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UHE Belo Monte: reassentamentos rurais, participação social e direito à moradia adequada

BELO MONTE DAM: RURAL RESETTLEMENT, PARTICIPATORY PROCESS AND THE RIGHT TO ADEQUATE HOUSING

Resumo

No contexto dos deslocamentos compulsórios causados por grandes obras de infraestrutura e desenvolvimento, reassentamentos são indicados como a melhor saída à realocação da população, por seu potencial em garantir o direito à moradia adequada e o acompanhamento da reestruturação dos meios e dos modos de vida dos atingidos (MATHUR, 2011MATHUR, Hari Mohan. Social impact assessment: a tool for planning better resettlement. Social Change, v. 41, n. 1, p. 97-120, 2011.; VANCLAY, 2017VANCLAY, Frank. Project-induced displacement and resettlement: from impoverishment risks to an opportunity for development)? Impact Assessment and Project Appraisal, v. 35, n. 1, p. 3-21, 2017.). Moradia adequada compreende não apenas as condições objetivas vinculadas ao local da habitação, mas também as redes de relações sociais, os locais de realização das atividades produtivas, bem como as diferentes formas de uso do território (ONU, 1991ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 4: artigo 11, número 1 (relativo ao direito a alojamento adequado), 1991.; ONU, 1997ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 7: artigo 11, número 1 (o direito a um alojamento adequado: desalojamentos forçados), 1997.; ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010.). O deslocamento da população rural atingida pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE Belo Monte) foi marcado pela não efetivação dos Reassentamentos Rurais Coletivos (RRC), que compreendemos como uma forma de violação do direito à moradia adequada. Entre os fatores que levaram a tal violação, destacamos o difícil acesso à informação e a falta de abertura para a participação social. Este artigo organiza-se em três partes: a primeira apresenta os conceitos norteadores da pesquisa, a saber, centralidade dos atingidos, moradia adequada e deslocamentos compulsórios; a segunda contextualiza a UHE Belo Monte e a população atingida pelo projeto; e a terceira aponta a relação entre acesso à informação, participação social e sua influência sobre o direito à moradia adequada no contexto dos atingidos pela UHE no meio rural.

Palavras-chave
UHE Belo Monte; deslocamentos compulsórios; centralidade do atingido; acesso à informação; participação social; direito à moradia adequada

Abstract

In the context of compulsory displacement caused by major infrastructure and development projects, resettlement is indicated as the best way out of the affected population's reallocation by its potential to guarantee the right to adequate housing and the accompaniment of restructuring of the livelihoods of those affected (MATHUR, 2011MATHUR, Hari Mohan. Social impact assessment: a tool for planning better resettlement. Social Change, v. 41, n. 1, p. 97-120, 2011.; VANCLAY, 2017VANCLAY, Frank. Project-induced displacement and resettlement: from impoverishment risks to an opportunity for development)? Impact Assessment and Project Appraisal, v. 35, n. 1, p. 3-21, 2017.). Adequate housing includes not only the objective conditions linked to the place of housing, but also the networks of social relations, the places where productive activities are carried out, as well as the different forms of land use (ONU, 1991ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 4: artigo 11, número 1 (relativo ao direito a alojamento adequado), 1991.; ONU, 1997ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 7: artigo 11, número 1 (o direito a um alojamento adequado: desalojamentos forçados), 1997.; ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010.). The displacement of the rural population affected by the Belo Monte Dam (UHE Belo Monte) was marked by the failure of the Collective Rural Resettlements (RRC), which we understood as violation of the right to adequate housing. Among the factors that led to this violation, we highlight the difficult access to information and low social participation. This article is organized in three parts: the first one presents the guiding concepts of the research, namely the centrality of those affected, adequate housing and compulsory displacement; the second one contextualizes the Belo Monte Dam, and the population affected by the project; and the third one points out the relationship between access to information, participatory process and its influence on the right to adequate housing in the context of those affected by the UHE in rural areas.

Keywords
Belo Monte Dam; compulsory displacement; community-based; access to information; participatory process; right to adequate housing

Introdução

Grandes obras de infraestrutura e desenvolvimento estão entre os principais motivadores de deslocamentos populacionais em todo o mundo (BANCO MUNDIAL, 2016BANCO MUNDIAL. Forcibly displaced: toward a development approach supporting refugees, the internally displaced, and their hosts. Washington, DC, 2016.; MUGGAH, 2015MUGGAH, Robert. The invisible displaced: a unified conceptualization of population displacement in Brazil. Journal of Refugee Studies, Oxford University Press, v. 28, n. 2, 2015.). Entendidos aqui como processos de remoção ou de abandono dos territórios originais por parte de famílias direta ou indiretamente atingidas por grandes obras, culminam na "perda do espaço concreto de moradia e sobrevivência, e, consequentemente, das referências culturais, econômicas, sociais e espaciais" (WANDERLEY, 2009WANDERLEY, Luiz Jardim M. Deslocamento compulsório e estratégias empresariais em áreas de mineração: um olhar sobre a exploração de bauxita na Amazônia. Revista IDeAS, v. 3, n. especial, p. 475-509, 2009., p. 480). Além dos deslocamentos físicos, ocorrem também deslocamentos econômicos, em que a restrição de acesso às áreas comuns e aos recursos utilizados pelas famílias limita atividades de sobrevivência, deslocando-as de forma indireta (IFC, 2012INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC). Padrão de desempenho 5 - Revisão 0.1. Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário. 2012.).

Segundo o Banco Mundial (2016)BANCO MUNDIAL. Forcibly displaced: toward a development approach supporting refugees, the internally displaced, and their hosts. Washington, DC, 2016., no ano de 2015 mais de 40 milhões de pessoas em todo o mundo foram deslocadas de suas casas e seus territórios, estando entre as razões a instalação de grandes obras de infraestrutura e desenvolvimento. A ONU-Habitat aponta ainda que outras 2 milhões de pessoas por ano sofrem pressões e ameaças de despejo nos países em desenvolvimento (ONU-HABITAT, 2007PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS ASSENTAMENTOS HUMANOS (ONU-HABITAT). Global Report on Human Settlements 2007: enhancing urban safety and security. Nairobi, 2007.). No Brasil, dadas as noções restritivas que limitam os atingidos e os impactos aos aspectos patrimoniais, boa parte dos atingidos por grandes empreendimentos não é reconhecida como tal e não acessa os programas de mitigação de impactos e reparação de danos (VAINER, 2008VAINER, Carlos Bernardo. Conceito de "atingido": uma revisão do debate. In: ROTHMAN, Franklin Daniel (Org.). Vidas alagadas - Conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viçosa: UFV, 2008. p. 39-63.; ALCÂNTARA, 2016ALCÂNTARA, Paulo Augusto Franco de. Ser "atingido". Notas sobre as tensões de classificação a partir do desastre da Samarco. In: FALCÃO, Joaquim; PORTO, Antônio José Maristrello; ALCÂNTARA, Paulo Augusto Franco de (org.). Depois da lama: Mariana e as consequências de um desastre construído. Belo Horizonte: Letramento, 2016.).

Acarretando em perdas de ordens diversas, os deslocamentos têm como principal consequência o empobrecimento multidimensional das famílias (CERNEA, 1997CERNEA, Michael M. The risks and reconstruction model for resettling displaced populations. World Development, v. 25, n. 10, World Bank, Washington, p. 1569-1587, 1997.), incluindo nessa compreensão a deterioração das condições de vida por razões que vão desde a perda de fontes de renda, fragmentação das relações de vizinhança, às perdas imateriais e culturais (OLIVER-SMITH, 2009OLIVER-SMITH, Anthony. Development and dispossession: the crisis of forced displacement and resettlement. School for Advanced Research Advanced Seminar. New Mexico, 2009.; IFC, 2012INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC). Padrão de desempenho 5 - Revisão 0.1. Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário. 2012.; MAGALHÃES e SANZ, 2015MAGALHÃES, Sonia Barbosa; SANZ, Flávia Souza Garcia. Impactos sociais e negociações no contexto de grandes barragens: reflexões sobre conceitos, direitos e (des)compromissos. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 25, n. 2, p. 223-239, abr./jun. 2015.; BANCO MUNDIAL, 2016BANCO MUNDIAL. Forcibly displaced: toward a development approach supporting refugees, the internally displaced, and their hosts. Washington, DC, 2016.).

O reassentamento dos atingidos tem sido, nas últimas décadas, a alternativa apontada como mais adequada por organismos multilaterais (ONU-HABITAT, 2007PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS ASSENTAMENTOS HUMANOS (ONU-HABITAT). Global Report on Human Settlements 2007: enhancing urban safety and security. Nairobi, 2007.) e órgãos financiadores de projetos de infraestrutura (BANCO MUNDIAL, 2001BANCO MUNDIAL. Políticas operacionais: OP 4.12, Involuntary Resettlement. Washington, DC, 2001. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/OPSMANUAL/Resources/210384-1170795590012/op412Portuguese.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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; IFC, 2012INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC). Padrão de desempenho 5 - Revisão 0.1. Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário. 2012.), pela capacidade de restituição dos imóveis e por permitir o acompanhamento da restauração dos meios e modos de vida dos atingidos, minimizando assim o risco de empobrecimento das famílias (BANCO MUNDIAL, 2001BANCO MUNDIAL. Políticas operacionais: OP 4.12, Involuntary Resettlement. Washington, DC, 2001. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/OPSMANUAL/Resources/210384-1170795590012/op412Portuguese.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://siteresources.worldbank.org/OPSMA...
; ONU-HABITAT, 2007PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS ASSENTAMENTOS HUMANOS (ONU-HABITAT). Global Report on Human Settlements 2007: enhancing urban safety and security. Nairobi, 2007.; IFC, 2012INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC). Padrão de desempenho 5 - Revisão 0.1. Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário. 2012.). Adicionalmente ao reassentamento, as discussões atuais elevam a perspectiva do fortalecimento dos meios de vida e do aprimoramento das estratégias de reparação para promoção da adaptação das condições de vida, de forma a atender novas circunstâncias impostas pelas mudanças sociais provocadas. Para tanto, é fundamental que as fases de planejamento e decisão sobre os deslocamentos e reassentamentos envolvam diretamente os atingidos, garantindo sua centralidade nos processos. A relação entre intensidade da participação social e sofrimento causado às famílias é inversamente proporcional, e, quanto maior a participação, maiores as possibilidades de efetividade dos projetos de mitigação de impacto e reparação de danos (VANCLAY, 2017VANCLAY, Frank. Project-induced displacement and resettlement: from impoverishment risks to an opportunity for development)? Impact Assessment and Project Appraisal, v. 35, n. 1, p. 3-21, 2017.). Sem embargo, a falta de abertura para a participação social é uma marca dos deslocamentos e reassentamentos causados por grandes obras, estando entre as principais causas de paralisações e judicializações das obras no Brasil (SCABIN, PEDROSO-JUNIOR e CRUZ, 2015SCABIN, Flavia Silva; PEDROSO-JUNIOR, Nelson Novaes; CRUZ, Julia Cortez da Cunha. Judicialização de grandes empreendimentos no Brasil: impactos da instalação de usinas hidrelétricas sobre comunidades locais na Amazônia. Revista Pós Ciências Sociais (REPOCS) - Dossiê Sociedade Ambiente e Governança, n. 22, 2015.).

