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Neoextrativismo e construção ‘sustentável’: duas faces do capitalismo financeirizado1 1 O caso apresentado - projeto e construção de um novo conjunto urbano para reassentamento da comunidade do Piquiá de Baixo - resultou de um amplo esforço coletivo, articulado entre a população local, um grupo de padres combonianos, organizações sociais regionais e de trabalhadoras e trabalhadores da Usina CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado) (http://www.usina-ctah.org.br/). Sem as informações e os relatos, inúmeras vezes circulados em conversas com Kaya Lazarini, Flávio Higuchi, Isac Marcelino e Wagner Germano - dentre outras e outros colegas da Usina -, as reflexões, que aqui apresentamos, não teriam sido possíveis. Registramos nossos agradecimentos, confiantes de que a conexão que estabelecemos entre a luta por moradia digna e a luta por justiça ambiental contribua para melhor compreendermos a dimensão do problema com o qual estamos lidando.

Resumo

O presente artigo investiga como o extrativismo, operado nos territórios coloniais, possibilitou a consolidação e a expansão mundial do sistema capitalista, sendo que continua viabilizando-o no presente. Para ilustrar nossos argumentos, usamos o exemplo da mineração. Em seguida, apontamos a cumplicidade existente entre o setor construtivo, em que a Arquitetura é praticada, e o capitalismo exportador de commodities. Indicamos ainda que a crença na ecoeficiência das tecnologias e edificações ‘verdes’, na verdade, mascara a externalização dos danos socioambientais gerados pelos processos de produção hegemônicos - como aqueles que compõem a cadeia produtiva do ferro e do aço (materiais que, em boa parte, empregamos na Construção Civil). Por fim, analisamos o emblemático caso da comunidade de Piquiá de Baixo (MA), em que as problemáticas apresentadas neste trabalho podem ser melhor explicitadas.

Palavras-chave:
Colonização; Neoextrativismo; Mineração; Construção Civil; Arquitetura; Sustentabilidade

Abstract

This article investigates how extractivism, operated in colonial territories, enabled the worldwide consolidation and expansion of the capitalist system, the viability of which has continued through to the present day. In order to illustrate our arguments, we have used the example of mining. We then move on to indicate the existing complicity between the construction sector, which involves the practice of architecture, and global capitalism, based on the production of commodities for export. We also demonstrate how belief in the eco-efficiency of ‘green’ technologies and buildings masks the externalization of socio-environmental impacts generated by hegemonic production processes, such as those that are part of the iron and steel production chain (materials we widely use in civil construction). Lastly, we analyze the emblematic case of the Piquiá de Baixo community (Brazil), through which the problems presented in this work may be better explained.

Keywords:
Colonization; Neoextractivism; Mining; Civil Construction; Architecture; Sustainability

1. Da colonização extrativista ao capitalismo exportador de commodities

O sistema-mundo que se estruturou com o avanço do capitalismo, via colonização, dependeu da consolidação de uma divisão social e internacional do trabalho, mas também desequilibrada em termos ecológicos: a apropriação diferencial do excedente global produzido foi (e segue sendo) acompanhada por um sistema de intercâmbio desigual de ‘bens’ e serviços ambientais. Desde então, como nos lembra Horacio Aráoz (2020ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante , 2020., p. 141), instituiu-se a histórica “diferença abissal” entre o espaço colonial ‘periférico’ (subordinado e especializado no fornecimento de matérias-primas e de mão de obra) e o europeu ‘central’ (onde a expropriação das “energias vitais do mundo” se converte em acumulação).

Ainda que a destruição ecológica operada pela mineração dos séculos XV e XVI não tenha comparação com a voracidade ambiental dos sistemas contemporâneos, a atividade mineira colonial, por exemplo, requeria grandes quantidades de energia - o que levou à extinção de florestas e demais formações vegetais nas proximidades das minas. Muitas jazidas da América espanhola precisaram ser abandonadas, não por esgotamento de seus minérios, mas devido à escassez de lenha para fundição (Aráoz, 2020ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante , 2020.). Isso significa que, junto com os metais, passaram a ser exportadas toneladas de recursos naturais e energéticos necessários à sua extração e beneficiamento (Trocate; Coelho, 2020TROCATE, C.; COELHO, T. Quando vier o silêncio: o problema mineral brasileiro. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo ; Expressão Popular, 2020.). Dito de outro modo, a expansão da lógica capitalista, em âmbito mundial, promoveu uma intensa exploração da força de trabalho ao lado do consumo desmedido de terra (matéria) e energia. Tal expansão só foi possível pelo extrativismo devastador operado nos territórios coloniais.

Contudo, no presente, observamos a continuidade dos processos predatórios originários do capitalismo, ou “acumulação por despossessão” para nos referirmos ao contexto atual (Harvey, 2020HARVEY, D. Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo: Boitempo , 2020., p. 296). Através desses processos, o capital tem conseguido assegurar uma “fuga para adiante” em relação às suas contradições internas, expropriando a base de recursos biofísicos e humanos de áreas até então à margem da lógica capitalista, geralmente localizadas no Sul global.2 2 Henri Acselrad em palestra sobre o tema “Capitalismo e crise ambiental”, nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cKMeGXvTK8. Acesso em: 13 mai. 2023. Verdade seja dita, desde o final de 1980, tornou-se comum promover a acumulação por despossessão nos países ‘periféricos’ na forma de políticas e ajustes estruturais organizados pelo Fundo Mundial Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial. Aliadas às corporações da mineração e da agropecuária, essas instituições financeiras têm privatizado terras comunais, despojado pequenos produtores e inviabilizado seus modos de vida. Nesse contexto, as políticas neoliberais, concebidas pelas principais potências mundiais e impostas pelas instituições financeiras sob seu controle, buscaram recuperar o acesso e o domínio sobre as fontes de matérias-primas (minerais, energéticas e alimentícias), espoliando inúmeros povos e comunidades com esse intuito (Chesnais; Serfati, 2003CHESNAIS, F.; SERFATI, C. “Ecologia” e condições físicas da reprodução social: alguns fios condutores marxistas. Crítica Marxista, São Paulo, v. 1, n. 16, p. 39-75, 2003.; Aráoz, 2020ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante , 2020.).

É dentro do marco do neoliberalismo, portanto, que se insere o novo auge do extrativismo no Sul global, vivenciado nas últimas décadas e acelerado pela demanda chinesa a partir de 2000. O gigante asiático tem consumido mais da metade (em alguns casos, alcançando 70%) dos principais recursos minerais do mundo, incluindo aço e cobre (World Steel Association, 2020WORLD STEEL ASSOCIATION. World Steel in Figures, 2020. Bruxelas: Worldsteel Association, 2020.). O aumento inédito dessa procura chinesa por matérias-primas possibilitou que os países fornecedores, caso do Brasil, experimentassem um rápido crescimento econômico, por meio de um (neo)extrativismo ambientalmente devastador. Por isso, conseguiram superar mais rapidamente os efeitos da crise mundial de 2008 - processo que se denominou de “consenso das commodities” (Acosta; Brand, 2018ACOSTA, A.; BRAND, U. Pós-extrativismo e decrescimento: saídas do labirinto capitalista. São Paulo: Elefante, 2018.. p. 34). Em suma, para ‘alimentar’ o capitalismo em sua versão financeira, os territórios ‘periféricos’ foram (re)configurados como exportadores de commodities, intensificando-se as taxas e os ritmos de exploração desigual do mundo biofísico.

Considerando o exposto, poderíamos entender a consolidação da nova ordem mundial, ou globalização, como um processo de “recolonização” (Federici, 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante, 2019.. p. 214). Afinal, no lugar de conectar o mundo em uma rede de circuitos interdependentes, organizou-o segundo uma estrutura piramidal. Estrutura essa marcada pelo aprofundamento das hierarquias características da divisão internacional do trabalho, assim como das desigualdades sociais e da degradação ambiental. Além disso, importa perceber que os processos neoextrativistas, em grande medida, são realizados com o intuito de captar os recursos solicitados pelas indústrias de ponta (Federici, 2021FEDERICI, S. O patriarcado do salário: notas sobre Marx, gênero e feminismo. São Paulo: Boitempo, 2021.) - especialmente pelas tecnologias da informação e da comunicação, mas igualmente aqueles recursos demandados pelos novos componentes e sistemas voltados à redução dos impactos ambientais das edificações. Ou seja, refletem a aparência ‘ecologicamente modernizada’ do capitalismo financeirizado.

