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Avaliação das aprendizagens na disciplina de Sociologia para o Curso Complementar: reflexões a partir de manuais didáticos das décadas de 1930 e 1940

Evaluación del aprendizaje en la disciplina de Sociología para el Curso Complementario: reflexiones a partir de manuales didácticos de las décadas de 1930 y 1940

Resumo

O estudo analisou cinco manuais escolares de Sociologia, produzidos entre as décadas de 1930 e 1940, visando apreender suas propostas de avaliação das aprendizagens. Utilizando a análise de conteúdo, foram examinados objetivos, conteúdos e metodologias adotados por esses manuais, tendo em vista seus possíveis impactos sobre a configuração da avaliação. Também foram analisadas as atividades constantes em tais obras, por serem instrumentos importantes do processo avaliativo, a fim de classificá-las de acordo com os objetivos educacionais pretendidos. Os resultados apontam que, dado o objetivo propedêutico do ensino de Sociologia no período, a avaliação acabou focando, prioritariamente, na alfabetização sociológica dos estudantes, ou seja, na assimilação de conhecimentos teórico-conceituais das Ciências Sociais.

Palavras-chave:
ensino secundário; história da educação; avaliação; ensino de sociologia

Resumen

El estudio analizó cinco manuales escolares de Sociología, elaborados entre las décadas de 1930 y 1940, con el objetivo de comprender sus propuestas de evaluación del aprendizaje. Utilizando el análisis de contenido, se examinaron los objetivos, contenidos y metodologías adoptadas por estos manuales, teniendo en cuenta sus posibles impactos en la configuración de la evaluación. También se analizaron las actividades presentes en dichas obras, ya que son instrumentos importantes en el proceso de evaluación, con el fin de clasificarlas según los objetivos educativos pretendidos. Los resultados indican que, dada la meta propedéutica de la enseñanza de la Sociología en ese período, la evaluación se centró principalmente en la alfabetización sociológica de los estudiantes, es decir, en la asimilación de conocimientos teórico-conceptuales de las Ciencias Sociales.

Palabras clave:
enseñanza secundaria; historia de la educación; evaluación; enseñanza de sociología

Abstract

The study analyzed five Sociology textbooks, produced between 1930s and 1940s, in order to apprehend their proposals for learning evaluation. Using content analysis, the objectives, contents and methodologies adopted by these manuals were examined, in view of their possible impacts on the evaluation configuration. The activities contained in these works were also analyzed, as they are important instruments of the evaluation process, in order to classify them according to the intended educational objectives. The results indicate that, given the propaedeutic objective of the teaching of Sociology in the period, the evaluation ended up focusing, primarily, on the sociological literacy of the students, that is, on the assimilation of theoretical-conceptual knowledge of the Social Sciences.

Keywords:
secondary education; history of education; assessment; teaching sociology

Introdução

Desde que a Sociologia voltou, de forma obrigatória, ao currículo da educação básica brasileira por meio da Lei nº 11.684/2008, depois de mais de 60 anos de ausência1 1 Desde 1942, quando a Reforma Capanema reestruturou o ensino secundário, eliminando o Curso Complementar, em cujo currículo a Sociologia figurava, essa disciplina passou a não mais constar na lista de componentes obrigatórios do currículo escolar nacional. Situação que somente se alterou 66 anos depois com a Lei nº 11.684/2008 (Oliveira, 2013). ou, em raras situações, de presença optativa2 2 Machado (1987, p. 133) nos informa que entre 1961 e 1982, dada a autonomia dos estados federativos na definição de alguns componentes complementares e optativos para o currículo do ensino secundário, conforme disposições das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 e 1971, “[...] a Sociologia era em alguns estados disciplina pela qual a escola secundária poderia optar”. Do início dos anos 1980 até a primeira década dos anos 2000, segundo informações constantes em Silva (2010), a sociologia vai experimentando um retorno gradativo ao currículo escolar por meio de algumas legislações estaduais que foram restituindo, apenas regionalmente, sua obrigatoriedade. , muito se discutiu, em termos didático-pedagógicos, acerca dos objetivos, dos conteúdos e das metodologias que deveriam configurar o ensino de Sociologia na escola. No entanto, no que diz respeito à avaliação das aprendizagens, que é uma das dimensões fundamentais do processo educativo, pouco foi discutido. Quando muito, veem-se somente trabalhos de cunho ensaístico e/ou pedagógico3 3 Exemplos nesse sentido são os textos de Osório e Sarandy (2012), Kieling (2013) e Araújo et al. (2014). que apenas incorporam noções mais gerais sobre avaliação sem, contudo, se ater às possíveis especificidades que ela venha a adquirir no contexto da Sociologia escolar.

A fim de contribuir com a superação dessa lacuna, temos desenvolvido, nos últimos anos, alguns estudos que, tomando livros didáticos de Sociologia como objeto empírico de estudo, buscam compreender, por meio de suas propostas avaliativas, a forma como a avaliação das aprendizagens vem se configurando nesse contexto disciplinar4 4 Obviamente, temos consciência de que a avaliação das aprendizagens só se efetiva durante a prática docente. Mas, sendo o livro didático um recurso fundamental na estruturação dessa prática, ele pode nos dar indicativos, por meio de suas propostas explícitas ou implícitas de avaliação, da forma como os processos avaliativos têm se configurado em um dado contexto disciplinar. . Se, num primeiro momento, focalizamos produções didáticas recentes5 5 Por exemplo, em pesquisa anterior (Pires & Marques, 2020), analisamos os cinco livros didáticos de Sociologia aprovados no Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2018. , agora buscamos direcionar nosso olhar para manuais didáticos de Sociologia que foram produzidos na primeira metade do século XX, entre as décadas de 1930 e 1940, momento em que a Sociologia, pela primeira vez, tinha alcançado, em nível nacional, o status de disciplina obrigatória no currículo escolar6 6 Segundo Neuhold (2019), a primeira vez que a Sociologia aparece como componente obrigatório do currículo do ensino secundário foi em 1890, por meio da Reforma Benjamin Constant. Entretanto, devido à não efetivação plena dessa reforma, o ensino de Sociologia não foi implementado na prática. Mais adiante, em 1925, com a Reforma Rocha Vaz, a Sociologia encontrou seu primeiro espaço de realização, sendo inserida como disciplina obrigatória no currículo do sexto ano do ensino secundário. Contudo, os efeitos dessa reforma na estruturação desse nível de ensino ficaram restritos ao Distrito Federal, especificamente ao Colégio Pedro II. Somente em 1931, com a Reforma Francisco Campos, válida para todo o território brasileiro, a Sociologia foi projetada nacionalmente como componente obrigatório do Curso Complementar, última fase do ensino secundário. .

Analisar tais obras com vistas a compreender a avaliação das aprendizagens no ensino de Sociologia nessa época nos dará a oportunidade de: 1) conhecer as primeiras experiências relacionadas à prática avaliativa nesse contexto disciplinar, identificando abordagens, métodos e instrumentos utilizados; 2) compreender as formas de avaliação adotadas à época em sua relação com as políticas educacionais em vigor.

Nosso objeto empírico é um conjunto de manuais didáticos de Sociologia, constituído por cinco obras publicadas entre 1938 e 19407 7 Tais obras foram publicadas durante a vigência da Reforma Francisco Campos, aprovada em 1931. Comentando as implicações dessa reforma para o ensino de Sociologia, Machado (1987) destaca que seus efeitos só seriam sentidos em 1937, ano em que a série, na qual essa disciplina havia sido inserida, ocorreria pela primeira vez. Nessas condições, faz sentido que a publicação dos primeiros manuais de sociologia destinados a esse nível de ensino tenha começado a ocorrer apenas em fins da década de 1930. , destinadas ao ensino secundário, mais precisamente, ao segundo ano do Curso Complementar, série em que a Sociologia constava como componente curricular obrigatório. As obras são as seguintes: Preciso de sociologia (1938), de Paulo Augusto; Noções de sociologia (1938Augusto, P. (1938). Preciso de sociologia. Est. Graf. “Apollo”.), de Roberto Lyra; Práticas de sociologia (1939), de Delgado de Carvalho, Introdução à sociologia (1940), de Fernando Mota e Programa de sociologia (1940Mota, F. (1940). Introdução à sociologia. Impresso nas Officinas do Diário da Manhã.), de Amaral Fontoura (ver Figura 1). Todas essas obras foram integralmente submetidas à análise de conteúdo no que diz respeito aos seus aspectos didático-pedagógicos, de modo que pudéssemos alcançar as formas de avaliação das aprendizagens que elas potencialmente ensejavam.

Em termos estruturais, o presente trabalho, além desta introdução e das considerações finais, está estruturado em três tópicos: no primeiro, expomos de modo mais detalhado o desenho teórico-metodológico de nossa pesquisa; no segundo tópico, apresentamos, brevemente, a conjuntura político-econômica da década de 1930, período em que foram publicados os manuais supracitados, destacando suas implicações para as políticas educacionais da época; por fim, ao esmiuçarmos a forma como a Sociologia escolar se apresenta em tais manuais, buscamos compreender como a avaliação das aprendizagens se configurava nesse campo disciplinar durante o período focalizado.

Figura 1
Capas dos manuais escolares de Sociologia focalizados

Desenho teórico-metodológico da pesquisa

Em nossa pesquisa, com base nas reflexões de algumas referências importantes do campo da educação (Luckesi, 2011Luckesi, C. C. (2011). Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições (22a ed.). Cortez.; Libâneo, 2006Libâneo, J. C. (2006). Didática. Cortez.; Tyler, 1978Tyler, R. W. (1978) Princípios básicos de currículo e ensino (5a ed.). Globo.; Bloom et al., 1983Bloom, B. S., Hastings, J. T., & Madaus, G. F. (1983). Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. Livraria Pioneira Editora.), buscamos sintetizar, apenas para fins analíticos, sem qualquer pretensão pedagógica, uma definição para a avaliação das aprendizagens capaz de funcionar como um instrumento conceitual que possibilitasse uma aproximação sistemática em relação ao objeto empírico estudado: trata-se de um juízo de valor quanto ao desenvolvimento da aprendizagem escolar, tendo em vista verificar se os educandos atingiram certos objetivos educacionais previamente definidos, operacionalizados por meio de determinados conteúdos e metodologias de ensino, de modo a orientar uma tomada de decisão por parte do professor no contexto do processo educacional.

