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Análise sob a ótica da teoria engajamento dos stakeholders dos fatores que a literatura aponta como limitando o desenvolvimento de IGs

Resumos

Resumo

O número de Indicações Geográficas (IG) reconhecidas por entidades governamentais ou privadas em países com economias emergentes tem aumentado muito. Este aumento é acompanhado por evidências de que proporção significativa de IGs não atinge os objetivos de contribuir para o desenvolvimento regional e local. Para que as IGs se tornem ativas no mercado, é necessário que as necessidades e expectativas dos grupos de partes interessadas, stakeholders, tenham suas necessidades e expectativas atendidas. Este artigo realiza revisão sistemática da literatura (RSL) para identificar os fatores que a pesquisa acadêmica aponta como causas do não desenvolvimento das IGs e os analisa sob a perspectiva da Teoria do Engajamento de Stakeholders. Realizamos análise de conteúdo de 29 artigos publicados entre 2017 e 2022 sobre fatores que limitam o desenvolvimento das IGs. A RSL identifica 13 fatores agrupados em três categorias como causas. A investigação contribui para a literatura sobre o desenvolvimento das IGs identificando fatores que limitam o seu desenvolvimento e analisando esses fatores na perspectiva do envolvimento dos stakeholders. Fornece uma base conceptual para diagnosticar as razões para o não envolvimento dos stakeholders nas IGs.

Palavras-chave:
indicações geográficas; engajamento; stakeholders; produtor rural


Abstract

The number of Geographic Indications (GI) recognized by both private and governmental entities on emerging countries has increased substantially. This number is followed by evidence of the fact that a significant proportion of such IGs does not fulfill the expected goals on regards of them contributing to regional and local development.In order to GIs become active in the market, it is necessary that the needs and expectations from multiple stakeholders to be met. This article performed a systematic literature review (SLR) with the goal to identify what are the factors that present time academic research points to as the reasons for non-successful development of GIs and analyze them through the lens of the Stakeholder’s Engagement Theory. The analysis contains 29 published articles between the years of 2017 and 2022 that point out detrimental factors for GIs development. SLR identified 13 factors, which were grouped in three causal categories. This investigation contributes to the literature of GIs development as it identifies and summarizes those factors, thus providing a conceptual basis to diagnose the reasons why stakeholders are not engaging on specific GIs.

Keywords:
geographical indications; engagement; stakeholders; rural producer


1. INTRODUÇÃO

Indicações geográficas (IGs) são sinais usados em produtos que têm qualidades ou reputações específicas devidas a uma origem geográfica e servem para comunicar que certa região se especializou e se capacitou na produção de determinado produto ou serviço de forma diferenciada e com excelência (Instituto Nacional da Propriedade Industrial, 2021Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. (2021). Pedidos de indicação geográfica no Brasil. Recuperado em 14 de fevereiro de 2023, de https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/indicacoes-geograficas/pedidos-de-indicacao-geografica-no-brasil
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). As IGs surgem como uma estratégia para estimular e fortalecer o desenvolvimento regional. São importantes ferramentas para promover produtos através da autenticidade da produção ou peculiaridades ligadas à sua história, cultura ou tradição, determinando o direto reservado aos produtores estabelecidos na referida região (Dullius, 2009Dullius, P. R. (2009). Indicações geográficas e desenvolvimento territorial: as experiências do Rio Grande do Sul (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Maria.).

No Brasil, desde a regulamentação pela Lei 9.279/1996 (Brasil, 1996Brasil. (1996). Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.), as IGs vêm experimentando acentuada expansão. Atualmente, existem 103 IGs registradas e outras 203 se encontram no processo de avaliação para registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Instituto Nacional da Propriedade Industrial, 2021Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. (2021). Pedidos de indicação geográfica no Brasil. Recuperado em 14 de fevereiro de 2023, de https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/indicacoes-geograficas/pedidos-de-indicacao-geografica-no-brasil
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). Entretanto, apesar de todo o empenho de instituições nacionais de alcance, como o Ministério de Agricultura e Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Serviço de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o INPI, a EMBRAPA, entre outras, persistem problemas importantes no envolvimento de stakeholders com as IGs. O estudo realizado pelo Sistema Sebrae, no ano de 2021, sob o título de “Cenário das Indicações Geográficas Brasileiras” destaca várias conquistas da instituição de IGs, mas corajosamente aponta vários problemas, como a dificuldade de agregar produtores e prestadores de serviços; o desconhecimento dos conceitos básicos sobre as IGs, a dependência de um agente intermediário, ‘o atravessador’, entre outros. Aponta também que poucas IGs comercializam no mercado seus produtos com o devido controle e signo distintivo (selo) (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2021Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae. (2021). Cenários da indicações geográficas no Brasil. Brasília: Sebrae.).

Ainda com relação ao estudo (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2021Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae. (2021). Cenários da indicações geográficas no Brasil. Brasília: Sebrae.), que até onde sabemos é o mais completo diagnóstico global das IGs no país, algumas delas sequer foram entrevistadas, visto que estão completamente inoperantes e os seus reconhecimentos ainda não tinham sido explorados. Além disso, grande parte dos territórios entrevistados têm baixos percentuais de produtores que fazem parte das entidades representativas das IGs. Uma das maiores queixas desses produtores é a dificuldade de colocação de produtos no mercado, pela falta de interesse deste mercado comprador por produtos com IG (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2021Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae. (2021). Cenários da indicações geográficas no Brasil. Brasília: Sebrae.).

Tendo em vista a escassez de estudos sobre os fatores que podem impactar negativamente o engajamento dos stakeholders de uma IG, esta pesquisa utiliza o suporte da Teoria dos Stakeholders para analisar os fatores que a literatura aponta que limitam o desenvolvimento das IGs. Desta forma, surge o questionamento: Como, sob a perspectiva do engajamento dos stakeholders, fatores impactam negativamente o desenvolvimento de indicações geográficas?

A Teoria dos Stakeholders é originalmente uma teoria de gestão estratégica (Freeman, 1984Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. London: Pitman Publising.) e o engajamento, uma continuidade dela. Para Campbell (2007), aCampbell, J. (2007). Why would corporations behave in socially responsible ways? An institutional theory of corporate social responsibility. Academy of Management Review, 32(3), 946-967. Teoria dos Stakeholders é fundamental para entender como gerar riqueza nas empresas. Demonstra que não é possível para as empresas sobreviver sem entregar valor a importantes stakeholders.

