Triagem de identificação precoce de dificuldades de leitura e de escrita para o primeiro ano escolar - projeto piloto

RESUMO

Objetivo:

investigar a eficácia de uma triagem de identificação precoce baseada no teste Dibels 6th Edition, a fim de identificar precocemente crianças do primeiro ano escolar com risco para Dislexia.

Métodos:

a amostra foi constituída por 34 crianças avaliadas em dois momentos, sendo a triagem realizada enquanto estavam no primeiro ano do ensino fundamental e um ditado de palavras quando estavam no segundo ano. Para a análise dos dados foram aplicados os testes de Correlação de Pearson, Análise de Regressão Linear e ANOVA com valor de p≤0,05.

Resultados:

os resultados forneceram evidências convergentes com outros estudos de que crianças com sinais de risco para Dislexia diferem das crianças com desenvolvimento típico em termos de reduzida habilidade fonológica e que essas diferenças já estão presentes no início do processo de alfabetização.

Conclusão:

a triagem de identificação precoce permite a identificação dos fatores de risco para Dislexia, tornando possível implementar treino preventivo e personalizado de habilidades fonológicas que facilitará o processo de alfabetização.

Descritores:
Dislexia; Leitura; Escrita Manual; Fracasso Acadêmico

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the effectiveness of an early identification screening based on the Dynamic Indicators of Basic Early Literacy Skills (DIBELS) test, 6^th edition, to early identify first graders at risk of dyslexia.

Methods:

the sample comprised 34 children assessed at two moments - the screening was conducted while they were in the first grade, while a word dictation was used when they were in the second grade. The data were analyzed with Pearson’s correlation test, linear regression analysis, and ANOVA, with a p-value ≤ 0.05.

Results:

the results provide evidence that agrees with other studies in that children with signs of risk of dyslexia differ from children with typical development in terms of less phonological skills and that these differences are already present at the beginning of the literacy process.

Conclusion:

the early screening allows for the identification of the risk factors for dyslexia, making it possible to implement preventive and personalized phonological skills training to make the literacy process easier.

Keywords:
Dyslexia; Reading; Handwriting; Academic Failure

Introdução

Indivíduos com Dislexia têm dificuldade em aprender a ler, o que interfere no seu desenvolvimento social, educacional e profissional. Este transtorno tem base neurológica hereditária e afeta por volta de 5% a 20% da população mundial¹, dependendo dos critérios utilizados.

O leitor típico é capaz de rapidamente compreender a relação entre letras e sons, juntá-las e manipulá-las para formar palavras e progredir rapidamente para a leitura fluente com compreensão, enquanto os indivíduos com Dislexia possuem dificuldade nesta aquisição e podem não alcançar a alfabetização plena².

Instrumentos de identificação precoce e estratégias utilizadas na escola, podem e devem identificar crianças que não estão alcançando o desempenho acadêmico esperado no primeiro ano escolar³. Desta maneira, não é necessário que se aguarde que a criança fracasse para que preencha critérios diagnósticos e inicie a intervenção. Muitas crianças vão responder à intervenção precoce e assim processos diagnósticos mais extensos serão necessários somente para aquelas que responderem de forma insatisfatória⁴.

A intervenção precoce pode mitigar o risco de a criança desenvolver dificuldades severas de leitura⁴ que a levem a experienciar ansiedade acentuada com a sensação recorrente de que irá cometer erros ou de que poderá fracassar⁵.

A base neurológica da Dislexia faz com que seja um transtorno de leitura e escrita de característica persistente. Alguns estudos sugerem que há um déficit funcional na organização cerebral subjacente à Dislexia que pode ser revertido, desde que a criança seja submetida à intervenção intensiva iniciada o quanto antes⁶.

Uma análise comparando estudos de intervenção precoce demonstrou que a intervenção realizada na pré-escola e no primeiro ano escolar se mostrou mais efetiva do que quando realizada em 2º e 3º ano. Prevenir o fracasso em leitura e escrita tem efeitos sobre a criança, a sua família e a sociedade como um todo. Crianças com Dislexia se formam menos em Universidades e são mais propensas a ingressar no sistema penal juvenil. Sem, no entanto, ir tão longe, identificar precocemente as dificuldades de leitura e de escrita pode fazer uma enorme diferença para o bem-estar da criança e de sua família⁷.