Essa definição traz algumas implicações. Ela indica que, para se compreender como se configura, em um dado contexto educacional, a avaliação das aprendizagens, devemos necessariamente considerar os seguintes aspectos inter-relacionados: 1) os objetivos educacionais que se deseja alcançar; 2) os conteúdos disciplinares que devem ser apreendidos com vistas à consecução dos objetivos predefinidos; e 3) as metodologias que garantem a transposição didática dos conteúdos disciplinares, de modo a torná-los efetivos sobre as aprendizagens. Em outras palavras, para utilizarmos os termos de Libâneo (2006Libâneo, J. C. (2006). Didática. Cortez.), assumimos como pressuposto a unidade da estrutura objetivos-conteúdos-métodos-avaliação, estando esses elementos ligados uns aos outros por uma interdependência funcional. A partir da perspectiva da avaliação, essa unidade pode ser posta nestes termos: avalia-se a consecução de objetivos predefinidos com base nos conteúdos fixados e no modo como esses foram didaticamente trabalhados.

Assim, ao nos perguntarmos como se configuram as propostas de avaliação das aprendizagens que se podem extrair da análise dos manuais de Sociologia destinados ao Curso Complementar, fomos levados à necessidade de antes respondermos às seguintes questões: quais os objetivos educacionais que aquelas obras vinculam ao ensino de Sociologia nesse nível educacional? Quais os conteúdos teóricos, conceituais e temáticos selecionados para a consecução de tais objetivos? Quais os métodos e recursos utilizados para a transposição didática desses conteúdos? As respostas a essas perguntas nos forneceram subsídios para compreendermos os diversos aspectos concernentes à avaliação das aprendizagens que puderam ser subtraídos das orientações didáticas e das variadas atividades direcionadas aos estudantes que algumas das obras supracitadas trouxeram.

Considerando que os manuais didáticos analisados, assim como outras produções humanas, são condicionados por diversos fatores sócio-históricos, mostrou-se necessário que os dados evidenciados pelas questões postas anteriormente fossem contextualizados. Nesse sentido, à luz da manualística (Bodart & Pires, 2021Bodart, C. N., & Pires, W. (2021). Compreensão do processo de institucionalização da Sociologia escolar apartir de manuais escolares: um percurso metodológico em manualística. Em Aberto, 34(111), 113-130.), assumimos a necessidade de que, metodologicamente, nossa abordagem dos manuais didáticos deveria considerá-los em duas dimensões, a saber: 1) a “dimensão interna” às obras, que compreende todo o teor dos livros e a forma como eles se estruturam e 2) a “dimensão externa” às obras, que diz respeito aos contextos social, político, econômico, cultural, educacional etc., a partir dos quais se dão os processos de produção, circulação e recepção dos manuais escolares.

Dessa forma, buscamos, por um lado, através da análise de conteúdo, nos termos de Bardin (2016Bardin, L. (2016). Análise de conteúdo. Edições 70.), detectar, descrever e classificar os objetivos educacionais8 8 Buscamos chegar aos objetivos educacionais, observando, nas obras em questão, informações constantes em capas, folhas de rosto, apresentações, prefácios, apêndices, textos introdutórios e/ou capítulos iniciais de apresentação da Sociologia. , os conteúdos programáticos9 9 No que diz respeito aos conteúdos programáticos, acessamo-los, principalmente, por meio dos sumários das referidas obras. , as metodologias e recursos didáticos10 10 Para alcançar as metodologias empregadas pelas obras focalizadas na transposição didática dos conteúdos da Sociologia, tivemos de percorrer os diversos capítulos que compunham cada uma delas, mapeando os recursos didáticos utilizados (elementos iconográficos, esquemas, enumerações etc.) e observando as formas como os conteúdos eram trabalhados (principalmente no que diz respeito à linguagem utilizada). , as propostas avaliativas e os instrumentos de verificação da aprendizagem11 11 Das cinco obras analisadas, apenas duas delas trazem, explicitamente, elementos concernentes a processos avaliativos: Práticas de sociologia e Programa de sociologia. Nesse quesito, foram consideradas, nessas obras, tanto orientações mais diretas para o desenvolvimento de exames, presentes em partes pré-textuais ou pós-textuais, quanto as diversas atividades voltadas ao exercício e/ou verificação das aprendizagens. Tais atividades, além de serem categorizadas, foram contabilizadas. Dessa forma, para fins de contagem, determinamos a unidade de uma atividade pela presença de um enunciado estruturador. Portanto, mesmo que uma atividade englobasse múltiplas questões, ela seria considerada apenas um item a ser registrado e computado, uma vez que tais questões só adquirem sentido pleno quando vistas em conjunto, a partir do enunciado que as conecta. constantes nos cinco manuais de Sociologia, publicados entre 1930 e 1940, que compõem o corpus empírico de nossa pesquisa. Por outro lado, amparados em bibliografia histórica e em documentos legislativos sobre a educação brasileira referentes ao período de publicação dessas obras, buscamos contextualizá-las a fim de darmos sentido aos dados delas extraídos.

A educação brasileira na conjuntura político-econômica da década de 1930

Na década de 1930, o Brasil enfrentou forte turbulência política e econômica. Com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em outubro de 1929, iniciou-se uma fase de grande depressão global que afetou severamente a economia brasileira, ainda predominantemente agrária (Furtado, 2005Furtado, C. (2005). Formação econômica do Brasil (32a ed.). Companhia Editora Nacional.). Essa situação exacerbou tensões políticas e sociais já existentes no país, que culminaram no que ficou conhecido como a “Revolução de 1930”, um golpe de Estado que resultou na ascensão de Getúlio Vargas ao poder (Fausto, 1997Fausto, B. (1997). A revolução de 1930: historiografia e história (16a ed.) Companhia das Letras.).

Esse novo governo, de caráter provisório, logo buscou implementar reformas e medidas visando ao enfrentamento da crise econômica e da instabilidade política. Nesse sentido, em termos econômicos, em contraposição ao modelo agroexportador até então vigente, delineia-se um modelo nacional-desenvolvimentista ancorado na industrialização. Já no que diz respeito à dimensão política, percebe-se a emergência de uma linha autoritária e centralizadora por parte desse governo, que passou a agir por decretos, implementando mudanças significativas na estrutura governamental, nas leis trabalhistas, na economia e, também, no setor educacional (Fausto, 1997Fausto, B. (1997). A revolução de 1930: historiografia e história (16a ed.) Companhia das Letras.; Romanelli, 1986Romanelli, O. O. (1986). História da educação no Brasil (1930/1973) (8a ed.). Vozes.).

Particularmente no que concerne à educação, Vargas a viu como uma ferramenta estratégica capaz de promover seus objetivos políticos, econômicos e sociais para o país. Em termos políticos, a educação foi direcionada de modo a promover a coesão social, reforçar a identidade nacional e moldar a cidadania conforme os valores nacionalistas assumidos por seu governo (Brito, 2006Brito, S. H. A. (2006). A educação no projeto nacionalista do primeiro governo Vargas (1930-1945) (Coleção “Navegando pela história da educação brasileira”). Histedbr. Recuperado de: https://www.histedbr.fe.unicamp.br/pf-histedbr/silvia_h_a_de_brito_artigo_0.pdf
https://www.histedbr.fe.unicamp.br/pf-hi...
). Tendo em vista os novos interesses econômicos centrados no processo de industrialização do país, a educação também deveria se voltar à formação de mão de obra qualificada para atender às novas demandas da indústria emergente e, dessa forma, preparar os indivíduos para contribuir com os processos de modernização da sociedade brasileira (Romanelli, 1986Romanelli, O. O. (1986). História da educação no Brasil (1930/1973) (8a ed.). Vozes.). Tudo isso foi alcançado a partir de um conjunto de reformas no sistema educacional do país, que, em última instância, possibilitou a centralização e o controle do Estado sobre a educação.

Aqui, vale destacar que tais reformas se deram em um contexto marcado por um intenso embate entre perspectivas distintas de educação. Desde a primeira década do século XX, o Brasil vivenciava o que Nagle (2006Nagle, J. (2006). A educação na Primeira República. In B. Fausto (Dir.), O Brasil republicano: sociedade e instituições (1889-1930) (História geral da civilização brasileira, Tomo 3, Vol. 9, 8a ed., p. 283-318). Bertrand Brasil., p. 285) chamou de “entusiasmo pela educação”, ou seja, a crença de que a difusão da instrução seria “[...] a chave para a solução de todos os problemas sociais, econômicos, políticos e outros”. Nesse contexto, podemos identificar, à luz do referido autor, ao menos, dois posicionamentos marcantes: de um lado, temos os intelectuais defensores do que pode ser compreendido como o modelo da “escola tradicional” e, de outro, os intelectuais ligados ao ideário da Escola Nova, interessados não apenas na difusão da escolarização, mas principalmente na remodelação das instituições e do currículo escolar.

Com base em Xavier (2014Xavier, L. (2014). A República e o movimento da Educação Nova no Brasil e em Portugal: sujeitos, concepções e experiências. In A. Mourão, & A. Gomes (Coord.), A experiência da primeira república no Brasil e em Portugal (pp. 279-297). Imprensa da Universidade de Coimbra.), podemos dizer que o modelo da escola tradicional, dentre outros aspectos, pode ser caracterizado pela centralização administrativa, padronização e naturalização dos currículos, visando à homogeneização cultural. Já a Escola Nova configurava-se como um modelo alternativo, tanto no que diz respeito à organização escolar, em que se defendia a autonomia da escola e de seus agentes, quanto no que diz respeito à sua estrutura curricular, que considerava desde as características individuais dos estudantes até o contexto social no qual esses se encontravam, o que implicava a reorganização dos conteúdos de ensino e o desenvolvimento de novas metodologias de aprendizagem.

Desse embate entre perspectivas educacionais, vê-se prevalecer, no âmbito do governo provisório de Vargas, apesar de ter mantido algum diálogo com intelectuais da Escola Nova (Cunha, 2011Cunha, M. V. (2011). Estado e Escola Nova na história da educação brasileira. In D. Saviani (Org.), Estado e políticas educacionais na história da educação brasileira (pp. 251-280). EDUFES.), o modelo da escola tradicional. Sobre isso, a seguinte fala do intelectual escolanovista Anísio Teixeira é bastante sugestiva:

O país iniciou a jornada de 30 com um verdadeiro programa de reforma educacional. Nas revoluções, como nas guerras, sabe-se, porém, como elas começam mas não se sabe como acabam.