A Teoria dos Stakeholders tem avançado no conhecimento de diferentes questões que influenciam a gestão corporativa como: identificar, classificar e priorizar os diferentes grupos de stakeholders, analisar seus interesses, gerenciar os conflitos e pressões, e obter o comprometimento do grupo com os objetivos organizacionais (Mitchell et al., 1997Mitchell, R. K., Agle, B. R., & Wood, D. J. (1997). Toward a theory of stakeholder identification and salience: Defining the principle of who and what really counts. Academy of Management Review, 22(4), 853-886.; Noland & Phillips, 2010Noland, J., & Phillips, R. (2010). Stakeholder engagement, discourse ethics and strategic management. International Journal of Management Reviews, 12(1), 39-49.; Bosse & Coughlan, 2016Bosse, D. A., & Coughlan, R. (2016). Stakeholder relationship bonds. Journal of Management Studies, 53(7), 1197-1222.; Bundy et al., 2018Bundy, J., Vogel, R. M., & Zachary, M. A. (2018). Organization–stakeholder fit: A dynamic theory of cooperation, compromise, and conflict between an organization and its stakeholders. Strategic Management Journal, 39(2), 476-501.; Bridoux & Vishwanathan, 2020Bridoux, F. M., & Vishwanathan, P. (2020). When do powerful stakeholders give managers the latitude to balance all stakeholders’ interests? Business & Society, 59(2), 232-262.). O conhecimento trazido por essa lente teórica permite analisar os fatores que influenciam negativamente na atuação e desempenho de uma IG.

A contribuição desta revisão de literatura está na utilização da Teoria dos stakeholders como perspectiva teórica para investigar os fatores que podem influenciar negativamente no engajamento dos stakeholder de uma IG. Este foco teórico representa uma inovação nos estudos das IGs. Adicionalmente, este estudo contribui para sistematizar o conhecimento existente sobre as IGs e pode contribuir com a proposição de ações e políticas que incentivem os stakeholders a apoiarem a formação e o desenvolvimento delas. Essas entidades são fundamentais não só para a valorização de produtos, principalmente regionais, mas também para a sustentabilidade econômica e social de produtores e de comunidades.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Indicações Geográficas

A origem das Indicações Geográficas (IGs) remonta a países europeus, onde foram concebidas com o intuito de resguardar produtores locais contra a utilização indevida de nomes de regiões e marcas de prestígio estabelecidas nos mercados agrícolas. Simultaneamente, essa abordagem tem sido amplamente disseminada e incorporada como um mecanismo de certificação que visa realçar as qualidades intrínsecas das localidades e a procedência dos produtos (Mafra, 2008Mafra, L. A. S. (2008). Indicação geográfica e construção do mercado: a valorização da origem no Cerrado Mineiro (Tese de doutorado). Curso de Pós-graduação em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), uma IG é um sinal distintivo usado em produtos que tem qualidades ou reputação que é devida a uma origem geográfica. Esse sinal distintivo serve como forma de comunicar que certa região se especializou e se capacitou na produção de determinado produto ou serviço de forma diferenciada e com excelência.

As denominações geográficas são muito associadas na União Europeia a produtos agroalimentares como queijos, vinhos e outras bebidas que datam do século XVIII. Exemplos são: o vinho Chianti na Itália, o vinho do Porto em Portugal e o Champagne francês, que já tinham proteções que se assemelham às das IGs de hoje nos séculos XVIII e XIX. O surgimento dessa forma de proteção na América Latina começou a ocorrer no século XX com o pisco, uma bebida chilena e a tequila mexicana. No Brasil, na década de 1990, surgiu com produtos agroalimentares, como o café e o vinho (Ayala Durán & Radomsky, 2020Ayala Durán, C., & Radomsky, G. (2020). Indicaciones geográficas en Centroamérica: un crecimiento poco diversificado. Rivar, 7(20), 1-21.).

A presença das IGs em países em desenvolvimento tem sido tema de pesquisa frequente em diversas disciplinas, fundamentalmente no que diz respeito ao seu papel de conduzir e acelerar o desenvolvimento econômico. Chabrol et al. (2017)Chabrol, D., Mariani, M., & Sautier, D. (2017). Establishing geographical indications without state involvement? Learning from case studies in Central and West Africa. World Development, 98, 68-81. argumentam que as IGs possuem características de dimensão coletiva de produção, o que serve como um mecanismo organizacional de adição de valor agregado e de marketing aos produtos locais, favorecendo a integração de comunidades rurais, indígenas e desfavorecidas à margem do comércio.

No Brasil, as IGs se formalizaram através da Lei de Propriedade Industrial, Lei nº 9.279 de 1996 (Brasil, 1996Brasil. (1996). Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.), que as define como um direito coletivo de propriedade intelectual. A regulamentação desta definição está prevista nos Arts. 176 ao Art. 182 da referida lei, nos quais as IGs são divididas em duas modalidades: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO). A IP consiste no nome geográfico que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de um produto ou prestação de serviço. A DO indica o nome geográfico de um país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe um produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusivas ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos. São exemplos de DOs os vinhos do Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul e o café do Cerrado Mineiro em Minas Gerais (Instituto Nacional da Propriedade Industrial, 2021Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. (2021). Pedidos de indicação geográfica no Brasil. Recuperado em 14 de fevereiro de 2023, de https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/indicacoes-geograficas/pedidos-de-indicacao-geografica-no-brasil
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).

Diversos estudos têm relatado a importância das IGs no Brasil e constatado o crescimento destas. Entretanto, alguns autores consideram que o número de produtos e serviços brasileiros que buscam essa regulamentação ainda é insuficiente, o que indica pouca difusão do conceito (Barbosa, 2012Barbosa, J. N. (2012). Isótopos estáveis para a discriminação da origem geográfica de cafés especiais da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais (Tese de doutorado). Universidade Federal de Lavras, Lavras.). No entanto, apesar do impacto potencial que as IGs podem vir a ter em países em desenvolvimento, a quantidade delas nesses países é bem menor do que na Europa, por exemplo. Na América Latina e Caribe existiam pouco mais de 100 IGs em 2022, enquanto na Europa a quantidade ultrapassava cinco mil (Fronzaglia, 2023Fronzaglia, T. (2023). A evolução da indicação geográfica da França ao Brasil: emergência, difusão, adaptação e perspectivas. In Propriedade Intelectual, Desenvolvimento e Inovação: perspectivas futuras (pp. 138-159). Ponta Grossa: AYA Editora. http://dx.doi.org/10.47573/aya.5379.2.197.8.
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). Diante desse cenário, há grandes esforços de instituições governamentais e instituições não governamentais, entidades de classes, entre outras, em prol de fomentar e aumentar o número de IGs brasileiras (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, 2021Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae. (2021). Cenários da indicações geográficas no Brasil. Brasília: Sebrae.).

As IGs referem-se a produtos com características, qualidades ou reputações específicas decorrentes de sua origem geográfica, que diferencia os produtos com base em características locais únicas, história ou características distintivas de composição, produção ou beneficiamento, ligadas a fatores naturais e humanos, como: solo, clima, simbiose, know-how local e tradições (Vandecandelaere, 2010Vandecandelaere, E. (2010). Geographic origin and identification labels: associating food quality with location. In J. Albert (Ed.), Innovations in food labelling (pp. 137-152). Cambridge: Woodhead Publishing.).