Na prática clínica observa-se que as crianças são encaminhadas para intervenções de dificuldades acadêmicas a partir do terceiro ano, algumas vezes a partir do quarto ano, já com dificuldades secundárias à lenta identificação das letras, tais como problemas de decodificação do código gráfico, pobre fluência de leitura e dificuldade na compreensão dos enunciados gráficos⁸.

O propósito primário da triagem precoce é de identificar crianças de risco de modo que possam receber instruções e intervenções apropriadas para permitir a leitura o mais cedo possível⁴.

Desta maneira, a busca por uma triagem confiável e facilmente aplicável no ambiente escolar é incessante. Nesse sentido, o teste DIBELS⁹ - Dynamic Indicators of Basic Early Literacy Skills, criado entre 1970 e 1980 no Institute for Research and Learning Disabilities at the University of Minnesota, constitui um grupo de procedimentos e medidas que avaliam a aquisição das habilidades subjacentes à aquisição da leitura desde a pré-escola até o 8º ano. Propõe testar a consciência fonêmica, o princípio alfabético e a acurácia (precisão) na identificação das letras no primeiro ano escolar. Ao avaliar as três áreas citadas de forma separada, torna possível a detecção rápida da área que se mostra deficitária. A triagem Dibels preenche os requisitos de ser rápida, aplicável à turma toda para identificar risco e economicamente viável para as escolas, uma vez que os próprios professores podem aplicá-la mediante treinamento adequado.

O objetivo do presente estudo foi investigar a eficácia de uma triagem de identificação precoce baseada no teste Dibels 6th Edition⁹, a fim de identificar precocemente crianças com risco para dificuldades na aquisição da leitura e da escrita.

Métodos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica - CEFAC sob o número do parecer nº 3.489.875/2019. Os participantes avaliados foram apenas aqueles que entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais ou responsáveis.

Trata-se um projeto piloto de um estudo transversal em que participaram 34 crianças com idades entre 6 e 7 anos (M=6,5; DP=0,5), sendo 64,7% da amostra representadas pelo gênero feminino, matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental de uma escola particular da cidade de São Paulo.

Como critério de inclusão as crianças deveriam: estar matriculadas na escola selecionada para pesquisa; ter português como língua nativa; não apresentar diagnóstico de Deficiência Intelectual, Transtorno do Espectro Autista e/ou Deficiência Auditiva registrada em prontuário escolar.

Para o presente estudo, foram considerados sinais de risco para Dislexia as dificuldades em habilidades fonológicas de consciência fonêmica e de identificação das letras, ao serem comparadas com crianças de mesma idade e que receberam a mesma estimulação, pois faziam parte de um mesmo grupo escolar.

A coleta de dados foi realizada em duas etapas. Primeiramente o instrumento de triagem de identificação precoce foi aplicado em novembro do segundo semestre do primeiro ano do ensino fundamental, época que as professoras da escola participante consideraram ideal por já terem apresentado às crianças a maioria das letras. Após sete meses as pesquisadoras voltaram à escola para aplicação de um ditado com o objetivo de monitorar a evolução no processo de aquisição da escrita.

Para aplicação da triagem de identificação precoce duas examinadoras, fonoaudiólogas, foram à escola e realizaram o procedimento individualmente em cada criança do primeiro ano escolar durante o período de aulas. A aplicação foi feita em uma sala silenciosa, longe de distrações. Todas as provas da triagem foram cronometradas e os tempos anotados em fichas individuais para registro das respostas.

A triagem de identificação precoce foi elaborada com base no teste DIBELS 6th⁹, sendo dividida em cinco provas que avaliam habilidades precoces de alfabetização (triagem na integra em Dibels 6th Edition⁹).

A primeira prova, Prova de Fluência de Letra (FNL) consiste em contar quantas letras, em uma prancha com 110 letras, a criança nomeia corretamente em um minuto. Na segunda prova, Fluência de Som Inicial (FSI), a criança é solicitada a identificar qual figura apresentada, entre quatro opções, começa com o som produzido pelo examinador. A prova de Fluência de Segmentação Fonêmica (FSF) avalia a capacidade da criança em segmentar fluentemente palavras de três ou quatro fonemas. Já a prova de Fluência de Palavras Sem Sentido (FPSS) avalia o princípio alfabético, sendo solicitado que a criança produza os sons das letras ou leia as pseudopalavras apresentadas. A última prova, Fluência do Uso de Palavras (FUP) avalia a capacidade de formar enunciados oralmente a partir de uma palavra dada pela examinadora.