A primeira fase daquela jornada caracterizou-se por ímpeto construtivo e por um esforço singular pela recuperação da escola [...].

Numa segunda fase, a reação e um confuso tradicionalismo infiltraram-se [...]. O estado de espírito defensivo, que se apoderou da sociedade brasileira, interrompeu aquele ímpeto renovador. [...] Houve uma espécie de livre passe indiscriminado para tudo que fosse ou se rotulasse de tradicional e uma vigorosa hostilidade a tudo que fosse ou parecesse ser novo (Teixeira, 1956Teixeira, A. (1956). A educação e a crise brasileira. Companhia Editora Nacional., p. XIII).

Dentre as reformas educacionais da Era Vargas, interessa-nos especificamente, para efeitos de nossa pesquisa, a primeira que se constituiu a partir do Ministério da Educação e Saúde Pública, recém-criado através do Decreto nº 19.402 de 1930. Referimo-nos à chamada Reforma Francisco Campos, que levava justamente o nome do primeiro ministro a ocupar a pasta. Essa reforma, segundo Saviani (2021Saviani, D. (2021). História das ideias pedagógicas no Brasil (6a ed.). Autores Associados.), foi constituída por sete decretos: 1) Decreto nº 19.850 de 1931, que cria o Conselho Nacional de Educação; 2) Decreto nº 19.851 de 1931, que dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário; 3) Decreto nº 19.852 (1931), que dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; 4) Decreto nº 19.890 (1931), que dispõe sobre a organização do ensino secundário; 5) Decreto nº 19.941 de 1931, que dispõe sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal; 6) Decreto nº 20.158 de 1931, que organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências e 7) Decreto nº 21.241 (1932), que consolida as disposições sobre a organização do ensino secundário.

Em seu conjunto, esses decretos mudaram completamente a feição da educação nacional. De acordo com as elucidativas palavras de Romanelli (1986Romanelli, O. O. (1986). História da educação no Brasil (1930/1973) (8a ed.). Vozes., p. 131, grifo do autor), o ensino existente até então, em geral, “[...] nunca estivera organizado à base de um sistema nacional. O que existia eram os sistemas estaduais, sem articulação com o sistema central, alheios, portanto, a uma política nacional de educação”. A referida autora ainda lembra que “[...] todas as reformas que antecederam o movimento renovador, quando efetuadas pelo poder central, limitaram-se quase exclusivamente ao Distrito Federal, que as apresentava como ‘modelo’ aos Estados, sem, contudo, obrigá-los a adotá-las”. Com a Reforma Francisco Campos, “[...] era a primeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino e, o que é importante, era pela primeira vez imposta a todo o território nacional”.

Especificamente quanto às modificações que essa reforma realizou no ensino secundário, o que se percebe, com base nas análises de Piletti (1987Piletti, N. (1987). Evolução do currículo do curso secundário no Brasil. Revista da Faculdade de Educação, 13(2), 27-72.), é a completa transformação desse nível educacional em diversos aspectos, dentre os quais destacamos: 1) a ampliação de seu tempo de duração - de cinco ou seis anos12 12 Segundo Piletti (1987), o modo como a Reforma Rocha Vaz, antecessora da Reforma Francisco Campos, estruturou o ensino secundário, deu aos estudantes duas possibilidades quanto ao seu tempo de permanência nesse nível de ensino, que implicou em diferenças no percurso e nas condições para o ingresso nas escolas superiores: 1) Sendo aprovado no quinto ano do ginásio, o estudante já garantia a certificação necessária à inscrição no vestibular; 2) No entanto, após a conclusão do sexto ano, quando obteria o grau de bacharel em Ciências e Letras, o estudante teria assegurada a preferência para a matrícula no curso superior, independentemente da ordem de sua classificação no vestibular. para sete anos; 2) sua subdivisão em dois ciclos - o fundamental, com duração de cinco anos, e o complementar, compreendendo os últimos dois anos; 3) a reestruturação de seu currículo tanto no que diz respeito a sua organização - que se tornou necessariamente seriada - quanto em relação à definição dos componentes curriculares de cada uma das séries, com crescimento da participação de disciplinas das áreas de matemática, ciências e estudos sociais.

Seguindo o direcionamento centralizador das demais políticas do governo em vigor, essa reformulação do ensino secundário chegou a definir, conforme Romanelli (1986Romanelli, O. O. (1986). História da educação no Brasil (1930/1973) (8a ed.). Vozes.), o mesmo currículo, os mesmos programas, os mesmos métodos e os mesmos critérios de avaliação e sistemas de provas para todas as escolas do território nacional. De fato, no art. 10 do Decreto nº 19.890 (1931), encontra-se a seguinte determinação: “Os programmas do ensino secundario, bem como as instrucções sobre os methodos de ensino, serão expedidos pelo Ministerio da Educação e Saude Publica”. Já na sequência de artigos que vai do 35 ao 43, o mesmo decreto realiza uma sistematização extensa e minuciosa da forma como os exames deveriam ser aplicados ao longo de todas as séries do ensino secundário.

Da exposição de motivos que fora apresentada pelo Ministro Francisco Campos em defesa da reestruturação do ensino secundário, e que se acha anexada ao decreto supracitado, podemos destacar uma fala sugestiva que indica o sentido da reforma pretendida:

Via de regra, o ensino secundario tem sido considerado entre nós como um simples instrumento de preparação dos candidatos ao ensino superior, desprezando-se, assim, a sua funcção eminentemente educativa, que consiste, precisamente, no desenvolvimento das faculdades de apreciação, de juizo, e de criterio, essenciaes a todos os ramos da actividade humana e, particularmente, no treino da intelligencia em collocar os problemas nos seus termos exactos e procurar a suas soluções mais adequadas (Campos, 1931Campos, F. (1931). Exposição de motivos (Anexo ao Decreto 19.890/1931). Diário Oficial da União. Seção 1, ano 70, n. 101, p. 6949-51., p. 6949).

Como se vê nessa passagem, a reestruturação do ensino secundário pretendia, em última instância, redirecionar seus objetivos educacionais, de modo a torná-lo um espaço formativo de caráter próprio, não apenas um curso de passagem cuja finalidade última seria a preparação dos sujeitos para o ensino superior. A ampliação do tempo, a divisão em dois ciclos e a reorganização dos componentes curriculares do secundário visava justamente à sua reorientação nesse sentido. Em termos práticos, teríamos um ciclo fundamental, voltado à formação geral dos sujeitos, a fim de capacitá-los para responder às demandas que lhes fossem postas no desenrolar da vida cotidiana, e um ciclo complementar, esse, sim, destinado à preparação dos estudantes para os exames voltados ao ingresso no ensino superior. Nas palavras de Francisco Campos:

O curso foi dividido em duas partes, a primeira de cinco annos, que é a commum e fundamental, e a segunda, de dous annos, constituindo a necessaria adaptação dos candidatos aos cursos superiores e dividida em tres secções. Estas secções se constituirão de materias agrupadas de accôrdo com a orientação profissional do estudante. Para não levar, porém, muito longe a especialização, haverá materias communs ás tres, justamente destinadas á cultura geral, terreno necessario á approximação dos homens, cujos rumos profissionais já tendem a distancial-os (Campos, 1931Campos, F. (1931). Exposição de motivos (Anexo ao Decreto 19.890/1931). Diário Oficial da União. Seção 1, ano 70, n. 101, p. 6949-51., p. 6951).

As três seções em que se dividia o Curso Complementar se estruturavam, em termos curriculares, de acordo com a carreira universitária pretendida. Assim, tínhamos: 1) uma seção para os candidatos ao curso Jurídico; 2) uma seção para os candidatos aos cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia e 3) uma seção para os candidatos aos cursos de Engenharia e Arquitetura.

Foi dentre as disciplinas comuns às três seções do Curso Complementar que se inseriu a Sociologia, precisamente, no currículo do segundo ano. Juntamente com outras disciplinas das humanidades, a Sociologia estava destinada à formação cultural geral dos estudantes, o que, tendo em vista os interesses governamentais no que diz respeito à supressão dos conflitos sociais, se deu no sentido de fomentar a coesão social com base em valores concernentes à realidade nacional. A forma como a Sociologia escolar foi alinhada a tais interesses é uma questão que será tratada no próximo tópico, ao discorrermos sobre os objetivos dessa disciplina no período em foco. Por hora, no sentido de vislumbrarmos os motivos que conduziram à inserção da Sociologia no currículo do secundário, podemos dizer, junto com Meucci (2001Meucci, S. (2001). Os primeiros manuais didáticos de sociologia no Brasil. Estudos de Sociologia, 6(10), 121-158., p. 155), que “[...] a sociologia surge no momento em que se queria, a um só tempo, reconhecer a realidade social do país e constituir a nação”. Nesse sentido, “[...] a disciplina tivera nesse período, aqui entre nós, a missão de redefinir novas condições para a organização e o progresso da nação”.

Não obstante, por ter sido inserida apenas nos cursos complementares, entende-se que a Sociologia assume, junto com as demais disciplinas desse nível, principalmente, uma função propedêutica. De fato, tratava-se de uma matéria cobrada no Concurso de Habilitação às escolas superiores, conforme se vê no item 25 da Circular nº 1.200 (1937), do Departamento Nacional de Educação, estando presente nas provas de seleção de todas as escolas citadas nesse documento: escolas de Medicina, Medicina-Veterinária, Farmácia e Odontologia; escola de Direito; escolas de Engenharia, Arquitetura, Química Industrial e Agronomia. Esse caráter propedêutico do ensino de Sociologia será abordado, pormenorizadamente, na seção seguinte.

A avaliação das aprendizagens no âmbito da Sociologia escolar

Conforme mencionado em nosso delineamento teórico-metodológico, partimos do pressuposto de que a análise da avaliação das aprendizagens, num dado contexto disciplinar, não pode desconsiderar os objetivos educacionais, o conteúdo programático e as metodologias de ensino envolvidos, dada a interdependência funcional entre esses elementos. Assim, ao investigar os cinco manuais de Sociologia publicados entre as décadas de 1930 e 1940, buscando compreender as propostas avaliativas que podem se deduzir deles, tivemos de examinar também os objetivos, conteúdos e metodologias assumidos por tais obras.