Todavia, essa suposta modernização ecológica dos centros decisórios do capitalismo global, como no passado colonizador, continua dependente da transferência das etapas de produção que mais consomem matéria e energia, além de muito trabalho explorado, para outras localidades. Nesse contexto, os dados ‘exemplares’ de desempenho apresentados por certos países e regiões, ou mesmo por algumas empresas, são respaldados por atividades internas, que não consideram a externalização daquelas de alto impacto socioambiental. Caso os indicadores de desempenho contemplassem os impactos não apenas nos países em que ocorreu o consumo final, mas igualmente entre os exportadores de commodities, seus resultados seriam muito diferentes (Veiga; Issberner, 2012VEIGA, J. E. da; ISSBENER, L-R. Decrescer crescendo. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. do (orgs.). Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento, prosperidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 107-134.).

Realidade presente desde que as primeiras colônias foram ‘conquistadas’, a externalização acabou se acentuando com a globalização. Até porque, em função da maior mobilidade do capital, surgiram práticas de “chantagens de localização”,3 3 Henri Acselrad em palestra sobre o tema “Capitalismo e crise ambiental”, nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cKMeGXvTK8. Acesso em: 13 mai. 2023. colocando em competição, na arena mundial, os possíveis lugares de implantação de futuros negócios. Essa espécie de ‘leilão’ dos espaços destinados aos investimentos no contexto internacional resulta, por sua vez, em uma desregulamentação generalizada, que visa reduzir os custos dos empreendimentos. Isso ocorre tanto em termos sociais (pela constante redução dos salários e pela negação de direitos trabalhistas), quanto ambientais (com o desmantelamento de políticas públicas e a flexibilização de regulações de proteção ao meio natural [Acselrad, 2002ACSELRAD, H. Justiça ambiental e construção social do risco. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 5, p. 49-60, jan./jun. 2002.; Acselrad et al., 2012ACSELRAD, H. et al. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? e-cadernos CES [Online], 17, 2012. Doi: 10.4000/eces.1138.
https://doi.org/10.4000/eces.1138....
]).

Por outro lado, o próprio capital depara-se atualmente com o cenário de “esgotamento do mundo” que ajudou a criar (Aráoz, 2020ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante , 2020., p. 193). Diante dele, para responder à crescente redução dos estoques naturais, aposta na mudança de métodos e técnicas: passando dos tradicionais mecanismos trabalho-intensivos, apoiados na exploração excessiva dos corpos dos trabalhadores, a tecnologias ambiente-intensivas, cuja rentabilidade se baseia no uso descomedido de bens territoriais (minerais, águas, energia e biodiversidade). Assim, os danos socioambientais que originam são ainda mais profundos (Trocate; Coelho, 2020TROCATE, C.; COELHO, T. Quando vier o silêncio: o problema mineral brasileiro. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo ; Expressão Popular, 2020.). No caso da fabricação de aço, em decorrência do esgotamento das jazidas ricas em concentração mineral, a exploração industrial de grande escala tem garantido a viabilidade das operações. Para a depuração dos minérios, são utilizados compostos químicos extremamente tóxicos - como ácido sulfúrico, mercúrio e cianureto -, resultando em uma expressiva quantidade de dejetos perigosos (Acosta, 2016ACOSTA, A. Extrativismo e neoextrativismo: duas faces da mesma maldição. In: DILGER, G.; LANG, M.; PEREIRA FILHO, J. (orgs.). Descolonizar o imaginário: debates sobre o pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2016. p. 46-87. Disponível em: https://rosalux.org.br/product/descolonizar-o-imaginario-debates-sobre-pos-extrativismo-e-alternativas-ao-desenvolvimento/.
https://rosalux.org.br/product/descoloni...
; Aráoz, 2020ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante , 2020.). Essa situação se mostra especialmente importante quando nos propomos a investigar os danos específicos gerados pela Construção Civil, em que a área de Arquitetura se insere. Afinal, as atuais reconfigurações do setor mineiro também buscam atender às necessidades relacionadas com a produção do ambiente construído, a qual tem demandado cada vez mais materiais e componentes de alta tecnologia, como o próprio aço.

2. Construção Civil e Arquitetura como ‘cúmplices’ do capitalismo (neo)extrativista

Os meios de produção empregados pela Construção Civil consomem grandes quantidades de matéria e de energia, emitindo mais de um terço dos gases responsáveis pelo aquecimento global do planeta (United Nations Environmental Programme, 2023UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAMME. Building materials and the climate: constructing a new future. Nairobi: Unep, 2023.). Em 2019, produzimos 100 bilhões de toneladas de materiais para suprir as inúmeras demandas dos setores econômicos, sendo que metade do total era composta por minerais, cimento, areia, argila e cascalho (os quais usamos amplamente no setor construtivo). Em adição, 40% desse montante de materiais foi destinado exclusivamente para erguer edificações. Isso representou 13,5 bilhões de toneladas (ou 22,3%) das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no período.4 4 CIRCLE ECONOMY. The circularity GAP report. 2021. p. 20-21. Disponível em: https://www.circularity-gap.world/2021#downloads. Acesso em: 27 mar. 2023. No caso do aço, mundialmente, mais de 50% desse insumo é empregado em edificações e obras de infraestrutura urbana (World Steel Association, 2020WORLD STEEL ASSOCIATION. World Steel in Figures, 2020. Bruxelas: Worldsteel Association, 2020.), enquanto, no Brasil, 41,2% do consumo de aço ocorreu pela Construção Civil em 2020.5 5 Ver: INSTITUTO AÇO BRASIL. Relatório de sustentabilidade. 2020. Disponível em: https://acobrasil.org.br/relatoriodesustentabilidade/assets/pdf/PDF-2020-Relatorio-Aco-Brasil-COMPLETO.pdf. Acesso em: 27 mar. 2023.

Mesmo com os crescentes alertas da comunidade científica sobre o quadro de colapso socioambiental que nos ronda (Intergovernamental Painel on Climate Change, 2021INTERGOVERNAMENTAL PAINEL ON CLIMATE CHANGE. Climate change 2021: the physical science basis. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.), a resposta padrão de nossa categoria tem sido uma espécie de ‘correção técnica’ do setor - respaldada e legitimada por diferentes regulamentações de desempenho ambiental. No entanto, as edificações ‘verdes’, que empregam alta tecnologia e vêm sendo promovidas em todas as partes do mundo, enquanto caminho para a arquitetura ‘sustentável’, igualmente consomem quantidades significativas de recursos energéticos e materiais - como aço, cobalto, lítio e terras raras. Portanto, continuam a exercer pressão sobre o ambiente, inclusive em regiões ainda preservadas. Sendo assim, as estratégias construtivas ditas ‘sustentáveis’ exercem efeito apenas paliativo, à medida que seus processos de produção dependem da exploração dos elementos naturais e dos trabalhadores (nos canteiros de obras e fora deles), sendo insuficientes para conter as alterações perigosas que temos promovido no funcionamento da “máquina do clima”, conforme expressão de Claudio Angelo (2016ANGELO, C. A espiral da morte: como a humanidade alterou a máquina do clima. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.). Em síntese, construir mais edificações, ‘sustentáveis’ ou não, implica gerar mais danos e emissões de GEE.