Para computar o score das crianças foi utilizada a média de acertos durante o primeiro minuto de execução, em cada tarefa. As tarefas eram interrompidas seguindo as regras de descontinuidade da prova, descritas detalhadamente na integra em Dibels 6th Edition⁹. O Quadro 1 ilustra o que é esperado em porcentagem para a faixa etária analisada em cada tarefa no teste original em inglês⁹.

Quadro 1:
Formas de análises das provas da triagem de identificação precoce

1. Fluência de nomeação de letra (FNL)	Risco para dificuldades na aquisição da leitura e da escrita- Score nos 20% inferiores em relação ao desempenho da sala Algum risco para aquisição da leitura e da escrita: score entre 20 e 40% em relação ao desempenho da sala Baixo risco para dificuldades na aquisição da leitura e da escrita: score acima de 40% em relação ao desempenho da sala
2. Fluência de Som Inicial (FSI)	Apropriado para monitorar o progresso de crianças com dificuldades em consciência fonológica, mas não há valores de referência
3. Fluência de Segmentação Fonêmica (FSF)	O esperado para a tarefa é de 71 sons de letras por minuto (50%) ao final do primeiro ano escolar. Alunos com scores menores do que 62 (40%) ao final do primeiro ano escolar podem precisar de instrução intensiva para alcançar as metas de leitura e escrita.
4. Fluência de Palavras Sem Sentido (FPSS)	A meta é nomear 50% dos sons corretamente por minuto ao final do primeiro ano escolar. Alunos com score menor que 40% ao final do primeiro ano podem precisar de instrução intensiva para atingir as metas de leitura.
5. Fluência do Uso de Palavras (FUP)	Crianças no percentil inferior a 20% se comparados ao mesmo grupo, devem ser consideradas em risco para resultados pobres em linguagem e leitura. E aqueles entre o percentil 20 e 40 devem ser considerados de algum risco.

Após sete meses da aplicação da triagem de identificação precoce, com o objetivo de monitorar a aquisição do princípio alfabético e da relação fonema/grafema e de estabelecer comparação com o desempenho em tarefas fonológicas aplicadas na primeira testagem, um ditado foi aplicado pelas próprias professoras de cada turma. O ditado foi elaborado pelas autoras, que procuraram oferecer o menor número de palavras dissílabas que englobassem todos as sílabas e todas as letras. O resultado foi um ditado composto por 15 palavras dissílabas. Foram escolhidas palavras de duas sílabas porque em palavras mais longas poderia haver maior recrutamento da memória operacional fonológica, que costuma ser deficitária em transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo a Dislexia¹⁰. Não era objetivo do presente estudo avaliar a memória operacional fonológica das crianças, e sim a aquisição do princípio alfabético, e com palavras dissílabas a interferência da memória operacional fonológica no desempenho das crianças pôde ser minimizada.

Foi escolhida a modalidade de ditado de palavras para monitoramento após sete meses, para possibilitar a realização pelos professores e por ser de aplicação mais fácil em ambiente escolar do que gravações de trechos lidos pelos alunos, tornando o processo mais viável para as escolas. Além disso, em provas de ditados de palavras, indivíduos com Dislexia apresentam maior prejuízo do que escolares sem o transtorno, e o ditado permite que se analise os tipos de erros apresentados. Dessa forma, o número de erros apresentados pôde ser utilizado para a medida de desempenho das crianças na codificação das palavras.

Análise de Dados

Para as provas da triagem foram realizadas análises descritivas, obtendo os valores de média, desvio padrão, percentil e intervalo de confiança para a média. Foram utilizados a Correlação de Pearson e Análise de Regressão Linear para correlacionar os resultados da pontuação da triagem com os erros no ditado. Para a comparação entre os grupos o teste de ANOVA foi aplicado. Considera-se como estatisticamente significantes valores de p≤0,05. Os softwares SPSS versão 20 e Excel Office 2010 foram utilizados.