Vale destacar que, para dar sentido aos dados coletados sobre esses elementos, buscamos contextualizá-los à luz da legislação educacional e dos documentos curriculares em voga na época. Tal contextualização se deu não apenas porque esses documentos podem sinalizar para tendências educacionais do período que, porventura, aquelas obras possam ter reproduzido, mas, de modo mais concreto, porque, como vimos anteriormente, o currículo, os programas de curso, as metodologias de ensino e a sistemática de avaliação foram, em grande medida, determinadas, de forma centralizada, a partir do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Sendo assim, consideraremos nas análises que se seguem também os seguintes documentos: 1) Decreto nº 19.890 (1931), que dispõe sobre a organização do ensino secundário; 2) Decreto nº 21.241 (1932), que consolida as disposições sobre a organização do ensino secundário; 3) Portaria Ministerial s.n. (1936), que estabelece os programas do curso complementar; 4) Circular nº 1.200 (1937), que dá as instruções sobre o processo de inscrição no Concurso de Habilitação às escolas superiores, definindo inclusive a forma como os exames deverão ser realizados; 5) Circular nº 3.344 (1937), que complementa o disposto na circular anterior, discriminando a matéria essencial dos programas das disciplinas sobre as quais deverão versar as provas do referido concurso, além de acrescentar novas instruções para realização dessas provas.

Os objetivos educacionais cuja efetivação se busca avaliar

Nenhuma ação educativa de caráter intencional se estabelece sem que sejam definidos, de início, objetivos a serem atingidos em termos formativos. Isso ocorre porque, seguindo a compreensão de Castanho (2011Castanho, M. E. (2011). A dimensão intencional do ensino. In I. P. A. Veiga (Ed.), Lições de didática (5a ed., pp. 35-56). Papirus.), os objetivos educacionais são, justamente, os resultados buscados pela ação educativa. Ou seja, são as mudanças cognitivas, afetivas e psicomotoras, para utilizarmos a terminologia de Bloom et al. (1983Bloom, B. S., Hastings, J. T., & Madaus, G. F. (1983). Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. Livraria Pioneira Editora.), que se esperam produzir nos indivíduos ao final de um processo educativo.

Nesse contexto, lembrando as palavras de Tyler (1978Tyler, R. W. (1978) Princípios básicos de currículo e ensino (5a ed.). Globo., p. 98-99), “[...] o processo de avaliação consiste essencialmente em determinar em que medida os objetivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino”. Dito isso, perguntamo-nos: quais os objetivos educacionais atribuídos à Sociologia, no âmbito dos manuais escolares focalizados, cujo alcance se busca avaliar?

Para respondermos a essa questão, é fundamental que atentemos para o contexto curricular no qual a Sociologia foi inserida. Já dissemos anteriormente que, conforme o disposto nos artigos 4 e 5 do Decreto nº 19.890 (1931), e consolidado nos artigos 4 e 5 do Decreto nº 21.241 (1932), a Sociologia passou a integrar o conjunto de disciplinas que compunham o currículo do Curso Complementar, o qual estava prioritariamente voltado à preparação dos estudantes para o ingresso nas escolas superiores, mas também apresentava certa preocupação em desenvolver nesses sujeitos uma cultura geral. Ou seja, estamos diante de dois objetivos educacionais gerais, um de caráter “propedêutico” e o outro direcionado à “formação cultural”. Agora, vejamos como tais objetivos se configuraram no âmbito da Sociologia escolar, da forma como essa foi estruturada nas cinco obras focalizadas. Para isso, examinemos os dados constantes no Quadro 1:

Quadro 1
O objetivo propedêutico do ensino escolar da Sociologia

Em relação ao objetivo propedêutico do ensino escolar da Sociologia, é relevante notar, de início, que quatro dos cinco manuais analisados assumiram expressamente essa orientação por meio de diversos destaques em suas capas e/ou folhas de rosto, que indicaram o curso para o qual estavam destinadas e/ou sua conformação aos programas oficiais. Dentre esses destaques, vale ressaltar a importância atribuída tanto à Circular nº 1.200/1937, que inseriu a Sociologia entre as disciplinas que comporiam as provas do Concurso de Habilitação às escolas superiores, quanto à Circular nº 3.344 (1937), que estabeleceu as matérias essenciais a serem cobradas nessas provas, selecionadas a partir do Programa Oficial das disciplinas constante na Portaria Ministerial s.n. (1936). Ambas as circulares acabaram estabelecendo as balizas que orientaram a composição dos manuais de Sociologia analisados que, por estarem voltados ao Curso Complementar, visavam à preparação dos estudantes para o ingresso no ensino superior.

Nesse sentido, vale mencionar ainda que o manual Práticas de sociologia chega ao ponto de compor uma seção específica com os seguintes tópicos que reproduzem trechos das referidas circulares: “Programa Oficial” e “Instruções Relativas às Provas de Sociologia”. Na mesma seção, encontra-se também o tópico “Conselhos sôbre a Preparação da Dissertação Sociológica”, que é uma parte da prova escrita do Concurso de Habilitação. Além disso, reproduz, na íntegra, algumas provas de sociologia cobradas nesse concurso, o que também ocorre no manual Programa de sociologia.

A orientação propedêutica dos manuais analisados não era apenas um de seus aspectos, mas a condição sine qua non de suas existências. De fato, observando o quadro acima, deduz-se facilmente que a produção dos referidos manuais foi inteiramente condicionada pelo papel que eles deveriam cumprir no contexto formativo do Curso Complementar, ou seja, preparar os estudantes para o Concurso de Habilitação. Esse condicionamento foi significativo a ponto de determinar, por meio dos programas oficiais, todo o conteúdo dessas obras, o que explica as queixas, verificadas nos manuais Práticas de sociologia e Programa de sociologia, feitas por seus autores, quanto à limitação e/ou inadequação dos conteúdos fixados, mas que, apesar disso, tiveram de seguir.

Além disso, pensando apenas na preparação dos estudantes para exames, há manuais que chegam mesmo a limitar o que se espera dos alunos em termos cognitivos: em Preciso de sociologia, há indicativos que parecem apontar para uma aprendizagem baseada na simples memorização de conteúdos - o autor diz que o “[...] essencial é que o aluno se prepare, estudando e recordando, pensando e repensando nos assuntos [...]”; vê-se algo similar também em Noções de sociologia, cuja meta parece ser tornar os estudantes eruditos, algo nos termos do que Almeida e Grubisich (2011Almeida, J. L. V., & Grubisich, T. M. (2011). O ensino e a aprendizagem na sala de aula numa perspectiva dialética. Revista Lusófona de Educação, (17), 65-74.) entendem como “erudição balofa”, ou seja, uma aprendizagem que se sustenta na assimilação de grande quantidade de informações, mesmo as mais supérfluas - no manual em questão, seu autor informa que dedicou amplo espaço às disputas no campo sociológico, “[...] em que se travam as luctas das escolas, apresentando e caracterizando os personagens mais empolgantes”13 13 Essa orientação formativa nos remete para as seguintes considerações de Fernandes (1955, p. 100) sobre o ensino de Sociologia em nível secundário: “[...] a conservação do caráter aquisitivo, enciclopédico e propedêutico do ensino de grau médio se explica pela conservação do caráter jurídico-profissional do ensino superior”. Segundo esse autor, tratava-se de um contexto em que preponderava certo ideal de “homem culto”, “[...] que conferia aos diplomas de ensino superior uma qualificação honorífica e dava aos seus portadores a regalia de exercerem as ocupações consideradas nobilitantes”. .

Quanto ao objetivo educacional geral voltado à formação cultural, no caso do ensino de Sociologia, ele segue, pelo que foi verificado nos manuais analisados, no sentido de conduzir os estudantes a uma maior compreensão da realidade brasileira e de seus problemas. Nessa direção, é sugestiva a seguinte consideração presente na obra Programa de sociologia: “Conhecer os problemas sociais do Brasil é obra de Sociologia e é também dever de patriotismo. Desenvolver um programa de sociologia viva, como êsse que expusemos, é acima de tudo fazer obra de solidariedade social e de sadio nacionalismo” (Fontoura, 1940Fontoura, A. (1940). Programa de sociologia. Edição da Livraria do Globo., p. 17).

Esse direcionamento dado ao ensino de Sociologia estava inteiramente alinhado aos interesses do governo então vigente, que, como já dissemos, visava à superação dos conflitos sociais que marcaram o período, valorizando a identidade nacional e a constituição de uma cidadania pautada em valores nacionalistas. A constatação de tal fato pode ser encontrada, inclusive, no manual Práticas de sociologia, por meio da seguinte crítica feita por seu autor ao Programa Oficial da disciplina: “O programa tinha em vista fazer da sociologia uma ciência normativa, isto é, dar-lhe missão de instrução moral e cívica” (Carvalho, 1939Carvalho, D. (1939). Práticas de sociologia (2a ed.). Edição da Livraria do Globo., p. 5).

No Quadro 2, a seguir, há alguns recortes que indicam o modo como a Sociologia foi apresentada nos cinco manuais analisados. Acreditamos haver aí elementos que nos permitem deduzir a forma como os dois objetivos educacionais gerais expostos, formação propedêutica e cultural, foram operacionalizados a partir dos aspectos científicos e das potencialidades de aplicação da área.

Quadro 2
Apresentação da Sociologia

Dessas apresentações da Sociologia, é possível destacar os seguintes aspectos caracterizadores dessa disciplina: trata-se de uma ciência 1) que possibilita o estudo dos fatos sociais e, nesse sentido, a descoberta das leis gerais que governam sua evolução; 2) que produz um tipo de conhecimento superior ao senso comum em confiabilidade, já que se trata de conhecimento positivo; 3) que busca compreender, interpretar e discutir os problemas sociais; 4) que se volta à previsão e orientação da realidade social, com vistas ao melhoramento das condições da vida em sociedade.