O comprometimento da efetividade da mitigação e reparação causa novos danos e sofrimento às famílias atingidas, o que gera traumas e passivos sociais que se arrastam por décadas (IPEA, 2014INSTITUTO DE PESQUISA E ECONOMIA APLICADA (IPEA). Metodologia para o diagnóstico social, econômico e cultural dos atingidos por barragens. Eduardo Luiz Zen (Coord.). Brasília, 2014.; ZHOURI et al., 2016ZHOURI, Andréa; VALENCIO, Norma; OLIVEIRA, Raquel; ZUCARELLI, Marcos; LASCHEFSKI, Klemens; SANTOS, Ana Flávia. O desastre da Samarco e as políticas de afetações: classificações e ações que produzem o sofrimento social. Belo Horizonte: UFMG, 2016. (Série Mariana Artigos).; VANCLAY, 2017VANCLAY, Frank. Project-induced displacement and resettlement: from impoverishment risks to an opportunity for development)? Impact Assessment and Project Appraisal, v. 35, n. 1, p. 3-21, 2017.). Violações de direitos estão na base desses traumas e, no contexto dos deslocamentos, destacamos o direito à moradia adequada, direito este que deve ser compreendido de maneira ampla e incorporar não apenas as condições objetivas das habitações, como também as redes de suporte, espaços de realização de atividades econômicas, laços sociais, formas de relação material e imaterial com o território (ONU, 1997ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 7: artigo 11, número 1 (o direito a um alojamento adequado: desalojamentos forçados), 1997.; ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010.).

A Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHE Belo Monte), em construção desde 2010 no rio Xingu (Pará), entrou parcialmente em operação em fevereiro de 2016 (data do início do funcionamento das primeiras turbinas). Carro-chefe do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Belo Monte é considerada a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, estando atrás de Três Gargantas, na China, e da binacional Itaipu. Belo Monte removeu para instalação de sua infraestrutura e seus reservatórios cerca de 10 mil famílias. Os deslocamentos causados foram marcados por diversas violações, documentadas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) (2016)CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (CNDH). Relatório sobre o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco e seus efeitos sobre o vale do Rio Doce. Brasília, 2016. e pelo Ministério Público em ações civis públicas.1 1 Tabela de acompanhamento das ações do Ministério Público Federal (MPF) contra a UHE Belo Monte. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_atualizada_mar_2016.pdf/. Acesso em: 6 mar. 2019. Altamira e Vitória do Xingu - municípios paraenses da região da Transamazônica-Xingu - receberam os maiores impactos da hidrelétrica, concentrando o maior número de famílias atingidas. Na área urbana de Altamira, o total de remoções gira em torno de 8 mil famílias e, nas áreas rurais dos municípios afetados, aponta-se um total de quase 2,5 mil famílias removidas (NORTE ENERGIA, 2017NORTE ENERGIA. 11º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2017.).

Este artigo debruçou-se sobre o caso dos deslocamentos compulsórios das famílias agricultoras atingidas pela UHE Belo Monte e busca compreender a relação entre o baixo envolvimento das famílias nos processos de planejamento e na decisão dos deslocamentos e reassentamentos, além da violação do direito à moradia adequada.

Os deslocamentos das populações rurais aconteceram de modo pouco transparente, sem que houvesse mediação ou acompanhamento do Estado, sem assessoria jurídica às famílias, com falta de abertura para a participação social e pouco acesso à informação (FGVCES, 2015CENTRO DE ESTUDOS EM SUSTENTABILIDADE DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGVCES). Indicadores de Belo Monte: Mapa dos caminhos - deslocamentos no meio rural. São Paulo, 2015. Disponível em: http://indicadoresdebelomonte.eco.br/attachments/7721392dba41863cb09a5504688f77fe2370d7cc/store/e1c9f56e10a3124b0f179a38412a5aadbd79f19a92899034e12b1d3af288/Mapa+dos+Caminhos+Deslocamentos.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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). Os reassentamentos, opção mais recomendada, praticamente não aconteceram; 75% das famílias atingidas foram indenizadas em dinheiro e apenas 2% optaram pelo reassentamento coletivo (NORTE ENERGIA, 2017NORTE ENERGIA. 11º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2017.), cuja construção não havia sido iniciada até o final de 2015 (limite de nossa coleta).

Os resultados foram obtidos a partir da análise qualitativa dos conteúdos de entrevistas, das observações em campo e da revisão de documentos. O artigo está organizado em três seções: a primeira traz uma breve revisão teórica e apresenta os conceitos centrais da pesquisa, a saber, centralidade dos atingidos, moradia adequada e deslocamentos compulsórios; a segunda contextualiza a UHE Belo Monte e a população atingida pelo projeto; e a terceira aponta a relação entre o acesso à informação, a participação social e a violação do direito à moradia adequada no contexto dos atingidos pela UHE no meio rural.

1. Metodologia de pesquisa

O trabalho está organizado como um estudo de caso (YIN, 2001YIN, Robert K. Estudo de caso - Planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman. 2001.), em que se propõe investigar as implicações do difícil acesso à informação e da falta de abertura para a participação social da população removida das áreas rurais atingidas pela UHE Belo Monte, na violação do direito à moradia adequada, tomando este como direito amplo.

A investigação deu-se no âmbito de um projeto de pesquisa aplicada desenvolvido pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces) para o monitoramento de condicionantes do licenciamento ambiental da UHE Belo Monte, junto à Câmara Técnica de Monitoramento do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRSX). Durante o período de coleta de dados, entre os anos de 2014 e 2015, grande parte das famílias habitantes das áreas rurais atingidas pelo empreendimento já havia sido indenizada e removida, o que dificultou a localização e o contato com os deslocados. Buscou-se apreender a situação vivida por essa população por meio de atores que participaram do processo direta ou indiretamente, e, dessa maneira, a coleta de dados teve como fonte: sindicatos rurais, organizações não governamentais, movimentos sociais, associações setoriais, instituições públicas locais envolvidas nos processos de deslocamento da população ou que operam políticas públicas de suporte à produção rural na região (MPF, Incra, Terra Legal, Emater, Adepará e Casa de Governo em Altamira), poder público local e representantes do empreendedor. Entre setembro de 2014 e dezembro de 2015, foi realizado um conjunto de coletas, entre as quais destacamos para análise 48 entrevistas semiestruturadas voltadas à investigação dos processos de negociação, remoções, reassentamento, acesso à informação e participação das populações atingidas. Das entrevistas, duas foram realizadas com o empreendedor; 15, com a sociedade civil organizada; 28, com instituições públicas que operam políticas no território; e três, com secretários municipais. Para proteger a identidade dos entrevistados, ao citar o conteúdo das entrevistas, optamos por revelar apenas o cargo/função e a instituição a que estão vinculados, indicando em nota de rodapé o local e o momento em que foi realizada a entrevista.

Também foram utilizados como fonte de informação registros dos pesquisadores resultantes da observação participante de quatro audiências públicas e de duas reuniões do Fórum de Acompanhamento Social Belo Monte (FASBM),2 2 O FASBM é um espaço aberto para acompanhamento do andamento dos projetos e dos programas que compõem o Plano Básico Ambiental (PBA) da UHE Belo Monte. Organiza-se em comissões temáticas, compostas de representantes do empreendedor, do poder público e da sociedade civil, que mantêm encontros periódicos (NORTE ENERGIA, 2011). realizadas entre 2014 e 2015. Contribuem para o diagnóstico e a análise documentos vinculados ao licenciamento ambiental, como Estudo de Impacto Ambiental (EIA), Plano Básico Ambiental (PBA) e relatórios do cumprimento das condicionantes da UHE Belo Monte, além de processos judiciais e ações civis públicas.

O tratamento do material coletado apoiou-se nas orientações para análise de conteúdos (BARDIN, 2009BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, LDA, 2009.). Partindo da revisão bibliográfica, definimos três categorias para classificação das unidades de análise: participação social, acesso à informação e acesso à moradia adequada. Entrevistas e documentos foram revisados com o intuito de elencar e selecionar os materiais, classificando e agrupando os conteúdos no interior dessas três categorias. À luz da discussão teórica, interpretamos o material, relacionando os conteúdos conforme as recomendações da ONU (1997)ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 7: artigo 11, número 1 (o direito a um alojamento adequado: desalojamentos forçados), 1997. e do Ministério das Cidades (2013), que indicam que, no contexto de deslocamentos compulsórios causados por grandes obras, a efetivação da moradia adequada pressupõe participação social de qualidade, que, por sua vez, relaciona-se ao amplo acesso à informação.

