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Cultura de segurança do paciente em áreas críticas e não críticas: estudo comparativo* * Extraído da dissertação “Estresse ocupacional, burnout e cultura de segurança do paciente entre trabalhadores hospitalares de áreas semicríticas e críticas”, Universidade Federal de Santa Maria, 2019.

RESUMO

Objetivo:

comparar a percepção da cultura de segurança do paciente entre trabalhadores de saúde de áreas críticas e não críticas.

Método:

estudo transversal com trabalhadores de saúde das áreas críticas e não críticas de um hospital de grande porte. A coleta de dados utilizou instrumento de caracterização e o Safety Attitudes Questionnaire. A análise ocorreu no Predictive Analytics Software Statistic®.

Resultados:

participaram 393 trabalhadores, predominantemente mulheres, acima de 43 anos, técnicas de enfermagem, com companheiro e filhos. Resultados indicaram que as áreas têm percepção negativa da segurança do paciente (66,5%, ±12,7 críticas; 63,5%, ±14,4 não críticas). Somente a satisfação no trabalho obteve escore positivo (83,0%, ±15,9 críticas; 80,1%, ±17,5 não críticas). Houve relação entre ser trabalhador de áreas críticas e ter percepção positiva para gerência da unidade (p = 0,041).

Conclusão:

ambas as áreas têm percepção negativa da cultura de segurança. Embora áreas críticas tenham obtido avaliações mais positivas, os resultados não apresentaram significância estatística quando comparados às áreas não críticas.

DESCRITORES
Enfermagem; Segurança do paciente; Hospitais; Unidades hospitalares; Estudo comparativo

ABSTRACT

Objective:

to compare the perception of patient safety culture among health workers from critical and non-critical areas.

Method:

cross-sectional study with health workers from critical and non-critical areas of a large hospital. Data collection used a characterization instrument and the Safety Attitudes Questionnaire. The analysis was performed in the Predictive Analytics Software Statistic®.

Results:

a total of 393 workers participated, predominantly women, over 43 years old, nursing technicians, with a partner, and children. Results indicated that the areas have a negative perception of patient safety (66.5%, ±12.7 critical; 63.5%, ±14.4 non-critical). Only job satisfaction had a positive score (83.0%, ±15.9 critical; 80.1%, ±17.5 non-critical). There was a relationship between being a worker in critical areas and having a positive perception of the unit’s management (p = 0.041).

Conclusion:

both areas have a negative perception of the safety culture. Although critical areas have obtained more positive evaluations, the results did not show statistical significance when compared to non-critical areas.

DESCRIPTORS
Nursing; Patient Safety; Hospitals; Hospital Units; Comparative Study

RESUMEN

Objetivo:

comparar la percepción de la cultura de seguridad del paciente entre trabajadores de salud de áreas críticas y no críticas.

Método:

estudio transversal con trabajadores de salud de las áreas críticas y no críticas de un hospital de gran porte. La recolección de datos utilizó instrumento de caracterización y el Safety Attitudes Questionnaire. El análisis ocurrió en el Predictive Analytics Software Statistic®.

Resultados:

participaron 393 trabajadores, entre los cuales predominaron mujeres, con más de 43 años, técnicas de enfermería, casadas y con hijos. Resultados indicaron que las áreas han tenido percepción negativa de la seguridad del paciente (66,5%, ±12,7 críticas; 63,5%, ±14,4 no críticas). Solamente la satisfacción en el trabajo obtuvo score positivo (83,0%, ±15,9 críticas; 80,1%, ±17,5 no críticas). Hubo relación entre el hecho de ser trabajador de áreas críticas y haber tenido percepción positiva para gerencia de la unidad (p = 0,041).

Conclusión:

las dos áreas poseen percepción negativa de la cultura de seguridad. Aunque áreas críticas obtuvieron evaluaciones más positivas, los resultados no presentaron significancia estadística cuando comparados a las áreas no críticas.