Ao caracterizar a Sociologia nesses termos, os manuais focalizados deixam claro, primeiramente, o seu interesse em fazer com que os estudantes percebam o caráter científico dessa disciplina. Para isso, eles irão mobilizar, sistematicamente, as perspectivas teóricas e o arcabouço conceitual desse campo científico, o que sugere a existência de uma preocupação, no que diz respeito à formação dos estudantes, com o que denominamos “alfabetização sociológica”, isto é, com o domínio acadêmico do instrumental analítico das Ciências Sociais. Tendo em vista a matéria de Sociologia fixada pelo Programa Oficial e a orientação das provas concernentes a essa disciplina no âmbito do Concurso de Habilitação, ambos predominantemente teórico-conceituais, vê-se que a alfabetização sociológica se configura, nesse contexto, como o objetivo propedêutico atribuído à Sociologia.

Em segundo lugar, algumas apresentações demonstram ser importante também levar os estudantes a perceber as aplicações potenciais do aparato teórico-conceitual da Sociologia na investigação de problemas concernentes à vida social. O intuito parece ser dotá-los de um “espírito sociológico” ou, para utilizarmos a famosa expressão de Mills (1982Mills, C. W. (1982). A imaginação sociológica (6a ed.). Zahar.), desenvolver neles a “imaginação sociológica”, isto é, a capacidade de compreender as relações estruturais que definem a realidade social. Nesse sentido, alguns manuais, ao discorrerem sobre certos temas sociais, o farão ancorados em dados empíricos, alguns deles referentes à realidade brasileira, buscando analisá-los sob a perspectiva sociológica. Nessa direção, tal competência se alinha ao objetivo relacionado à formação cultural dos estudantes.

Os conteúdos que constituem os elementos materiais da avaliação

A definição de objetivos educacionais é apenas o ponto de partida da ação educativa, sendo necessária ainda a seleção de conteúdos que possam operacionalizá-los. Nesse sentido, os conteúdos são a base concreta por meio da qual a ação educativa pode se processar. E isso se dá porque, como bem lembra Piletti (2004Piletti, C. (2004). Didática geral (23a ed.). Ática., p. 90), “[...] a aprendizagem só se dá em cima de um determinado conteúdo [...]”, já que “[...] quem aprende, aprende alguma coisa”.

Disso decorre que a avaliação das aprendizagens, na busca por verificar se certos objetivos educacionais foram atingidos, acaba se voltando justamente para os conteúdos sobre os quais eles se processaram. Por isso, para compreendermos as propostas de avaliação das aprendizagens que é possível se deduzir dos manuais escolares de Sociologia aqui analisados, precisamos também investigar quais foram os conteúdos, definidos em tais obras, para essa disciplina.

Inicialmente, é importante relembrar que, conforme as disposições legislativas para o ensino secundário do período em foco, todos os programas de conteúdos para as séries que compõem esse nível educacional seriam estabelecidos pelo Ministério da Educação e Saúde Pública. De fato, para o Curso Complementar, no qual a disciplina Sociologia estava inserida, os programas disciplinares foram estabelecidos a partir da Portaria Ministerial s.n. (1936).

Nesse documento legal, no que concerne ao programa de Sociologia, que era o mesmo para as três seções do Curso Complementar, verifica-se uma extensa lista de 44 itens, assim subdivididos: 1) “Introducção” (I a VIII) - traz pontos relacionados à apresentação da Sociologia como campo do conhecimento, enfocando, dentre outros aspectos, seu objeto de estudo, seus métodos, sua história e algumas das principais escolas do pensamento sociológico; 2) “Origens sociaes” (IX a XVI) - concentra tópicos relacionados aos “grupos sociaes primitivos”, abarcando desde seu processo de formação até algumas de suas instituições sociais; e 3) “Estructura social” (XVII a XLIV) - basicamente, centra-se em aspectos concernentes às sociedades modernas, focando temas como família, política, direito, economia, educação, Igreja, Estado etc.

Foi com base nos programas das disciplinas do Curso Complementar, estabelecidos pela citada portaria ministerial, que foram posteriormente definidas, pela Circular nº 3.344 (1937), as matérias essenciais sobre as quais deveriam versar as provas do Concurso de Habilitação às escolas superiores. Especificamente, para as provas de Sociologia, foram definidos sete eixos temáticos: 1) Sociologia; 2) A formação dos grupos sociais; 3) A família; 4) A educação; 5) A economia; 6) A política; 7) A Igreja e o Estado.

Considerando o fato de que, como pudemos demonstrar no tópico anterior, os cinco manuais de Sociologia analisados tinham como objetivo principal a preparação dos estudantes para o exame do Concurso de Habilitação, buscamos verificar se seus conteúdos convergiam com a matéria essencial definida para as provas de Sociologia desse exame. Assim, ao cruzarmos o conteúdo programático de cada um dos referidos manuais de Sociologia com a matéria essencial do programa dessa disciplina, conforme se vê na Circular nº 3.344 (1937), chegamos ao Quadro 3:

Quadro 3
Cruzamento dos eixos temáticos presentes na Circular n° 3.344/1937 com os conteúdos constantes nos manuais de Sociologia

Percebe-se, em geral, que todos os manuais analisados apresentam, em alguma medida, conteúdos alinhados à matéria essencial de Sociologia cobrada nas provas do Concurso de Habilitação. No entanto, algumas distinções merecem ser destacadas: tal alinhamento é bastante acentuado, principalmente, nos manuais Preciso de sociologia, Introdução à sociologia e Práticas de sociologia, os quais se limitam, de fato, aos tópicos da matéria essencial, constante na Circular nº 3.344 (1937); já o manual Programa de sociologia vai além, pois segue à risca, em toda sua completude, o programa da disciplina estabelecido pela Portaria Ministerial s.n. (1936); comparado com os demais manuais analisados, Noções de Sociologia é o que mais destoa, em termos de seleção e organização do conteúdo, considerando os programas estabelecidos nos documentos legislativos supracitados, haja vista ter centrado foco na apresentação de autores de referência da área das Ciências Sociais e suas perspectivas analíticas. De certa maneira, tal direcionamento acabou por prolongar a discussão sobre as escolas sociológicas, que compreende a primeira parte do Programa Oficial e o primeiro eixo temático da matéria essencial para o Concurso de Habilitação. No que diz respeito aos assuntos indicados nos outros seis eixos, o referido manual não lhes dedica nenhum capítulo em especial, apenas faz referências esparsas e assistemáticas a alguns deles em meio às exposições sobre as contribuições de certos autores da área.

Um ponto que importa destacar em relação ao conteúdo das obras supracitadas é seu caráter teórico-conceitual, voltado basicamente à alfabetização sociológica que, como vimos, é a formação propedêutica esperada do ensino de Sociologia. Sendo assim, conforme se deduz do quadro acima, a alfabetização sociológica envolve, dentre outras coisas, conhecer e compreender a história da Sociologia, seu objeto, seus métodos, suas principais perspectivas teóricas, seus principais pensadores e seus temas de interesse.

Apesar desse viés predominantemente teórico-conceitual, percebemos que em três obras, Introdução à sociologia, Práticas de sociologia e Programa de sociologia, havia uma significativa mobilização de conteúdos empíricos, inclusive referentes à realidade brasileira. Nesse sentido, a última obra sobressai, pois seu autor não apenas trouxe um conjunto expressivo de dados sobre o Brasil, articulando-os às questões teóricas em torno dos temas sociais focalizados, mas também incluiu, como apêndices, dois estudos empíricos completos, desenvolvidos por alunos do curso complementar em que lecionou. As seguintes palavras do autor nos ajudam a compreender seu intento na definição desses conteúdos: “O ensino da sociologia ou é ativo, vivo, ou não é ensino de sociologia. Claro que as exposições teóricas do professor são imprescindíveis. Mas ao lado delas devem existir os trabalhos de campo, a pesquisa do aluno, o inquérito, a monografia” (Fontoura, 1940Fontoura, A. (1940). Programa de sociologia. Edição da Livraria do Globo., p. 16). Podemos dizer que esse tipo de direcionamento visa, em última instância, ao desenvolvimento da imaginação sociológica nos estudantes, que é, como vimos, o objetivo assumido pelo ensino de Sociologia no que diz respeito à formação cultural.

Tais conformações de conteúdo, verificadas nas obras supracitadas, parecem espelhar, justamente, a oposição entre um currículo tradicional, no qual o programa tem um caráter intelectualista, marcado por uma longa lista de matérias, e o currículo da forma como foi concebido pelo movimento de renovação pedagógica encampado pela Escola Nova, em que o programa deve se constituir em articulação com as experiências do educando (Cunha, 1994Cunha, M. V. (1994). A dupla natureza da escola nova: psicologia e ciências sociais. Cadernos de Pesquisa, (88), 64-71.). Apesar de alguns livros buscarem estabelecer essa articulação, ela acaba sendo sufocada em meio a uma extensa exposição teórico-conceitual e enciclopédica. Foi justamente esse um dos pontos criticados por Carvalho (1939Carvalho, D. (1939). Práticas de sociologia (2a ed.). Edição da Livraria do Globo.), no preâmbulo de seu manual, quanto ao disposto no programa da matéria essencial estabelecido pela Circular nº 3.344 (1937): “O programa, demasiado extenso, abrangia assuntos, em sua maioria, estranhos à sociologia (direito, ciência política, economia política, etc.)”. Em sentido similar, segue também a crítica de Fontoura (1940Fontoura, A. (1940). Programa de sociologia. Edição da Livraria do Globo., p. 15) ao programa completo da disciplina, definido pela Portaria Ministerial s/n, de 17 de março de 1936. No texto que antecede a exposição de conteúdos em seu manual, ele nos diz que o programa definido para disciplina de Sociologia “[...] é por vezes prolixo, perde-se em questões de importância secundária”14 14 Amaral Fontoura é normalmente apontado como sendo um autor vinculado à tradição da chamada “Sociologia Cristã” ou “Sociologia Católica” (Meucci, 2000; Cigales, 2019), fazendo parte, dessa forma, do projeto da Igreja Católica de “reespiritualizar a cultura” (Schwartzman et al., 2000). Se, de um modo geral, a Igreja e a maioria de seus intelectuais se mostraram avessos à Escola Nova, Fontoura, em particular, parece ter estabelecido alguns pontos de contato com essa perspectiva educacional. É o que nos diz Campos (2002) ao afirmar que o referido autor adaptou as teses escolanovistas à concepção dos católicos, se apropriando, especialmente, do modelo de atividades a serem desenvolvidas na escola com vistas a tornar o ensino mais interessante e incentivar a participação dos estudantes na vida escolar e na comunidade. Esse direcionamento ajuda a compreender a proposta de Fontoura de uma “sociologia viva” e sua discordância diante do programa oficial. . Apesar dessas críticas, seguiram ambos, como também os demais autores dos manuais analisados, o programa intelectualista definido naqueles documentos curriculares, confirmando a predominância de um currículo de estrutura tradicional.