Importa observar ainda que, embora os processos e meios de produção tradicionalmente empregados pela Construção Civil aprofundem o cenário de esgotamento do mundo, como são muito fragmentados e dispersos mundialmente, torna-se praticamente impossível realizar uma avaliação global dos impactos socioambientais gerados pelo setor. Retomando o exemplo do aço, basta lembrar que os minérios compõem redes globais de produção (RGPs): isto é, suas operações de extração, beneficiamento, distribuição e consumo espalham-se pelo planeta (Trocate; Coelho, 2020TROCATE, C.; COELHO, T. Quando vier o silêncio: o problema mineral brasileiro. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo ; Expressão Popular, 2020.). Desse modo, ao mesmo tempo em que esgotamos as jazidas de minério de ferro no Brasil e exportamos aço bruto mundo afora, recorrentemente importamos os perfis metálicos que são usados para construir nossas edificações. Nesse vaivém de agentes, trabalhadores e territórios, inúmeros impactos socioambientais vão sendo acumulados. Como isso ocorre com quase todos os insumos construtivos, podemos ter ideia da dificuldade em mapear as consequências ambientais das atividades do setor. Diante dessa realidade, resta-nos perceber a centralidade da produção material do espaço (e, portanto, da Construção Civil) na economia como um todo.

Em sua historiografia crítica da Arquitetura, Sérgio Ferro indica que a Construção Civil, por se organizar como manufatura, constitui uma das principais fontes de acumulação “primitiva” do capital. De fato, a construção de muralhas e de suntuosas catedrais nas nascentes cidades medievais, entre os séculos IX e XI, contribuiu eficazmente para capturar e acumular grandes somas de valor circulante. Embora essas tipologias não tenham sido erguidas com objetivos simplesmente econômicos, constituíram-se em lócus importante para uma seminal e acentuada acumulação de capital. Se, na origem, as atividades econômicas envolvidas na Construção Civil eram levadas a termo pela “cooperação simples desenvolvida”,6 6 Cooperação “simples”, porque inexiste divisão institucionalizada do trabalho, conforme definição de Marx. Sérgio Ferro acrescenta o adjetivo “desenvolvida” para indicar a formação do “trabalhador coletivo” nesse modo de organização do trabalho na Construção (Ferro, 2021, p. 42). praticada no âmbito das corporações medievais, aos poucos, esses processos possibilitaram o aparecimento do novo formato manufatureiro de organização laboral. Isso ocorreu rapidamente nos canteiros de obras, precedidos apenas pelo setor têxtil, sendo que continua a caracterizar a organização do setor construtivo no presente (Ferro, 2021FERRO, S. Construção do desenho clássico. Belo Horizonte: MOM, 2021.).

Sérgio Ferro analisa também que a manufatura da Construção Civil, como emprega muito trabalho e pouco maquinário, ajuda a prover o conjunto da economia com grande parte das massas de mais-valor necessárias para evitar o colapso do sistema capitalista. Por causa disso, mesmo após a Revolução Industrial, setores de produção manufatureira, como o construtivo, continuaram sendo fundamentais: afinal, substituir trabalho humano por máquinas significa perder a fonte de geração de valor. Desse modo, o setor construtivo nunca foi plenamente industrializado. Para se ajustar às novas formas de organização do trabalho, valeu-se do emprego de materiais inovadores, os quais tomaram o lugar das técnicas tradicionais que fundamentavam o saber-fazer dos construtores. Ao final do século XIX, essa mudança de ‘linguagem’ serviu simultaneamente para criar uma espécie de simulacro da subsunção real do trabalho ao capital nos canteiros e para ‘desarmar’ a revolucionária mão de obra do setor (Ferro, 2018FERRO, S. Concrete as Weapon. Harvard Design Magazine, n. 4, dez. 2018.). Tal conjuntura ajuda a explicar a rápida expansão da tecnologia do ferro e do concreto armado na virada do século, resultando na também difusão da inadequação ambiental do modernismo - cujas soluções arquitetônicas, apoiadas no uso massivo de ‘concreto-aço-vidro’, tornaram-se hegemônicas.

Assim, a ruptura definitiva da autonomia dos trabalhadores nos canteiros, que ocorreu com a ascensão da arquitetura moderna, representou igualmente ruptura com o território, com o meio natural. Afinal, os processos de produção dos materiais e componentes construtivos ‘modernos’ geram inúmeros impactos ambientais (inclusive parcela significativa das emissões globais de GEE), enquanto as edificações em ‘concreto-aço-vidro’, para que mantenham condições mínimas de ocupação, fazem uso abusivo de sistemas de condicionamento e de iluminação artificial, consumindo ainda mais fósseis em sua operação (United Nations Environmental Programme, 2023UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAMME. Building materials and the climate: constructing a new future. Nairobi: Unep, 2023.). Portanto, a ‘arquitetura moderna do petróleo’ que vingou até o presente, tal qual o sistema socioeconômico no qual se origina, é insustentável por sua própria natureza. No lugar de se adaptar aos diferentes territórios e biomas, coaduna com a acumulação capitalista, ajudando a elevar as taxas médias de lucro por meio da exploração dos canteiros e da Natureza.

Observamos ainda que, com a ajuda da Construção Civil, o capital promoveu e continua promovendo os necessários “ajustes espaciais” às crises de sobreacumulação que lhe são próprias (Harvey, 2016HARVEY, D. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo , 2016., p. 145). No pós-guerra, por exemplo, os Estados Unidos mobilizaram grande parte dos seus excedentes de capital e de trabalho em estruturas físicas, enquanto o megaprograma interno de modernização da China, apoiado em colossais empreendimentos imobiliários, constitui a versão mais recente desses ajustes espaciais (Harvey, 2020HARVEY, D. Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo: Boitempo , 2020.). De outro ponto de vista, ao mesmo tempo em que a produção do ambiente construído possibilita, fomenta e alimenta algum tipo de desenvolvimento capitalista inicial, com o passar dos anos, restringe-lhe as possibilidades de acumulação, pois cria barreiras espaciais (Harvey, 2020HARVEY, D. Os sentidos do mundo: textos essenciais. São Paulo: Boitempo , 2020.). Justamente porque mobiliza muito trabalho em longos intervalos de tempo, assim como investimentos de vulto, a produção material do espaço requer alguma forma de articulação entre Estado e capital financeiro. Em consequência, no longo prazo, a construção de paisagens acaba por revelar seu lado especulativo, levando ao surgimento das mesmas condições de sobreacumulação iniciais - as quais, por sua vez, dão origem a “desenvolvimentos geográficos desiguais” mundo afora (Harvey, 2016HARVEY, D. 17 contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo , 2016., p. 150).

Além do mais, segundo nossa percepção, existe uma desconexão estrutural no campo da Construção Civil. Assim como o modo de produção capitalista, em benefício do próprio capital, especializa e divide o trabalho social, entendemos que fomenta a dispersão geográfica dos processos produtivos do setor. Como consequência, nossa categoria apresenta uma compreensão bastante superficial sobre como os inúmeros insumos e componentes que empregamos na materialização de edificações e de cidades são extraídos e fabricados. Logo, a imensa dificuldade em mapear os impactos globais da Construção Civil está no cerne do próprio processo de transformação das matérias-primas em commodities, ou ‘capital natural’. Em contrapartida, seguimos especificando sistemas construtivos e desenhando soluções ‘verdes’, sem realmente ter consciência das consequências socioambientais que originam. Em outras palavras, quase nos passa desapercebido que a transformação do ambiente natural em ambiente construído corresponde, literalmente, ao desmonte do planeta.

Visceralmente dependente de atividades extrativistas, a Construção Civil se faz, assim, ‘cúmplice’ do capitalismo exportador de commodities, produzindo os símbolos arquitetônicos de ‘progresso’ e de ‘desenvolvimento’ que o legitimam. Um olhar mais atento sobre o Museu Guggenheim de Bilbao (considerado um dos ícones da produção arquitetônica contemporânea), por exemplo, desvela que suas curvas retorcidas fazem jus à “espacialização de um capitalismo fora de controle”.7 7 Segundo Jeremy Till em palestra proferida no dia 22 de abril de 2020, intitulada “Architecture after Architecture”. Disponível em: http://www.jeremytill.net/read/130/architecture-after-architecture. Acesso em: 27 mar. 2023. Os mais de 40 mil painéis em titânio de Bilbao (Figura 1) dependeram da habilidade de alpinistas para serem colocados em seu devido lugar, ao passo que esse metal quase deu a volta ao mundo até ser aplicado definitivamente no museu, emitindo bastante GEE no processo: foi extraído na Austrália, laminado nos Estados Unidos, tratado na França e cortado na Itália, para só então chegar à Espanha (Arantes, 2010ARANTES, P. F. Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma. 2010. Tese (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.). Em suma, em nosso campo de atuação, ‘embrulhos’ cada vez mais reluzentes tentam ofuscar as crateras que surgem no rastro dos processos de (re)produção do capital.