A pesquisa encontra limites relativos aos recortes temporal e espacial dos dados coletados. O recorte é genérico na origem da coleta, que não priorizou comunidades ou casos isolados pela dificuldade de localizar os atingidos que já haviam sido removidos e se dispersaram com o processo de deslocamento. Os dados retratam um momento específico do processo de instalação da UHE Belo Monte, mas são suficientemente representativos, de maneira a sustentar a argumentação proposta.

2. Deslocamentos compulsórios, centralidade dos atingidos e direito à moradia adequada

Deslocamentos compulsórios são fenômenos totalizantes que afetam múltiplos aspectos da vida dos atingidos, causando perdas sociais, culturais e econômicas, individuais e coletivas. Impulsionam processos de mudança social e promovem transformações socioespaciais que se refletem em alterações nos padrões de uso e ocupação do solo, nas dinâmicas urbanas, na desterritorialização de grupos sociais e nas relações interpessoais (OLIVER-SMITH, 2009OLIVER-SMITH, Anthony. Development and dispossession: the crisis of forced displacement and resettlement. School for Advanced Research Advanced Seminar. New Mexico, 2009.; ZHOURI, 2011ZHOURI, Andréa. As tensões do lugar: hidrelétricas, sujeitos e licenciamento ambiental. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2011.).

Segundo dados do Instituto Igarapé (2018)INSTITUTO IGARAPÉ. Observatório de Migrações Forçadas. 2018. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2018/03/2018-03-06-factsheet-migracoes.pdf. Acesso em: 6 mar. 2018.
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, a cada minuto um brasileiro é forçado a deixar suas terras ou residência e, nos últimos 17 anos, mais de 7,7 milhões de pessoas foram deslocadas no país. As causas dos deslocamentos internos são muitas, entre as quais se destacam desastres e a construção de grandes obras, e esta última concentra ao menos 18% do total dos deslocados.3 3 Dados sobre migrações forçadas, Instituto Igarapé. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2018/03/2018-03-06-factsheet-migracoes.pdf. Acesso em: 6 mar. 2019. Faltam informações e registros consistentes sobre o número de famílias deslocadas no país (MUGGAH, 2015MUGGAH, Robert. The invisible displaced: a unified conceptualization of population displacement in Brazil. Journal of Refugee Studies, Oxford University Press, v. 28, n. 2, 2015.), e, segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) (2004)MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB). Ditadura contra as populações atingidas por barragens aumenta a pobreza do povo brasileiro. Brasília, 2004. Disponível em: http://riosvivos.org.br/a/Noticia/MAB+apresenta++dossie+sobre+atingidos+por+barragens/3086. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://riosvivos.org.br/a/Noticia/MAB+ap...
, quase 70% dos atingidos por barragens não são reconhecidos como tal, sofrendo perdas e impactos que são invisibilizados.

Não existe, no Brasil, definição legal sobre o conceito de atingido, e as concepções comumente aceitas privilegiam aspectos territoriais e patrimonialistas, limitando o reconhecimento às famílias que habitam os polígonos de implementação dos empreendimentos e as áreas direta e indiretamente afetadas. Metodologias empregadas para dimensionamento dos impactos sociais são inadequadas, e as tipologias com frequência identificadas privilegiam as perdas materiais. Deslocamentos econômicos (IFC, 2012INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC). Padrão de desempenho 5 - Revisão 0.1. Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário. 2012.) são ignorados, e a perda de acesso às áreas comuns e aos recursos explorados pelas famílias, mesmo que não tenham sido removidas de seus territórios, é raramente contabilizada. Processos de reparação mostram-se insuficientes e, ancorados em indenizações pecuniárias, negligenciam o sofrimento causado às famílias. Falhas na identificação dos atingidos, nos processos de mitigação e na reparação acumulam passivos que se arrastam por décadas (VAINER, 2008VAINER, Carlos Bernardo. Conceito de "atingido": uma revisão do debate. In: ROTHMAN, Franklin Daniel (Org.). Vidas alagadas - Conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viçosa: UFV, 2008. p. 39-63.; ZHOURI et al., 2016ZHOURI, Andréa; VALENCIO, Norma; OLIVEIRA, Raquel; ZUCARELLI, Marcos; LASCHEFSKI, Klemens; SANTOS, Ana Flávia. O desastre da Samarco e as políticas de afetações: classificações e ações que produzem o sofrimento social. Belo Horizonte: UFMG, 2016. (Série Mariana Artigos).; IPEA, 2014INSTITUTO DE PESQUISA E ECONOMIA APLICADA (IPEA). Metodologia para o diagnóstico social, econômico e cultural dos atingidos por barragens. Eduardo Luiz Zen (Coord.). Brasília, 2014.).

Os critérios empregados para mensuração dos impactos e reconhecimento dos atingidos mostram vieses políticos, pouco técnicos, pautados na necessidade de otimização dos investimentos. Assim, os custos sociais são externalizados, o que se traduz na piora das condições de vida, perda dos territórios e das redes de suporte, marginalização social, degradação ambiental, conflitos e violações de direitos, colocando em xeque o sentido do desenvolvimento proposto pelos projetos (CERNEA, 2006CERNEA, Michael M. Re-examining "displacement": a redefinition of concepts in development and conservation policies. Social Change, v. 36, n. 1, New Delhi, India, p. 8-35, 2006.; OLIVER-SMITH, 2009OLIVER-SMITH, Anthony. Development and dispossession: the crisis of forced displacement and resettlement. School for Advanced Research Advanced Seminar. New Mexico, 2009.).

Nesse contexto, a categoria atingido passa a ser uma disputa política. Seu reconhecimento converte famílias antes invisíveis em sujeitos de direitos, permitindo o acesso aos programas de mitigação e reparação (VAINER, 2008VAINER, Carlos Bernardo. Conceito de "atingido": uma revisão do debate. In: ROTHMAN, Franklin Daniel (Org.). Vidas alagadas - Conflitos socioambientais, licenciamento e barragens. Viçosa: UFV, 2008. p. 39-63.; ALCÂNTARA, 2016ALCÂNTARA, Paulo Augusto Franco de. Ser "atingido". Notas sobre as tensões de classificação a partir do desastre da Samarco. In: FALCÃO, Joaquim; PORTO, Antônio José Maristrello; ALCÂNTARA, Paulo Augusto Franco de (org.). Depois da lama: Mariana e as consequências de um desastre construído. Belo Horizonte: Letramento, 2016.). No entanto, ser considerado atingido não é condição suficiente para a efetivação de direitos. A lógica de reconhecimento opera por meio de um binômio incluído-excluído, em que não basta habitar os limites das áreas de influência ou constar nos cadastros; faz-se necessário pressionar o Estado e empresas para o respeito ao arcabouço legal brasileiro e para o cumprimento dos acordos firmados no âmbito do licenciamento ambiental (CHAVES e SOUZA, 2018CHAVES, Kena Azevedo; SOUZA, Angelita Matos. Entre Belo Monte e Belo Sun, o Pará como espaço de espoliação & exceção: o caso da resistência Yudjá. In: ZAAR, Miriam; CAPEL, Horacio (coord.). Las ciencias sociales y la edificación de una sociedad post-capitalista. Barcelona: Universidad de Barcelona/Geocrítica, Barcelona, 2018.).

A instalação de hidrelétricas no Brasil é marcada por diversas violações, entre as quais destacamos a violação do direito à moradia adequada. Por ser um conceito amplo, moradia adequada compreende, para além das condições objetivas das habitações, as redes de relações sociais e laços de parentesco, formas de uso do território, bem como significações e aspectos imateriais e culturais dos diferentes grupos sociais (ONU, 1997ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 7: artigo 11, número 1 (o direito a um alojamento adequado: desalojamentos forçados), 1997.; ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010.; MC, 2013MINISTÉRIO DAS CIDADES (MC). Portaria n. 317, de 18 de julho de 2013. Disponível em: http://www.urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/portaria_317_mcidades_julho2013.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://www.urbanismo.mppr.mp.br/arquivos...
). A proteção desse direito pode funcionar como um guarda-chuva para o resguardo contra uma série de riscos e violações, como exposição à violência, desagregação familiar, fragmentação dos laços de vizinhança, fragilização das redes de suporte, perdas econômicas, entre outros.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, inclui o direito à moradia adequada no grupo de direitos humanos reconhecidos internacionalmente como universais, o que significa que o direito à moradia adequada deve ser aceito e aplicável a todos os Estados-membros - que passam a ter obrigação de promovê-lo e protegê-lo - e válido para todas as pessoas. Muito embora o termo "habitação" tenha sido usado para tipificar esse direito, a "moradia" já estava presente nesse documento como requisito para desfrutar uma vida completa (ONU, 1948ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948., artigo 25). Hoje, mais de uma dezena de documentos da ONU elenca e reconhece o direito à moradia adequada, entre eles, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que, em seu artigo 11, estabelece que: "toda pessoa tem direito a um padrão de vida adequado para si e sua família, inclusive à moradia adequada, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida". O comentário n. 04 ao referido pacto aponta a moradia adequada para além da necessidade de teto, e a relaciona com a proteção de outros direitos humanos. Na definição de moradia adequada, o comentário lista um conjunto de elementos que a compõe, valendo ressaltar: o direito de escolha da moradia; a adequação cultural das construções; a participação em decisões sobre a moradia; a garantia de proteção contra remoções forçadas; a segurança jurídica dos lotes e imóveis; e a garantia de restituição da moradia, da terra e da propriedade (ONU, 1991ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário geral n. 4: artigo 11, número 1 (relativo ao direito a alojamento adequado), 1991.).