Os modos de ensinar que orientam os modos de avaliar

Os conhecimentos e as práticas de uma determinada ciência, da forma como se apresentam no campo acadêmico, não podem ser simplesmente levados ao ambiente escolar e repassados aos estudantes sem que haja prejuízos para a aprendizagem, tendo em vista as particularidades desse contexto. Para poder se configurar como conteúdo escolar, tais conhecimentos e práticas devem passar por um processo de transposição didática. Ou seja, para utilizarmos os termos de Chevallard (1998Chevallard, Y. (1998). La transposición didáctica: del saber sabio al saber enseñado (3a ed.). Aique.), o “saber sábio” deve se tornar “saber ensinável”. Nesse sentido, são empreendidos diversos procedimentos de caráter didático, tais como: a) a seleção e a organização das matérias relevantes em uma estrutura lógica e progressiva, considerando os caminhos possíveis para sua aprendizagem; b) a simplificação linguística do conteúdo a fim de torná-lo mais compreensível, o que significa distanciar-se da linguagem acadêmico-científica, bastante hermética, em direção a uma linguagem mais coloquial, próxima do cotidiano dos estudantes; c) a mobilização de recursos didáticos - tais como imagens, esquemas, gráficos etc. - que sejam capazes de dar maior inteligibilidade para matérias com elevado grau de abstração; d) a concretização e contextualização dos conteúdos, transformando noções e conceitos abstratos em exemplos concretos, conectados a situações cotidianas.

Aos observarmos os modos como foram configurados os conteúdos dos manuais escolares de Sociologia focalizados, podemos destacar algumas tendências metodológicas que eles apresentaram.

Quanto à seleção e organização dos conteúdos, quatro das cinco obras analisadas, Preciso de sociologia, Introdução à sociologia, Práticas de sociologia e Programa de sociologia, dedicam o(s) seu(s) capítulo(s) inicial(is) à apresentação da Sociologia enquanto campo científico, destacando sua história, seu objeto de estudo, seus métodos e algumas de suas principais perspectivas teóricas. Nos demais capítulos, tais obras se voltam à exposição da abordagem sociológica em relação a certos processos e instituições sociais. Em relação a esse padrão, apenas uma obra se mostrou dissonante, Noções de sociologia, na medida em que estendeu a exposição acerca do campo científico da Sociologia ao longo de todos os capítulos, dando destaque à apresentação de autores e perspectivas teóricas, em detrimento de qualquer apresentação sistemática dos temas sociológicos. Ainda no que diz respeito à organização das obras, é importante sublinhar que todas elas estabeleceram um recorte teórico-conceitual como ponto de partida metodológico para discussão dos diversos assuntos nelas focalizados (ver Figura 2).

Figura 2
Ponto de partida teórico-conceitual em Preciso de Sociologia

Quanto à linguagem adotada na exposição dos conteúdos, percebemos que, em geral, todas as obras apresentaram, umas em maior, outras em menor medida, adequação de seus textos, em termos linguísticos, ao público não especialista ao qual se destinavam. Seguem alguns indícios nesse sentido: a) predominou a escolha de um vocabulário mais usual em vez do jargão técnico-científico. Mesmo nas situações em que o uso de termos mais especializados se mostrou incontornável, como no trato de conceitos e noções científicas, esses eram normalmente seguidos de definições; b) as orações e os parágrafos foram construídos, na maior parte das obras, de forma bastante concisa, evitando sintaxes complexas, o que possibilita maior fluidez da leitura e, consequentemente, facilita a compreensão dos textos. Nesses dois quesitos, destacam-se as obras Introdução à sociologia, Programa de sociologia e Práticas de sociologia (ver Figura 3). Já os manuais Preciso de sociologia e, mais notadamente, Noções de sociologia evidenciaram pouca preocupação em relação a esses aspectos, talvez pelos seus excessos de eruditismo: por exemplo, no primeiro, vê-se demasiada preocupação com a etimologia de palavras, já no segundo, encontra-se um conteúdo marcadamente epistemológico (ver Figura 4). Tais características contribuem para tornar essas obras relativamente mais herméticas que as anteriores.

Figura 3
Linguagem adotada em Prática de Sociologia

Figura 4
Linguagem adotada em Noções de Sociologia

Quanto à mobilização de recursos didáticos na estruturação dos conteúdos, é importante destacar que, dadas as limitações editoriais e o ainda incipiente desenvolvimento didático-pedagógico no Brasil à época, os manuais escolares apresentavam pouca diversidade de recursos didáticos. Olhando para as obras analisadas, é possível ver basicamente os seguintes elementos: a) uso acentuado de negritos e itálicos no destaque, por exemplo, de palavras-chaves, conceitos e autores; b) emprego de enumerações, esquemas e quadros para facilitar a organização e síntese de ideias e para topificar pontos importantes; c) presença pontual de tabelas e gráficos para apresentação de dados (ver Figura 5); d) adoção de figuras, para representação de ideias, e mapas, para localização de dados; e) uso de imagens de pensadores do campo das Ciências Sociais; f) atividades para fixação de conteúdos. Os três primeiros elementos foram constatados em todas as obras, mesmo que em diferentes medidas. O item “f” se verifica apenas em duas obras, a saber, Programa de sociologia e Práticas de sociologia. Já os itens “c”, “d” e “e” foram os mais incomuns, sendo os dois primeiros identificados apenas no manual Programa de sociologia, e o último, somente na obra Noções de Sociologia.

Figura 5
Gráfico presente em Programa de Sociologia

Quanto à concretização e contextualização dos conteúdos, como exposto acima, todas as obras analisadas primaram por um recorte teórico-conceitual, mesmo quando o foco da exposição eram temas relacionados a fenômenos sociais específicos. E isso se deu, geralmente, em detrimento das exemplificações empíricas que seriam capazes de contextualizar e dar maior concretude aos assuntos tratados. De toda forma, dentre as obras analisadas, percebe-se em Programa de sociologia, Práticas de sociologia e Introdução à Sociologia um certo esforço de concretização e contextualização dos assuntos tratados, seja pelo recurso a situações hipotéticas, seja pela mobilização de dados acerca da realidade nacional e internacional (ver Figura 6). Num sentido contrário, observa-se que tal esforço praticamente inexiste no manual Noções de sociologia, que, ao focalizar a apresentação de grandes referências das Ciências Sociais e suas perspectivas teóricas, descura por completo a mobilização desse corpus na compreensão de problemas empíricos.

Figura 6
Contextualização e concretização em Introdução à Sociologia

Vistos em seu conjunto, os cinco manuais de Sociologia focalizados, pelas opções metodológicas que fizeram, partindo de um recorte teórico-conceitual na abordagem dos conteúdos, com pouca ou, em alguns casos, nenhuma contextualização e concretização dos assuntos tratados - o que reverberou na parca mobilização de recursos didáticos, especialmente aqueles voltados à exposição de dados empíricos -, evidenciam que, de fato, a sua preocupação central estava voltada à alfabetização sociológica, em detrimento do desenvolvimento da imaginação sociológica dos estudantes.

As tendências na avaliação das aprendizagens no ensino de Sociologia

Anteriormente, dissemos que o Decreto nº 19.890 (1931), consolidado pelo Decreto nº 21.241 (1932), determinou praticamente todas as dimensões do currículo do ensino secundário, a começar por sua estrutura, passando pelos objetivos, conteúdos e metodologias de ensino, até a sistematização dos processos avaliativos. Nesse último aspecto, especificamente em relação ao Curso Complementar, constata-se o estabelecimento de um amplo sistema de exames, constituído por arguições, trabalhos práticos e provas escritas. Em detalhes, para uma disciplina, haveria: a) mensalmente, uma nota relativa à arguição ou a trabalhos práticos; b) bimestralmente, uma prova escrita parcial; c) anualmente, para a primeira série, ter-se-ia uma prova final oral e, para a segunda série, a prova final corresponderia àquela aplicada pelos institutos de ensino superior, nos quais os estudantes pretendiam se matricular, sendo essa avaliação constituída de duas etapas, a saber, um exame vago e uma arguição. Diante dessa realidade, é de se compreender as seguintes palavras de Romanelli (1986Romanelli, O. O. (1986). História da educação no Brasil (1930/1973) (8a ed.). Vozes., p. 137) em relação às implicações da reestruturação do ensino secundário, encaminhada pelos referidos decretos: “[...] vê-se, portanto, que não se tratava de um sistema de ensino, mas de um sistema de provas e exames”.

Nesse contexto, a avaliação se resumia à pura mensuração dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes, com vistas a sua classificação, seleção e certificação. Dessa forma, à luz de Luckesi (2011Luckesi, C. C. (2011). Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições (22a ed.). Cortez.), podemos dizer que predominava aí a lógica da “pedagogia do exame”, na qual as preocupações com o desenvolvimento da aprendizagem eram colocadas em segundo plano em prol da supervalorização dos exames, tomados unicamente como instrumento para aprovação ou reprovação dos sujeitos.

E isso é facilmente verificado na estruturação dos manuais de Sociologia analisados, primeiramente, porque, conforme já observamos, por estarem destinados ao Curso Complementar, cujo objetivo era a preparação dos estudantes para as provas do Concurso de Habilitação, tais obras estruturaram seus conteúdos com base nas matérias essenciais cobradas nessas provas. Em segundo lugar, quando observamos, especificamente, as únicas duas obras que continham atividades para o exercício e/ou verificação da aprendizagem, Práticas de sociologia e Programa de sociologia, percebemos que, em ambas, tais elementos estavam plenamente alinhados, em termos de forma e conteúdo, com o disposto tanto na Circular nº 1.200 (1937), que estabeleceu alguns padrões para a realização das provas do Concurso de Habilitação, quanto na Circular nº 3.344 (1937), que acrescentou outras instruções para o desenvolvimento dessas provas. Aquelas obras não apenas continham atividades estruturadas nos termos desses documentos normativos, como chegaram mesmo a reproduzir, na íntegra, algumas provas de Sociologia constantes nos exames para ingresso nos cursos superiores.