Figura 1
Museu Guggenheim de Bilbao.

É importante reconhecer também que a segmentação da cadeia produtiva da Construção Civil, assim como a histórica separação entre desenho e canteiro (Ferro, 2006FERRO, S. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.; 2021FERRO, S. Construção do desenho clássico. Belo Horizonte: MOM, 2021.), nos impele a concentrar a atenção quase exclusivamente em seus produtos. Mesmo quando nossos esforços de investigação vão além da forma e da plasticidade dos símbolos arquitetônicos que projetamos, a preocupação ambiental de nossa área, normalmente, centra-se em avaliar se determinados sistemas construtivos ou edificações empregam racionalmente os recursos naturais, sobretudo energia. O que geralmente consideramos como uma produção arquitetônica ‘sustentável’ se restringe, então, ao emprego de elementos acessórios adicionados a edifícios (tradicionais ou ‘inovadores’), tais como: filtros e vidros especiais, coletores solares e painéis fotovoltaicos, turbinas eólicas e sombreadores automatizados. Raramente questionamos as tipologias arquitetônicas que construímos, tampouco os meios e processos usados em sua fatura (Ferro, 2006FERRO, S. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.).

Assim, os benefícios ecológicos atribuídos aos novos sistemas e componentes que visam à redução dos impactos ambientais das edificações ‘camuflam’ os “custos ecológicos de sua produção” (Brand; Wissen, 2021BRAND, U.; WISSEN, M. Modo de vida imperial: sobre a exploração dos seres humanos e da natureza no capitalismo global. São Paulo: Elefante , 2021., p. 265). Mesmo pressupondo que todas as edificações sejam abastecidas com fontes renováveis - e, portanto, em uso, poderiam ser consideradas mais ‘sustentáveis’ por não emitirem GEE -, esse raciocínio não cabe para a energia e os materiais empregados em sua produção. Os edifícios ‘verdes’ continuam exigindo a extração de inúmeros metais (empregados na fabricação de placas fotovoltaicas e turbinas eólicas, por exemplo), que são minerados à base de combustíveis fósseis. Dessa maneira, ao lado dos “requisitos materiais de transição energética”, deveríamos considerar os “requisitos energéticos de transição material” (Brand; Wissen, 2021BRAND, U.; WISSEN, M. Modo de vida imperial: sobre a exploração dos seres humanos e da natureza no capitalismo global. São Paulo: Elefante , 2021., p. 266-267). Caso contrário, contribuiremos com a perpetuação do mesmo modelo extrativista em uma versão ‘ecologicamente modernizada’, a qual desloca os custos socioambientais para outros campos, como aqueles detentores das jazidas de lítio e terras raras.

Por outro lado, à medida que as tendências atuais de consumo material e energético, inclusive das edificações ‘verdes’ que temos produzido, continuam a levar os ecossistemas ao limite de seu equilíbrio, o metabolismo social prevalecente choca-se com os últimos territórios em que as pessoas sobrevivem a partir do uso verdadeiramente ‘sustentável’ dos recursos naturais. Como exemplos de embates travados no contexto brasileiro, podem ser citados aqueles derivados: da contaminação de trabalhadores por poluentes decorrentes da produção mineira; da expansão da monocultura do eucalipto, em função da perda de terras e de fontes de água por parte de populações tradicionais; além da perda da capacidade de pesca pelos ribeirinhos após a implantação de hidrelétricas para atender à produção de energia ‘barata’, voltada às multinacionais do alumínio e do aço (Acselrad, 2010ACSELRAD, H. Ambientalização das lutas sociais - o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v.24, n.68, p.103-119, 2010.). Nessas “lutas territoriais” (Acosta; Brand, 2018ACOSTA, A.; BRAND, U. Pós-extrativismo e decrescimento: saídas do labirinto capitalista. São Paulo: Elefante, 2018., p. 144), a lógica mercantil é questionada e os espaços disputados podem ser ressignificados - tal qual ocorrido no exemplo de Piquiá de Baixo (MA).

3. Piquiá de Baixo sob os impactos do capitalismo exportador de commodities

Uma experiência impregnada das problemáticas aqui investigadas é aquela da comunidade de Piquiá de Baixo no entorno de Açailândia (MA),8 8 As informações sobre este empreendimento - que nos serviram como estudo de caso - foram obtidas através da participação direta de um dos autores, acompanhando a evolução das negociações, desenvolvimento dos projetos e implementação das obras para realização do empreendimento de reassentamento da comunidade, com consulta a fontes primárias: pranchas de projeto, relatórios, atas das reuniões, entre outros documentos. Figura 2. Esse povoado, composto por mais de 300 famílias, ou aproximadamente 1000 pessoas, instalou-se ali, no início dos anos 1960, em uma área abundante em recursos naturais - cuja exploração atual, por parte de empresas mineradoras, tem ocasionado inúmeros danos. Os moradores da comunidade tentam sobreviver, respirando poeira e fuligem, entre as indústrias que fabricam ferro-gusa e aço e a ferrovia construída para escoar a produção de Carajás até o porto de São Luís - sobre a qual corre um gigante trem de carga, com quase 4 km de extensão.

Figura 2
Mapa de Piquiá de Baixo e seu entorno.

Três elementos naturais são fundamentais à cadeia produtiva do ferro e do aço no Brasil: o minério de ferro em si, a madeira usada na produção de carvão vegetal e a água que se destina ao resfriamento dos altos-fornos. Assim, desde a instalação das primeiras ‘guseiras’ na região de Açailândia na década de 1980, como consequência do Programa Grande Carajás (PGC), a exploração desmedida desses elementos tem contaminado os recursos hídricos e devastado a floresta nativa. Para dar continuidade à produção de carvão, em períodos mais recentes, foi inclusive necessário plantar eucalipto - originando extensas monoculturas que expulsaram e inviabilizaram as práticas dos pequenos produtores agrícolas da região (Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas Pela Vale, 2020ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS E ATINGIDAS PELA VALE. Acionistas críticos: os 10 anos de atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale. AIAAV, 2020.).

Além disso, a própria tecnologia empregada pelas indústrias ali instaladas é obsoleta, pois libera quantidade expressiva de material particulado tóxico. Esse problema vem sendo denunciado por laudos técnicos desde 2007 (FIDH; JG; JNT, 2011FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA GLOBAL (JG). JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Quanto valem os direitos humanos? Os impactos sobre os direitos humanos relacionados à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia. Açailândia: FIDH; JG; JNT. 1ª. versão maio de 2011. [atualizada em março de 2012]. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/report_brazil_port_ld-2012-03.pdf.
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). Tais documentos atestaram que os índices de doenças de pele, respiratórias e de visão no povoado são superiores aos da média nacional. Enfermidades graves, como câncer no pulmão ou em algum outro órgão do sistema respiratório, têm sido uma frequente causa de morte entre seus habitantes. Houve também óbitos e queimaduras de quarto grau em crianças que, inadvertidamente, entraram em contato com escória incandescente. Isso porque os resíduos quentes da atividade siderúrgica têm sido despejados por caminhões em áreas desprotegidas, mal sinalizadas e nas proximidades do povoado. Diferentes rejeitos também contaminam os recursos hídricos: após resfriar os altos-fornos das ‘guseiras’, a água aquecida, contendo vestígios de ferro e de outros solutos, escoa por canaletas, sendo novamente direcionada para as fontes naturais. Completando o quadro de contaminação (Figura 3), inexiste rede de tratamento dos efluentes líquidos (Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas Pela Vale, 2020FERRO, S. Construção do desenho clássico. Belo Horizonte: MOM, 2021.; FIDH; JG; JNT, 2011FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA GLOBAL (JG). JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Quanto valem os direitos humanos? Os impactos sobre os direitos humanos relacionados à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia. Açailândia: FIDH; JG; JNT. 1ª. versão maio de 2011. [atualizada em março de 2012]. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/report_brazil_port_ld-2012-03.pdf.
https://www.fidh.org/IMG/pdf/report_braz...
; FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Figura 3
Poluição do ar, das águas e acidente com transporte de escória incandescente em Piquiá de Baixo