Resultados

A amostra foi constituída por 34 crianças avaliadas em dois momentos, sendo a triagem realizada enquanto estavam no primeiro ano do ensino fundamental e o ditado de palavras quando estavam no segundo ano.

As crianças foram divididas em 3 grupos de desempenho de acordo com a pontuação nas provas da triagem (0-20% de acertos, 20-40% e acima de 40%). Para isso foi utilizada a análise por percentil da média de acertos das crianças (Tabela 1).

Tabela 1:
Distribuição do desempenho na triagem de identificação precoce por meio de média, desvio padrão e percentil

	FNL	FSI	FSF	FPSS	FUP
Média	38,06	21,16	29,81	51,03	39,31
DP	18,19	11,21	20,98	34,63	16,90
P5	7,55	6,4	8,65	8,05	11,3
P10	11,6	8,007	10,2	14,1	16,4
P20	23,6	11,302	14	19	26
P25	26,75	12,7675	14	29,25	27,5
P40	33,8	16,112	17,4	36,4	35,8
P50	38,5	20,71	22	43,5	40
P75	48,75	30,125	39,75	66	53,25
P80	56,6	31,046	48	78,4	54
P90	63,5	36,27	57,4	103,9	60
P95	64,9	38,317	70,25	115,35	63,8

• Legenda: FNL: Fluência de nomeação de letra; FSI: Fluência de Som; FSF: Fluência de Segmentação Fonêmica; FPSS: Fluência de Palavras Sem Sentido; FUP: Fluência do Uso de Palavras; DP: Desvio Padrão.

Na Tabela 2 está a análise descritiva completa da triagem de identificação precoce. A partir desta análise as crianças foram divididas em grupos conforme o desempenho na triagem de identificação precoce, sendo os grupos: de 0 a 20%, 20 a 40% e acima de 40% de acertos.

Tabela 2:
Tabela descritiva completa das tarefas da triagem de identificação precoce pelo valor ponderado

Grupos pelo desempenho		Média	Mediana	Desvio Padrão	Q1	Q3	Min	Max	N	IC
FNL	0-20%	32,7%	41,4%	17,3%	22,1%	43,6%	5,7%	50,0%	7	12,8%
	20-40%	36,9%	37,1%	23,0%	20,0%	49,3%	10,0%	72,9%	7	17,0%
	Acima de 40%	65,0%	63,6%	22,0%	49,6%	84,3%	24,3%	100,0%	20	9,6%
FSI	0-20%	36,4%	38,1%	18,4%	22,9%	46,2%	12,9%	65,6%	7	13,6%
	20-40%	22,8%	26,1%	10,5%	19,9%	30,1%	2,0%	31,6%	7	7,7%
	Acima de 40%	55,3%	52,6%	21,3%	44,6%	68,6%	14,6%	100,0%	20	9,3%
FSF	0-20%	15,1%	15,9%	5,6%	13,1%	17,0%	5,7%	23,9%	7	4,2%
	20-40%	20,3%	15,9%	15,6%	13,1%	18,8%	8,0%	54,5%	7	11,6%
	Acima de 40%	43,9%	37,5%	23,8%	26,7%	59,1%	13,6%	100,0%	20	10,4%
FPSS	0-20%	16,4%	19,7%	9,2%	11,8%	22,4%	0,0%	26,8%	7	6,8%
	20-40%	16,1%	12,6%	9,7%	11,4%	23,6%	1,6%	28,3%	7	7,2%
	Acima de 40%	52,5%	45,3%	23,9%	34,8%	67,5%	26,0%	100,0%	20	10,5%
FUP	0-20%	32,3%	29,0%	22,6%	15,2%	48,6%	7,2%	62,3%	7	16,7%
	20-40%	67,5%	68,1%	16,5%	63,0%	76,1%	37,7%	88,4%	7	12,2%
	Acima de 40%	62,1%	55,8%	23,6%	46,4%	80,4%	20,3%	100,0%	20	10,4%

• Legenda: FNL: Fluência de nomeação de letra; FSI: Fluência de Som; FSF: Fluência de Segmentação Fonêmica; FPSS: Fluência de Palavras Sem Sentido; FUP: Fluência do Uso de Palavras; Q: Quartil; Min: Mínimo; Max: Máximo; N: Número; IC: Intervalo de Confiança.