Moradia adequada é direito universal, e desse direito decorre a proteção contra remoções forçadas. A moradia não se limita à própria casa e deve ser compreendida de forma ampliada, incorporando, entre outros, aspectos culturais do território onde uma comunidade habita (ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010.). A Agenda 21, estabelecida na Eco-92, no Rio de Janeiro, e a Agenda Habitat, da Conferência Habitat II, em Istambul, em 1996, preveem também o direito à moradia como direito básico do homem. No Brasil, o direito à moradia apenas foi incluído expressamente como direito constitucional no ano de 2000, por meio da Emenda Constitucional n. 26, que altera o artigo 6º da Constituição Federal. Nesse mesmo ano, o Conselho de Direitos Humanos da ONU nomeou um relator especial para o direito à moradia adequada, a fim de reunir informações sobre o status do direito à moradia em todo o mundo e apoiar governos para a implementação desse direito. Essa relatoria tem produzido estudos sobre o tema e, em seu relatório anual de 2004, o tema das remoções e dos despejos forçados teve destaque especial. Como decorrência, em 2007, foi elaborada a publicação Princípios Básicos e Orientações para Remoções e Despejos Causados por Projetos de Desenvolvimento, para orientar os Estados nas "remoções e despejos involuntários, de acordo com padrões internacionais e respeitando os direitos da população atingida" (ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010., p. 7).

Apesar dos esforços para sua efetivação, o direito à moradia adequada é frequentemente violado. Em 2010, o então Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) - atual Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) - identificou 16 violações frequentes no contexto "barrageiro" no país, entre as quais se destaca a violação desse direito. Tal violação se territorializa por meio da inexistência de reassentamentos que abriguem a população atingida; ou, uma vez que eles se efetivem, na baixa qualidade das unidades habitacionais; na impossibilidade de manutenção dos laços de parentesco e relações de vizinhança; no comprometimento das atividades econômicas, entre outros aspectos listados (CDDPH, 2010CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010.).

O reassentamento tem sido recomendado como forma de assegurar a moradia adequada e a preocupação com as perdas econômicas e o empobrecimento das famílias - constatado como principal consequência dos deslocamentos (CERNEA, 1997CERNEA, Michael M. The risks and reconstruction model for resettling displaced populations. World Development, v. 25, n. 10, World Bank, Washington, p. 1569-1587, 1997.; 2006CERNEA, Michael M. Re-examining "displacement": a redefinition of concepts in development and conservation policies. Social Change, v. 36, n. 1, New Delhi, India, p. 8-35, 2006.) - orienta os processos de mitigação. O argumento central é que, ao reassentar os deslocados, garante-se potencialmente o acesso à terra, à habitação em condições adequadas, e o suporte e acompanhamento da restauração dos meios de vida dos atingidos (BANCO MUNDIAL, 2001BANCO MUNDIAL. Políticas operacionais: OP 4.12, Involuntary Resettlement. Washington, DC, 2001. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/OPSMANUAL/Resources/210384-1170795590012/op412Portuguese.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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; IFC, 2012INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION (IFC). Padrão de desempenho 5 - Revisão 0.1. Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário. 2012.). Em detrimento da preocupação com o empobrecimento, sublinha-se a importância de que o reassentamento e todo o processo de mitigação e reparação estejam orientados para a proteção integral dos direitos dos atingidos, incluindo, mas não se limitando, aos seus direitos econômicos. O empobrecimento dos deslocados é multidimensional (CERNEA, 1997CERNEA, Michael M. The risks and reconstruction model for resettling displaced populations. World Development, v. 25, n. 10, World Bank, Washington, p. 1569-1587, 1997.), na medida em que os impactos vividos também o são, não podendo a mitigação restringir-se aos aspectos econômicos que componham o patrimônio perdido. O entendimento do patrimônio deve ser ampliado, ultrapassando os limites dos bens materiais e monetários. A relação com o território é repleta de aspectos imateriais, construídos e significados de modo coletivo. O patrimônio das famílias e comunidades é também cultural e imaterial, devendo ser protegido e reparado integralmente, considerando na reparação valores monetários e não monetários (KENTER, 2016KENTER, Jasper O. Deliberative and non-monetary valuation. In: POTSCHIN, Marion; HAINES--YOUNG, Roy; FISH, Robert; TURNER, R. Kerry (Ed.). Routledge Handbook of Ecosystem Services. Routledge: Abingdon, 2016.). Sendo assim, a moradia adequada deve compreender essa dimensão - a imaterialidade e os sentidos sociais do território e da casa -, e os reassentamentos, tomados como estratégia também de proteção dos direitos culturais dos atingidos, devem adequar-se às necessidades específicas dos grupos sociais.

Por sua complexidade, a efetivação da moradia adequada depende do envolvimento dos atingidos em todas as etapas do deslocamento, sendo compreendidos não como empecilho à instalação dos projetos, mas sim como sujeitos ativos nas decisões que recaem sobre seu futuro. Os atingidos devem estar no centro de todo o processo, e essa centralidade pressupõe participação de qualidade com acesso à informação estratégica. Como maiores conhecedores de seu território e principais interessados na efetividade da reparação, os atingidos devem ter presença garantida desde as etapas de identificação dos impactos, dimensionamento das perdas, valoração material e imaterial dos danos, até o planejamento e o monitoramento da mitigação e a reparação (MATHUR, 2011MATHUR, Hari Mohan. Social impact assessment: a tool for planning better resettlement. Social Change, v. 41, n. 1, p. 97-120, 2011.; ZHOURI et al., 2016ZHOURI, Andréa; VALENCIO, Norma; OLIVEIRA, Raquel; ZUCARELLI, Marcos; LASCHEFSKI, Klemens; SANTOS, Ana Flávia. O desastre da Samarco e as políticas de afetações: classificações e ações que produzem o sofrimento social. Belo Horizonte: UFMG, 2016. (Série Mariana Artigos).; VANCLEY, 2017VANCLAY, Frank. Project-induced displacement and resettlement: from impoverishment risks to an opportunity for development)? Impact Assessment and Project Appraisal, v. 35, n. 1, p. 3-21, 2017.; CHAVES e FABBRO, 2018CHAVES, Kena Azevedo; SOUZA, Angelita Matos. Entre Belo Monte e Belo Sun, o Pará como espaço de espoliação & exceção: o caso da resistência Yudjá. In: ZAAR, Miriam; CAPEL, Horacio (coord.). Las ciencias sociales y la edificación de una sociedad post-capitalista. Barcelona: Universidad de Barcelona/Geocrítica, Barcelona, 2018.).

A relação entre participação social e garantia do direito à moradia é apresentada em diversos documentos. O Banco Mundial, no Padrão Operativo 4.12 (2001)BANCO MUNDIAL. Políticas operacionais: OP 4.12, Involuntary Resettlement. Washington, DC, 2001. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/OPSMANUAL/Resources/210384-1170795590012/op412Portuguese.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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, recomenda a participação dos atingidos na elaboração dos planos de reassentamento, por exemplo. O Padrão de Desempenho 05 do IFC também traz essa recomendação e orienta para que seja realizada consulta aos atingidos, previamente ao início do processo de deslocamento. Os Basic principles and guidelines on development-based evictions and displacement da ONU (2007)ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Basic principles and guidelines on development-based evictions and displacement, 2007. Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/Issues/Housing/Guidelines_en.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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também argumentam sobre a importância do envolvimento das pessoas afetadas nos processos de planejamento e gestão dos reassentamentos, e dos processos de retorno assistido aos territórios de origem. No comentário n. 07 ao artigo 11 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também consta a necessidade de participação social no planejamento dos reassentamentos. Em suas recomendações, a Relatoria Especial da ONU para a moradia adequada reafirma a participação como premissa, listando algumas condições básicas para que ela ocorra de maneira efetiva, entre as quais figura o acesso pleno à informação (ROLNIK, 2010ROLNIK, Raquel. Como atuar em projetos que envolvem despejos e remoções. Relatoria especial da ONU para moradia adequada. São Paulo, 2010.).

A informação qualificada possui dimensão emancipatória, sendo fundamental o acesso a ela para a garantia do direito à participação democrática, da tomada de decisão e da defesa dos direitos dos cidadãos. Schwartz (2010)SCHWARTZ, Gilson. Arranjos comunicativos locais (ACLs) e desenvolvimento humano. In: DOWBOR, Ladislau; POCHMANN, Marcio (Org.). Políticas para o desenvolvimento local. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010. entende a informação como unidade de valor, afirmando que a concentração dela, assim como a obstrução do livre acesso por todas as partes interessadas, gera assimetrias de poder. No contexto da implementação de grandes obras, é fundamental que haja o máximo de intercâmbio entre o maior número de atores, ampliando a participação e a distribuição da informação em busca da redução das assimetrias, objetivando a garantia da efetividade da participação dos agentes diretamente afetados pelos projetos.

No Brasil, o acesso à informação durante o processo de licenciamento ambiental de grandes obras (ao longo do qual ocorrem os deslocamentos populacionais) é assegurado por lei. No artigo 225 da Constituição está expressa a exigência da realização e da publicidade dos estudos e relatórios de impacto. Um dos principais mecanismos utilizados para tanto é a audiência pública, cuja finalidade, de acordo com a Resolução Conama n. 009, de 3 de dezembro de 1987CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE (Conama). Resolução n. 09, de 3 de dezembro de 1987. Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=60. Acesso em: 7 mar. 2019.
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, é "expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido Rima, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito", devendo ocorrer sempre que necessária ou que solicitada, em local acessível à população afetada. No que tange ao acesso aos relatórios e documentos, a Lei Federal n. 10.650/2003 garante acesso público aos dados e informações que estejam sob a guarda dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Apesar das recomendações e de ações previstas na legislação nacional, a participação das famílias atingidas ainda é insatisfatória, e o acesso à informação, dificultado: de acordo com a World Comission on Dams [Comissão Mundial das Barragens] (WCD) (2000a)WORLD COMISSION ON DAMS (WCD). Displacement, resettlement, rehabilitation, reparation and development. 2000a. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/INTINVRES/Resources/DisplaceResettleRehabilitationReparationDevFinal13main.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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, ela dá-se de maneira superficial, com processos tratados como desimportantes pelos responsáveis pelos empreendimentos. Em raras situações, as populações atingidas lograram influenciar nas decisões sobre os projetos, aportando efetivas contribuições ou modificações. A participação nas etapas de planejamento de grandes barragens, bem como a transparência desses processos, quando ocorre, é tardia e costuma apresentar alcance limitado. A falta de informação acessível e adequada é uma constante, não permitindo que a população participe de maneira esclarecida dos processos decisórios. Tanto no planejamento como na implementação das obras há pouca informação disponível, o que acarreta na impossibilidade de questionamento dos atingidos com relação à real necessidade de seu deslocamento e sobre seus direitos dentro do processo (WCD, 2000aWORLD COMISSION ON DAMS (WCD). Displacement, resettlement, rehabilitation, reparation and development. 2000a. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/INTINVRES/Resources/DisplaceResettleRehabilitationReparationDevFinal13main.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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).