Estudos da Europe Direct (2023)Europe Direct. (2023). Indicações geográficas: um património europeu no valor de 75 000 milhões de euros. Recuperado em 25 de novembro de 2023, de https://europedirectminho.ipca.pt/indicacoes-geograficas-um-patrimonio-europeu-no-valor-de-75-000-milhoes-de-euros/
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afirmam que o valor de venda de um produto cujo nome esteja protegido por uma IG é, em média, o dobro dos produtos similares não certificados. Por diversos motivos, a proteção permite que os produtos sejam incorporados em diferentes níveis: no nível social, através do processo coletivo; econômico, através da criação de produtos de valor agregado; cultural, por meio da criação de laços culturais; e ecológicos, por meio da promoção de práticas sustentáveis (Bowen, 2010Bowen, S. (2010). Embedding local places in global spaces: geographical indications as a territorial development strategy. Rural Sociology, 75(2), 209-243.). A melhoria das instituições coletivas que tende a advir do aumento do número de IGs numa região possibilita aos produtores envolvidos ganhos de captura de valor. Efeitos distributivos e desenvolvimento local devem decorrer dessas melhorias (Fronzaglia, 2023Fronzaglia, T. (2023). A evolução da indicação geográfica da França ao Brasil: emergência, difusão, adaptação e perspectivas. In Propriedade Intelectual, Desenvolvimento e Inovação: perspectivas futuras (pp. 138-159). Ponta Grossa: AYA Editora. http://dx.doi.org/10.47573/aya.5379.2.197.8.
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).

Desta forma, entende-se que as IGs fornecem uma lente ideal para analisar criticamente a construção de mercados e gerar interesse em muitos stakeholders que constelam ao seu redor. Niederle et al. (2017)Niederle, P. A., Mascarenhas, G. C. C., & Wilkinson, J. (2017). Governança e institucionalização das indicações geográficas no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(1), 85-102. definem que a governança das IGs engloba vasta rede de participantes, tanto do setor público quanto do privado, operando em diversas escalas territoriais. Esta governança é formada desde a interação de associações locais de produtores até organizações multilaterais globais, ministérios a escritórios privados de consultoria jurídica, entidades de pesquisa e desenvolvimento a movimentos sociais que promovem a valorização da gastronomia regional. Niederle et al. (2017)Niederle, P. A., Mascarenhas, G. C. C., & Wilkinson, J. (2017). Governança e institucionalização das indicações geográficas no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(1), 85-102. consideram que a construção desse mecanismo deve ser analisada através de abordagens que transcendem os modelos convencionais de regulação pública. Especificamente, ultrapassa aqueles que pressupõem um estado centralizado, focado em setores claramente definidos e limitados (Niederle et al., 2017Niederle, P. A., Mascarenhas, G. C. C., & Wilkinson, J. (2017). Governança e institucionalização das indicações geográficas no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(1), 85-102.).

2.2. Teoria dos Stakeholders

Os stakeholders, conforme definido por Freeman (1984, pFreeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. London: Pitman Publising.. 46) “são grupos ou indivíduos que têm a capacidade de influenciar ou são impactados pelas atividades de uma organização em relação à realização de seus objetivos”. Freeman (1984)Freeman, R. E. (1984). Strategic management: a stakeholder approach. London: Pitman Publising. também relata que o termo “stakeholders” foi introduzido pela primeira vez em um memorando interno do Stanford Research Institute, no ano de 1963. O modelo proposto por Freeman et al. (2010)Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press. aborda a gestão de stakeholders em três dimensões distintas: o nível racional, o nível processual e o nível transacional.

Cada um desses níveis desempenha um papel fundamental na compreensão e gestão das relações com os stakeholders de uma corporação. No nível racional, destaca-se a importância de identificar de forma precisa quem são os stakeholders da organização e qual é a posição que cada um ocupa dentro desse contexto. Essa etapa é crucial para entender quais grupos ou indivíduos possuem interesses legítimos ou influências sobre as operações e decisões corporativas. O nível processual concentra-se na análise dos processos organizacionais que estão diretamente ligados aos relacionamentos com os stakeholders. É essencial compreender como esses processos são estabelecidos, mantidos e evoluem ao longo do tempo, e como estão interligados o nível racional. O nível transacional entra em cena quando se trata das interações práticas entre a organização e seus stakeholders. Envolve negociações, acordos, colaborações e conflitos que emergem das relações estabelecidas. Esse nível conecta-se diretamente com os dois níveis anteriores, uma vez que as negociações são influenciadas pela identificação dos stakeholders e pelos processos organizacionais que moldam os relacionamentos (Freeman et al., 2010Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press.).

Além dos três níveis mencionados, Freeman et al. (2010)Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press. expandem o escopo do conceito de stakeholders para abranger quatro áreas distintas de desenvolvimento. Inicialmente, os autores observam a integração desse conceito no planejamento estratégico corporativo, reconhecendo a importância da consideração das partes interessadas na elaboração de estratégias de longo prazo. Em uma segunda abordagem, os autores estabelecem uma conexão com a teoria dos sistemas, ressaltando como as partes interessadas podem ser interpretadas como elementos interligados dentro de um sistema mais abrangente, exercendo influência sobre o funcionamento global da organização e, simultaneamente, sendo influenciadas por ele (Freeman et al., 2010Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press.).

A responsabilidade social corporativa é igualmente destacada como uma das esferas da expansão do conceito de stakeholders. Freeman et al. (2010)Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press. sustentam que a gestão eficaz das partes interessadas está intrinsecamente ligada às práticas éticas e à contribuição positiva para a sociedade. Por último, Freeman et al. (2010)Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press. ressaltam a conexão entre a teoria organizacional e a gestão de stakeholders, enfatizando como as relações entre a organização e suas partes interessadas podem moldar a dinâmica interna, a estrutura e o funcionamento da própria entidade.

Em resumo, o modelo de Freeman et al. (2010)Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press. oferece uma abordagem abrangente para compreender e administrar os stakeholders, tratando desde a identificação até a interação prática e reconhecendo as implicações desse processo em áreas cruciais da gestão corporativa e das teorias organizacionais. Do ponto de vista estratégico, a Gestão de Stakeholders (Stakeholder Management) diz respeito à necessidade da organização de gerenciar os relacionamentos com seus stakeholders (Freeman et al., 2010Freeman, R. E., Harrison, J. S., Wicks, A. C., Parmar, B., & Colle, S. (2010). Stakeholder theory: the state of the art. Cambridge: Cambridge University Press.).

Donaldson & Preston (1995)Donaldson, T., & Preston, L. E. (1995). The stakeholder theory of the corporation: concepts, evidence, and implications. Academy of Management Review, 20(1), 65-91. sustentam que o desenvolvimento da teoria dos stakeholders ocorreu em três dimensões: descritiva, instrumental e normativa. De acordo com a concepção de Clarkson (1995)Clarkson, M. E. (1995). A stakeholder framework for analyzing and evaluating corporate social performance. Academy of Management Review, 20(1), 92-117., os stakeholders podem ser categorizados como primários ou secundários. Stakeholders primários são aqueles cuja participação é vital para a sobrevivência da empresa, caracterizada por um alto grau de interdependência entre a corporação e esses stakeholders. Por outro lado, stakeholders secundários são aqueles que impactam ou são impactados pela corporação, mas não mantêm relações diretas com ela.