Para as provas de Sociologia do Concurso de Habilitação, conforme as referidas circulares, tivemos a seguinte estruturação: as provas seriam em número de duas, a primeira se constituindo de um exame vago, composto por 20 perguntas, formuladas de modo a permitir respostas concisas, e um tema para dissertação; já a segunda prova seria uma arguição oral. Observando as seções de atividades constantes em cada um dos dois manuais supracitados, percebemos que elas se estruturavam conforme esse padrão avaliativo. Na obra Práticas de Sociologia, encontram-se as seções “Tópicos a Discutir” e “Planos de Dissertação”, já na obra Programa de sociologia, tem-se as seções “Tópicos para Discussão” e “Inquérito Social a Realizar”. As primeiras seções indicadas, de ambas as obras, apresentam questões abertas que, em sua grande maioria, podem ser respondidas de modo mais sucinto. Em relação às segundas seções, o que se percebe são propostas de temas sobre os quais se demanda uma elaboração dissertativa. No Programa de sociologia, afora as seções indicadas, consta ainda, sob a forma de apêndice, um “Modelo de Teste de Sociologia”, constituído por questões de tipo lacunar, o que, em termos formais, destoa do padrão de provas do Concurso de Habilitação, não obstante contemple as matérias essenciais definidas para esse exame.

Ao analisarmos o conjunto das atividades autorais, constantes nos dois manuais supracitados, visando compreender o que elas buscavam exercitar e, em última instância, avaliar, no que diz respeito à aprendizagem da Sociologia, nos deparamos com o seguinte cenário (ver Gráfico 1): de um total de 447 atividades autorais, 83% estavam centradas em aspectos históricos, teórico-conceituais e metodológicos das Ciências Sociais - ou seja, centradas na alfabetização sociológica (ver Figura 7) -, enquanto apenas 17% solicitavam algum tipo de aplicação do instrumental dessas ciências para a compreensão da realidade social - indicando certa preocupação com o desenvolvimento da imaginação sociológica (ver Figura 8).

Gráfico 1
Orientação das atividades autorais presentes nos manuais Práticas de sociologia e Programa de sociologia

Figura 7
Atividades voltadas ao exercício/verificação da alfabetização sociológica

Figura 8
Atividades voltadas ao exercício/verificação da imaginação sociológica

Considerando os objetivos educacionais, os conteúdos e a metodologia que foram assumidos pelos manuais Práticas de sociologia e Programa de sociologia, é possível compreender essa orientação predominante das atividades contidas neles: como o objetivo principal do ensino de Sociologia no Curso Complementar era preparar os estudantes para o Concurso de Habilitação às escolas superiores, os referidos manuais acabaram sendo orientados pelo programa oficial da disciplina, especialmente pela matéria essencial desse programa definida para tal concurso, a qual era extremamente teórico-conceitual, estando destinada a uma aprendizagem que se definia mais pela assimilação de conhecimentos do que pela sua aplicação - no caso do ensino de Sociologia, mais pela alfabetização sociológica do que pelo desenvolvimento da imaginação sociológica. Isso fez com que, metodologicamente, aqueles manuais, mesmo quando focalizavam algum fenômeno social específico, tomassem como ponto de partida - e, muitas vezes, também como ponto de chegada - um recorte teórico-conceitual. Sendo o conteúdo ensinado aquele que deve ser avaliado e sendo o modo de ensinar o padrão que define o modo de avaliar, chegamos, assim, ao direcionamento predominantemente teórico-conceitual das atividades postas, justamente porque tinham como foco prioritário a alfabetização sociológica dos estudantes.

Se direcionarmos nosso olhar para o conjunto das questões extraídas das provas de Sociologia do Concurso de Habilitação, as quais foram reproduzidas em ambas as obras, Práticas de sociologia e Programa de sociologia, verificamos tendência similar: de um total de 168 atividades, 98% centravam na alfabetização sociológica, enquanto apenas 2% se direcionavam à verificação da imaginação sociológica (ver Gráfico 2).

Gráfico 2
Orientação das atividades oriundas do Concurso de Habilitação reproduzidas nos manuais Práticas de sociologia e Programa de sociologia

Se, por um lado, esses dados demonstram que, de fato, os manuais Práticas de Sociologia e Programa de sociologia construíram suas propostas avaliativas seguindo a tendência estabelecida pelo padrão imposto para as provas de Sociologia do Concurso de Habilitação, por outro lado, revelam também uma discrepância percentual que não pode ser desconsiderada: dentre as atividades autorais, o quantitativo daquelas voltadas à verificação da imaginação sociológica é superior ao verificado entre as atividades oriundas das provas do referido concurso, respectivamente, 17% e 2%.

Buscando compreender essa discrepância, devemos lembrar que os autores das referidas obras apresentaram divergências em relação à extensão e inadequação da matéria estabelecida nos documentos curriculares oficiais. Provavelmente, para lidar com o programa excessivamente teórico-conceitual e enciclopédico definido para a disciplina de Sociologia, eles optaram por articular, mesmo que de forma bastante pontual, esse conjunto de conhecimentos a situações concretas, mobilizando dados empíricos e exemplos de fatos sociais. Com isso, visavam levar os estudantes a refletirem sobre a sociedade usando os conhecimentos sociológicos de forma mais prática. O que pode ser compreendido como reflexo das novas tendências didático-pedagógicas que circulavam naquele período, impulsionadas pela Escola Nova, as quais se distanciavam de uma prática educacional centrada na aprendizagem passiva, intelectualista e verbalista em direção a uma abordagem que preza por uma aprendizagem ativa, que articula os conhecimentos disciplinares à vida cotidiana dos estudantes (Cunha, 1994Cunha, M. V. (1994). A dupla natureza da escola nova: psicologia e ciências sociais. Cadernos de Pesquisa, (88), 64-71.).

Sendo assim, faz sentido que, no contexto dos dois manuais supracitados, constate-se, nas atividades voltadas ao exercício e/ou verificação da aprendizagem, uma significativa preocupação com a capacitação dos estudantes para a leitura da realidade social, ou seja, com o desenvolvimento de sua imaginação sociológica. É claro que essa orientação não estava, necessariamente, em desacordo com os objetivos estabelecidos pela legislação para o ensino de Sociologia, já que um deles era, justamente, a formação cultural geral dos estudantes. Mas se mostrou descompassada em relação à direção tomada pelas provas do Concurso de Habilitação, constituídas predominantemente por questões de caráter histórico e teórico-conceitual concernentes ao campo sociológico, já que se voltavam à verificação da formação intelectual dos candidatos.

De toda forma, mesmo havendo esse relativo descompasso, os manuais de sociologia não poderiam deixar de atender, ou mesmo relegar ao segundo plano, ao objetivo prioritário posto para o ensino de Sociologia no Curso Complementar, que era a formação propedêutica dos estudantes. Por isso, o espaço que tais obras dedicaram, em suas seções de exercícios, à verificação da imaginação sociológica foi relativamente diminuto, ainda que tenha se mostrado maior se comparado ao que lhe foi reservado nas provas do Concurso de Habilitação.15 15 Em sua pesquisa, Meucci (2000, p. 62-63) faz descoberta similar: “[...] embora os autores [dos manuais de sociologia] compreendessem como uma necessidade o reconhecimento empírico da realidade social, havia algo no caráter dos cursos [complementares] que imobilizava o desenvolvimento amplo de pesquisas sociais”. Dito isso, ela conclui: “Com efeito, basta lembrar que os cursos complementares eram meramente cursos preparatórios para o ingresso dos alunos nas faculdades e universidades”. Vejamos o detalhamento disso no Gráfico 3 a seguir:

Gráfico 3
Orientação das atividades por seção de exercícios nos manuais Práticas de sociologia e Programa de sociologia

No que diz respeito às duas seções de exercícios constantes no manual Práticas de sociologia, “Tópicos a Discutir” e “Planos de Dissertação”, vemos que apenas 20% de suas atividades foram direcionadas à imaginação sociológica. Tendência similar encontramos na seção “Tópicos para Discussão”, do manual Programa de sSociologia. Entretanto, nessa última obra, duas seções de exercícios apresentaram certas particularidades. A seção “Modelo de Teste de Sociologia” compreende 25 questões, das quais 24 centraram-se em conhecimentos históricos e teórico-conceituais das Ciências Sociais, ou seja, estavam voltadas em quase sua totalidade à alfabetização sociológica (ver Figura 9). Como dissemos acima, tal orientação está conectada ao objetivo propedêutico, de base teórico-conceitual, estabelecido para o ensino de Sociologia com vistas ao Concurso de Habilitação. Agora, em sentido totalmente oposto, temos a seção “Inquérito Social a Realizar”, que, apesar de abarcar um número extremamente pequeno de atividades, apenas três roteiros de pesquisa, todos esses foram dedicados ao desenvolvimento da imaginação sociológica, que está alinhada ao objetivo educacional centrado na formação cultural geral (ver Figura 10).

Figura 9
Atividades voltadas ao exercício/verificação da alfabetização sociológica

Figura 10
Atividades voltadas ao exercício/verificação imaginação sociológica

Observando a estrutura das seções “Modelo de Teste de Sociologia” e “Inquérito Social a Realizar”, acreditamos que seu descompasso em relação às demais, no que diz respeito aos índices extremamente elevados de suas orientações predominantes, se deve, em certa medida, aos tipos de atividades que contêm: a primeira seção envolve questões fechadas lacunares; já a segunda é composta de roteiros para pesquisa social. Algumas observações feitas por Morales (2003Morales, P. (2003). Avaliação escolar: o que é, como se faz. Loyola.), quanto às potencialidades e limites de cada tipo de atividade, podem nos ajudar a compreender como essa variável corroborou as tendências verificadas nessas seções. Segundo esse autor, as “atividades fechadas” são válidas e efetivas quando centradas em conhecimentos que podem ser adquiridos, principalmente, por processos de memorização - tais como fatos históricos, teorizações, definições conceituais, características etc. No entanto, são inúteis quando o que se busca é levar os estudantes a desenvolver as capacidades de organização de ideias, aplicação de conhecimentos, análise e avaliação. Para isso, as “atividades abertas”, em especial as que demandam uma elaboração dissertativa mais longa, são as mais adequadas. Nesses termos, compreende-se que as questões fechadas da seção “Modelo de Testes de Sociologia” tenham sido direcionadas, em sua quase totalidade, à verificação da alfabetização sociológica, ao passo que as atividades propostas na seção “Inquérito Social a Realizar” tenham se concentrado prioritariamente na verificação da imaginação sociológica.

