Open-access O Mal à Brasileira: rupturas, confluências e (re)qualificações. Um tributo à trajetória acadêmica de Patricia Birman 1

The Brazilian Ailment: ruptures, confluences, and (re)qualifications. Paying tribute to the academic career of Patricia Birman

Resumos

Resumo: O artigo revisita três trabalhos da antropóloga Patricia Birman, escritos nos anos de 1990, evidenciando sua importância para compreender mudanças sociais que - depois de mais de duas décadas - influenciam as representações sobre cordialidade e violência na sociedade brasileira. Por meio de evidências empíricas e de instigantes costuras explicativas, os trabalhos revisitados nos permitem observar vivências cotidianas de fiéis; empreendimentos de autoridades religiosas e reprodução de desigualdades sociais por meio da localização do “mal da nação”. O objetivo do presente artigo é homenagear Patricia Birman indagando sobre como se (re)movem as fronteiras entre crenças e rituais religiosos, entre religião e política em nosso país e entre as religiões no Brasil e o que se passa no mundo.

Palavras-chave: Religião; Política; Nação; Cordialidade; Violência


Abstract: This article revisits three works by the Brazilian anthropologist Patricia Birman, written in the 1990s, highlighting her significance for understanding social changes that - over two decades later - influence representations of cordiality and violence in Brazilian society. Through empirical evidence and engaging explanatory connections, the revisited works allow us to observe the daily experiences of the faithful; endeavors of religious authorities; and the reproduction of social inequalities through the identification of the “nation’s ailment.” This article aims to honor Patricia Birman by inquiring how the boundaries between beliefs and religious rituals are (re)moved, as well as the boundaries between religion and politics in Brazil and between religions in Brazil and what is observed elsewhere in the world.

Keywords: Religion; Policy; Nation; Cordiality; Violence


Em 1996, depois de um concorrido seminário, realizado em parceria entre o Instituto de Estudos da Religião (ISER) e o Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Patricia Birman, Samira Crespo e eu organizamos uma coletânea intitulada O Mal à Brasileira, publicada pela EdUERJ no ano seguinte. Assim nomeada, tal coletânea evocava nossos primeiros cronistas que, entre atração e pânico, expressaram as ambíguas visões do bem e do mal que foram sendo construídas sobre o nosso país (Cf. Birman, Novaes & Crespo 1997).

Na apresentação daquele livro lembrei que, em O Diabo e a Terra de Santa Cruz, a historiadora Laura de Mello e Souza analisa como a visão paradisíaca (elemento da ideologia colonizadora) foi dando lugar a uma infernalização da colônia baseada nos atributos animalescos e demoníacos de índios, negros e colonos. Atributos esses que, mais tarde, vieram a definir os mesmos segmentos da população como “homens maus” em contraposição aos “homens bons”, em torno dos quais se concentravam recursos e poder, sempre sob as bênçãos da Igreja Católica (Mello e Souza 1986).

A partir desse chão histórico (e, culturalmente, muito estruturador) outras representações do “mal” foram transitando por nossa história, justificando e alimentando desigualdades sociais e criminalizações, sobretudo em relação à população negra longamente submetida à escravidão. Contudo, ao mesmo tempo, em um aparente paradoxo, nesse mesmo país celebrava-se positivamente a interação aberta e igualitária entre os três grupos étnicos formadores de nossa nacionalidade que - traduzida na “fábula das três raças” - tanto alimentou o mito da “democracia racial” brasileira.

Sem dúvida, desde muito tempo, conflitos e cordialidades habitam e inquietam o imaginário nacional e até hoje suscitam muitas questões. A “cordialidade do brasileiro” representa um “bem” que contribui para superar potenciais conflitos? Ou é o “mal” responsável pela constante ambiguidade que nos caracteriza? O chamado “jeitinho brasileiro” é uma porta para o pluralismo e para a valorização da diversidade ou representa um “mal” que constantemente nos afasta das regras da convivência democrática? Afinal, nosso “mal” é excesso ou é a falta de política? E/ou é excesso ou falta de religião?