2.3. O engajamento dos Stakeholders

Diversas definições sobre o engajamento de stakeholders podem ser encontradas na literatura. Por exemplo, Mitchell et al. (2022, pMitchell, J. R., Mitchell, R. K., Hunt, R. A., Townsend, D. M., & Lee, J. H. (2022). Stakeholder engagement, knowledge problems and ethical challenges. Journal of Business Ethics, 175, 75-94.. 77) descrevem o engajamento das partes interessadas como “a interação entre uma empresa e suas partes interessadas, com ênfase na resolução de questões de conhecimento para melhorar a compreensão mútua entre gerentes e partes interessadas, contribuindo para a abordagem de desafios éticos enfrentados pelos gerentes”. O desenvolvimento do entendimento sobre o engajamento de stakeholders evoluiu naturalmente a partir dos estudos da teoria dos stakeholders, que visavam explorar as relações e interações entre organizações e suas partes interessadas (Kujala et al., 2022Kujala, J., Sachs, S., Leinonen, H., Heikkinen, A., & Laude, D. (2022). Stakeholder engagement: past, present, and future. Business & Society, 61(5), 1136-1196.). Greenwood (2007Greenwood, M. (2007). Stakeholder engagement: beyond the myth of corporate responsibility. Journal of Business Ethics, 74(4), 315-327., pp. 317-318) foi uma das pioneiras a conceituar o engajamento de stakeholders e sua definição de engajamento como “as práticas adotadas por uma organização para envolver positivamente os stakeholders nas atividades organizacionais” ganhou destaque na literatura de negócios e sociedade.

Outros pesquisadores também forneceram diversas definições do engajamento de stakeholders. Por exemplo, O’Riordan & Fairbrass (2014)O’Riordan, L., & Fairbrass, J. (2014). Managing CSR stakeholder engagement: a new conceptual framework. Journal of Business Ethics, 125, 121-145. o conceituam como ações voltadas para criar oportunidades de diálogo entre uma organização e suas partes interessadas, visando fundamentar as decisões organizacionais. Hine & Preuss (2009)Hine, J. A., & Preuss, L. (2009). “Society is out there, organisation is in here”: on the perceptions of corporate social responsibility held by different managerial groups. Journal of Business Ethics, 88, 381-393. o enxergam como um mecanismo prático para incorporar a responsabilidade social na tomada de decisões corporativas. Cundy et al. (2013, pCundy, A. B., Bardos, R. P., Church, A., Puschenreiter, M., Friesl-Hanl, W., Müller, I., Neu, S., Mench, M., Witters, N., & Vangronsveld, J. (2013). Developing principles of sustainability and stakeholder engagement for “gentle” remediation approaches: the European context. Journal of Environmental Management, 129, 283-291.. 285) descrevem o engajamento de stakeholders como “um processo amplo e contínuo entre um projeto e aqueles potencialmente afetados por ele”.

Além disso, a colaboração frequentemente envolve atividades conjuntas com stakeholders externos para atingir objetivos que seriam difíceis de alcançar internamente (Desai, 2018, pDesai, V. M. (2018). Collaborative stakeholder engagement: An integration between theories of organizational legitimacy and learning. Academy of Management Journal, 61(1), 220-244.. 220). Uma abordagem mais inclusiva do conceito de engajamento é proposta por Kujala et al. (2022)Kujala, J., Sachs, S., Leinonen, H., Heikkinen, A., & Laude, D. (2022). Stakeholder engagement: past, present, and future. Business & Society, 61(5), 1136-1196., que o definem como os objetivos, atividades e impactos das relações com stakeholders, abordando as dimensões moral, estratégica e/ou pragmática das interações.

3. METODOLOGIA

A revisão sistemática da literatura foi conduzida com base em critérios predefinidos e evidências científicas consistentes, com o objetivo de auxiliar na seleção de estudos e/ou abordagens analíticas e metodológicas para abordar a questão de pesquisa proposta.

As etapas da revisão sistemática foram as seguintes: para a coleta de dados, foram realizadas buscas por artigos relevantes e alinhados com o objetivo do estudo. Para esse fim, a base de dados Scopus foi pesquisada, considerando que essa plataforma é um dos maiores repositórios de periódicos revisados por pares nas áreas de gestão, organização e ciências sociais (Pisoni et al., 2018Pisoni, A., Michelini, L., & Martignoni, G. (2018). Frugal approach to innovation: State of the art and future perspectives. Journal of Cleaner Production, 171, 107-126.). É importante notar que os campos de negócios e gestão são amplamente abordados nesta base (Hossain, 2018Hossain, M. (2018). Frugal innovation: a review and research agenda. Journal of Cleaner Production, 182, 926-936.).

Após a seleção da base de dados Scopus, os artigos foram identificados utilizando-se as palavras-chave principais: “Geographic Indication” AND “stakeholders”. O operador booleano “AND” foi utilizado para combinar esses termos de pesquisa (Passo 1). Como resultado, um total de 36 artigos publicados foi obtido. Não foram encontrados artigos duplicados (Passo 2). Na análise dos títulos, as palavras-chave e resumos, nenhum artigo foi excluído (Passo 3). Em seguida, aplicamos os seguintes critérios: primeiro: artigos publicados no período estipulado (2017-2022), no qual foram excluídos três artigos e segundo: artigos que discutiam os impactos negativos dos stakeholders nas IGs, processo pelo qual foram excluídos quatro artigos (Passo 3). Após a leitura exploratória e a seleção criteriosa do material, as informações pertinentes ao tema em estudo foram registradas, organizadas e analisadas em uma amostra final de 29 artigos (Passo 4), adaptado de acordo com os estudos de Tranfield et al. (2003)Tranfield, D., Denyer, D., & Smart, P. (2003). Towards a methodology for developing evidence‐informed management knowledge by means of systematic review. British Journal of Management, 14(3), 207-222. e Xiao & Watson (2019)Xiao, Y., & Watson, M. (2019). Guidance on conducting a systematic literature review. Journal of Planning Education and Research, 39(1), 93-112., conforme fluxograma apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de Busca e Seleção de artigos.

Após a codificação dos 29 artigos, foi realizada a categorização que é uma operação de classificação dos elementos constituintes de um conjunto por diferenciação por trechos. Este critério envolve a identificação de elementos ou unidades de significado que se distinguem uns dos outros. Na diferenciação, o pesquisador busca estabelecer limites claros entre categorias, garantindo que cada uma represente um conceito ou tema específico. Isso ajuda a evitar sobreposições e confusões na análise dos dados.