O CDDPH (2010)CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010. aponta como principais razões que impedem o acesso à informação: a omissão de dados relevantes (levantamentos cadastrais, ou lista de famílias e propriedades atingidas); uso de linguagem inacessível ao público não especialista; fornecimento de informações falsas ou contraditórias; precariedade ou insuficiência dos estudos ambientais; falta de assessoria jurídica e a falta de oportunidade efetiva para participação, como "a não ocorrência de audiências públicas ou realização de audiências e outros fóruns cujo formato não favorece a participação popular efetiva" (CDDPH, 2010CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010., p. 14). Para Silveira (2010)SILVEIRA, Caio. Desenvolvimento local e novos arranjos socioinstitucionais: algumas referências para a questão da governança. In: DOWBOR, Ladislau; POCHMANN, Marcio (Org.). Políticas para o desenvolvimento local. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010., é comum que as audiências públicas inseridas no contexto do licenciamento ambiental aconteçam de acordo com a conveniência dos empreendedores e órgão licenciador, comprometendo o caráter efetivamente informativo e participativo desses eventos. O CDDPH (2010)CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010. também reconhece que existem desequilíbrios de poder e no acesso à informação e "aos recursos e conhecimentos especializados detidos pelos empreendedores privados, pelos órgãos públicos e pelas populações atingidas e suas organizações representativas" (CDDPH, 2010CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010., p. 38), indicando esses como fatores que fragilizam a participação social no processo de deslocamento. No caso dos deslocamentos compulsórios ocorridos nas áreas rurais atingidas pela UHE Belo Monte, os processos adotados acarretaram em limitações no acesso à informação e na participação social, de modo a comprometer a construção de saídas apropriadas ao deslocamento e culminando na violação do direito à moradia adequada, conforme será apresentado e discutido a seguir.

3. UHE Belo Monte: caracterização do projeto e da população atingida no meio rural

A UHE Belo Monte, parcialmente em operação desde fevereiro de 2016, com projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), atinge diretamente cinco municípios paraenses da região da Transamazônica Xingu: Altamira, Anapú, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. Este último recebeu a maior parte das estruturas da hidrelétrica, como as casas de força e o reservatório intermediário. O município de Altamira, que abriga o reservatório Xingu, teve parte da área urbana inundada. Os demais municípios abrigam pequena parte do reservatório e o Trecho de Vazão Reduzida (TVR) fica a jusante da barragem principal.

Considerada a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, com capacidade instalada de 11.233,1 MW de potência e geração média anual de 4.571 MW, o projeto da UHE Belo Monte remonta aos anos 1970, quando os estudos sobre o potencial hidrelétrico na região foram iniciados. Durante décadas organizaram-se movimentos de resistência à sua implementação e readequações ao projeto foram realizadas até que, por fim, ele resultasse no projeto final da UHE Belo Monte, incorporado ao PAC Energia. A hidrelétrica recebeu a licença de operação em novembro de 2015 e atualmente encontra 90% da construção já concluída, produzindo energia em operação comercial em 12 das 24 turbinas previstas. Belo Monte conta com dois reservatórios, o principal localizado na própria calha do rio Xingu, atingindo os municípios de Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo, e o reservatório intermediário, localizado entre os braços da Volta Grande, no município de Vitória do Xingu. A área dos reservatórios está dimensionada em 516 km2, o que equivale a 50.000 hectares (NORTE ENERGIA, 2009NORTE ENERGIA. Estudo de impacto ambiental da UHE Belo Monte. v. 21. Brasília, 2009.). A necessidade de remoção das famílias das áreas rurais decorre da formação dos reservatórios e das respectivas áreas de preservação permanente, junto as áreas de construção da barragem, da casa de força principal e de estruturas auxiliares da hidrelétrica. Essas áreas, somadas ao trecho de vazão reduzida, compõem a Área Diretamente Atingida (ADA) do empreendimento que, com 1.552 km2, corresponde a cerca de 30% da Área de Influência Direta (AID) (NORTE ENERGIA, 2009NORTE ENERGIA. Estudo de impacto ambiental da UHE Belo Monte. v. 21. Brasília, 2009.).

O 11º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes (NORTE ENERGIA, 2017NORTE ENERGIA. 11º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2017.), apresentado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) pelo empreendedor em fevereiro de 2017, apontou um número de 2.500 famílias alvo do projeto de negociação das terras, entre as quais estão produtores rurais, colonos assentados por programas de reforma agrária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pescadores e ribeirinhos (NORTE ENERGIA, 2009NORTE ENERGIA. Estudo de impacto ambiental da UHE Belo Monte. v. 21. Brasília, 2009., 2011NORTE ENERGIA. Projeto Básico Ambiental da UHE Belo Monte. Brasília, 2011. e 2017NORTE ENERGIA. 11º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2017.; FGVCES, 2015CENTRO DE ESTUDOS EM SUSTENTABILIDADE DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGVCES). Indicadores de Belo Monte: Mapa dos caminhos - deslocamentos no meio rural. São Paulo, 2015. Disponível em: http://indicadoresdebelomonte.eco.br/attachments/7721392dba41863cb09a5504688f77fe2370d7cc/store/e1c9f56e10a3124b0f179a38412a5aadbd79f19a92899034e12b1d3af288/Mapa+dos+Caminhos+Deslocamentos.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
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).

Para a mitigação dos impactos decorrentes do deslocamento compulsórios, o PBA (NORTE ENERGIA, 2011NORTE ENERGIA. Projeto Básico Ambiental da UHE Belo Monte. Brasília, 2011.) apresenta um conjunto de programas e projetos descritos no Plano de Atendimento à População Atingida. No âmbito das remoções, o tratamento oferecido às famílias no meio rural constava das seguintes opções: indenização em dinheiro, realocação assistida (carta de crédito), reassentamento rural coletivo (RRC) e reassentamento em áreas remanescentes (RAR). Entre as opções, aquela que obteve maior adesão foi a indenização em dinheiro, destinada a 75% das famílias atingidas pela UHE, e apenas 2% dos atingidos optaram por reassentamento. Entre as razões que determinaram as decisões das famílias, destacamos a pouca informação disponível sobre as opções ofertadas e a falta de envolvimento dos atingidos no planejamento das ações de reassentamento.

4. UHE Belo Monte: acesso à informação e à participação, e violação do direito à moradia adequada

Os acessos à informação de qualidade e à participação constituem direitos elementares, se não fundamentais, para o empoderamento dos atores envolvidos na implementação de hidrelétricas. Tendo em vista que empreendimentos de grande porte articulam fortemente interesses públicos e privados, ressaltam-se as responsabilidades de ambas as partes na ampla divulgação de informações, de forma tempestiva, clara e objetiva. No caso da UHE Belo Monte, o PBA conta com plano específico voltado à comunicação social - Plano de Interação Social e Comunicação - transversal aos demais programas. A organização de reuniões para esclarecimento sobre o processo da obra, bem como campanhas que envolvem outros programas - saúde, educação, etc. - ocorrem nesse âmbito. O plano instituiu e operou instâncias e canais de acesso à informação, entre os quais estão o Plantão Social, atendimento telefônico e o FASBM, organizado em comissões e comitês temáticos que se reúnem periodicamente (NORTE ENERGIA, 2011NORTE ENERGIA. Projeto Básico Ambiental da UHE Belo Monte. Brasília, 2011.).

Entre os canais citados, o FASBM, que se comporta como instância consultiva de participação social, tem como integrantes representantes de sindicatos, ONGs, organizações sociais, instituições públicas estaduais e municipais, conselhos, e ainda representantes da população atingida e do empreendedor. Organiza-se em comissões e comitês temáticos, entre os quais está a Comissão do Plano de Atendimento à População Atingida (CAPA), instituída em abril de 2011. A comissão realizou, até o final de 2014, nove reuniões com temas variados voltados ao acompanhamento de todos os programas e projetos do plano (NORTE ENERGIA, 2015NORTE ENERGIA. 7º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2015.). De acordo com alguns participantes4 4 Entrevista com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Vitória do Xingu (fevereiro de 2015). do fórum, seu caráter consultivo é limitador, uma vez que impossibilita a inclusão de demandas sociais, funcionando como um espaço de apresentação dos resultados das ações do empreendedor, e não de discussão sobre sua efetividade.

Um importante canal de acesso à informação dos documentos do licenciamento (EIA, PBA, licenças, relatórios, pareceres e processos) é o portal de arquivos do site do Ibama.5 5 Disponível em: https://servicos.ibama.gov.br/licenciamento/consulta_empreendimentos.php. Acesso em: 7 mar. 2019. Entretanto, seu acesso pela população da região é considerado difícil,6 6 Entrevista com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014). tanto pela baixa disponibilidade de acesso à internet por parte dos atingidos como pela linguagem técnica com que se apresentam as informações do relatório. Mesmo com esses canais de acesso à informação constituídos, a falta desta foi uma marca dos processos de deslocamentos que ocorreram nas áreas rurais. Atingidos e instituições atuantes na região relataram a ausência de transparência, a dificuldade no acompanhamento das ações do empreendedor e a invisibilização das famílias atingidas.7 7 Entrevistas com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014), com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014) e com chefe da Casa de Governo em Altamira (novembro de 2014).

