestinais, obstétricas e ginecológicas e para o aumento da necessidade de analgesia.6,14,25 Houve correlações positivas significantes entre a pontuação EVA pós-operatória e pontuações de ansiedade, tanto estado como traço, em nosso estudo. Todos os pacientes também precisaram de analgesia de resgate a partir do 30º minuto, o que diminuiu com o tempo. O IDATE-I apresentou correlação significante com o número de pacientes que necessitaram de analgesia adicional em todos os momentos de mensuração pós-operatória, ao passo que o IDATE-II apresentou correlação significante nas horas 2 ª e 4 ª. Houve uma distinção entre as pontuações de ansiedade-estado e ansiedade-traço na determinação da necessidade de analgesia adicional. A demanda por analgesia adicional parece estar principalmente relacionada ao nível de ansiedade-estado, entretanto, as pontuações de IDATE-I e IDATE-II apresentaram correlação significante negativa com os níveis de satisfação dos pacientes.
Apesar de fugir do escopo do presente trabalho (o que será coberto no segundo estudo), é possível dizer que a resposta de estresse neuroendócrino da ansiedade pode afetar a função do enxerto do doador renal após o transplante para o receptor. O controle da ansiedade pré-operatória pode também ser importante nesse respeito.
Este estudo possui algumas limitações. Primeiro, o estudo reflete a experiência de um centro, apenas. É possível que resultados diferentes sejam obtidos em diferentes condições institucionais, onde são aplicados diferentes protocolos de anestesia, cirurgia e cuidado com o paciente. Segundo, não houve monitoramento neuromuscular padrão para todos os pacientes e uso de rocurônio e neostigmina para antagonização com critérios clínicos. Nenhum dos pacientes apresentou preocupação com o bloqueio neuromuscular residual resultante da dose de neostigmina usada no estudo. Além disso, não examinamos o consumo de anestésicos. Pacientes com altos níveis de ansiedade estão propensos a precisar de mais anestesia e, portanto, ter recuperação anestésica mais tardia. Terceiro, apesar de o estudo ter poder para detectar diferenças no tempo da respiração espontânea, talvez não tenha poder suficiente para detectar diferenças nos desfechos.
Conclusão
Este estudo indica que níveis aumentados de ansiedade pré-operatória prejudicam a recuperação da anestesia, o controle da dor pós-operatória e a satisfação do paciente. Considerando-se os efeitos de altos níveis de ansiedade em pacientes submetidos a nefrectomia para doação, deve-se elaborar um plano de anestesia e analgesia pós-operatória para baixar a ansiedade pré-operatória do paciente. Níveis baixos de ansiedade-estado e ansiedade-traço em candidatos a doador de rim podem contribuir para recuperação satisfatória da anestesia e para controlar sua satisfação e dor pós-operatória. São necessários estudos maiores para testar os presentes achados.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Set 2020 -
Data do Fascículo
May-Jun 2020
Histórico
-
Recebido
29 Jun 2019 -
Aceito
20 Mar 2020