Na Tabela 1 apresentamos as distribuições das publicações selecionadas. Do processo de categorização, resultaram os 13 fatores que listamos na Tabela 2. Em seguida, agrupamos os fatores em categorias com significado semelhantes. Nesse processo buscamos reunir fatores que compartilham características ou temas comuns, facilitando a compreensão e a interpretação dos padrões nos dados. Desse processo resultaram três categorias de fatores. Na análise que realizamos na Seção de Resultados, os fatores aparecem agrupados de acordo com essas categorias. A combinação desses dois critérios permite ao pesquisador criar um sistema coeso e lógico. A diferenciação garante a clareza e a especificidade das categorias, enquanto o agrupamento ajuda na organização e síntese dos dados (Bardin, 2011Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.). O Software MaxQda foi utilizado para apoiar essa categorização. As três categorias que resultaram do processo de agrupamento são:

Tabela 1
- Artigos analisados.
Tabela 2
- Fatores observados na literatura que podem impactar negativamente as indicações geográficas.
  1. Questões políticas e éticas internas à IG. Agrupa os fatores: assimetria de informação, assimetria de poder, governança nas mãos de poucos, apropriação desigual de valor e heterogeneidade dos stakeholders. Essa categoria está em consonância com Derry (2012)Derry, R. (2012). Reclaiming marginalized stakeholders. Journal of Business Ethics, 111(2), 253-264. que afirma que comunidades locais e corporações multinacionais frequentemente experimentam desequilíbrios de poder, levando a choques culturais, desalinhamentos de interesses e valores. É preciso reconhecer a importância de dar voz aos stakeholders marginalizados ou menos poderosos.

  2. Questões culturais e institucionais dos países em que as IGs se situam. Reúne os fatores: desconhecimento sobre as regras para o uso do selo, custos de adequação das IGs, dificuldades burocráticas, proteção e fiscalização deficiente dos direitos, concorrência desleal e ineficiência institucional. As atividades estratégicas de engajamento precisam de estruturas internas e externas de apoio.

  3. Atuação externa das IGs. Reúne os fatores: falta de divulgação e marketing da IG, desconhecimento sobre as regras e benefícios da IG, concorrência desleal, falta de confiança e heterogeneidade dos produtores e mediadores que ajudem na construção de relacionamentos e na comunicação bidirecional em e na troca de informações e estabelecimento de parcerias externas através de atividades voltadas para o estabelecimento de engajamentos (Dawkins, 2014Dawkins, C. E. (2014). The principle of good faith: Toward substantive stakeholder engagement. Journal of Business Ethics, 121, 283-295.).

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1 destaca alguns dados dos artigos que analisamos: Autor, título, a contribuição, método e país. Duas coisas chama a atenção na relação de artigos. A prevalência países da Asia, África e América Latina, enquanto países que são o foco dos estudos e a de estudos de caso enquanto método. O predomínio de regiões correspondentes a países de economias emergentes se explica porque é nesses o fenômeno das IGs é recente e apresenta questões. A alta proporção de estudos de caso decorre também da contemporaneidade do fenômeno nos países algo dos estudos. Como o fenômeno é novo, faltam ainda dados quantitativos e mesmo o número de IGs dificulta a realização de estudos quantitativos.

A instituição das IGs é uma prática essencial para proteger e promover produtos únicos, tradicionais e enraizados em suas origens geográficas. Entretanto, essa estratégia não está isenta de desafios, dilemas e controvérsias, conforme apresentado na literatura. Não surpreende, portanto, que o número de publicações esteja crescendo ao longo dos anos cobertos pela nossa análise. Em termos de número de artigos por ano, nossos resultados sugerem que há crescimento da intensidade de publicações sobre o tema, provavelmente refletindo um aumento do reconhecimento da importância dele. Para 2017, nossa busca trouxe quatro artigos; 2018, três; 2019, cinco; 2020, oito e 2021 também oito.

A Tabela 2 traz uma breve descrição dos fatores que identificamos na revisão da literatura e a identificação dos autores que mencionaram esses fatores. Na sequência apresentamos os fatores, agrupados em três categorias, conforme nossa análise.

4.1. Questões políticas e éticas internas às IGs

Classificamos como questões políticas e éticas internas à IG os fatores de assimetria de poder, apropriação desigual de valor e governança nas mãos de poucos que emergiram da literatura.

Com relação à assimetria de poder, Niederle et al. (2017)Niederle, P. A., Mascarenhas, G. C. C., & Wilkinson, J. (2017). Governança e institucionalização das indicações geográficas no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55(1), 85-102., afirmam que a IG tem se tornado um “bem de clube”, no sentido de que apenas um pequeno grupo lidera o processo, que deixa de ser uma propriedade coletiva, que mobiliza o conjunto dos atores territoriais em prol da defesa e da valorização dos bens comuns. Carbone (2017)Carbone, A. (2017). Food supply chains: coordination governance and other shaping forces. Agricultural and Food Economics, 5(1), 3. destaca que uma grande preocupação com relação às IGs é que o controle da IG nas mãos de uma ou poucas empresas de grande porte, as quais podem orientar as IGs de acordo com seus próprios interesses. Isso deixa os produtores em posição de desvantagem, limitando a sua capacidade de negociação e tornando-os dependentes dessas empresas. Esse risco é tanto maior quanto maior for o número e a heterogeneidade dos produtores na área abarcada.

A literatura indica que é possível que os benefícios econômicos gerados pela IG não cheguem aos vários grupos de stakeholders, principalmente a produtores, devido à ação de atores mais poderosos da cadeia de suprimentos. Marsoof & Tan (2021)Marsoof, A., & Tan, L. T. (2021). A CSR/fair trade inspired policy for fairer geographical indications. The Journal of World Intellectual Property, 24(3-4), 253-273. falam da apropriação desigual de valor, argumentando que, apesar dos benefícios econômicos expressivos que a IG do chá de Darjeeling trouxe para a região, por meio de preços mais altos, aumento de empregos e do turismo de chá, os trabalhadores empregados nas plantações e fábricas de chá permanecem em extrema pobreza. Eles continuam a enfrentar condições de trabalho precárias, exposição a produtos químicos perigosos e, em alguns casos, o trabalho infantil é explorado. Nessa mesma linha, Mancini et al. (2022)Mancini, M. C., Guareschi, M., Bellassen, V., & Arfini, F. (2022). Geographical indications and public good relationships: evidence and policy implications. EuroChoices, 21(2), 66-71. descrevem o caso de uma IG na Nicarágua, e evidenciam que regras amplas de qualidade deixaram os produtores expostos à apropriação de valor por agentes mais poderosos. Chamam a atenção para o fato de que as IGs nem sempre são fortes o suficiente para implementar a equidade social local.