Em todos os grupos de desempenho a correlação entre as variáveis são negativas, o que mostra que quanto maior a pontuação na triagem de identificação precoce, menor o número de erros no ditado. Entretanto, não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos de desempenho entre 0 - 20% e entre 20 - 40%. Somente quando se considerou um grupo único, de crianças que desempenharam entre 0 - 40% quando comparadas à turma toda, é que a diferença de desempenho se mostrou estatisticamente significante.

Tabela 3:
Correlação da pontuação na triagem de identificação precoce e erros ditado

	Corr (r)	P-valor
0-20%	-56,9%	0,182
20-40%	-24,5%	0,597
Acima de 40%	-18,0%	0,447
Total	-47,5%	0,005*

• Legenda: p<0,05; Correlação de Pearson

Os grupos de desempenho demonstraram diferenças entre as médias de acertos significantes para todas as tarefas da triagem e na relação entre a triagem e quantidade de erros no ditado, exceto para a variável FUP (Tabela 4).

Tabela 4:
Comparação dos grupos

		Média	Mediana	Desvio Padrão	Q1	Q3	Min	Max	N	IC	P-valor
FNL	0-20%	22,9	29	12,1	15,5	30,5	4	35	7	9,0	0,001
	20-40%	25,9	26	16,1	14	34,5	7	51	7	11,9
	Acima 40%	45,5	44,5	15,4	34,75	59	17	70	20	6,7
FUP	0-20%	22,3	20	15,6	10,5	33,5	5	43	7	11,5	0,008
	20-40%	46,6	47	11,4	43,5	52,5	26	61	7	8,4
	Acima 40%	42,9	38,5	16,3	32	55,5	14	69	20	7,2
FPSS	0-20%	20,9	25	11,7	15	28,5	0	34	7	8,7	<0,001
	20-40%	20,4	16	12,3	14,5	30	2	36	7	9,1
	Acima 40%	66,7	57,5	30,3	44,25	85,75	33	127	20	13,3
FSI	0-20%	16,8	17,6	8,5	10,6	21,4	6,0	30,4	7	6,3	0,001
	20-40%	10,6	12,1	4,8	9,2	13,9	0,9	14,7	7	3,6
	Acima 40%	25,6	24,3	9,8	20,6	31,8	6,8	46,3	20	4,3
FSF	0-20%	13,3	14	5,0	11,5	15	5	21	7	3,7	0,003
	20-40%	17,9	14	13,7	11,5	16,5	7	48	7	10,2
	Acima 40%	38,7	33	21,0	23,5	52	12	88	20	9,2
TIP	0-20%	96,1	95,0	5,7	92,7	100,0	88,2	104,3	7	4,3	<0,001
	20-40%	121,3	126,5	12,3	113,4	129,4	102,0	134,9	7	9,1
	Acima 40%	219,2	214,5	46,8	182,9	247,2	156,1	316,4	20	20,5
Ditado	0-20%	7,6	7	3,0	6	7,5	5	14	7	2,3	0,004
	20-40%	9,1	8	3,0	7	11	6	14	7	2,2
	Acima 40%	5,6	6	1,8	4	7	3	8	20	0,8

• Legenda: FNL: Fluência de nomeação de letra; FSI: Fluência de Som; FSF: Fluência de Segmentação Fonêmica; FPSS: Fluência de Palavras Sem Sentido; FUP: Fluência do Uso de Palavras; Q: Quartil; Min: Mínimo; Max: Máximo; N: Número; IC: Intervalo de Confiança; TIP: triagem de identificação precoce; p<0,05; ANOVA

Discussão

Um instrumento confiável de identificação precoce de crianças em risco para Dislexia poder oferecer o mais cedo possível o treino fonológico, comprovadamente eficaz na prevenção de dificuldades de leitura^11-13. Assim, o objetivo desta pesquisa foi de investigar a eficácia de uma triagem de identificação precoce de forma a tornar possível a intervenção o quanto antes.