Desde antes da liberação da licença de instalação, o empreendimento já passava por questionamentos judiciais por conta da falta de acesso à informação e participação social. O Ministério Público Federal (MPF) em Altamira apontou em ação de improbidade8 8 Ação de Improbidade 2009.39.03.000363-2. datada de 2009 que os estudos de impacto haviam sido aceitos em desacordos com a lei, violando princípios da participação social e da publicização dos resultados. No mesmo ano, ação civil pública9 9 Ação Civil Pública 2009.39.03.000575-6. foi movida, solicitando a nulidade dos estudos de impacto e de viabilidade do empreendimento, sustentando o argumento na violação do direito de informação e participação. O MPF apontou falhas nas metodologias de condução de audiências públicas, número de audiências insuficiente para atender aos atingidos e incompletude nos estudos ambientais. A liminar foi concedida, porém suspensa em seguida por decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Outras ações do MPF também seguiram apontando ausência de participação dos atingidos, sendo povos indígenas, ribeirinhos, agricultores e moradores das áreas urbanas afetadas pelo empreendimento. O conteúdo das ações será apresentado a seguir, ao longo do desenvolvimento da análise dos dados.

Em ao menos três momentos ao longo do processo de remoção das famílias, há evidências de violação do direito ao acesso à informação e à participação: na emissão da Declaração de Utilidade Pública (DUP) e cadastro socioeconômico (CSE); na falta de acesso aos cadernos de preço e suporte jurídico durante as negociações dos imóveis e benfeitorias; e na realocação da população atingida.

4.1 Declaração de utilidade pública e cadastros socioeconômicos: falta de informação e de transparência

A desapropriação por utilidade pública, instituída pelo Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, permite à União e aos entes federativos desapropriações de todos os bens constantes nos polígonos autorizados. De acordo com o artigo 3º do decreto, "os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato" (BRASIL, 1941BRASIL. Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3365.htm. Acesso em: 7 mar. 2019.
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).

O processo de solicitação da DUP para UHE Belo Monte teve início junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2010AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Processo 007066/2010. Brasília, 2010. Consulta em: fev. 2015.. O empreendimento recebeu duas resoluções autorizativas, concedidas em favor da Norte Energia. A primeira delas foi emitida em março de 2011 e refere-se à área total de 3.536 hectares localizados no município de Vitória do Xingu. Em dezembro do mesmo ano, nova resolução da Aneel declarou outros 282.369 hectares, indicando áreas localizadas nos municípios de Vitória do Xingu, Altamira e Brasil Novo.

Grande parte das áreas não foi utilizada para instalação da usina, mas a possibilidade de sua desapropriação gerou expectativa na população da região, tendo como consequência especulação imobiliária, além da incerteza com relação ao futuro das famílias. Relatos10 10 Entrevistas realizadas com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014), com chefe da casa de Casa de Governo (junho e outubro de 2015), com superintendente do Incra em Altamira (novembro de 2014), com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014), com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Vitória do Xingu (fevereiro de 2015) e com superintendente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-Pará) em Altamira (fevereiro de 2015). de lideranças de movimentos sociais e representantes de instituições públicas locais coincidem ao afirmar que muitos dos agricultores dos municípios, acreditando ser alvo da desapropriação, paralisaram suas atividades produtivas e deixaram de investir na manutenção das benfeitorias, aguardando por cerca de dois anos o momento de remoção de seus imóveis. A instrução da Aneel para tais casos é que se faça retificação das áreas declaradas de utilidade pública, que de fato não ocorreu no caso em questão, permanecendo a população desinformada e aguardando as definições sobre sua condição. Por sua vez, os CSE, por permitirem identificar, quantificar, qualificar e criar registros públicos da população atingida por empreendimentos hidrelétricos, são instrumentos essenciais ao processo de planejamento do deslocamento da população, assim como fundamentais à transparência das ações destinadas a esse fim. Nesse sentido, o Decreto n. 7.342, de 26 de outubro de 2010, ao instituir o CSE no âmbito de empreendimentos hidrelétricos, aponta em parágrafo único que deverá ser assegurada sua ampla publicidade, uma vez que as informações presentes nele são de natureza e interesse públicos. A publicização dos CSE consta em condicionante da licença de instalação da UHE Belo Monte. Além de orientar a forma de aplicação dos questionários, a condicionante 2.14 afirma que os resultados do CSE deveriam ser disponibilizados em locais públicos por 30 dias, apresentando a lista dos atingidos por setor, para eventual correção de distorções ou inclusão de atingidos não detectados. A condicionante afirma expressamente que o empreendedor deveria garantir que "todos os atingidos sejam cadastrados" (Ibama, Licença de Instalação n. 795/2011INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS (Ibama). Licença de instalação da UHE Belo Monte 795/2011. Disponível em: http://norteenergiasa.com.br/site/wp-content/uploads/2011/07/Licenca-de-Instalacao.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://norteenergiasa.com.br/site/wp-con...
). A condicionante 2.15 também garante o livre acesso da população ao CSE, bem como aos documentos que compõem seu processo de negociação e posterior deslocamento.

Ainda que as orientações do licenciador fossem expressas, lideranças de movimentos sociais locais11 11 Entrevista realizada com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014) e com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014). denunciaram o difícil acesso aos cadastros realizados, além de apontar falhas no processo de cadastramento que ignorou parte da população, negando seu reconhecimento como atingidos. Tal situação foi também observada na área urbana de Altamira, onde bairros inteiros foram negligenciados, acarretando o comprometimento dos imóveis quando do enchimento do reservatório.12 12 Denúncia do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) sobre o caso de 500 famílias habitantes do bairro Independente II na cidade de Altamira, alagado desde o enchimento da barragem, que não foram consideradas atingidas e não constam nos cadastros da UHE. Disponível em: http://www.mabnacional.org.br/noticia/atingidos-por-belo-monte-ocupam-rg-do-governo-federal-em-altamira. Acesso em: 10 abr. 2017. A 12ª ação civil pública13 13 Ação Civil Pública 0001618-57.2011.4.01.3903. movida pelo MPF em 2011 solicitou a suspensão das obras da UHE, argumentando que a empresa estaria gerando incertezas sobre os atingidos, que desconheciam os resultados dos cadastros e o total de pessoas a serem removidas, o que configura violação do direito de informação. A ação também solicitava a obrigação de cadastramento dos atingidos e a apresentação do cadastro em um prazo de 160 dias. A liminar foi deferida e até hoje o processo tramita junto ao TRF1.

4.2 Negociações dos imóveis e benfeitorias: assimetria de informação e poder entre as partes

O difícil acesso aos cadastros, ainda que sejam de interesse público, somado às expectativas, pressões e legitimidade das desapropriações garantidas ao empreendedor pela DUP, foi elemento que debilitou as famílias no momento das negociações.

De acordo com o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico (PDMA) (ELETROBRÁS, 1990ELETROBRÁS. Plano diretor de meio ambiente do setor elétrico 1991/1993 - PDMA: diretrizes e programas setoriais. Rio de Janeiro, 1990.), que orienta até os dias atuais os empreendimentos do setor, nos processos de negociação, as concessionárias devem manter a população informada, garantir a participação social, estimulando o equacionamento dos interesses coletivos e a legitimação das instâncias de negociação apontadas pela própria população atingida. Como instrumento da negociação, o documento indica como primordial a comunicação social, sendo o veículo principal para fazer chegar aos atingidos as informações a respeito da real interferência sobre seu quadro de vida, bem como as possibilidades concretas de sua recomposição. O PDMA recomenda ainda que as negociações sejam coletivas, assegurando isonomia do tratamento no processo do remanejamento, e que a gestão do processo seja compartilhada com a população e com instituições locais, a fim de garantir transparência e ampla participação na definição e na implementação das ações necessárias. Quanto aos critérios orientadores das indenizações, sua definição deve contar com a participação de representantes dos grupos de atingidos e, uma vez estabelecidos, devem ser amplamente divulgados (ELETROBRÁS, 1990ELETROBRÁS. Plano diretor de meio ambiente do setor elétrico 1991/1993 - PDMA: diretrizes e programas setoriais. Rio de Janeiro, 1990., p. 41-44).

Ainda que a orientação do PDMA pareça clara, assiste-se no Brasil a um conjunto de violações nos processos de negociação, em que a ausência de participação, a falta de transparência e a escassez de informação imperam (CDDPH, 2010CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010.).

Os critérios para avaliação das benfeitorias são, via de regra, desconhecidos pela população e é comum que as empresas concessionárias dos projetos empreguem metodologia de tomada de preço de mercado. Segundo a CDDPH (2010)CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010., ao utilizar o mercado como referência para avaliação da propriedade, "os processos expropriatórios infringem a norma constitucional da justa e prévia indenização, uma vez que o preço de mercado não necessariamente se coaduna com a noção de justiça social" (CDDPH, 2010CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010., p. 49). Nessa lógica, proprietários das terras são tratados como livres vendedores, e não como atingidos por uma grande obra, em que o empreendedor detém vantagem sobre as negociações, já que possui a DUP.

Ainda que a condicionante 2.15 da licença de instalação do processo de licenciamento ambiental indicasse que os atingidos deveriam ter livre acesso às informações e aos documentos constantes em seu processo (laudos, cadastrados, entre outros), aos critérios de avaliação e aos cadernos de preço, a dificuldade de acesso à informação foi mencionada por todos os entrevistados e denunciada em audiências públicas.14 14 Como no caso da audiência pública sobre o processo de reassentamento urbano da população atingida organizada pelo MPF, que aconteceu em Altamira no dia 14 de novembro de 2014.

A elaboração dos cadernos de preço15 15 Os cadernos de preço são documentos públicos, elaborados pelo empreendedor com o apoio do órgão licenciador e de instituições locais, que trazem metodologia para mensuração e valoração das terras e benfeitorias. Eles orientam o empreendedor no estabelecimento dos valores das indenizações às famílias. não contou com participação da população ou instituições locais; tanto os valores como os critérios para avaliação e negociação das áreas foram estipulados pelo empreendedor, com autorização do órgão licenciador. De acordo com o superintendente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater)16 16 Entrevista com superintendente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) em Altamira (fevereiro 2015). em Altamira, instituições que representam ou prestam assistência técnica ao setor agropecuário na região17 17 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), por exemplo. foram convidadas a conhecer os resultados, não havendo espaço para questionamento ou reelaboração dos parâmetros.