A governança nas mãos de poucos é um fator observado no Vietnã, facilitado pelo envolvimento das autoridades governamentais na gestão das associações e de produtores. Pick & Marie-Vivien (2021)Pick, B., & Marie-Vivien, D. (2021). Representativeness in geographical indications: a comparison between the state-driven and producer-driven systems in Vietnam and France. Sustainability, 13(9), 5056. relatam situação neste país, no qual um consultor sob supervisão do Estado, elaborou as regras iniciais de funcionamento da IG. Segundo Pick & Marie-Vivien (2021)Pick, B., & Marie-Vivien, D. (2021). Representativeness in geographical indications: a comparison between the state-driven and producer-driven systems in Vietnam and France. Sustainability, 13(9), 5056., governos e autoridades devem ter cuidado em cair na armadilha desta abordagem de cima para baixo para proteger as IGs, uma vez que as regras são por adesão. Esse tipo de abordagem normalmente resulta em pouco entendimento, pouca adesão e pouco comprometimento dos stakeholders. Pode fazer com que os stakeholders tenham pouco espaço para participar das decisões de forma significativa e, portanto, não se percebem como donos da IG. Sekine (2021)Sekine, K. (2021). The potential and contradictions of geographical indication and patrimonization for the sustainability of indigenous communities: a case of cordillera heirloom rice in the Philippines. Sustainability, 13(8), 4366. argumenta que, nas Filipinas, a empresa Slow Food seleciona os produtos da IG sob seus critérios, de forma que esse processo deixa produtos do tipo que ela rejeita, assim como a biodiversidade associada a ela, em perigo de extinção.

A falta de confiança dos produtores nos stakeholders das IGs é relatada em vários artigos. Kokthi et al. (2021)Kokthi, E., Guri, G., & Muco, E. (2021). Assessing the applicability of geographical indications from the social capital analysis perspective: evidences from Albania. Economia e Sociologia, 14(3), 32-53. testam um modelo baseado na teoria de Elinor Ostrom, sugerindo que, para uma comunidade estar disposta a tomar medidas coletivas para alcançar um objetivo comum, é necessário que exista confiança com relação às instituições e produtores vizinhos. Kokthi et al. (2021)Kokthi, E., Guri, G., & Muco, E. (2021). Assessing the applicability of geographical indications from the social capital analysis perspective: evidences from Albania. Economia e Sociologia, 14(3), 32-53. testam este modelo numa comunidade de produtores do queijo Gjirokastra, na Albânia e encontram que os níveis de confiança existentes não são suficientes para que uma ação bem-sucedida de formação de IGs seja desenvolvida. van der Merwe et al. (2018)van der Merwe, M., Kirsten, J. F., & Trienekens, J. H. (2018). The Karoo Meat of Origin certification scheme: a silver bullet? The International Food and Agribusiness Management Review, 21(5), 655-668. também corroboram com outra pesquisa situações em que há desconfiança entre o agricultor e o matadouro da IG Karoo Lamb.

A heterogeneidade dos stakeholders também é um fator observado na literatura como restritivo ao bom desempenho da IG. Carbone (2017)Carbone, A. (2017). Food supply chains: coordination governance and other shaping forces. Agricultural and Food Economics, 5(1), 3. argumentam que, quanto maior a área protegida e o número de produtores, juntamente com sua heterogeneidade, mais difícil é chegar a um acordo efetivo para a governança da IG e mais provável é que surjam conflitos e comportamentos de parasitismo. A heterogeneidade dos stakeholders e suas diferentes perspectivas podem afetar o nível de cooperação e, consequentemente, influenciar negativamente a governança da IG. Mariani et al. (2021)Mariani, M., Cerdan, C., & Peri, I. (2021). Origin food schemes and the paradox of reducing diversity to defend it. Sociologia Ruralis, 61(2), 465-490. relatam que, quando a heterogeneidade dos atores e o desequilíbrio em seu poder de barganha aumenta, as negociações tornam-se conflituosas, como no caso do queijo Ossau-Iraty.

4.2. Questões culturais e institucionais dos países em que as IGs se situam

Um dos principais fatores que limitam o envolvimento dos stakeholders com as IGs é o desconhecimento sobre as regras para o uso do selo, mesmo entre os potenciais beneficiários das IGs, pois muitos não sabem o que é uma IG ou não compreendem o seu funcionamento, bem como os benefícios que podem oferecer. Na pesquisa de Bustamante (2019)Bustamante, J. C. (2019). Intellectual property rights as branding services for exports value-adding: an analysis of Chile-s-Sello de Origen-programme. International Journal of Intellectual Property Management, 9(3-4), 315-341., uma das razões do não uso do selo pelos stakeholders era a falta de interesse deles, entre outras coisas, pelo desconhecimento das oportunidades que os produtos protegidos desfrutam. O programa Sello de Origen do Chile não alcança os benefícios esperados, pois os pequenos produtores não sabem como aplicar o selo corretamente. Bashir (2020)Bashir, A. (2020). Protection of geographical indication products from different states of India. Journal of Intellectual Property Rights, 25(3-4), 74-79., em uma survey realizada com 100 produtores de três IGs na Índia, mostrou que o índice de desconhecimento sobre a questão era alta, de modo que apenas nove desses entrevistados responderam afirmativamente à questão sobre “Você sabe o que uma é uma IG”? Entre as ações que considera necessárias para a difusão do conceito estão: a abertura de mais centros para registro de solicitações de IGs, a aplicação da legislação de proteção aos direitos das IGs existentes e a maior confiança de produtores de que essa aplicação acontecerá no caso de violações.

Os custos de adequação aos padrões exigidos pela IG abrangem os gastos monetários relacionados ao estabelecimento da IG, o preço das matérias-primas necessárias para produzir em consonância com os padrões estabelecidos pelas normas estabelecidas na IG, consultorias e análises laboratoriais para verificar se as características dos produtos estão em conformidade com os padrões exigidos. Ingram et al. (2020)Ingram, V., Hansen, M. E., & Bosselmann, A. S. (2020). To label or not? Governing the costs and benefits of geographic indication of an African forest honey value chain. Frontiers in Forests and Global Change, 3, 102. analisando uma IG de mel no Cameron identificam que, enquanto o aumento das receitas foi de 60%, os de produção foi de 220%. Uma parte desses aumentos de custos foi devida ao afluxo de produtores atraídos pelo novo preço. Ingram et al. (2020)Ingram, V., Hansen, M. E., & Bosselmann, A. S. (2020). To label or not? Governing the costs and benefits of geographic indication of an African forest honey value chain. Frontiers in Forests and Global Change, 3, 102. apontam que além do claro descompasso entre receitas e gastos, a produção local também passou a ser ameaçada por questões ambientais, em função da intensificação da exploração de recursos naturais imprescindíveis.

Somando-se aos fatores que impactam negativamente as IGs, identificamos as dificuldades burocráticas. De forma geral, a solicitação do reconhecimento de uma região ou produto como distinto ou com notoriedade envolve vários passos, que muitas vezes são de difícil realização por pequenas comunidades e mesmo por algumas maiores. Envolve a discussão da região abrangida, seus limites territoriais e geográficos. Requer a negociação do nível dos atributos e das características dos produtos que serão exigidos dos produtores para que recebam o reconhecimento de estar de acordo com as exigências da IG. A associação ou órgão que lidera o processo precisa levantar documentos que comprovem as afirmações sobre excelência ou notoriedade do produto ou região. Todo esse processo precisa ser submetido a um órgão, em geral estatal, que verifica a veracidade e a suficiência das informações, entre outras medidas.