DESCRIPTORES
Enfermería; Seguridad del Paciente; Hospitales; Unidades Hospitalarias; Estudio Comparativo

INTRODUÇÃO

A busca pela qualidade dos serviços de saúde tem ganhado destaque entre as prioridades das organizações hospitalares, objetivando potencializar ações que visem à segurança do paciente e qualifiquem o cuidado. Nesse contexto, transformar o ambiente de trabalho em ambiente mais seguro implica em atuar sob a perspectiva de uma cultura de segurança nas instituições de saúde. De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36, cultura de segurança é o conjunto de valores, atitudes, competências e comportamentos que determinam o comprometimento com a gestão da saúde e da segurança, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenção à saúde(11. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC nº 36, de 25 de julho de 2013. Institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2013 [cited 2021 Jun 03]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2013/rdc0036_25_07_2013.html.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

No ambiente hospitalar, difundir a cultura de segurança torna-se essencial para que os trabalhadores se sintam envolvidos e corresponsáveis pelo cuidado seguro. Embora as instituições tenham investido em mudanças e adoção de protocolos, ainda se observam, na prática assistencial, dificuldades na adesão a essas medidas(22. Reis GAX, Oliveira JLC, Ferreira AMD, Vituri DW, Marcon SS, Matsuda LM. Difficulties to implement patient safety strategies: perspectives of management nurses. Rev Gaucha Enferm. 2019;40(esp):e20180366. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180366.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.2...
33. Zottele C, Magnago TSBS, Dullius AIS, Kolankiewicz ACB, Ongaro JD. Hand hygiene compliance of healthcare professionals in an emergency department. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03242. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2016027303242.
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201602...
).

Um estudo de revisão narrativa sobre cultura de segurança do paciente em ambiente hospitalar, realizado no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior em janeiro de 2020, identificaram-se 23 pesquisas sobre o tema. Houve predominância de dissertações com abordagem quantitativa, que utilizaram questionários validados, principalmente com a equipe de enfermagem atuante em áreas críticas. Os resultados evidenciaram que a cultura de segurança do paciente encontra-se fragilizada(44. Carneiro AS, Andolhe R, Lanes TC, Magnago TSBS. Patient safety culture in hospital environment: trends in brazilian production. Research, Society and Development. 2020;9(7):e963975132. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i7.5132.
http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i7.5132...
). Em vista disso, e sabendo que no ambiente hospitalar as áreas críticas e não críticas possuem diferenças que devem ser consideradas (a exemplo do processo de trabalho, da atuação em equipe, normas, protocolos, perfil dos pacientes), encontrou-se uma lacuna importante para a construção do conhecimento em saúde, o que justifica a relevância de um estudo comparativo.

Dessa forma, questiona-se: se a cultura de segurança predominante é negativa, existe diferença na percepção da cultura de segurança do paciente em áreas críticas e não críticas no ambiente hospitalar? Por isso, identificar particularidades que possam ser potencializadoras ou dificultadoras da segurança nessas áreas pode contribuir para o direcionamento de ações para fortalecer a cultura de segurança do paciente. Partiu-se da hipótese de que há diferença entre a cultura de segurança do paciente em áreas críticas e não críticas no ambiente hospitalar. O objetivo foi comparar a percepção da cultura de segurança do paciente entre trabalhadores de saúde de áreas críticas e não críticas.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo transversal norteado pela ferramenta STROBE.

População

Foram incluídos no estudo todos os trabalhadores de saúde de áreas críticas (Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal, Pediátrica e Adulto; Unidade Cardiovascular Intensiva; Centro Obstétrico e Área de Cirurgia Geral) e não críticas (Clínica Médica I e II, Internação da Unidade de Cirurgia Geral, Pediátrica e Toco ginecológica). Entende-se como trabalhadores de saúde os trabalhadores médicos, enfermeiros, técnicos (enfermagem, radiologia, laboratório e farmácia), fisioterapeutas, dentistas, assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos, farmacêuticos e nutricionistas.

Local

Hospital público de grande porte, situado na região central do Rio Grande do Sul (RS). Cabe ressaltar que tal instituição está vinculada à Rede de Hospitais Sentinela e a uma universidade pública. É também um centro de referência para a região de cobertura da 4° Coordenadoria Estadual de Saúde do RS, e, portanto, presta assistência de alta complexidade aos pacientes referenciados.

Critérios de Seleção

Foram adotados os critérios de inclusão: ser trabalhador da instituição, com tempo de atuação mínima de quatro semanas no setor e carga horária mínima de 20 horas semanais. Esse período foi considerado o mínimo para o trabalhador ser suficientemente exposto à cultura de sua unidade, que lhe permita responder de forma adequada à pesquisa(55. Sexton JB, Thomas EJ, Grillo SP. The Safety Attitudes Questionnaire: Guidelines for administration. 2/03. Texas: University of Texas; 2003. 194 p.). Excluíram-se trabalhadores afastados do trabalho, por qualquer motivo, no período de coleta de dados.