Tais questões, de maneira direta e/ou indireta, estão presentes no livro O mal à brasileira que organizamos 25 anos atrás. Em seu conjunto, as análises ali ofertadas tratam das representações do bem e do mal em diferentes campos e dimensões da vida social. No que diz respeito ao campo religioso, é bom lembrar que naquele momento evidenciava-se o declínio do catolicismo e o crescimento do pentecostalismo que trazia consigo novas perguntas sobre rupturas e continuidades no imaginário do “maior país católico do mundo”.

A que atribuir o crescimento evangélico em um país onde a Igreja Católica foi historicamente determinante tanto na ocupação territorial quanto no estabelecimento do calendário oficial de dias santos e feriados? No país do sincretismo, ainda haveria lugar para um “duplo pertencimento” que, no decorrer do percurso histórico, viabilizara as diferentes (con)vivências entre catolicismo e religiões de matriz africana? No país da “tolerância religiosa” como analisar a “guerra santa” dos pentecostais contra terreiros e adeptos da umbanda e do candomblé? Como caracterizar os encontros e desencontros entre as denominações evangélicas pentecostais e neopentecostais e a cultura brasileira tão marcada pela hegemonia católica?

Um quarto de século depois, essas perguntas ainda fazem sentido. Porém, a elas se somaram outras tantas que nos obrigam a atentar para mudanças econômicas, políticas e tecnológicas que modificaram a sociedade e, também, redefiniram o lugar da religião na produção de representações sobre o bem e o mal na sociedade brasileira. Novas costuras explicativas, portanto, tornaram-se necessárias.

Nesse sentido, revisitar textos produzidos no final do século XX e início do século XXI pode ser útil tanto para compreender esse passado quanto para identificar alguns de seus desdobramentos no presente. Com tal objetivo, gostaria de dialogar aqui com três artigos de Patricia Birman. Sem a menor pretensão de abarcar toda a rica trajetória acadêmica da autora, a ideia é apenas recuperar alguns de seus achados de pesquisa e um conjunto de seus argumentos que, a meu ver, são “bons para pensar” as relações entre cordialidade e violência presentes nas representações do mal em nosso país.

“Males e Malefícios no Discurso Neopentecostal”: confluências entre magia e milagre.

Para iniciar, parece-me importante situar o artigo de Birman no conjunto da coletânea O mal à Brasileira que, dividida em três partes, nos oferece um interessante painel do Brasil daquele final do século XX. A primeira parte trata de representações do “mal” nas religiões populares e na cultura brasileira. A segunda, buscando nexos entre os novos e velhos lugares da anomalia, traz as questões da violência, da contravenção e da criminalidade que - naqueles anos - já atravessavam o debate público. Por fim, como contraponto, busca-se presenças e ausências de representação do mal na política, na ética e nas utopias contemporâneas.

Intitulado “Males e Malefícios no Discurso Neopentecostal”, o artigo se insere na primeira parte do livro (Cf. Birman 1997). A autora inicia esse artigo se perguntando se há realmente uma fronteira nítida entre religião, enquanto sistema ético por excelência, e cosmologia, lugar do mal sem culpas, associado a ritualismos mágicos. Dialogando com Joanna Overing (1994), sugere que, por um lado, é possível observar um “sistema de moralidade” onde se vê apenas cosmologia. E, por outro lado, pode-se também observar princípios cosmológicos que fundam práticas mágicas no universo protestante, visto pela ótica da “palavra de Deus”.

Entrando nesse debate, Birman reconhece que a visão católica do mundo oferece maior permeabilidade a outras crenças, notadamente àquelas que se sustentam em cosmologias “animistas” (crenças em espíritos e divindades diversas). Porém, reconhece também que buscar “princípios cosmológicos” e “práticas mágicas” no universo protestante - onde estariam fadadas a desaparecer em um contínuo processo de individualização e interiorização das práticas religiosas - poderia até ser considerado “quase um ato herético”.

No entanto, a favor de sua “quase heresia acadêmica”, a autora argumenta que já existiam evidências empíricas no sentido contrário à impermeabilidade do campo protestante. Recorrendo a uma coletânea de textos organizada por Caplan (1994) sobre a cultura do mal, Patricia afirma que o “neopentecostalismo” seria a vertente que melhor estava articulando os princípios cristãos com certos princípios relacionados a cosmologias tradicionais. Ou seja, já existiam registros na Índia e no terceiro mundo de que diferentes denominações classificadas como neopentecostais estavam conseguindo se adaptar e, de certo modo, renovar-se, através do contato com concepções “populares” sobre o mal e sobre os espíritos de possessão presentes naquelas sociedades.