Considerações finais

Esta pesquisa teve como objetivo principal compreender as propostas de avaliação que se podiam deduzir de manuais escolares de Sociologia, produzidos entre as décadas de 1930 e 1940, voltados aos Cursos Complementares. Por termos partido do pressuposto teórico-metodológico da unidade entre objetivos-conteúdo-metodologia-avaliação, alcançamos resultados que vão além da compreensão apenas daquelas propostas avaliativas, na medida em que se voltam também para os demais elementos dessa unidade. Em síntese, seguem os principais resultados de nosso trabalho.

Observando a legislação educacional do período, constatamos a existência de dois objetivos educacionais gerais para o Curso Complementar, no currículo do qual a Sociologia estava inserida, sendo um de caráter “propedêutico”, centrado na preparação dos estudantes para o ingresso nas escolas superiores, e o outro direcionado à “formação cultural” desses sujeitos. Nesse contexto, percebemos que, no âmbito da Sociologia, tais objetivos se estruturaram conforme as especificidades desse campo disciplinar, direcionando-se, respectivamente, à “alfabetização sociológica” e ao desenvolvimento da “imaginação sociológica”.

Dentre os dois objetivos educacionais gerais supracitados, o propedêutico era o que, em última instância, definia a essência do Curso Complementar. Isso, no âmbito dos manuais de Sociologia analisados, resultou na ênfase dada à alfabetização sociológica, com implicações sobre: a) a seleção de conteúdos - o foco recaiu sobre a história, as teorias, os conceitos e as perspectivas das Ciências Sociais; b) a definição dos encaminhamentos metodológicos - predominou uma abordagem teórico-conceitual em detrimento das contextualizações e concretizações ancoradas em elementos empíricos; c) a orientação das propostas avaliativas - mais preocupada com a memorização de conhecimentos do que com sua aplicação.

Percebemos também que o tipo de atividade pode favorecer certos direcionamentos: as atividades fechadas tendem a ser, em sua grande maioria, utilizadas para a verificação da alfabetização sociológica; já as atividades abertas apresentam mais potencialidades para a verificação da imaginação sociológica. No entanto, dado o viés propedêutico dos manuais de Sociologia analisados, mesmo nas atividades abertas, o foco na alfabetização sociológica predominou, ainda que não tanto quanto se viu nas atividades fechadas.

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  • Nota:

    Este artigo faz parte do dossiê “História da Educação e o ensino das Ciências Sociais”, cujo edital foi lançado em 4 de abril de 2023.
  • Rodadas de avaliação:

    R1: dois convites; dois pareceres recebidos.
  • Financiamento:

    A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 1
    Desde 1942, quando a Reforma Capanema reestruturou o ensino secundário, eliminando o Curso Complementar, em cujo currículo a Sociologia figurava, essa disciplina passou a não mais constar na lista de componentes obrigatórios do currículo escolar nacional. Situação que somente se alterou 66 anos depois com a Lei nº 11.684/2008 (Oliveira, 2013).
  • 2
    Machado (1987, p. 133) nos informa que entre 1961 e 1982, dada a autonomia dos estados federativos na definição de alguns componentes complementares e optativos para o currículo do ensino secundário, conforme disposições das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 e 1971, “[...] a Sociologia era em alguns estados disciplina pela qual a escola secundária poderia optar”. Do início dos anos 1980 até a primeira década dos anos 2000, segundo informações constantes em Silva (2010), a sociologia vai experimentando um retorno gradativo ao currículo escolar por meio de algumas legislações estaduais que foram restituindo, apenas regionalmente, sua obrigatoriedade.
  • 3
    Exemplos nesse sentido são os textos de Osório e Sarandy (2012), Kieling (2013) e Araújo et al. (2014).
  • 4
    Obviamente, temos consciência de que a avaliação das aprendizagens só se efetiva durante a prática docente. Mas, sendo o livro didático um recurso fundamental na estruturação dessa prática, ele pode nos dar indicativos, por meio de suas propostas explícitas ou implícitas de avaliação, da forma como os processos avaliativos têm se configurado em um dado contexto disciplinar.
  • 5
    Por exemplo, em pesquisa anterior (Pires & Marques, 2020), analisamos os cinco livros didáticos de Sociologia aprovados no Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2018.
  • 6
    Segundo Neuhold (2019), a primeira vez que a Sociologia aparece como componente obrigatório do currículo do ensino secundário foi em 1890, por meio da Reforma Benjamin Constant. Entretanto, devido à não efetivação plena dessa reforma, o ensino de Sociologia não foi implementado na prática. Mais adiante, em 1925, com a Reforma Rocha Vaz, a Sociologia encontrou seu primeiro espaço de realização, sendo inserida como disciplina obrigatória no currículo do sexto ano do ensino secundário. Contudo, os efeitos dessa reforma na estruturação desse nível de ensino ficaram restritos ao Distrito Federal, especificamente ao Colégio Pedro II. Somente em 1931, com a Reforma Francisco Campos, válida para todo o território brasileiro, a Sociologia foi projetada nacionalmente como componente obrigatório do Curso Complementar, última fase do ensino secundário.
  • 7
    Tais obras foram publicadas durante a vigência da Reforma Francisco Campos, aprovada em 1931. Comentando as implicações dessa reforma para o ensino de Sociologia, Machado (1987) destaca que seus efeitos só seriam sentidos em 1937, ano em que a série, na qual essa disciplina havia sido inserida, ocorreria pela primeira vez. Nessas condições, faz sentido que a publicação dos primeiros manuais de sociologia destinados a esse nível de ensino tenha começado a ocorrer apenas em fins da década de 1930.
  • 8
    Buscamos chegar aos objetivos educacionais, observando, nas obras em questão, informações constantes em capas, folhas de rosto, apresentações, prefácios, apêndices, textos introdutórios e/ou capítulos iniciais de apresentação da Sociologia.
  • 9
    No que diz respeito aos conteúdos programáticos, acessamo-los, principalmente, por meio dos sumários das referidas obras.
  • 10
    Para alcançar as metodologias empregadas pelas obras focalizadas na transposição didática dos conteúdos da Sociologia, tivemos de percorrer os diversos capítulos que compunham cada uma delas, mapeando os recursos didáticos utilizados (elementos iconográficos, esquemas, enumerações etc.) e observando as formas como os conteúdos eram trabalhados (principalmente no que diz respeito à linguagem utilizada).
  • 11
    Das cinco obras analisadas, apenas duas delas trazem, explicitamente, elementos concernentes a processos avaliativos: Práticas de sociologia e Programa de sociologia. Nesse quesito, foram consideradas, nessas obras, tanto orientações mais diretas para o desenvolvimento de exames, presentes em partes pré-textuais ou pós-textuais, quanto as diversas atividades voltadas ao exercício e/ou verificação das aprendizagens. Tais atividades, além de serem categorizadas, foram contabilizadas. Dessa forma, para fins de contagem, determinamos a unidade de uma atividade pela presença de um enunciado estruturador. Portanto, mesmo que uma atividade englobasse múltiplas questões, ela seria considerada apenas um item a ser registrado e computado, uma vez que tais questões só adquirem sentido pleno quando vistas em conjunto, a partir do enunciado que as conecta.
  • 12
    Segundo Piletti (1987), o modo como a Reforma Rocha Vaz, antecessora da Reforma Francisco Campos, estruturou o ensino secundário, deu aos estudantes duas possibilidades quanto ao seu tempo de permanência nesse nível de ensino, que implicou em diferenças no percurso e nas condições para o ingresso nas escolas superiores: 1) Sendo aprovado no quinto ano do ginásio, o estudante já garantia a certificação necessária à inscrição no vestibular; 2) No entanto, após a conclusão do sexto ano, quando obteria o grau de bacharel em Ciências e Letras, o estudante teria assegurada a preferência para a matrícula no curso superior, independentemente da ordem de sua classificação no vestibular.
  • 13
    Essa orientação formativa nos remete para as seguintes considerações de Fernandes (1955, p. 100) sobre o ensino de Sociologia em nível secundário: “[...] a conservação do caráter aquisitivo, enciclopédico e propedêutico do ensino de grau médio se explica pela conservação do caráter jurídico-profissional do ensino superior”. Segundo esse autor, tratava-se de um contexto em que preponderava certo ideal de “homem culto”, “[...] que conferia aos diplomas de ensino superior uma qualificação honorífica e dava aos seus portadores a regalia de exercerem as ocupações consideradas nobilitantes”.
  • 14
    Amaral Fontoura é normalmente apontado como sendo um autor vinculado à tradição da chamada “Sociologia Cristã” ou “Sociologia Católica” (Meucci, 2000; Cigales, 2019), fazendo parte, dessa forma, do projeto da Igreja Católica de “reespiritualizar a cultura” (Schwartzman et al., 2000). Se, de um modo geral, a Igreja e a maioria de seus intelectuais se mostraram avessos à Escola Nova, Fontoura, em particular, parece ter estabelecido alguns pontos de contato com essa perspectiva educacional. É o que nos diz Campos (2002) ao afirmar que o referido autor adaptou as teses escolanovistas à concepção dos católicos, se apropriando, especialmente, do modelo de atividades a serem desenvolvidas na escola com vistas a tornar o ensino mais interessante e incentivar a participação dos estudantes na vida escolar e na comunidade. Esse direcionamento ajuda a compreender a proposta de Fontoura de uma “sociologia viva” e sua discordância diante do programa oficial.
  • 15
    Em sua pesquisa, Meucci (2000, p. 62-63) faz descoberta similar: “[...] embora os autores [dos manuais de sociologia] compreendessem como uma necessidade o reconhecimento empírico da realidade social, havia algo no caráter dos cursos [complementares] que imobilizava o desenvolvimento amplo de pesquisas sociais”. Dito isso, ela conclui: “Com efeito, basta lembrar que os cursos complementares eram meramente cursos preparatórios para o ingresso dos alunos nas faculdades e universidades”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2023
  • Aceito
    16 Fev 2024
  • Publicado
    24 Jun 2024
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
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