Definição da Amostra

A população era de 716 trabalhadores. Destes, 368 trabalhadores das áreas críticas e 348 trabalhadores das áreas não críticas. Por tratar-se de um censo, todos os trabalhadores dessas áreas foram convidados a participar da pesquisa, visando a atingir o critério de amostra mínima(66. Hill MM, Hill A. Investigação por questionário. Lisboa: Editora Sílado; 2002.) conforme o cálculo a seguir:

n = x2NP (1P)d2(N1) + x2P(1P)
Em que: n = tamanho da amostra; X2 = valor do qui-quadrado para 1 grau de liberdade ao nível de confiança de 0,05 e que é igual a 3,89 (valor fixo pré-determinado); N = o tamanho da população; P = a proporção da população que se deseja estimar (pressupõe-se que seja de 0,50, uma vez que essa proporção forneceria o tamanho máximo amostral); d = o grau de precisão expresso em proporção (0,5). Com base no cálculo, estimou-se uma amostra mínima de 322 participantes.

Coleta de Dados

A investigação utilizou banco de dados do projeto matricial “Cultura de segurança do paciente e agravos à saúde do trabalhador em ambiente hospitalar”, mediante autorização da pesquisadora responsável. O referido projeto é uma investigação transversal, cujo objetivo foi avaliar a cultura de segurança do paciente e os agravos à saúde dos trabalhadores em ambiente hospitalar, realizada por meio de censo com todos os trabalhadores (profissionais de saúde e apoio) de um hospital público do Rio Grande do Sul. Os dados foram coletados no período de março a agosto de 2018, período em que os trabalhadores foram convidados em seu local de trabalho a participar da pesquisa. Destaca-se que, após o aceite para participar do estudo, os participantes foram orientados pelos coletadores sobre o objetivo e aspectos éticos do mesmo. Os instrumentos tinham caráter autopreenchível e foram respondidos não necessariamente na presença dos coletadores. Os instrumentos eram compostos por perguntas com autorrespostas e foram respondidos não necessariamente na presença dos coletadores (neste caso, a recolha foi realizada mediante agendamento acordado entre coletador e participante em até três tentativas). Todos os participantes elegíveis foram convidados a participar do estudo, 393 retornaram com o questionário.

Sendo assim, para compor o presente estudo, utilizou-se recorte do banco de dados acima descrito. Foram utilizados os dados advindos de dois questionários: instrumento de caracterização biossocial e laboral dos participantes e Safety Attitudes Questionnaire (SAQ). O instrumento de caracterização biossocial e laboral dos participantes foi elaborado pelos pesquisadores e continha as seguintes variáveis: gênero, data de nascimento, estado civil, número de filhos, regime de trabalho, setor, tempo de formação e de atuação na instituição e setor, cargo, escolaridade, carga horária semanal, se possui outro vínculo e carga horária, dias sem folga, se se sente satisfeito com o trabalho e intenção de deixar o trabalho.

Quanto ao SAQ, trata-se de um instrumento para mensuração do clima de segurança, pelas atitudes dos trabalhadores quanto à segurança do paciente. Foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade do Texas(77. Sexton JB, Helmreich RL, Neilands TB, Rowan K, Vella K, Boyden J, et al. The Safety Attitudes Questionnaire: psychometric properties, benchmarking data, and emerging research. BMC Health Serv Res. 2006;6(44):1-10. DOI: https://doi.org/10.1186/1472-6963-6-44.
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) e, em 2011, adaptado para o Brasil com consistência interna de 0,89(88. Carvalho REFL, Cassiani SHB. Cross-cultural adaptation of the Safety Attitudes Questionnaire – Short Form 2006 for Brazil. Rev Lat Am Enfermagem. 2012;20(3):575-82. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-11692012000300020.
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). Tal instrumento é composto por duas partes, a primeira com 41 itens distribuídos em seis domínios (clima de segurança, trabalho em equipe, satisfação no trabalho, percepção do estresse, condições de trabalho, avaliação da gerência – unidade e hospital), e a segunda com dados sobre o perfil dos trabalhadores. No escore geral, valor ≥75 pontos é considerado positivo para a cultura de segurança(55. Sexton JB, Thomas EJ, Grillo SP. The Safety Attitudes Questionnaire: Guidelines for administration. 2/03. Texas: University of Texas; 2003. 194 p.,77. Sexton JB, Helmreich RL, Neilands TB, Rowan K, Vella K, Boyden J, et al. The Safety Attitudes Questionnaire: psychometric properties, benchmarking data, and emerging research. BMC Health Serv Res. 2006;6(44):1-10. DOI: https://doi.org/10.1186/1472-6963-6-44.
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).