A partir daí, Birman nos oferece suas análises sobre a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que nasceu e cresceu no Brasil. Citando Pierre Sanchis (1992), ela afirma que, no âmbito do neopentecostalismo brasileiro, estava se desenvolvendo uma religiosidade que comportaria um certo policentrismo do mal, a saber: a crença em um conjunto diversificado de seres, em grande parte provenientes dos cultos afro-brasileiros, todos identificados como malignos. Seriam justamente esses seres que estariam a exigir constantemente rituais de exorcismo e purificação. Sendo assim, nessa versão pentecostal não se separariam atos de limpeza ritual das práticas de “interiorização do ato religioso” (como, por exemplo, a oração considerada como conversa de cada indivíduo com Deus). Em outras palavras: tratava-se de “uma junção peculiar entre magia e milagre”. Ao exorcismo e limpeza ritual - diante das figuras representativas de um policentrismo do mal - se articularia uma retórica associada às noções de pecado e culpa.

No artigo em questão, além das referências bibliográficas, as análises aparecem respaldadas por entrevistas feitas por Birman com integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus, moradores de um mesmo conjunto habitacional no Rio de Janeiro. De formação católica e com variada participação anterior em cultos de possessão, todos mencionaram entidades da umbanda e do candomblé (Exus, Pomba Gira, Zé Pilintra) como manifestações do diabo, como responsáveis pelo mal que os acometia antes da conversão. Tais malefícios - explicáveis e compreensíveis do ponto de vista da cosmologia anteriormente compartilhada - continuavam a ameaçá-los mesmo depois da conversão à Igreja Universal. Como afirma a autora, faz “parte da ordem natural das coisas ser atingido por esses malefícios e combatê-los”.

Essa aproximação nos faz lembrar que a teologia cristã oferece muitas possibilidades interpretativas em relação ao mal. O mal e o diabo possuem muitas faces e esse é um campo fértil para diferentes combinações.2 Porém, aqui cabe destacar uma particularidade importante nas relações entre neopentecostalismo e cultura brasileira, a saber: a noção de possessão. De acordo com Birman (1977:71), “pensar exorcismo, no âmbito do universo religioso neopentecostal brasileiro, é pensar também a cultura da possessão que é reelaborada pelos seus fiéis, quando aderem ao novo culto”. Ou seja, a experiência da possessão não está desconectada das histórias de vida de quem se converte que, agora, conta com a “comunidade de fé” para exorcizar forças do mal.

A autora lembra que os termos usados para designar “possessão” no Brasil são vastos. Segundo ela, no vocabulário neopentecostal destacam-se dois: manifestar e amarrar. Os espíritos malignos se manifestam e os fiéis os amarram. Aqui a ideia de manifestar é empregada em relação a um contexto específico: a possessão na igreja antecede ao ato ritual de exorcismo. O inimigo é retirado à força de seu esconderijo. O indivíduo, que deu “brecha” para ele entrar, não soube “amarrar”. Na igreja, espera-se que as forças do mal se dobrem ao bem, representado pelo pastor que as enfrenta. Mas, nada é definitivo, eles estarão sempre por perto.

Não reproduzi aqui todas as demonstrações e argumentações desse instigante texto de Patricia Birman. Vale a pena ler de novo. O que eu gostaria de chamar a atenção é para sua originalidade ao buscar compreender o “neopentecostalismo” inserido em um novo e específico contexto religioso, no Brasil do final do século XX.3 Para além de apontar para óbvias rupturas presentes nos processos de conversão, a análise - ao invés de estabelecer separações e distâncias entre neopentecostalismo e cultura brasileira - evidencia continuidades com as práticas de purificação do catolicismo vivido. Bem como (o que pode surpreender ainda mais) também mostra a “estreita dependência” dessa modalidade pentecostal em relação aos cultos de possessão relacionados com as religiões de matriz africana.