As dificuldades em acessar os cadernos de preço, em compreender os critérios e a metodologia de avaliação das terras e benfeitorias foram mencionadas nas entrevistas como fator de incerteza nos momentos das negociações. Variações nos valores e parâmetros utilizados pelo empreendedor ao longo do processo de desapropriação geraram insatisfação na população atingida. Dois cadernos de preços com valores diferentes foram adotados, sem que houvesse esclarecimento prévio à população. Os primeiros valores, datados de 2010 (e disponíveis durante o processo da DUP), sofreram revisão, originando novo caderno de preços em 2013. Após a revisão, "o valor do pé de cacau caiu de R$ 84 (de acordo com relatos de campo e documentos da Aneel) em 2010 para R$ 46 em 2013, uma desvalorização de mais de 50%, gerando relevantes discrepâncias nas indenizações" (FGVCES, 2015CENTRO DE ESTUDOS EM SUSTENTABILIDADE DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGVCES). Indicadores de Belo Monte: Mapa dos caminhos - deslocamentos no meio rural. São Paulo, 2015. Disponível em: http://indicadoresdebelomonte.eco.br/attachments/7721392dba41863cb09a5504688f77fe2370d7cc/store/e1c9f56e10a3124b0f179a38412a5aadbd79f19a92899034e12b1d3af288/Mapa+dos+Caminhos+Deslocamentos.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://indicadoresdebelomonte.eco.br/att...
, p. 13).

As primeiras indenizações, avaliadas de acordo com o caderno de preços de 2010, apresentaram valores altos e coincidem com as áreas prioritárias à instalação dos canteiros e da infraestrutura para construção da UHE. As propriedades indenizadas na sequência, avaliadas após a revisão do caderno e, portanto, com valores menores, por sua vez, coincidem com áreas destinadas às estruturas adjacentes e aos reservatórios. Falhas na comunicação com a população e a falta de transparência do empreendedor, com relação às razões que levaram às variações dos valores, foram indicadas pelos atores locais como elemento central do conflito quanto aos cadernos de preço.

Outro elemento crucial no processo de negociação, que culmina no desequilíbrio de forças, foi o baixo acesso dos atingidos à mediação e à orientação jurídica para os processos de negociação das indenizações quanto à perda de imóveis e/ou benfeitorias. O escritório da Defensoria Pública Estadual em Altamira esteve fechado durante grande parte do processo de deslocamento da população rural, e a Defensoria Pública da União (DPU) só foi instalada em ação itinerante na cidade no início de 2015, convocada pelo MPF por meio da 14ª ação civil pública18 18 Ação Civil Pública 0001755-39.2011.4.01.3903. movida ainda em 2011, que impunha à União a obrigação de assegurar a atuação da DPU para defesa dos atingidos pela UHE. Quando as brigadas da DPU chegaram à Altamira, as remoções da população rural já estavam praticamente finalizadas, restando famílias ribeirinhas moradoras das áreas destinadas a receber o reservatório Xingu.

De fato, o número de processos judiciais no caso dos deslocamentos da população rural em Belo Monte foi baixo - entre as 1.798 famílias que passaram por negociação até fevereiro de 2015, apenas 62 tiveram seu processo judicializado (NORTE ENERGIA, 2015NORTE ENERGIA. 7º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2015.). A situação foi apontada por atores locais19 19 Entrevista realizada com chefe da Casa de Governo em Altamira (novembro de 2014) e com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014). como resultado da falta de conhecimento por parte da população com relação aos seus direitos e da impossibilidade de acessar assessoria técnica e jurídica durante as negociações, fundamentais para a tentativa de minimizar os desequilíbrios de poder que marcam tais processos.

4.3 Realocação da população atingida: prevalência de indenização e falta de participação no projeto de reassentamento

As opções de realocação dadas às famílias, conforme descrito no PBA (NORTE ENERGIA, 2011NORTE ENERGIA. Projeto Básico Ambiental da UHE Belo Monte. Brasília, 2011.), constam de três modalidades: (i) indenização em dinheiro, repasse de recurso referente ao valor do imóvel e benfeitoria diretamente para o atingido; (ii) realocação assistida, em que um valor fixo é repassado às famílias por meio de carta de crédito; e (iii) reassentamento rural, podendo este ser coletivo, individual ou em área remanescente. Entre os tratamentos oferecidos, houve prevalência na escolha por indenizações em dinheiro, seguida pela realocação assistida e reassentamentos.

Comumente, os programas de reassentamento, por preverem instalações físicas, apoio técnico e financeiro aos assentados, implicam maior comprometimento do empreendedor do que outras formas de realocação. A prática da indenização em dinheiro tende a vulnerabilizar as famílias que, ao serem desapropriadas, migram para as periferias de centros urbanos ou regiões distantes, onde a especulação fundiária causada pelo empreendimento tenha menos influência nos preços dos imóveis. Desse modo, é frequente a dispersão dos deslocados e a impossibilidade de acompanhamento de sua reestruturação produtiva e recomposição dos vínculos sociais. A indenização, quando justa, pode ser capaz de compensar os impactos e os prejuízos materiais causados às famílias, no entanto, impactos "extrapatrimoniais associados à perda do locus de reprodução sociocultural, à quebra de laços de sociabilidade e solidariedade e aos efeitos negativos no bem-estar emocional das pessoas atingidas são impossíveis de ser contabilizados monetariamente" (IPEA, 2015INSTITUTO DE PESQUISA E ECONOMIA APLICADA (IPEA). Relatório Territorial da Região do Médio Xingu. Observatório da Função Socioambiental do Patrimônio da União na Amazônia. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: Ipea, 2015., p. 269).

O impacto socioambiental mais dramático relaciona-se com o deslocamento compulsório de comunidades inteiras, comprometendo as atividades produtivas, a moradia e as relações sociais e culturais. O desmonte de agrovilas e povoados ocasiona a fragilização ou mesmo a perda de redes de solidariedade, comprometendo as relações de parentesco. É o caso da Comunidade Santo Antônio, povoado localizado em área estratégica para o início das atividades da UHE Belo Monte, cuja população foi majoritariamente indenizada em dinheiro, buscando realocação por conta própria, sem que houvesse garantia de reassentamento coletivo, ou manutenção dos laços de proximidade, resultando na extinção da comunidade.

No caso da UHE Belo Monte, à revelia das recomendações, a opção de RRC foi a menos praticada, ainda que existisse público elegível para tal. Até janeiro de 2015 haviam sido reassentadas 33 famílias em áreas remanescentes e 28 deveriam ser encaminhadas para reassentamento coletivo.

O PBA apresentava meta inicial para o reassentamento de 1.114 famílias, e o processo da DUP (NORTE ENERGIA, 2011NORTE ENERGIA. Projeto Básico Ambiental da UHE Belo Monte. Brasília, 2011.) destinou área de mais de 119 mil hectares para a construção dos reassentamentos. O Ibama, em parecer técnico, indicou os reassentamentos coletivos como tratamento prioritário a ser dado à população, entendendo que essa modalidade permite "um melhor acompanhamento de Assistência Técnica Social e Ambiental (Ates) [...] facilita a rede de proteção social em torno das famílias atingidas e pretende efetivar interação com instituições governamentais" (IBAMA, 2014INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS (Ibama). Parecer Técnico 1553/2014: Análise do 5° Relatório Semestral de Andamento do Projeto Básico Ambiental e das Condicionantes da Licença de Instalação n. 795/2011, da Usina Hidrelétrica Belo Monte. Brasília, 2014. Disponível em: http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/Belo%20Monte/Pareceres%20%20Relat%C3%B3rios%20Semestrais/PT%201553-2014%20-%20Acompanhamento%20PBA%20e%20LI%20%205%C2%BA%20Relat%C3%B3rio%20Semestral%20-%20ANEXO.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidrel...
, p. 118). Em justificativa para a pouca adesão à modalidade de RRC, o empreendedor relacionou a situação ao " fato de as famílias elegíveis a esta modalidade como uma das alternativas de relocação terem preferido aquela de relocação assistida por meio da Carta de Crédito" (NORTE ENERGIA, 2015NORTE ENERGIA. 7º Relatório Final Consolidado de Andamento do PBA e do Atendimento de Condicionantes. Brasília, fev. 2015., p. 4.1.3-1).

Lideranças de movimentos sociais e representantes de instituições públicas locais20 20 Entrevistas realizadas com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014), com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Vitória do Xingu (fevereiro de 2015), com superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Altamira (fevereiro de 2015) e com superintendente do Terra Legal em Altamira (fevereiro de 2015). afirmaram que havia, no momento das negociações, pouca informação disponível sobre os reassentamentos coletivos. De acordo com eles, o projeto, os croquis e as plantas das casas e as áreas de convivência não foram apresentados às famílias, e aquelas que optaram pelo reassentamento estavam, até o início de 2015, à espera da confirmação das áreas destinadas, que sequer haviam sido passíveis de visitação pelos futuros reassentados.

Nesse sentido, a CDDPH, ao recomendar os reassentamentos coletivos como prática mais adequada à recomposição dos modos de vida dos impactados pelos empreendimentos, alerta para a necessidade de assegurar o direito de os atingidos "participarem, em qualquer circunstância, da escolha da localização e do desenho do projeto do reassentamento" (CDDPH, 2010CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010., p. 36).

A Comissão Mundial das Barragens (CMB) apresenta um conjunto de orientações e recomendações sobre a disponibilização de informação e participação social na etapa de construção de um projeto de reassentamento. Entre eles, destaca-se a necessidade de os empreendedores fornecerem informações sobre a localização futura, detalhes sobre as parcelas e locais de reassentamento para as famílias, pormenores sobre a infraestrutura do reassentamento, além de calendário completo com as fases e os detalhes dos programas de reassentamento e reabilitação (WCD, 2000aWORLD COMISSION ON DAMS (WCD). Displacement, resettlement, rehabilitation, reparation and development. 2000a. Disponível em: http://siteresources.worldbank.org/INTINVRES/Resources/DisplaceResettleRehabilitationReparationDevFinal13main.pdf. Acesso em: 7 mar. 2019.
http://siteresources.worldbank.org/INTIN...
).