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados foram analisados por meio do programa PASW Statistic®. Para a caracterização do perfil biossocial e laboral foi utilizada a estatística descritiva, por meio de frequência absoluta e relativa, e as variáveis quantitativas por meio de medidas de posição e dispersão, conforme distribuição da normalidade dos dados (teste de Kolmogorov-Smirnov). A verificação de associação entre as variáveis independentes e o desfecho foi medida pelos testes Qui-quadrado, Exato de Fisher e Qui-quadrado com correção. Para associação entre variáveis quantitativas, foi realizado o teste T ou Mann-Whitney (2 grupos), conforme a distribuição da normalidade dos dados. Para a análise multivariada, utilizou-se o Modelo de Regressão de Poisson, aplicado a todas as associações com valor de p < 150 para os três constructos. O nível de significância adotado para todos os testes foi de 5%. A consistência interna dos instrumentos foi analisada com o Alfa de Cronbach.

Aspectos Éticos

A pesquisa de origem foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob parecer nº 2.447.277, no ano de 2017. Os princípios éticos foram respeitados conforme a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisa com seres humanos, e a todos os participantes foi solicitada a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Participaram 393 trabalhadores de saúde. Destes, 58,3% atuam nas áreas críticas e 41,7% nas áreas não críticas, com predomínio do sexo feminino (críticas 75,1%; não críticas 86,6%), média de idade de 43,4 anos (± 8,4) e 43,1 anos (± 8,3), com companheiro (críticas 77,5%; não críticas 74,5%) e filhos (críticas 65,8%; não críticas 68,3%) (mediana de 2,0 filhos). Em ambas as áreas houve predomínio de técnicos de enfermagem (críticas 43,2%; não críticas 50,0%), com vínculo celetista (críticas 56,3%; não críticas 56,4%), atuantes no noturno (críticas 31,9%; não críticas 36,6%) e satisfeitos com o trabalho (críticas 95,6%; não críticas 90,9%). Houve igualdade para o tempo de trabalho no setor (3,5 anos), carga horária semanal (36,0 horas) e número de dias sem folga (0,2).

Quanto ao tempo de formação no cargo atuante, as áreas críticas obtiveram a maior mediana (12,1 anos), bem como para o tempo de trabalho na instituição (3,7 anos). A seguir, a Tabela 1 aponta os resultados acerca da cultura de segurança evidenciados pelo SAQ, que apresentou consistência interna excelente (0,909).

Tabela 1.
Análise descritiva do Questionário de Atitude de Segurança segundo a percepção dos trabalhadores de saúde das áreas não críticas e críticas. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018. (n = 393)**

Segundo a Tabela 1, os trabalhadores de saúde de ambas as áreas têm uma percepção negativa da cultura de segurança (66,5%, ±12,7 crítica; 63,5%, ±14,4 não crítica). Apenas o domínio satisfação no trabalho obteve percepção positiva (83,0%, ±15,9 críticas; 80,1%, ±17,5 não críticas). É possível notar que as áreas críticas obtiveram avaliações mais positivas em todos os domínios do SAQ quando comparadas às não críticas. Houve significância estatística apenas para um domínio, que mostrou relação entre ser trabalhador das áreas críticas e ter percepção positiva para a gerência da unidade (p = 0,041).

A Tabela 2 apresenta as associações bivariadas entre a cultura de segurança do paciente e dados biossociais e laborais.