A correspondência grafema-fonema, avaliada na tarefa de FNL, a consciência fonêmica, avaliada nas tarefas de FSI e FSF e o conhecimento alfabético, testado na tarefa de FPSS, têm sido descritas como habilidades necessárias para a criança se alfabetizar¹⁴. As evidências sugerem que essas habilidades são preditores longitudinais poderosos de quão bem as crianças vão aprender a ler e a escrever. Com o modelo de equação estrutural, autores¹⁵ demonstram que existe um caminho bidimensional entre as habilidades de consciência fonológica e conhecimento da correspondência grafema-fonema que influenciam o desempenho de leitura.

Na tarefa de FNL, chamou a atenção a variabilidade de desempenho das crianças de mesma idade e que receberam a mesma estimulação. Enquanto uma criança nomeou 70 letras em 1 minuto, outra nomeou 4. Tal variabilidade se mostrou relevante no desempenho final em escrita, corroborando os achados da literatura de que o conhecimento das letras tem uma influência recíproca sobre o desenvolvimento da consciência fonêmica¹⁵. A diferença de desempenho entre as duas crianças pode demonstrar uma significante desvantagem para a segunda criança ao aprender a ler e a escrever.

A facilidade e a fluência com que crianças em fase de pré-alfabetização nomeiam letras é crucial para serem bem-sucedidas no aprendizado da leitura¹⁶. No presente estudo, as crianças que desempenharam nos 40% inferiores na triagem de identificação precoce, foram aquelas que identificaram o som ou nome das letras com lentidão e esforço, com hesitação e com erros. Um ano depois, foram elas também que apresentaram o maior número de erros no ditado aplicado pelas professoras. Os erros predominantemente apresentados foram os de omissões ou adições de letras¹⁷ (vento/vto; vento/veinto); erro na codificação de fonemas surdos ou sonoros substituídos por seus equivalentes¹⁷ (figo/fico); e os de representações múltiplas¹⁷ (eixo/eicho; palco/pauco).

Considerando que a aprendizagem da escrita no sistema alfabético supõe associação entre grafemas e fonemas, é necessário ter a habilidade de identificar e isolar os fonemas para representá-los por letras¹⁸, habilidade esta que foi verificada também na tarefa de FSI (fluência de som inicial). Assim como nas outras tarefas, houve uma grande variabilidade de pontuação entre o aluno com maior pontuação alcançada (46 pontos) e o de menor pontuação (0,94 pontos), o que significa que ambos têm habilidades fonológicas bastante discrepantes, mas precisam dar conta das mesmas demandas acadêmicas.

Com relação à habilidade de FSF, também ocorreu grande variabilidade de desempenho entre a criança com o maior número de fonemas segmentados ao ser apresentada a palavras sem sentido (88 fonemas) e a criança de menor número de fonemas identificados (5 fonemas). Resultados de pesquisas apontam que a capacidade para segmentar a palavra falada em seus fonemas constituintes é crucial na aprendizagem da escrita alfabética¹⁸, portanto é possível supor o quão impactante a diferença de desempenho nesta habilidade pode ser no aprendizado da leitura e da escrita.

Com relação a tarefa de FUP (fluência de uso de palavra), todas as crianças tiveram desempenho semelhante. A literatura tem apontado que o conceito de palavras é de difícil compreensão para as crianças em processo de alfabetização¹⁹, mas sugere-se que a habilidade de geração de frase a partir de palavra dada seja monitorada e estimulada no ambiente escolar, pois crianças que apresentam dificuldades no desenvolvimento da linguagem apresentam risco para dificuldades na compreensão da leitura²⁰.

Considerando os achados do presente estudo pode ser observado que as crianças que tiveram pior desempenho nas habilidades testadas, também apresentaram maior número de erros de escrita sete meses depois se comparadas aos seus pares, indicando que a maior lentidão em compreender o princípio alfabético no segundo ano poderia ter sido prevista no primeiro ano escolar. Este achado é coerente com informações consistentemente reportadas em outros estudos de que crianças em risco para Dislexia se diferenciam de seus pares em termos de habilidades fonológicas antes de completar o processo de alfabetização^21,22.