Owen et al. (2020)Owen, L., Udall, D., Franklin, A., & Kneafsey, M. (2020). Place-based pathways to sustainability: Exploring alignment between geographical indications and the concept of agroecology territories in Wales. Sustainability, 12(12), 4890. destaca que apenas o processo de deliberação, por parte das autoridades a quem cabe decidir sobre a adequação ou não das solicitações de IGs, pode levar meses e às vezes anos. Bustamante (2019)Bustamante, J. C. (2019). Intellectual property rights as branding services for exports value-adding: an analysis of Chile-s-Sello de Origen-programme. International Journal of Intellectual Property Management, 9(3-4), 315-341. faz um breve inventário desse processo no caso do Chile, acrescentando às etapas, os valores que devem ser desembolsados pelos produtores, dando a entender que são considerados onerosos para os de porte pequeno. Também chama a atenção de que é importante para que, ao longo do processo, as IGs não sejam romantizadas e apresentadas como intrinsecamente boas. O processo de desenvolver conhecimento e sensibilização com relação à razão de ser das IGs é o que, em ultima instância, vai transformar o regime existente em algo diferente.

Mishra & Fatesaria (2022)Mishra, A., & Fatesaria, H. (2022). Basmati rice: the on-going domestic challenge. Journal of Intellectual Property Rights, 27(2), 100-106. relatam as dificuldades do Estado Indiano de Madhya Pradesh para a inclusão de seus 13 distritos como regiões produtoras do arroz Basmati no país. A batalha vem se arrastando desde 2008 entre a APEDA, que é a autoridade responsável pelo desenvolvimento de produtos comestíveis da agricultura e processados indianos, e que estabelece as especificações para garantir que o arroz exportado atenda aos requisitos internacionais, promovendo o arroz Indiano no mercado global. O Estado já apelou repetidas vezes ao conselho de propriedade intelectual Indiano contra as decisões da APEDA e, quando o artigo de Mishra & Fatesaria (2022)Mishra, A., & Fatesaria, H. (2022). Basmati rice: the on-going domestic challenge. Journal of Intellectual Property Rights, 27(2), 100-106. foi escrito, havia uma decisão recente da suprema corte Indiana, que indicava que esta batalha legal estava longe de terminar.

Marie‐Vivien (2020)Marie‐Vivien, D. (2020). Protection of geographical indications in ASEAN countries: convergences and challenges to awakening sleeping geographical Indications. The Journal of World Intellectual Property, 23(3-4), 328-349. produz um extenso panorama das dificuldades das IGs em conseguirem proteção e fiscalização deficiente dos direitos, principalmente na Ásia. Os sistemas de controle são nascentes, às vezes eles existem na teoria, em esquemas legais, mas raramente são implementados na prática. Na Tailândia, a lei se restringe a proteger o uso do logo. No Vietnã, uma agência sob a responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia é a autoridade competente, mas nenhum órgão responsável pela certificação de IGs às inspeciona, embora existam vários órgãos certificadores. No Camboja, o sistema é similar ao francês, de modo que os controles internos são monitorados pela própria IG, que é custeada por taxas pagas pelos membros associados, que muitas vezes não têm recursos para fazê-lo. Em Myanmar, a lei é vaga e não especifica detalhes. Em alguns países, a responsabilidade de obter proteção compete ao Estado, em outros à associação. No primeiro caso, o funcionamento tende a ser precário porque a IG não dispõe de recursos. No segundo, apenas o uso indevido do logo é reprimido, mas o nome da IG é de uso livre.

Decorrência direta de problemas como a proteção e fiscalização dos direitos é a questão da concorrência desleal que as IGs enfrentam. Produtos de outras regiões ou países são comercializados como originários de uma região protegida pelo signo da IG, o que pode gerar concorrência desleal com os pequenos produtores locais. Kokthi et al. (2021)Kokthi, E., Guri, G., & Muco, E. (2021). Assessing the applicability of geographical indications from the social capital analysis perspective: evidences from Albania. Economia e Sociologia, 14(3), 32-53. relatam que os produtores de queijo de Gjirokastra estão expostos à concorrência desleal e ao parasitismo de outros produtores de queijo que usurparam o nome da marca e ofereceram qualidade inferior pelo mesmo preço.

A ineficiência institucional é relatada na IG de Gollabhama Saree, conhecida por seus teares tradicionais centenários. Centrada na comunidade local e detentora de marca de IG, está à beira da extinção com um declínio drástico de tecelões, de 2000 na década de 1970 para seis tecelões em 2019 (Priyadarshini & Iyer, 2020Priyadarshini, T., & Iyer, K. (2020). Sustenance of languishing craft-Gollabhama Saree of Siddipet, Telegana, India. Man-Made Textiles in India, 98(12), 403-410.). Para Ingram et al. (2020)Ingram, V., Hansen, M. E., & Bosselmann, A. S. (2020). To label or not? Governing the costs and benefits of geographic indication of an African forest honey value chain. Frontiers in Forests and Global Change, 3, 102., embora a IG do mel branco de Oku tenha contribuído para efeitos positivos de subsistência de curto prazo, os impactos positivos de longo prazo que apoiam a conservação da paisagem foram ineficazes e a durabilidade dos impactos econômicos positivos é questionável. Ingram et al. (2020)Ingram, V., Hansen, M. E., & Bosselmann, A. S. (2020). To label or not? Governing the costs and benefits of geographic indication of an African forest honey value chain. Frontiers in Forests and Global Change, 3, 102. concluem que arranjos múltiplos, mas incoerentes e fracos governam a cadeia produtiva e são responsáveis por essa questionabilidade. Ainda com relação à ineficiência institucional, Neilson et al. (2018)Neilson, J., Wright, J., & Aklimawati, L. (2018). Geographical indications and value capture in the Indonesia coffee sector. Journal of Rural Studies, 59, 35-48. apontam que o fraco desempenho de desenvolvimento das IGs de café da Indonésia é explicado pela incapacidade dos ambientes institucionais locais permitirem a apropriação do valor gerado. Embora alguns atores, como grandes exportadoras de café, tenham se inserido em cadeias globais, o ambiente institucional permanece permeado por relações com o Estado e baseado em uma lógica estatal de acumulação (Neilson et al., 2018Neilson, J., Wright, J., & Aklimawati, L. (2018). Geographical indications and value capture in the Indonesia coffee sector. Journal of Rural Studies, 59, 35-48.).

4.3. Atuação externa das IGs

Esta categoria reúne a assimetria de informações entre produtores e consumidores e a falta de divulgação e marketing das IGs.