Como consequência, a Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá (ACMP) passou a advogar pelo seu reassentamento em novo local. Desde as primeiras mobilizações, a Associação tem sido acompanhada por organizações parceiras, como a Paróquia São João Batista de Açailândia e a Rede Justiça nos Trilhos (JNT). Tantas violações à saúde da comunidade chamaram a atenção, ainda, de instituições que atuam em defesa dos direitos humanos em instâncias internacionais. O caso de Piquiá foi apresentado em uma audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2015, assim como por relatorias especiais da Organização das Nações Unidas (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Contudo, a causa dos moradores somente chegou à esfera jurídica quando o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado do Maranhão, sob pressão da ACMP e das organizações parceiras, abriram uma mesa de negociações para finalmente viabilizar o reassentamento do povoado. Na ocasião, também participaram do processo decisório representantes da Vale S.A. - principal responsável pelo quadro de degradação socioambiental da região (Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas Pela Vale, 2020ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL DOS ATINGIDOS E ATINGIDAS PELA VALE. Acionistas críticos: os 10 anos de atuação da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale. AIAAV, 2020.), do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa do Maranhão (Sifema), da Prefeitura Municipal de Açailândia e do Governo do Estado do Maranhão (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734po...
). Descrevemos os conflitos decorrentes desse processo a seguir.

3.1 O conflituoso caminho rumo ao Piquiá da Conquista

Depois de longas e conturbadas negociações, o Ministério Público celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em maio de 2011, o qual estipulava a desapropriação de um terreno pela prefeitura de Açailândia para o reassentamento da comunidade, cujos custos seriam cobertos pelo Sifema. Ainda assim, o processo de desapropriação foi concluído somente três anos depois, em resposta à pressão da comunidade. Em março de 2014, como o Sifema não havia pagado ao proprietário do terreno o valor acordado, os moradores de Piquiá, por mais de 30 horas, bloquearam o acesso a três siderúrgicas da região. Em consequência, houve nova intervenção do Ministério Público para resolver a questão (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Em agosto de 2012, por sua vez, celebrou-se outro TAC entre Ministério Público e Sifema, de maneira a possibilitar a contratação dos serviços técnicos necessários ao desenvolvimento da proposta arquitetônica e urbanística da nova comunidade de Piquiá de Baixo. O acordo também definiu a ACMP como responsável pela administração dos recursos e pela escolha da assessoria, sendo que tal escolha foi feita por meio de seleção pública (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734po...
). Entre as três entidades que responderam ao edital, a Associação contratou a Usina,10 10 Usina CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado) é uma organização não-governamental paulista, formada por profissionais de diferentes áreas, que prestam assessoria técnica em habitação e planejamento. Cf. http://www.usina-ctah.org.br. Acesso em: 13 mai. 2023. que adotou uma metodologia de processo participativo em encontros com os moradores.

A proposta final do reassentamento (Figura 4), fruto desse processo participativo, estrutura o terreno de 38 hectares, localizado a 7 km do povoado original, a partir de um longo eixo de circulação: um “calçadão” arborizado para pedestres e ciclistas, por meio do qual se dá o acesso aos equipamentos públicos e espaços coletivos. A disposição das unidades cria espaços semipúblicos de uso comum nos fundos dos lotes, com o objetivo de conservar a prática social de convivência entre membros de uma mesma família ou amigos. Cada conjunto de casas, por sua vez, dispõe-se ao redor de pequenas praças - às quais caberia o papel adicional de realizar o tratamento das águas servidas das edificações, mediante sistemas biológicos.

Figura 4
Esquema de implantação da proposta do reassentamento

Sobre esse ponto, importa mencionar que, para que a Vale financiasse parte do empreendimento, a multinacional exigiu que o projeto dispusesse de estratégias ‘sustentáveis’ de saneamento ambiental. Uma empresa terceirizada, especializada em infraestruturas verdes, foi contratada para tal fim, auxiliando no dimensionamento e no detalhamento do sistema de coleta de esgotos e de drenagem urbana. No entanto, após o início das obras, em função de defasagem na previsão orçamentária (dado o longo tempo transcorrido entre o início do processo e a efetiva contratação das obras), essas soluções tornaram-se inviáveis. Embora saibamos dos benefícios dos sistemas biológicos de tratamento de efluentes, a situação que se estabeleceu foi, no mínimo, contraditória. Afinal, a mesma empresa que tem impactado gravemente a vida da comunidade, impôs, como condição para o novo assentamento, que o projeto manifestasse preocupações ambientais, enquanto as desrespeita em suas práticas todos os dias.

A proposta elaborada em conjunto foi finalmente aprovada pela Prefeitura de Açailândia em 2013 e pela Caixa Econômica Federal (CEF), responsável pelo repasse da verba em novembro de 2014. Contudo, os moradores de Piquiá de Baixo esperaram mais um ano até a habilitação de seu projeto de reassentamento pelo Ministério das Cidades, de maneira que pudesse ser contratado através do “Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) - Entidades”. Com o financiamento público, pretendia-se concretizar as unidades habitacionais e parte da infraestrutura urbana, a qual seria complementada com recursos da Fundação Vale e do Sindicato das Indústrias de Ferro Gusa. Portanto, a despeito das violações dos direitos terem sido comprovadamente responsabilidade da Vale e de empresas ligadas ao Sifema, coube ao Estado arcar com mais de 70% dos custos do processo de reassentamento do povoado, através de recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734po...
). Em outras palavras, obedeceu-se à lógica de privatização dos lucros e de socialização dos prejuízos.

Em outubro de 2016, o projeto executivo, contendo o detalhamento técnico da proposta, das etapas de execução da obra e de seu orçamento, foi novamente submetido à avaliação da CEF. Contudo, somente em setembro de 2018 ocorreu a aprovação final da documentação apresentada. Para tanto, outra vez foi necessária a intervenção da comunidade: em novembro de 2017, aproximadamente 50 moradores de Piquiá protestaram em frente à sede da CEF, na capital São Luís, solicitando que os técnicos do banco concluíssem a análise do projeto de reassentamento (FIDH; JG; JNT, 2011FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA GLOBAL (JG). JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Quanto valem os direitos humanos? Os impactos sobre os direitos humanos relacionados à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia. Açailândia: FIDH; JG; JNT. 1ª. versão maio de 2011. [atualizada em março de 2012]. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/report_brazil_port_ld-2012-03.pdf.
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; FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Embora as morosas etapas de aprovação do projeto tenham sido superadas e apesar dos esforços despendidos para se obter os recursos financeiros e humanos necessários ao processo de reassentamento, outros tantos embates continuaram a ocorrer durante a construção do empreendimento. Em grande medida, os problemas relativos à gestão e à continuidade das obras dizem respeito ao seu déficit inicial, pois, devido à lentidão no processo de avaliação das peças técnicas, quando do começo dos trabalhos, o saldo negativo acumulava-se paulatinamente. Afinal, as taxas de inflação, por si só, elevaram os custos dos insumos construtivos e da mão de obra. Assim, conquanto fossem perscrutadas alternativas visando à obtenção de recursos para a finalização do empreendimento - inclusive com o redirecionamento, para as obras de urbanização de Piquiá, de parte dos royalties da mineração devidos ao município de Açailândia -, não se alcançou o montante necessário à execução. Como consequência, as obras arrastaram-se.

Diante desse cenário, a Fundação Vale, ao final de 2020 e devido ao encerramento do PMCMV-Entidades, propôs substituir a gestão realizada pela ACMP por uma ‘empreitada global’, ou seja, contratação de uma construtora terceirizada. Em maio de 2021, por sua vez, o Governo Estadual do Maranhão, através de novo TAC, comprometeu-se a construir alguns dos equipamentos públicos previstos no projeto original.11 11 Cf. https://justicanostrilhos.org/acmp-celebra-mais-um-fruto-da-sua-luta/. Acesso em: 27 mar. 2023. Importa notar que a terceirização das obras, ao contrário do que defendiam os representantes da Vale, não correspondeu a uma maior produtividade ou agilidade dos processos construtivos. Se não ocorrerem mais atrasos no cronograma da construtora contratada, a previsão é de que as novas casas de Piquiá da Conquista sejam entregues ao final de 2023.12 12 Disponível em: https://piquiadebaixo.com.br/noticias/. Acesso em: 27 mar. 2023.