Enfim, do meu ponto de vista, o artigo “Males e Malefícios no Discurso Neopentecostal” de Patricia Birman foi pioneiro na busca de compreensão das relações entre o “neopentecostalismo”, na época quase um sinônimo da Igreja Universal do Reino de Deus, e as religiões afro-brasileiras. A articulação da vertente protestante/neopentecostal com elementos pré-existentes na religiosidade brasileira, realizada pela autora, trouxe consigo uma importante chave para a leitura dos desdobramentos posteriores sobre movimentações, trânsitos e aproximações simultâneas entre alternativas religiosas que competem por adeptos no campo religioso.

Enquanto muitos observadores previam o desaparecimento das religiões afro-brasileiras - que seriam varridas das favelas e periferias onde se expandiram as igrejas classificadas como pentecostais e neopentecostais - Patricia demonstrou que justamente a localização do “mal” nas entidades da umbanda e do candomblé acabava por lhes conferir poder. Ou seja, quanto maior o poder atribuído a essas forças do mal - designadas como diabólicas - mais poderoso se torna o pastor que consegue fazê-las se manifestar para, em seguida, conseguir amarrá-las.

Essa espécie de “medição de forças” certamente ajuda a explicar a “guerra santa” - inaugurada naqueles anos por adeptos de tais igrejas aos terreiros de matriz africana. Perseguição essa que contribui para cristalizar preconceitos de raça, alimenta a chamada “intolerância religiosa” e certamente tem acarretado sofrimentos para lideranças e adeptos das religiões afro-brasileiras.

Contudo, ao mesmo tempo, as continuidades destacadas por Patricia no referido artigo também nos ajudam a relativizar a “sociabilidade restrita” que, segundo alguns autores, resultaria necessariamente em conflitos entre evangélicos e suas famílias e comunidades. Vinte anos depois, ainda que as igrejas evangélicas tenham proliferado pelas favelas e conjuntos habitacionais das periferias, naquelas paisagens urbanas também é bastante significativo o aumento de famílias plurirreligiosas. Em uma mesma família não é raro encontrar pertencimentos religiosos diferentes entre gerações e no interior de uma mesma geração.

Lembro sempre de “Males e Malefícios do discurso pentecostal” quando analiso as trajetórias de jovens que transitam entre igrejas evangélicas (pentecostais e neopentecostais) e terreiros de umbanda e candomblé. Sem recorrer às dicotomias que separam religiões e cosmologias, no atual “campo de possibilidades”4 religiosas registram-se histórias de jovens filhos de pais evangélicos que se iniciam em religiões de matriz africana após assumirem politicamente sua “ancestralidade negra”, bem como registram-se histórias de jovens evangélicos que convivem amorosamente com suas avós/mães “de santo”, ainda que seus pastores digam que é o diabo que se manifesta nos terreiros que elas frequentam (Novaes 2018).

Essa última possibilidade se evidenciou na experiência de alguns jovens evangélicos pentecostais das camadas populares que tenho entrevistado buscando compreender mudanças na socialização e sociabilidade em famílias multirreligiosas. O que pude observar foi uma convivência religiosa baseada em laços afetivos no curso da vida privada. Se tal convivência não se faz necessariamente em nome da “valorização da pluralidade religiosa”, ela também não expressa a “intolerância religiosa” que - muitas vezes de forma violenta - tem se manifestado no espaço público. Sendo assim, ambas as dimensões da vida social precisam ser consideradas e cotejadas.

Contudo, para pensar como certas mudanças no campo religioso interferem na (re)construção das relações entre cordialidade e violência, no mutante - e cada vez mais disputado - imaginário da nação, é preciso ampliar a reflexão trazendo outros atores, situando disputas e cenários nacionais e internacionais. É a busca dessa ampliação que veremos nos dois outros artigos de Patricia Birman que examinaremos a seguir.

Imagens religiosas e Projetos de Futuro: o que dizer de um Brasil que exporta pastores, crenças e rituais?

O texto de Patricia Birman intitulado “Imagens religiosas e projetos para o futuro” foi publicado no ano de 2003, na coletânea Religião e Espaço Público, organizada pela própria autora. O livro reúne um conjunto de contribuições de pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e nele, como se pode observar no seu índice, são muitos os artigos que tratam da presença dos evangélicos (sobretudo classificados como pentecostais e neopentecostais) no espaço público do “maior país católico do mundo”, em particular, na cidade do Rio de Janeiro cuja paisagem é fortemente marcada pela imagem do Cristo Redentor (Cf. Birman 2003a).