Tabela 2.
Associação entre o Safety Attitudes Questionnaire por área não crítica e crítica e variáveis biossociais do trabalho dos profissionais de saúde. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018 (n = 393)*

Os achados da Tabela 2 indicam que, para os trabalhadores das áreas críticas, houve associação entre percepção negativa da cultura de segurança e as seguintes variáveis: não ter filhos (p = 0,017), possuir pós-graduação (p = 0,023), e não saber/não ter pensado em deixar o trabalho (p = 0,018). Para os trabalhadores de áreas não críticas houve associação entre percepção negativa da segurança do paciente e não estar satisfeito com o trabalho no setor (p = 0,040).

A Tabela 3 aponta que, para às áreas críticas, houve correlação baixa e positiva para a idade e tempo de formação no atual cargo com a percepção da cultura de segurança. Já para as áreas não críticas, houve correlação muito baixa e positive entre idade e tempo de trabalho na atual instituição com a percepção da cultura de segurança. Logo, quanto maior o resultado de uma, melhor o resultado de outra.

Tabela 3.
Correlação entre cultura de segurança do paciente por área não crítica e crítica e variáveis biossociais e do trabalho dos profissionais de saúde. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018 (n = 393)*

Com o intuito de confirmar as associações encontradas entre as variáveis de interesse, utilizou-se a análise multivariada por meio do Modelo de regressão de Poisson.

Quanto a classificar a cultura de segurança do paciente como negativa, a Tabela 4 indica que os trabalhadores com mais de 43 anos de idade apresentaram uma prevalência 22% mais elevada que os menores de 42 anos; os com companheiros, 19% mais elevada que os sem companheiros; os com pós-graduação, 21% mais elevada do que os trabalhadores com ensino médio/fundamental ou graduação; os que não sabem se querem deixar o emprego apresentaram uma prevalência 19% mais elevada quando comparados aos que não querem deixar o emprego.

Tabela 4.
Associações bruta e ajustadas entre cultura de segurança do paciente e variáveis biossociais e laborais entre trabalhadores de saúde de áreas críticas e não críticas. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018 (n = 393)

DISCUSSÃO

A percepção negativa da cultura de segurança do paciente encontrada neste estudo também foi evidenciada em investig ações nacionais e internacionais(99. Salles MM, Ferreira DSS, Lôbo IMF. Culture of security: perception of nursing professionals of a teaching hospital. Brazilian Journal of health Review [Internet]. 2019 [cited 2020 Apr 5];2(2):1213-9. Available from: http://www.brazilianjournals.com/index.php/BJHR/article/view/1331.
http://www.brazilianjournals.com/index.p...
,1010. Zanon REB, Dalmolin GL, Magnago TSBS, Andolhe R, Carvalho REFL. Presenteeism and safety culture: evaluation of health workers in a teaching hospital. Rev Bras Enferm. 2021;74(1):e20190463. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0463.
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,1111. Carvalho REFL, Arruda LP, Nascimento NKP, Sampaio RL, Cavalcante MLSN, Costa ACP. Assessment of the culture of safety in public hospitals in Brazil. Rev Lat Am Enfermagem. 2017;25:e2849. DOI: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1600.2849.
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,1212. Göras C, Unbeck M, Nilsson U, Ehrenberg A. Interprofessional team evaluations of the patient safety climate in Swedish operating rooms: a cross-sectional survey. BMJ Open. 2017:7(e015607). DOI: http://dx.doi.org/10.1136/bmjopen-2016-015607.
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,1313. Klemenc-Ketis Z, Deilkås ET, Hofoss D, Bondevik GT. Variations in patient safety climate and perceived quality of collaboration between professions in out-of-hours care. J Multidiscip Healthc. 2017;10:417-23. DOI: https://doi.org/10.2147/JMDH.S149011.
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,1414. Thomas A, Lomas JP. Establishing the use of a safety attitudes questionnaire to assess the safety climate across a critical care network. J Intensive Care Soc. 2018;19(3):219-25. DOI: https://doi.org/10.1177/1751143717750788.
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,1515. Gleeson LL, Tobin L, O’Brien GL, Crowley EK, Delaney A, O’Mahony, D, et al. Safety culture in a major accredited Irish university teaching hospital: a mixed methods study using the safety attitudes questionnaire. Ir J Med Sci. 2020;189(4):1171-8. DOI: https://doi.org/10.1007/s11845-020-02228-0.
https://doi.org/10.1007/s11845-020-02228...
), assim como a avaliação positiva apenas para o domínio satisfação no trabalho(1616. Golle L, Ciotti D, Herr GEG, Aozane F, Schmidt CR, Kolankiewicz ACB. Culture of patient safety in hospital private. Revista de pesquisa, cuidado é fundamental online. 2018;10(1):85-9. DOI: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i1.85-89.
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v...
1717. Toso GL, Golle L, Magnago TSBS, Herr GEG, Loro MM, Aozane F, et al. Patient safety culture in hospitals within the nursing perspective. Rev Gaucha Enferm. 2016;37(4):e58662. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.04.58662.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.0...
). A satisfação no trabalho é entendida como a somatória de sentimentos favoráveis que os trabalhadores têm em relação a ele, e quanto maior for a satisfação, maior será o esforço do trabalhador em qualificar a assistência(1818. Morais MP, Martins JT, Galdino MJQ, Robazzi MLCC, Trevisan GS. Nurses’s work satisfaction in a university hospital. Revista de Enfermagem da UFSM. 2016;6(1):1-9. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769217766.
https://doi.org/10.5902/2179769217766...
). Estudo indicou que a satisfação profissional esteve relacionada à remuneração, carga horária, trabalho em equipe, reconhecimento pelo trabalho, autonomia e resolubilidade na assistência, e ao fato de trabalhar em instituição pública. Ainda, os autores destacam que a identificação desses fatores pode contribuir para a manutenção ou maximização da satisfação, visando à melhoria da qualidade de vida no trabalho e da qualidade da assistência(1919. Magalhães FHL, Pereira ICA, Luiz RB, Barbosa MH, Ferreira MBG. Patient safety atmosphere in a teaching hospital. Rev Gaucha Enferm. 2019;40(esp):e20180272. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180272.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2019.2...
).