Considerando o exposto, podemos concluir que o exemplo de Piquiá de Baixo vai além da luta por moradia típica de grandes centros urbanos, que surge do confronto entre as “práticas espaciais de grupos não dominantes”13 13 Henri Acselrad em palestra sobre o tema “Capitalismo e crise ambiental”, nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cKMeGXvTK8. Acesso em: 13 mai. 2023. e aquelas especulativas do capital imobiliário. A comunidade de Piquiá luta por justiça ambiental no sentido mais amplo: contra os efeitos deletérios da mineração, contra o modelo extrativista vigente, fruto de um projeto desenvolvimentista de sociedade que se apoia na exploração desenfreada dos corpos e da Natureza. É uma luta que condensa muitas outras. Em um primeiro momento, lutou-se pelo direito de permanência no território ocupado, como também o fazem indígenas, quilombolas e os povos originários. Diante da impossibilidade de ali ficar, teve início a luta pela terra, pelo reassentamento do povoado em outro local menos insalubre. Nesse momento, a mobilização jurídica assumiu papel central, despertando a atenção de diferentes organizações. Conquistada a terra, a luta passa a ser por autonomia, pela conquista do poder de decisão sobre o próprio futuro através do desenho do futuro bairro. É quando se celebram os recursos próprios, que tornam possível a assessoria técnica independente para projetar o sonho coletivo. Na luta pela concretização desse sonho, reivindica-se que os responsáveis pela degradação do território original assumam os custos das obras. Como isso não aconteceu, a solução foi recorrer ao financiamento do programa habitacional federal, cujo regulamento ‘rígido’ impossibilitou o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Mas, apesar de tantas lutas, falta no exemplo de Piquiá de Baixo aquela essencial para o campo da Construção Civil, em que a Arquitetura é praticada: a luta pela autonomia dos trabalhadores no canteiro de obras. Presente em outras práticas colaborativas, não aparece em Piquiá, cuja mão de obra ‘externa’ é majoritariamente contratada pela ACMP. No lugar das reflexões emancipatórias que o trabalho autogerido propicia, reduzindo as distâncias entre aqueles que decidem e os que executam, prevalece a heteronomia dos canteiros de obras tradicionais (Ferro, 2006FERRO, S. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.; 2021FERRO, S. Construção do desenho clássico. Belo Horizonte: MOM, 2021.). O caráter comunitário e coletivo da proposta encerra-se na antecipação do futuro pelo desenho coletivo. Em conjunto com a morosidade do processo e com os efeitos inesperados da pandemia, essa luta ausente acaba por contribuir com a desmobilização da comunidade - que inclusive desiste de gerir as obras de Piquiá da Conquista.

Esse é um ponto importante de reflexão, pois a inovação que ocorre na interação entre mutirantes, a qual ecoa em várias outras experiências do tipo no Brasil e mundo afora, refere-se justamente à possibilidade concreta de uma outra prática da Arquitetura para outras relações de produção (imprescindíveis na construção de sociedades pós-extrativistas, reiteramos). Por outro lado, em Piquiá de Baixo, o trabalho comum do grupo de moradores com a assessoria técnica não se espelha igualmente na antecipação do “sujeito coletivo” da produção (Ferro, 2015FERRO, S. “Trabalhador coletivo” e autonomia. In: VILAÇA, Í.; CONSTANTE, P. (orgs.). Usina: entre o projeto e o canteiro. São Paulo: Edições Aurora, 2015., p. 23), que ajudaria a moldar sua solidariedade interna. Por isso, a experiência não se completa. Além do mais, mesmo que o direito à moradia esteja assegurado por vias convencionais, não podemos dizer o mesmo quanto ao direito à vida.

3.2 Acesso à moradia, sem garantia do direito à vida

Ainda que lento e atravessando diferentes embates, o processo de reassentamento da comunidade de Piquiá de Baixo está em vias de ser encerrado. Contudo, a garantia do direito à moradia não é a única e nem sequer a mais importante reivindicação de seus habitantes, que lutam por reparação integral das violações sofridas. Além do mais, os graves impactos ambientais acima elencados atingem outros milhares de moradores de bairros adjacentes, os quais não foram contemplados pela proposta de reassentamento. Sendo assim, o cenário futuro é de continuidade da contaminação ambiental produzida pela cadeia minero-siderúrgica em Açailândia - a qual, em grande medida, alimenta o setor construtivo. Uma primeira prova reside na constatação de que as conquistas de Piquiá de Baixo resultaram de manifestações da própria comunidade e não da articulação de políticas públicas e/ou da elaboração de estratégias visando à resolução efetiva dos problemas levantados. Conforme analisamos, os órgãos públicos e as empresas envolvidas limitaram-se a agir quando demandados ou mesmo constrangidos.

Além disso, há anos as siderúrgicas instaladas na região operam com licenças ambientais vencidas. Isso é possível pelo uso do dispositivo de prorrogação automática. Regulado pela Lei Complementar Federal nº 140/2011,14 14 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp140.htm. Acesso em: 27 mar. 2023. esse dispositivo prevê que o prazo de renovação de licenças ambientais, quando não solicitado pelas empresas com 120 dias de antecedência, seja automaticamente adiado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente. Assim sendo, mesmo que a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Maranhão reconheça que as siderúrgicas ali atuantes não atendem às condições necessárias para renovação de seus certificados de operação (em função, por exemplo, da falta de controle de emissões atmosféricas poluentes), não houve cassação de licenças ambientais. O quadro descrito torna-se mais crítico ao constatarmos que os laudos de fiscalização produzidos pela SEMA advêm do automonitoramento das empresas: ou seja, as próprias fábricas produzem e disponibilizam provas sobre suas irregularidades ambientais, sem medo de ‘fecharem as portas’ (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Essa situação regional poderia ser enquadrada dentro do processo mais amplo de “flexibilização tácita” das regulamentações ambientais no Brasil (FIDH; JG; JNT, 2011FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA GLOBAL (JG). JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Quanto valem os direitos humanos? Os impactos sobre os direitos humanos relacionados à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia. Açailândia: FIDH; JG; JNT. 1ª. versão maio de 2011. [atualizada em março de 2012]. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/report_brazil_port_ld-2012-03.pdf.
https://www.fidh.org/IMG/pdf/report_braz...
, p. 23; Acselrad, 2002ACSELRAD, H. Justiça ambiental e construção social do risco. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 5, p. 49-60, jan./jun. 2002.; Acselrad et al., 2012ACSELRAD, H. et al. Desigualdade ambiental e acumulação por espoliação: o que está em jogo na questão ambiental? e-cadernos CES [Online], 17, 2012. Doi: 10.4000/eces.1138.
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). Nesse caso específico, embora não tenha ocorrido uma flexibilização ‘institucional’, através da alteração de leis e normas sobre o funcionamento das siderúrgicas, observamos que os órgãos licenciadores e fiscalizadores permitem que as empresas funcionem à margem dos regulamentos. De fato, a aciaria Aço Verde Brasil (AVB), unidade vinculada à Gusa Nordeste, foi inaugurada em dezembro de 2015, nas imediações de Piquiá de Baixo, mesmo que a ‘guseira’ já estivesse em desconformidade com as restrições de licenciamento ambiental. Enquanto a AVB tem sido premiada por produzir “carbono neutro”,15 15 Como justificativa para a premiação, encontram-se: o emprego de carvão vegetal reflorestado (advindo das monoculturas de eucalipto, lembremos) como principal combustível nos altos-fornos, além do reuso de gases quentes nos processos produtivos e de resíduos sólidos. Cf. INSTITUTO AÇO BRASIL. Relatório de sustentabilidade. 2020. Disponível em: https://acobrasil.org.br/relatoriodesustentabilidade/assets/pdf/PDF-2020-Relatorio-Aco-Brasil-COMPLETO.pdf. Acesso em: 27 mar. 2023. o transporte de ferro-gusa incandescente, entre as instalações da antiga siderúrgica e a nova aciaria, passando pelas ruas de Piquiá, consiste em uma preocupação adicional e recorrente dos moradores (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