Em seu artigo, Birman nos lembra que, em 1990, a IURD inaugurou o primeiro canal de TV “evangélico” no país. Lembra também que, já naquela época, evangélicos ocupavam “com seus eventos e atores públicos, lugares de grande poder comunicativo na sociedade”, emergindo assim como “personagens e espetáculos político-religiosos marcados por uma íntima conexão com a mídia.” Segundo a autora, tal presença espetacularizada na mídia resultou em uma nova e generalizada percepção sobre “quem ‘somos nós’, os ‘brasileiros’ historicamente considerados em narrativas que privilegiam nossa catolicidade essencial” (Birman 2003b:236).

Para a autora, a IURD estaria oferecendo aos seus fiéis um outro imaginário social nacional. Ao invés de cultivar vínculos entre pobreza, religião e tradicionalismo, busca desfazê-los. Indivíduos pobres e “territorializados”, submetidos à exclusão social e todas as formas de violência, encontram na IURD uma “saída” que os tornava mais adequados ao mundo nacional e transnacional. Tal espaço mediático estava fornecendo aos fiéis os meios reais e imaginários para que se conectassem com uma outra fonte de pertencimento identitário que se constituía em oposição ao “pertencimento comunitário submetido às regras de um gueto violento cerceado pelo crime e pela presença do tráfico de drogas” (Birman 2003b:253).

Ou seja: a inclusão dessa vertente religiosa (até então exterior) à imagem nacional dominante estaria “alterando a consciência religiosa do país e o imaginário da nação”. Nesse novo imaginário, “emerge uma nação violenta, atravessada por conflitos sociais e morais cuja pacificação se fará pela integração progressiva de todos em um projeto de base autoritária que tem na mobilidade ascendente dos ‘homens de Deus’, seu valor maior”. Dessa maneira, conclui a autora, projeta-se para o futuro “uma nação de empreendedores, de vencedores, de cristãos” (Birman 2003b:237).

Em oposição ao ethos católico da pobreza e em oposição aos crentes de outras denominações marcados pela autocontenção, apresentando-se com viés triunfalista e com pretensão hegemônica, a IURD foi construindo “uma imagem da religião associada à riqueza, à opulência, ao cosmopolitismo e à globalização” (Birman 2003b:242).

Segundo a autora, agindo no interior de um mapa que está longe de ser local ou mesmo nacional, “os pastores são representados pela Igreja como aqueles que podem frequentar essa extensão do mundo [...] através de territórios conquistados pela Igreja, ou em vias de conquista, onde terá novas filiais” (Birman 2003b:246). Ao voltar, voltam como “vencedores”.

Nesse cenário, entre as estratégias rituais e midiáticas mencionadas que foram acionadas pela IURD para dar conta de sua empreitada, Patricia destaca a construção de uma visão da nação a partir da integração em um espaço transnacional.5 Como exemplos, surgem as multidões que lotaram o estádio de futebol do Belenenses em Lisboa, capital portuguesa, os registros no Jornal da IURD que destacam a presença da Igreja no Japão, em Cabo Verde, na África, na França etc.

Entre as referências internacionais, Israel tem destaque. Após uma rica descrição da cerimônia/espetáculo “Fogueira de Israel”, a autora lembra também que, em 1997, a IURD levou 2300 fiéis de todo o mundo à Jerusalém. Vale lembrar ainda do Bispo Marcelo Crivella (no início cantor gospel e missionário),6 que, após retornar da África, dedicou-se à Fazenda Nova Canãa, na Bahia, cujo projeto de irrigação foi inspirado no modelo kibutz de Israel, tornando-se um cartão de visitas da ação social da IURD.

Ao destacar as relações da IURD com Israel, o artigo de Patricia antevê repercussões futuras de um movimento internacional hoje conhecido como “sionismo cristão”. Segundo Machado, Mariz e Carranza (2023:211), “‘sionismo cristão’ é a denominação utilizada para designar grupos cristãos evangélicos que apoiam os discursos e a atuação política em prol do fortalecimento e da ampliação territorial do Estado de Israel”. As mesmas autoras esclarecem que esse movimento, existente desde os anos de 1920 nos Estados Unidos e em alguns países europeus, não era, naquela época, observado no Sul Global.