Alterações funcionais e estruturais, como diferenças de substância branca no fascículo arqueado esquerdo, conectando regiões temporoparietais com áreas pré-motoras e frontais inferiores, foram detectadas em crianças com risco familiar de desenvolver Dislexia. Tais alterações têm sido relacionadas ao surgimento da Dislexia e por se desenvolverem na primeira infância são detectáveis antes do início da alfabetização²³. Por outro lado, modificações quanto ao recrutamento de vias neurais, identificadas em exames de imagem, foram observadas após intervenção baseada em um treino de Nomeação Rápida, com melhora em linguagem oral e em fluência de leitura²⁴. Portanto, se as alterações estruturais comprovam a origem neurobiológica da Dislexia, se estas já se encontram presentes desde muito cedo nas crianças afetadas, e se um treino de habilidades fonológicas pode, além de aumentar a chance de crianças com risco para Dislexia de se alfabetizarem, pode também corrigir conexões neurais afetadas, porque ainda comumente se espera uma criança fracassar na escola e desenvolver questões emocionais secundárias para se intervir?

Como limitação apresentada pelo estudo não foi possível estabelecer uma relação direta com a consolidação da Dislexia, uma vez que nenhuma das crianças testadas foi submetida a uma investigação diagnóstica. Tampouco as crianças submetidas à triagem foram acompanhadas além do período em que foi aplicado o ditado, no segundo ano, para que pudesse haver uma confirmação de uma dificuldade de característica mais persistente. Dessa forma, o presente estudo não pode afirmar que prediz dificuldades de leitura, mas se propõe a predizer dificuldades em compreender o princípio alfabético e a relação fonema grafema, evidenciadas na realização de um ditado.

Estudos para a criação de programas de intervenção precoce com foco em prevenção são essenciais. Nesta perspectiva, a família pode ser uma grande parceira. Práticas conhecidas como de Literacia Familiar compostas por leituras dialogadas, contação de histórias e leitura de livros, podem fortalecer as habilidades básicas para um percurso acadêmico sadio uma vez que “O futuro de uma criança começa a ser desenhado no ambiente familiar”²⁵.

Os resultados fornecem evidências convergentes com outros estudos^22,26 de que crianças com sinais de risco para Dislexia diferem das crianças com desenvolvimento típico em termos de reduzida habilidade fonológica e que essas diferenças já estão presentes no início do processo de alfabetização. O que fortalece a ideia principal do estudo de que não basta identificar crianças com dificuldades e sim, que é preciso identificá-las o quanto antes, no primeiro ano escolar, para que possam ser devidamente estimuladas, podendo-se evitar ou minimizar as consequências nefastas do fracasso escolar.

Há que se considerar que o presente estudo piloto se baseou na comparação de desempenho de crianças de uma mesma turma e consequentemente de mesmo método de alfabetização e do mesmo grupo sociocultural. Futuras pesquisas devem ser feitas em escolas com grupos maiores de crianças, diferentes métodos de alfabetização e diferentes grupos socioculturais a fim de se buscar a confirmação da eficiência da triagem de identificação precoce baseada no instrumento DIBELS 6th⁹ na identificação de crianças em risco para Dislexia.

Conclusão

A partir dos dados analisados, pode-se concluir que crianças com desempenho inferior em habilidades fonológicas e nomeação de letras no primeiro ano, apresentaram mais erros em ditado de palavras no segundo ano escolar. Nesse sentido, a triagem de identificação precoce se mostrou eficaz e confiável ao identificar, em algumas crianças, habilidades frágeis necessárias ao processo de alfabetização. Sendo assim, pode ser um instrumento útil, não somente para identificar, como também para monitorar o desenvolvimento de habilidades subjacentes a esse processo.

Embora não se possa afirmar que todas as crianças que apresentem déficits em habilidades de processamento fonológico venham a apresentar Dislexia, descrever e identificar os sinais de risco é um caminho para trabalhar as vulnerabilidades da criança antes que virem dificuldades/déficits. Se os fatores de risco para Dislexia são identificados precocemente, haverá a possibilidade de se implementar treino preventivo e personalizado de habilidades fonológicas que facilitará o processo de alfabetização.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe da escola participante, em especial aos professores de primeiro e segundo ano e à fonoaudióloga da escola que possibilitou todo o estudo, da introdução ao acompanhamento e à coleta dos resultados.

Um singular agradecimento aos pais e às crianças que colaboraram com o presente trabalho.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Mar 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  05 Ago 2020
• Aceito
  21 Jan 2021