A análise de Luiz Marques sobre a dificuldade de cumprimento dos pactos multilaterais, visando à redução de emissões globais de GEE, pode ajudar a melhor compreender a presente situação de flexibilização ambiental. Marques relaciona o aumento da participação do capital estatal em setores da economia, incluindo a participação na indústria de combustíveis fósseis, à inércia dos Estados em mitigarem suas emissões de GEE. Em outras palavras, as políticas ambientais gradualmente se submeteram aos interesses dos próprios ativos econômicos do Estado (Marques, 2015MARQUES, L. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Editora da Unicamp, 2015., p. 25-26). O mesmo ocorre no caso das empresas mineradoras: através de consulta ao portal “BNDES Transparente”,16 16 Cf. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia. Acesso em: 27 mar. 2023. Ver também o relatório “Mineração e violações de direitos” da Plataforma Dhesca Brasil: http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2016/03/plataforma-dhesca_carajas.pdf. Acesso em: 27 mar. 2023. constatamos que as siderúrgicas que produzem ferro-gusa em Açailândia têm acessado recursos do banco, na modalidade de empréstimo indireto, assim como a Vale recebeu diferentes financiamentos para seus projetos de expansão desde o início de suas operações. Em tese, aqueles que acessam recursos do BNDES precisariam cumprir com a política de “responsabilidade social e ambiental” dessa entidade, enquanto a Vale elaborou sua própria cartilha de sustentabilidade.17 17 Disponível em: https://vale.com/pt/web/esg/home. Acesso em: 27 mar. 2023. Porém, tal orientação não basta para que os agentes envolvidos adotem práticas socioambientais responsáveis.

Na verdade, como vimos, as empresas não são sequer responsabilizadas pela visível degradação ambiental dos territórios em que atuam ou pela deterioração das condições de vida das populações que neles buscam sobreviver. No caso de Piquiá de Baixo, o envolvimento da fundação Vale e das siderúrgicas, representadas por seu sindicato, tem sido associado a iniciativas ‘voluntárias’. A celebração de TACs com o Ministério Público, no processo de reassentamento, constitui um exemplo: é como se o apoio financeiro resultasse de um processo de cooperação, fruto da política de “responsabilidade social” das empresas, mas não do reconhecimento formal das violações cometidas (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Ao mesmo tempo em que a ACMP lutava para que o projeto de Piquiá da Conquista fosse definitivamente aprovado, a Vale ampliava sua capacidade de extração de minérios - sobretudo após a inauguração da mina S11D em Canaã dos Carajás, no sudeste do Pará. Para adequar a capacidade de transporte dos metais extraídos, destinados predominantemente à exportação (em parte, visando suprir a imensa demanda construtiva chinesa e do Norte global), foi necessário duplicar a Estrada de Ferro Carajás (EFC), gerando mais impactos socioambientais no trajeto. Em contrapartida, durante o período, o setor siderúrgico de Açailândia atravessava uma grave crise, pois empresas russas e ucranianas tornaram-se as principais fornecedoras dessa commodity no mercado mundial, levando à queda dos preços de exportação do ferro-gusa nacional. Em março de 2017, quando o minério de ferro de Canaã já atravessava Piquiá, duas siderúrgicas da região foram vendidas para a Suzano Papel e Celulose, interessada exclusivamente nos ativos florestais das ‘guseiras’. Como consequência, as usinas desativadas passaram a se deteriorar sem que nenhuma medida preventiva à contaminação do entorno tenha sido adotada (FIDH; JNT, 2019FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (FIDH); JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT). Piquiá foi à luta: um balanço do cumprimento das recomendações para abordar as violações aos direitos humanos relacionadas à indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia, Brasil. Açailândia: FIDH; JNT, 2019. Disponível em: https://www.fidh.org/IMG/pdf/bresil734portweb2019.pdf.
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).

Piquiá constitui, portanto, um exemplo elucidador da atuação do capital internacional, exportador de commodities. Enquanto a ACMP e suas organizações parceiras tentam acolher as demandas da comunidade por saúde e moradia, o grande capital - nesse caso, envolvido na cadeia minero-siderúrgica e com a anuência de várias esferas do Estado -, compromete o direito à vida dos moradores. Ao mesmo tempo, arquitetos, confortavelmente acomodados em seus escritórios, a uma distância segura dos conflitos de Piquiá, seguem escolhendo elementos estruturais, esquadrias e painéis de aço para compor edificações - sem questionar de onde vêm ou que danos seus processos produtivos acarretam. Quando muito, buscam justificar a suposta ‘sustentabilidade’ de seus desenhos, tradicionais ou arrojados, com o argumento de que tais perfis metálicos possibilitam a otimização dos tempos nos canteiros e que talvez possam ser reciclados no futuro. Alguns deles, visando à redução dos impactos ambientais de seus projetos, também especificam dispositivos para otimizar o consumo de água e de energia, ignorando quanta água e energia foi usada para a fabricação desses mesmos componentes e sistemas.

Conforme exposto, desde a difusão da arquitetura moderna, a produção hegemônica de nossos ‘abrigos’ tem se baseado em soluções padronizadas em ‘concreto-aço-vidro’, dependentes de sistemas mecânicos de condicionamento de ar e de iluminação. Mesmo com o desenvolvimento de dispositivos que tentam resolver a inadequação ambiental dessa produção, pouco questionamos as tipologias arquitetônicas que passaram a ser amplamente erguidas em todo o mundo, muito menos o alto capital humano e natural necessário à sua materialização. Ao projetar com foco no resultado, seguimos construindo edifícios praticamente indiferentes ao seu modo de produção, aos seus impactos socioambientais. Contudo, manter a ruptura histórica entre desenho e canteiro (Ferro, 2006FERRO, S. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac & Naify, 2006.) representa uma grave irresponsabilidade diante do atual quadro esgotamento do mundo.

Para além do aumento das emissões de GEE, no caso específico do aço, existem ainda os impactos associados à exploração das próprias jazidas de minério de ferro, como demonstraram os últimos e agudos desastres em Minas Gerais (Trocate; Coelho, 2020TROCATE, C.; COELHO, T. Quando vier o silêncio: o problema mineral brasileiro. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo ; Expressão Popular, 2020.). Mas, como estamos inseridos na lógica vigente, marcada igualmente pela alienação do trabalho e da Natureza, mal conseguimos perceber a parte que nos cabe no rompimento das barragens. Assim, no exercício de nossa profissão, somos ‘aliados’, ainda que inconscientes, do capital. Com o exemplo de Piquiá, procuramos demonstrar como os materiais e componentes ‘modernos’, inicialmente desenvolvidos para atender às inovações formais da arquitetura e à necessidade de submeter os canteiros ao capital (Ferro, 2018FERRO, S. Concrete as Weapon. Harvard Design Magazine, n. 4, dez. 2018.), ainda hoje servem à lógica de expropriação do trabalho, associada à superexploração dos recursos naturais e à contaminação do meio.

4. Considerações

Nosso presente reproduz e agrava a história econômica e social, escrita pelo capitalismo, de ondas sucessivas de expropriação dos povos tradicionais e de exploração dos territórios por eles ocupados. Precisamos enfatizar, em vista disso, que a escassez atribuída à Natureza, prevalente no discurso hegemônico, encobre as dimensões socioeconômica e geopolítica da problemática ambiental. Isso porque os múltiplos elementos naturais estão distribuídos desigualmente pelo planeta e são disputados por grupos sociais com interesses conflitantes. São justamente os conflitos entre grupos sociais mobilizados (em geral, com o intuito de preservar sua condição de existência) e interesses corporativos e governamentais (com vistas à manutenção de padrões de crescimento econômico contínuos) que têm fundamentado os debates sobre a preservação versus exploração dos recursos naturais.