No Brasil, foi a partir dos anos de 1960 que as ideias sionistas foram se difundindo em certos meios evangélicos. Mas foi só no final dos anos de 1990 que “se passou a observar crescente interesse por Israel, ora associado ao imaginário bíblico, ora como exemplo de prosperidade divina, ora na apropriação de uma estética judaica” em algumas igrejas evangélicas, com destaque para a IURD (Machado, Mariz & Carranza 2023:212).

A sincronização temporal entre as referências a Israel no artigo de Patricia e a notícia da difusão do sionismo cristão, também no final dos anos de 1990, pode ajudar a entender o que se passou no Brasil nas décadas seguintes. Com essa perspectiva, pode-se dizer que o ativismo “sionista cristão” esteve presente na coligação que, em 2018, elegeu Jair Bolsonaro à presidência da República (envolvendo liberais, militares, setores conservadores católicos, judeus e certamente evangélicos conservadores). Entretanto, ainda faltam análises mais aprofundadas para saber o quanto a dimensão religiosa pesou (e/ou pesará) na conformação de um conjunto de forças políticas que vem sendo chamada de “nova direita mundial”.7

Nesse cenário de confluências transnacionais, o que significa dizer que a IURD é uma denominação “genuinamente brasileira”? Como Patricia Birman parece sugerir, na história da IURD pesou seu começo ter sido no Brasil e - mais particularmente - no Rio de Janeiro onde a chamada “violência urbana” ganhava cada vez mais espaço na agenda pública.

Segundo a autora, presente e futuro não seriam os mesmos se essa denominação “neopentecostal” não tivesse recursos rituais e simbólicos para se inserir em territórios urbanos disruptivos e violentos. Territórios onde, sobretudo a partir dos anos de 1990, já havia cada vez menos espaço para a versão da “cordialidade da grande nação católica” e cada vez mais explicitação de diferentes formas de violência.

Sobre o mal à brasileira e o mal-estar que nos acompanha: violência e “cultura da cordialidade”.

Em 2003, Patricia Birman escreveu um artigo intitulado “Sobre o mal à brasileira e o mal-estar que nos acompanha”, iniciando com as seguintes palavras: “gostaria de partilhar com os leitores de hoje do O mal à Brasileira algumas questões que me tocaram ao retomar o seu conjunto de textos” (Birman 2003c:7). Em um primeiro momento, a autora destaca e valoriza as várias tentativas de “objetivação e de relativização” e as “ênfases variadas” presentes no livro. Mas, em seguida, esclarece que, dessa vez, seu ponto de partida é o reconhecimento de que as referências ao mal se encontram indissociavelmente vinculadas à ideia de “violência”.

Naquele início dos anos 2000, o tema da violência tinha se tornado onipresente nos debates políticos e na agenda do poder público. O pano de fundo foi assim descrito pela autora:

Esta situação política e social do Rio de Janeiro parece ser o resultado perverso de um conjunto de fatores entre os quais se encontra a ausência, descompromisso do Estado com os direitos sociais e civis da população e uma cumplicidade de alguns setores e de sua elite econômica e política com diferentes formas de criminalidade associadas ao tráfico e à lavagem de dinheiro (Birman 2003c:9).

Frente ao diagnóstico de que, naquele momento, haveria uma aparente unanimidade quanto ao “mal maior” - a “violência” - que estaria atingindo o Rio de Janeiro, qual o lugar que seria reservado para a atualização da “cultura da cordialidade”?

Para responder essa pergunta, Birman volta à coletânea de 1997 e - entre outros - destaca o artigo de Maria Laura Viveiros de Castro intitulado “Violência e Cordialidade na Cultura Brasileira: o Jogo do Bicho e o Carnaval Carioca”. Como indicado no próprio título, Viveiros de Castro trata violência/cordialidade como faces de uma mesma moeda,

ambas fariam parte do carnaval “tradicional/moderno” que tem sido capaz de criar formas novas de mercantilização, de associação com a mídia, de reforço do poder paternalista e violento dos bicheiros, presente subterraneamente em todos seus espetáculos (Birman 2003c:10).