A assimetria de informação ocorre quando uma das partes possui mais informações acerca de um produto ou serviço do que a outra parte. As teorias sobre assimetria de informação explicam que distorções de mercado, aumentos de custos de transação e aumento do risco de fraude podem acontecer quando uma parte detém mais informações do que outra em uma transação. No sentido em que são mencionadas nos artigos, diz respeito à relação entre produtores e clientes. Warui et al. (2020)Warui, M. W., Mburu, J., Kironchi, G., & Gikungu, M. (2020). Existing value addition initiatives enhancing recognition of territorial traits of three Kenyan honey. The Journal of World Intellectual Property, 23(3-4), 598-605. descrevem uma situação em que produtores e outros envolvidos no comércio do mel de alguns condados no Quênia foram entrevistados. Warui et al. (2020)Warui, M. W., Mburu, J., Kironchi, G., & Gikungu, M. (2020). Existing value addition initiatives enhancing recognition of territorial traits of three Kenyan honey. The Journal of World Intellectual Property, 23(3-4), 598-605. afirmam que quando os produtores e consumidores foram colocados em contato direto, eliminando intermediários, as distorções na comunicação diminuíram. O fato de os produtores terem a oportunidade de dar informações aos consumidores sobre as características dos produtos e o fato de os consumidores terem a possibilidade de obter informações em primeira mão, reduziu o custo das transações e outras falhas de mercado.

Bustamante (2019)Bustamante, J. C. (2019). Intellectual property rights as branding services for exports value-adding: an analysis of Chile-s-Sello de Origen-programme. International Journal of Intellectual Property Management, 9(3-4), 315-341. apontam a falta de divulgação e marketing como um fator de peso. Nesse sentido, relatam que IG Limón de Pica, no Chile, oito anos após o registro do produto, não tinha estratégias de marketing. O selo do produto não era colocado na embalagem. Bustamante (2019)Bustamante, J. C. (2019). Intellectual property rights as branding services for exports value-adding: an analysis of Chile-s-Sello de Origen-programme. International Journal of Intellectual Property Management, 9(3-4), 315-341. destaca a importância de ações de branding para adicionar valor a produtos tradicionais como os produzidos pela IG. Carbone (2017)Carbone, A. (2017). Food supply chains: coordination governance and other shaping forces. Agricultural and Food Economics, 5(1), 3. argumenta que a falhas de são derivadas de seu local de origem e precisam estar em constante evidência para fortalecer a IG. Drivas & Iliopoulos (2017)Drivas, K., & Iliopoulos, C. (2017). An empirical investigation in the relationship between PDOs/PGIs and trademarks. Journal of the Knowledge Economy, 8, 585-595. registram que, embora um dos principais argumentos em favor das IGs seja que elas podem oferecer aos produtos agrícolas um atributo de qualidade que pode ser efetivamente sinalizado aos consumidores, é uma tarefa desafiadora para as IGs fazerem atividades de branding e marketing, sugerindo que a adoção de marcas registradas pode ser um caminho na direção para remediar essa situação.

5. CONCLUSÕES

A revisão sistemática de literatura aponta para um leque expressivo de fatores, que diferentes autores encontraram, como dificultando as possibilidades de as IGs se constituírem e, uma vez constituídas, alcançarem objetivos compatíveis com os esperados na sua constituição. Vários desses fatores dependem diretamente do engajamento dos stakeholders.

Questões políticas e éticas do funcionamento interno das IGs fazem com que pequenos grupos se assenhorem da gestão da mesma e apropriem a maior parte do valor gerado. No processo, excluem os demais stakeholders menos poderosos de terem acesso aos benefícios que as IGs geram e provocam a alienação deles.

Questões culturais e institucionais dos países e regiões em que as IGs estão localizadas dificultam a mobilização dos stakeholders para constituírem IGs, dificultam o atingimento de seus propósitos e não facilitam as coisas para as IGs que chegam a se constituírem. As instituições, com frequência não protegem os direitos das IGs constituídas nem contribuem para que os consumidores potenciais valorizem o instituto das IGs e se interessem por elas e seus produtos. A não realização de ações de marketing diminui o valor acrescido pelas IGs aos seus produtos e, consequentemente, a atração que as IGs poderiam ter para seus stakeholders.

Questões de atuação externa das IGs diminuem a possibilidade de os consumidores potenciais delas terem conhecimento da natureza dos produtos e serviços oferecidos e diminuem a visibilidade das IGs junto aos mercados. A assimetria de informações entre produtores e consumidores e a falta de divulgação das IGs, através de instrumentos de marketing - como a colocação de selos nas embalagens, e a falta de branding, prejudicam a geração de valor pelas IGs e, consequentemente, o interesse delas para os stakeholders.

O desenvolvimento de uma IG requer ação coletiva e esforços consideráveis de múltiplos atores, o que implica no engajamento de vários e diversificados stakeholders a fim de defender os interesses coletivos e garantir os benefícios de se pertencer a uma IG. Face ao leque de fatores que dificultam o engajamento dos stakeholders, torna-se compreensível porque uma proporção elevada de IGs não alcança seus objetivos e permanece na condição de dormência.

É importante notar que a literatura base desta revisão se centra exclusivamente em países de economias emergentes. Esses são países em que, de uma forma geral, as instituições funcionam com limitações generalizadas e conhecidas e, em que Estados nacionais e subnacionais têm limitações de recursos para subsidiar e apoiar mesmo iniciativas meritórias e relevantes para os seus desenvolvimentos. Além disso, muitos desses países têm extensões territoriais e populacionais grandes, o que tende a acentuar essas limitações. Também, diferentemente dos países europeus, em que a instituição das IGs se origina, na maioria dos países analisados pelos artigos, o instituto das IG é recente, o que explica em boa medida a questão do desconhecimento desse instituto.

Ao apontar e resumir os fatores que a literatura acadêmica identifica e analisa como sendo dificultadores da expansão e do crescimento do número de IGs e seus impactos negativos, esse artigo contribui na facilitação de sua identificação, e esperamos que, para a superação dos mesmos. Os artigos analisados, quase sempre, além de apontar os fatores, também discutem formas de minimizá-los ou superá-los. Um desdobramento possível desse artigo para estudos futuros é a elaboração de um análogo, mas focado em aspectos de superação e solução dos fatores.

Por fim, esse artigo, como qualquer outro tem suas limitações. Entre as que reconhecemos estão pelo menos duas: o fato de que selecionamos artigos apenas a partir de uma base de dados e o de que nossas classificações dos fatores e sua categorização podem ser discutidas. O fato de usarmos apenas uma base de dados para a identificação de artigos se justifica pelo fato de a Scopus ser a maior base de dados de artigos no campo de nossa análise e por ser um procedimento largamente usado por revisões de literatura na área. O fato de que os critérios de classificação e categorização poderem ser discutidos só pode ser minimizado pela adoção de procedimentos consagrados para a realização deles, o que no nosso caso é dado pela adoção da análise de conteúdo.

  • Como citar: Malaguti, J. M. A., & Avrichir, I. (2024). Análise sob a ótica da teoria engajamento dos stakeholders dos fatores que a literatura aponta como limitando o desenvolvimento de IGs. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(3), e277978. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2023.277978pt
  • JEL Classification: Q10, Q13.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2023
  • Aceito
    12 Mar 2024
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