Por outro lado, o domínio que obteve escore mais baixo foi percepção da gerência do hospital, semelhante a outras investigações(2020. Santos FJ, Nascimento HM, Santos JMJ, Cunha JO, Santos JCS, Pena JA. Patient safety culture in a low-risk maternity hospital. ABCS health sciences. 2019;44(1):52-7. DOI: https://doi.org/10.7322/abcshs.v44i1.1066.
https://doi.org/10.7322/abcshs.v44i1.106...
2121. Christoff A, Duns N. P0527//#484: Leading a culture of safety in the picu utilizing the safety attitudes questionnaire. Pediatric Critical Care Medicine. 2021;22(Suppl 1 3S):265. DOI: https://doi.org/10.1097/01.pcc.0000740448.79742.7b.
https://doi.org/10.1097/01.pcc.000074044...
). Isso indica que há distanciamento entre trabalhadores e gestores, fato que pode dificultar a participação dos trabalhadores nas decisões administrativas, o que resulta em desmotivação no trabalho e repercute no aumento de eventos adversos(2222. Sousa P, Mendes W, organizadores. Segurança do paciente: conhecendo os riscos nas organizações de saúde [Internet]. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2019 [cited 2020 Apr 05]. Available from: http://books.scielo.org/id/tzvzr/pdf/sousa-9788575416419.pdf.
http://books.scielo.org/id/tzvzr/pdf/sou...
2323. Minuzzi AP, Salum NC, Locks MOH. Assessment of patient safety culture in intensive care from the health team’s perspective. Texto & contexto enferm. 2016;25(2):e1610015. DOI: https://doi.org/10.1590/0104-07072016001610015.
https://doi.org/10.1590/0104-07072016001...
).