Como também vimos, um aspecto que encobre a pretensa ecoeficiência dos produtos e edificações ‘verdes’ refere-se à transferência das etapas de produção que mais demandam matéria e energia, em situações de trabalho precárias, para outros pontos do planeta: nada mais que a externalização dos danos socioambientais. Portanto, reiteramos que, ao avaliar a ecoeficiência de produtos e edificações, precisamos considerar toda a cadeia produtiva. Caso contrário, seguiremos ‘cúmplices’ do modelo extrativista, embalado em uma roupagem ‘sustentável’. Afinal, conforme analisamos, o sistema socioeconômico hegemônico somente se tornou possível pela existência de relações coloniais (no passado e no presente). Para que as populações do Norte e as elites do Sul global pudessem manter seus estilos de produção e de consumo, requisitaram e continuam a demandar o acesso à “totalidade dos recursos do planeta” (Lang, 2016LANG, M. Alternativas ao desenvolvimento. In: DILGER, G.; LANG, M.; PEREIRA FILHO, J. (orgs.). Descolonizar o imaginário: debates sobre o pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento . São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo , 2016. p. 24-45. Disponível em: https://rosalux.org.br/product/descolonizar-o-imaginario-debates-sobre-pos-extrativismo-e-alternativas-ao-desenvolvimento/.
https://rosalux.org.br/product/descoloni...
, p. 28), aos ‘bens’ naturais, à mão de obra e à capacidade do ambiente em absorver poluição e resíduos.

No caso da Construção Civil, devido à fragmentação e ao espalhamento mundial de sua cadeia produtiva, ficamos praticamente alheios à relação existente entre as edificações que produzimos e a destruição de “ecossistemas culturalmente territorializados” (Aráoz, 2020ARÁOZ, H. M. Mineração, genealogia do desastre: o extrativismo na América como origem da modernidade. São Paulo: Elefante , 2020., p. 131). Ou seja, conscientes ou não, tornamo-nos coniventes com essa lógica predatória. O caso de Piquiá de Baixo (MA) é emblemático ao desvelar os inúmeros conflitos que podem emergir em nosso campo de atuação, submetido à e aliado da dinâmica capitalista extrativista. Afinal, em Piquiá, o mesmo setor que consome grande quantidade dos minérios que contaminam o território, constrói casas para que parte da população atingida possa sobreviver.

A grande ironia do processo de reassentamento refere-se ao fato de que os moradores da comunidade se viram constrangidos a aceitar, das mãos de quem lhes tirou o direito de viver em seu lugar de origem, uma compensação que pouco ou nada impacta os ganhos das empresas, tampouco corresponde aos reais malefícios causados pela sua atuação ali. É irrisório o montante de recursos investidos na construção das novas moradias, quando comparados ao que a Vale e as demais empresas da cadeia minero-siderúrgica extraem de valor da região, ou à magnitude dos recursos necessários para que as comunidades atingidas possam viver dignamente, não apenas sobreviver.

Diante do exposto, precisamos nos questionar se nossos discursos e práticas têm contribuído para dar continuidade à acumulação capitalista, ou se, pelo contrário, possibilitam-nos criar ‘brechas’ que se contraponham ao esgotamento das fontes vitais do planeta e às dinâmicas espaciais desiguais, típicas do capitalismo financeirizado, exportador de commodities. Nesse sentido, insistimos na necessidade de entender a Arquitetura para além da concepção de edifícios, ocupando-nos dos processos e meios que possibilitam a “transformação do espaço pelo trabalho humano” (Kapp; Baltazar, 2021KAPP, S.; BALTAZAR, A. (eds.). Moradia e outras margens. Belo Horizonte: MOM , 2021. Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/01_biblioteca/arquivos/Kapp_Baltazar_2021_moradia_outras_margens_v1_web.pdf.
http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/01_biblio...
, p. 14).

Referências

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  • WORLD STEEL ASSOCIATION. World Steel in Figures, 2020 Bruxelas: Worldsteel Association, 2020.
  • 1
    O caso apresentado - projeto e construção de um novo conjunto urbano para reassentamento da comunidade do Piquiá de Baixo - resultou de um amplo esforço coletivo, articulado entre a população local, um grupo de padres combonianos, organizações sociais regionais e de trabalhadoras e trabalhadores da Usina CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado) (http://www.usina-ctah.org.br/). Sem as informações e os relatos, inúmeras vezes circulados em conversas com Kaya Lazarini, Flávio Higuchi, Isac Marcelino e Wagner Germano - dentre outras e outros colegas da Usina -, as reflexões, que aqui apresentamos, não teriam sido possíveis. Registramos nossos agradecimentos, confiantes de que a conexão que estabelecemos entre a luta por moradia digna e a luta por justiça ambiental contribua para melhor compreendermos a dimensão do problema com o qual estamos lidando.
  • 2
    Henri Acselrad em palestra sobre o tema “Capitalismo e crise ambiental”, nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cKMeGXvTK8. Acesso em: 13 mai. 2023.
  • 3
    Henri Acselrad em palestra sobre o tema “Capitalismo e crise ambiental”, nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cKMeGXvTK8. Acesso em: 13 mai. 2023.
  • 4
    CIRCLE ECONOMY. The circularity GAP report. 2021. p. 20-21. Disponível em: https://www.circularity-gap.world/2021#downloads. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 5
    Ver: INSTITUTO AÇO BRASIL. Relatório de sustentabilidade. 2020. Disponível em: https://acobrasil.org.br/relatoriodesustentabilidade/assets/pdf/PDF-2020-Relatorio-Aco-Brasil-COMPLETO.pdf. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 6
    Cooperação “simples”, porque inexiste divisão institucionalizada do trabalho, conforme definição de Marx. Sérgio Ferro acrescenta o adjetivo “desenvolvida” para indicar a formação do “trabalhador coletivo” nesse modo de organização do trabalho na Construção (Ferro, 2021FERRO, S. Construção do desenho clássico. Belo Horizonte: MOM, 2021., p. 42).
  • 7
    Segundo Jeremy Till em palestra proferida no dia 22 de abril de 2020, intitulada “Architecture after Architecture”. Disponível em: http://www.jeremytill.net/read/130/architecture-after-architecture. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 8
    As informações sobre este empreendimento - que nos serviram como estudo de caso - foram obtidas através da participação direta de um dos autores, acompanhando a evolução das negociações, desenvolvimento dos projetos e implementação das obras para realização do empreendimento de reassentamento da comunidade, com consulta a fontes primárias: pranchas de projeto, relatórios, atas das reuniões, entre outros documentos.
  • 9
    USINA CTAH. Reassentamento do Piquiá de Baixo. Disponível em: http://www.usina-ctah.org.br/piquia.html. Acesso em: 10 nov. 2023.
  • 10
    Usina CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado) é uma organização não-governamental paulista, formada por profissionais de diferentes áreas, que prestam assessoria técnica em habitação e planejamento. Cf. http://www.usina-ctah.org.br. Acesso em: 13 mai. 2023.
  • 11
  • 12
    Disponível em: https://piquiadebaixo.com.br/noticias/. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 13
    Henri Acselrad em palestra sobre o tema “Capitalismo e crise ambiental”, nov. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_cKMeGXvTK8. Acesso em: 13 mai. 2023.
  • 14
    Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp140.htm. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 15
    Como justificativa para a premiação, encontram-se: o emprego de carvão vegetal reflorestado (advindo das monoculturas de eucalipto, lembremos) como principal combustível nos altos-fornos, além do reuso de gases quentes nos processos produtivos e de resíduos sólidos. Cf. INSTITUTO AÇO BRASIL. Relatório de sustentabilidade. 2020. Disponível em: https://acobrasil.org.br/relatoriodesustentabilidade/assets/pdf/PDF-2020-Relatorio-Aco-Brasil-COMPLETO.pdf. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 16
    Cf. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia. Acesso em: 27 mar. 2023. Ver também o relatório “Mineração e violações de direitos” da Plataforma Dhesca Brasil: http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2016/03/plataforma-dhesca_carajas.pdf. Acesso em: 27 mar. 2023.
  • 17
    Disponível em: https://vale.com/pt/web/esg/home. Acesso em: 27 mar. 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2023
  • Aceito
    08 Nov 2023
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