A inexistência ou dificuldade no acesso a tais informações, somada à impossibilidade de participação para construção conjunta das soluções, dos modelos e do projeto de reassentamento, tem impacto direto na decisão das famílias em processo de negociação. Diante do exposto, é factível que os atingidos tenham "preferido" realocação assistida ao reassentamento, como justificado pelo empreendedor.

A 19ª ação civil pública21 21 Ação Civil Pública 2464-06.2013.4.01.3903. Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2013/arquivos/ACP%20Belo%20Monte%20REASSENTAMENTO.pdf. Acesso em: 14 abr. 2019. movida pelo MPF em 2013 apontou que, no caso dos reassentamentos urbanos realizados pelo empreendedor na cidade de Altamira, foram conduzidos sem transparência e com ausência de debate junto aos atingidos, havendo modificações nos projetos anunciados pelo empreendedor, que reduziu as opções das famílias. O MPF solicitou a suspensão da licença de instalação da UHE até que a Norte Energia promovesse a adequação dos projetos das casas, exigindo também o pagamento de indenizações pelos danos morais sofridos. Recentemente, o TRF1,22 22 Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/licenca-de-belo-monte-e-novamente-suspensa. Acesso em: 20 jun. 2018. em atenção à solicitação, suspendeu a licença de instalação da UHE até haver adequações e a instalação da infraestrutura necessária para pleno funcionamento dos Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUC) na cidade de Altamira. No caso dos reassentamentos rurais, os ribeirinhos ainda em processo de deslocamento foram a princípio reassentados ou realocados a locais distantes do rio, inviabilizando a manutenção de seu modo de vida. A mobilização dos ribeirinhos, com o apoio do MPF e de pesquisadores vinculados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), culminou na proposição de um conselho ribeirinho em 2016, dentro do qual fosse possível revisar o processo de reassentamento das populações. O conselho foi reconhecido pelo Ibama e opera como instância de negociação coletiva. Ele identificou o total de ribeirinhos deslocados e que deveriam ser novamente reassentados nas áreas do reservatório, e, no momento (dezembro/2018), aguarda a viabilização das áreas.

Conclusão

O processo de deslocamento compulsório da população rural atingida pela UHE Belo Monte aponta para a falta de acesso à informação e de participação social nas tomadas de decisão. Atravessados pela pouca disponibilidade de informação e de espaços participativos, o processo de cadastro, as negociações e, por fim, a realocação das famílias culminaram praticamente na inexistência de reassentamentos coletivos, indicados pelas boas práticas e pelos próprios órgãos reguladores como o tratamento mais adequado.

De acordo com o EIA da UHE, "a noção de reparação que orienta o Plano de Atendimento está centrada no exercício de restaurar perdas materiais e imateriais [...] que interfiram na reprodução dos modos de vida das populações atingidas" (NORTE ENERGIA, 2009NORTE ENERGIA. Estudo de impacto ambiental da UHE Belo Monte. v. 21. Brasília, 2009., p. 198). Porém o curso do processo inviabilizou o acompanhamento das famílias, uma vez que 75% foram indenizadas em dinheiro. Desse modo, é possível afirmar que a efetiva mitigação dos impactos causados pelo empreendimento foi comprometida, uma vez que houve a dispersão da maior parte das famílias atingidas, impossibilitando a realização dos devidos acompanhamento e desenvolvimento dos programas de recomposição dos meios e modos de vida.

A lógica que impera na condução dos deslocamentos compulsórios decorrentes da implementação de hidrelétricas no Brasil é a da redução de custos e otimização do tempo de realização dos empreendimentos. No caso dos deslocamentos de população rural ocasionados pela instalação da UHE Belo Monte, a prevalência das indenizações em dinheiro aponta a aderência do empreendedor a essa lógica, adotando, como indicado pela CDDPH (2010, p. 34)CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA (CDDPH). Relatório da comissão especial dos atingidos por barragens. Brasília, 2010., "estratégias que buscam resolver todos os problemas através de indenizações que, uma vez concedidas e aceitas, dariam uma espécie de quitação social e ambiental à empresa".

A impossibilidade de acesso à informação qualificada e de interesse público, presente em todo o processo de deslocamento, contribuiu para a geração de expectativas na população, negociações injustas, falta de assessoria técnica e jurídica, comprometimento dos reassentamentos e, em decorrência deste último, dispersão das famílias, o que acarreta na impossibilidade do devido acompanhamento da recomposição do modo de vida dos atingidos. Nesse percurso, evidencia-se a violação do direito à moradia adequada que, no caso de Belo Monte, se traduz na quase inexistência dos reassentamentos rurais coletivos. A violação dos direitos sustenta-se em alguns fatores, entre os quais destacamos: o imediatismo do Estado e do empreendedor e as pressões para finalização da obra, que fez que adotassem soluções tidas como mais rápidas, ainda que gerassem conflitos e apontassem para riscos de paralisação das obras por judicializações (SCABIN et al., 2015SCABIN, Flavia Silva; PEDROSO-JUNIOR, Nelson Novaes; CRUZ, Julia Cortez da Cunha. Judicialização de grandes empreendimentos no Brasil: impactos da instalação de usinas hidrelétricas sobre comunidades locais na Amazônia. Revista Pós Ciências Sociais (REPOCS) - Dossiê Sociedade Ambiente e Governança, n. 22, 2015.); e a invisibilização dos interesses dos atingidos, sobretudo de produtores rurais familiares, seguimento frágil da cadeia de atores. Tal invisibilização está sustentada em "ideologias geográficas" (MORAES, 2005MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas. São Paulo: Annablume, 2005.) que aplicam noções depreciativas aos povos amazônicos e aos agricultores familiares, tratando os atingidos como entraves ao desenvolvimento nacional (LEVIEN, 2014LEVIEN, Michael. Da acumulação primitiva aos regimes de desapropriação. Sociologia & Antropologia. Rio de Janeiro, v. 04.01, p. 21-53, jun. 2014.).

Neste cenário, reitera-se a necessidade fundamental de que os deslocamentos sejam conduzidos de forma transparente, com participação ampla dos atingidos, garantindo que suas demandas e perspectivas estejam no cerne das decisões. A proteção integral dos direitos deve balizar os processos, encontrando na moradia adequada estratégia para proteção de um conjunto de outros direitos, econômicos, culturais, entre outros. Dessa maneira, moradia adequada deve ser compreendida como direito amplo, que inclui toda a rede de relações, formas de uso do território, aspectos materiais e imateriais que garantam a manutenção dos modos de vida das famílias atingidas.

  • 1
    Tabela de acompanhamento das ações do Ministério Público Federal (MPF) contra a UHE Belo Monte. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_atualizada_mar_2016.pdf/. Acesso em: 6 mar. 2019.
  • 2
    O FASBM é um espaço aberto para acompanhamento do andamento dos projetos e dos programas que compõem o Plano Básico Ambiental (PBA) da UHE Belo Monte. Organiza-se em comissões temáticas, compostas de representantes do empreendedor, do poder público e da sociedade civil, que mantêm encontros periódicos (NORTE ENERGIA, 2011NORTE ENERGIA. Projeto Básico Ambiental da UHE Belo Monte. Brasília, 2011.).
  • 3
    Dados sobre migrações forçadas, Instituto Igarapé. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2018/03/2018-03-06-factsheet-migracoes.pdf. Acesso em: 6 mar. 2019.
  • 4
    Entrevista com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Vitória do Xingu (fevereiro de 2015).
  • 5
  • 6
    Entrevista com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014).
  • 7
    Entrevistas com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014), com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014) e com chefe da Casa de Governo em Altamira (novembro de 2014).
  • 8
    Ação de Improbidade 2009.39.03.000363-2.
  • 9
    Ação Civil Pública 2009.39.03.000575-6.
  • 10
    Entrevistas realizadas com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014), com chefe da casa de Casa de Governo (junho e outubro de 2015), com superintendente do Incra em Altamira (novembro de 2014), com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014), com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Vitória do Xingu (fevereiro de 2015) e com superintendente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-Pará) em Altamira (fevereiro de 2015).
  • 11
    Entrevista realizada com liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Altamira (dezembro de 2014) e com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014).
  • 12
    Denúncia do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) sobre o caso de 500 famílias habitantes do bairro Independente II na cidade de Altamira, alagado desde o enchimento da barragem, que não foram consideradas atingidas e não constam nos cadastros da UHE. Disponível em: http://www.mabnacional.org.br/noticia/atingidos-por-belo-monte-ocupam-rg-do-governo-federal-em-altamira. Acesso em: 10 abr. 2017.
  • 13
    Ação Civil Pública 0001618-57.2011.4.01.3903.
  • 14
    Como no caso da audiência pública sobre o processo de reassentamento urbano da população atingida organizada pelo MPF, que aconteceu em Altamira no dia 14 de novembro de 2014.
  • 15
    Os cadernos de preço são documentos públicos, elaborados pelo empreendedor com o apoio do órgão licenciador e de instituições locais, que trazem metodologia para mensuração e valoração das terras e benfeitorias. Eles orientam o empreendedor no estabelecimento dos valores das indenizações às famílias.
  • 16
    Entrevista com superintendente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) em Altamira (fevereiro 2015).
  • 17
    Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), por exemplo.
  • 18
    Ação Civil Pública 0001755-39.2011.4.01.3903.
  • 19
    Entrevista realizada com chefe da Casa de Governo em Altamira (novembro de 2014) e com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014).
  • 20
    Entrevistas realizadas com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Altamira (outubro de 2014), com liderança do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Vitória do Xingu (fevereiro de 2015), com superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Altamira (fevereiro de 2015) e com superintendente do Terra Legal em Altamira (fevereiro de 2015).
  • 21
    Ação Civil Pública 2464-06.2013.4.01.3903. Disponível em: http://www.prpa.mpf.mp.br/news/2013/arquivos/ACP%20Belo%20Monte%20REASSENTAMENTO.pdf. Acesso em: 14 abr. 2019.
  • 22

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2017
  • Aceito
    30 Jan 2019
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