A gerência da instituição é a principal responsável por planejar, elaborar e monitorar ações e estratégias da cultura organizacional direcionadas para a promoção da segurança e, por isso, deve ser capaz de sensibilizar os trabalhadores a favor dessas medidas(2020. Santos FJ, Nascimento HM, Santos JMJ, Cunha JO, Santos JCS, Pena JA. Patient safety culture in a low-risk maternity hospital. ABCS health sciences. 2019;44(1):52-7. DOI: https://doi.org/10.7322/abcshs.v44i1.1066.
https://doi.org/10.7322/abcshs.v44i1.106...
). Estudos apontam que a falta de flexibilidade da gestão como responsável pela cultura punitiva de erros é capaz de causar maiores danos, porque o caráter punitivo oprime e amedronta os trabalhadores, resultando em baixas taxas de notificação de erros(2424. Viana de Lima Neto A, Silva MF, Medeiros SG, Barbosa ML, Salvado PTCO, Santos VEP. Patient Safety Culture in Health Organizations: Scoping Review. Int Arch Med. 2017;10(74):1-13. DOI: https://doi.org/10.3823/2344.
https://doi.org/10.3823/2344...
2525. Rocha NHG, Oliveira KF, Nascimento KG, Cordeiro ALPC, Haas VJ, Oliveira JF, et al. Socio-demographic and professional determinants in patient safety culture. Revista de Enfermagem e Atenção à Saúde. 2017;6(1):80-94. DOI: https://doi.org/10.18554/reas.v6i1.2025.
https://doi.org/10.18554/reas.v6i1.2025...
). Para melhorar essa situação, urge informar, organizar e articular mecanismos institucionais, onde a presença de uma liderança adequada seja vista como aspecto capaz de impulsionar mudanças, visando à adoção de práticas seguras(2626. Kristensen S, Christensen KB, Jaquet A, Beck CM, Sabroe S, Bartels P, et al. Strengthening leadership as a catalyst for enhanced patient safety culture: a repeated cross-sectional experimental study. BMJ Open. 2016;6(5)e010180. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2015-010180.
https://doi.org/10.1136/bmjopen-2015-010...
).

Pesquisa dinamarquesa aponta que, após treinamento, o fortalecimento da liderança atuou como um catalisador tanto para melhorias nas equipes de trabalhadores de saúde com atitudes positivas quanto para a cultura de segurança do paciente. Assim, para que os hospitais possam alcançar níveis de excelência, importa que o líder tenha conhecimento, habilidade e competência para facilitar a comunicação, capacidade de resolver conflitos, criar motivação, promover desenvolvimento e aperfeiçoamento por meio de ações que objetivem construir e fortalecer ambiente seguro(2727. Santiago THR, Turrini RMT. Organizational culture and climate for patient safety in Intensive Care Units. Rev Esc Enferm USP. 2015:49(spe):123-30. DOI: https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000700018.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
).

Ainda, houve associação entre ser trabalhador das áreas críticas e ter percepção positiva em relação à gerência da unidade, indicando maior aproximação e atuação da gerência nesses espaços. As condições de trabalho, como supervisão, comunicação, equipamentos, conhecimento e habilidades, são fatores importantes na avaliação da percepção da cultura de segurança do paciente. Somado a isso, existem as características dos trabalhadores e dos pacientes, que também são determinantes da variabilidade da prática clínica. Sendo assim, trabalhadores de áreas críticas tendem a possuir mais controle sobre essas condições, já que atuam sob realidades mais rígidas e com alta vigilância, tendo em vista a complexidade desses ambientes(2828. Almeida LA, Medeiros IDS, Barros AG, Martins CCF, Santos VEP. Generating factors of Burnout Syndrome in health professionals. Revista de pesquisa, cuidado é fundamental online. 2016;8(3):4623-8. DOI: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i3.4623-4628.
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v...
).

Além disso, as áreas críticas obtiveram avaliações ligeiramente mais positivas em todos os domínios do SAQ. Esse resultado denota que esses trabalhadores de saúde avaliam melhor a cultura de segurança do paciente em seus ambientes laborais. Há uma tendência global de escores mais positivos para o SAQ quando aplicado nessas áreas. Logo, é possível inferir que esse resultado está diretamente ligado as características diferenciadas do processo de trabalho das áreas críticas. Apesar disso, não houve diferença estatisticamente significativa quanto à percepção geral da cultura de segurança entre as áreas.

Nas associações bivariadas foram encontradas diversas associações significativas. Contudo, quando colocadas no modelo de análise multivariada a fim de neutralizar possíveis fatores de confundimento, apenas as seguintes variáveis permaneceram de fato significativas frente à avaliação negativa da cultura de segurança do paciente: ter idade maior que 43 anos, possuir companheiros, ter pós-graduação, e não saber se quer deixar o emprego.

Ainda, ter idade superior a 43 anos também se revelou como um fator que elevou as chances de avaliar negativamente a cultura de segurança do paciente visto que a idade frequentemente vem acompanhada de maior tempo de experiência profissional, bem como de atuação em determinada instituição ou unidade(2929. Falkenberg MB, Mendes TPL, Moraes EP, Souza EM. Health education and education in the health system: concepts and implications for public health. Cien Saude Colet. 2014;19(3):847-52. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232014193.01572013.
https://doi.org/10.1590/1413-81232014193...
). Esse fato pode levar a percepções distintas da realidade quando comparado aos trabalhadores mais novos, uma vez que a experiência vivenciada ao longo da vida pode tornar o trabalhador mais reflexivo e crítico frente às condições do ambiente laboral.

O fato de ter companheiro estar associado com à cultura de segurança negativa pode estar atrelado ao desempenho dos diversos papeis sociais da mulher, que foi predominante nesse estudo. As atividades da vida doméstica, familiar e social conciliadas ao trabalho podem representar estressores, repercutindo na avaliação negativa da cultura de segurança do paciente. Além disso, como o predomínio do serviço noturno ou misto foi presente nessa investigação, é possível que essa condição dificulte administrar atividades do mundo do trabalho com a vida pessoal e social.

Ainda, ter pós-graduação também foi um fator associado à cultura de segurança negativa. Ligação que pode ser realizada na medida em que se espera que profissionais que realizam pós-graduação são mais estimulados a exercitarem o pensamento crítico e reflexivo, e, portanto, apresentam melhores condições para avaliar o ambiente de trabalho de acordo com perspectivas realistas(3030. Vieira M, Chinelli F, D’Ávila LS, Fortes DR, David NAS. Educational and occupational trajectories of workers of the Unified Health System and their professional expectations. Saúde debate. 2017;41(spe2):92-103. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042017s208.
https://doi.org/10.1590/0103-11042017s20...
).

Por fim, a indecisão quanto a deixar o emprego também obteve associação significativa com a avaliação negativa da cultura de segurança do paciente. Essa indecisão pode estar ligada ao desencontro entre a trajetória ocupacional e as expectativas de realização profissional. No entanto, evidências apontam que as dificuldades e incertezas experimentadas no início da vida profissional atenuam-se, mas não desaparecem completamente(3030. Vieira M, Chinelli F, D’Ávila LS, Fortes DR, David NAS. Educational and occupational trajectories of workers of the Unified Health System and their professional expectations. Saúde debate. 2017;41(spe2):92-103. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042017s208.
https://doi.org/10.1590/0103-11042017s20...
). Sendo assim, cabe inferir que trabalhadores indecisos quanto à sua atuação profissional tendem a estar insatisfeitos ou frustrados com ela, fato que os leva a avaliar negativamente os aspectos ligados ao ambiente de trabalho no qual estão inseridos.

Cabe destacar que a investigação apresenta algumas limitações, como a adesão da população ao estudo, tendo em vista que a pesquisa original se tratava de um censo. Também, houve dificuldade na discussão dos achados referentes às áreas não críticas, pois a maior parte dos estudos publicados refere-se às áreas críticas, dificultando a comparação de resultados. Destaca-se que não é possível generalizar os dados, visto que estes se referem a uma população específica de determinada região geográfica do país.

Quanto às contribuições para a construção do conhecimento em saúde, destaca-se o caráter de ineditismo do estudo, ao elucidar questões comparativas sobre a cultura de segurança do paciente em áreas críticas e não críticas. Isso porque as diferenças no processo de trabalho das áreas críticas não se mostraram suficientes para que seus trabalhadores avaliassem positivamente a cultura de segurança do paciente na instituição estudada. Isso justifica que ambas as áreas necessitam de ações para a promoção e fortalecimento da cultura de segurança. Além disso, é possível que, na realidade pesquisada, as características dos pacientes com quadros clínicos complexos tornam as unidades não críticas cada vez mais exigentes de recursos humanos e materiais qualificados.

CONCLUSÃO

A análise do SAQ apontou que os trabalhadores de saúde das áreas críticas e não críticas têm uma percepção negativa da cultura de segurança do paciente. Embora, de forma geral, as áreas críticas tenham obtido avaliações mais positivas em todos os domínios do SAQ, o resultado do escore geral não apresentou significância estatística quando comparado às áreas não críticas. Portanto, os achados negaram a hipótese inicial do estudo de que há diferença entre a cultura de segurança do paciente em áreas críticas e não críticas no ambiente hospitalar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2021
  • Aceito
    02 Ago 2021
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