Em seguida, Patricia nos traz a contribuição de Luiz Eduardo Soares em “Uma interpretação do Brasil para contextualizar a violência”, artigo publicado no ano 2000, onde o autor também discorre sobre nossa peculiar mistura entre “moderno” e “tradicional” cujo efeito seria uma forma específica de violência. De acordo com Soares,

a dupla mensagem hierárquica-individualista provê armas poderosas às elites, permitindo que as divisões socioeconômicas sejam naturalizadas com a linguagem hierárquica, e que se lavem as mãos com a linguagem individualista, em nome do fato de que, afinal, nos termos dessa linguagem, não se deve ser paternalista no mundo igualitário da competição individual (Soares 2000:38 apud Birman 2003c:11).

Por esse ponto de vista, teríamos no Brasil um híbrido que resultaria em um liberalismo-hierárquico.

Considerando as contribuições de Viveiros de Castro (1997) e Soares (2000), e focalizando especificamente no Rio de Janeiro, Patricia chama atenção para o fato de a constante “violência das elites” do país não frequentar os debates públicos nem se mostrar objeto de preocupação a ponto de colocar em xeque a imagem do país cordial. Por outro lado, a “violência” associada aos segmentos populares - facilmente identificada com a criminalidade - tinha (e tem) grande destaque na mídia. Sendo assim, seriam os segmentos populares que - por diferentes causas - estariam promovendo uma ruptura unilateral com a sociedade e suas regras. E, por isso mesmo, não poderiam ser “os beneficiários felizes da cultura da cordialidade”.

Em resumo, temos a seguinte oposição: elites/cordialidade X segmentos populares/violência. Nesse quadro, qual seria a postura da elite intelectual, particularmente dos cientistas sociais? Birman recorre a Luiz Eduardo Soares para responder essa questão. Segundo esse autor, o cientista social

não usa a flexibilidade que a dupla mensagem cultural lhe proporciona para justificar iniquidades e lavar as mãos. Faz exatamente o inverso: recorrendo à sensibilidade hierárquica, não foge à culpa e à responsabilidade, ao menos idealmente [...] (Soares 2000 apud Birman 2003c:15).

“Idealmente”, sem dúvida. Contudo, segundo Birman, “como membros privilegiados desta sociedade”, os estudiosos não estão livres de “naturalizar” as “relações de violência” que atingem a integridade desse “outro” pesquisado.

Em seguida, a autora lembra que naquele momento os cientistas sociais do Rio de Janeiro, em “sua grande maioria”, faziam parte das camadas médias da sociedade. Sendo assim suas experiências com a violência eram muito diferentes das experiências das classes populares. Os estudiosos, geralmente moradores do asfalto, também poderiam se identificar como “vítimas possíveis de assaltos, sequestros, balas perdidas” e demais manifestações da “violência urbana”, territorialmente atribuída às favelas. E a autora conclui: no Rio de Janeiro, a questão da violência interpela pessoalmente os seus intelectuais.

Passadas duas décadas, não há como negar que os resultados de pesquisas e o esforço de objetivação e de relativização de alguns cientistas sociais, desde os anos de 1990, têm contribuído para fortalecer argumentos que questionam a aproximação entre pobreza e criminalidade, além de questionar o medo e a insegurança em relação aos segmentos populares.

Porém, como Patricia afirmou, a evidente distância (geográfica e social) entre pesquisadores e seus objetos de estudo tornava-se uma “variável” que deveria ser levada em conta na análise sobre os sentidos e os efeitos da “violência urbana”. Mais de vinte anos depois, o que dizer sobre essa “variável”? Qual seria a importância da composição social dos pesquisadores para a compreensão das tensões entre cordialidade e violência presentes nas disputas pelas imagens da nação?

Hoje, entre os cientistas sociais que são interpelados pela violência no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, é evidente uma maior diversificação de trajetórias em termos de raça, classe, religião e de local de moradia. Para compreender o processo de mudanças que contribuiu para a alteração no perfil desses estudiosos, voltemos ao referido artigo de Patricia. Depois de reconhecer as tensões presentes naqueles anos entre “ser morador/a da cidade” e “ser estudioso da violência urbana” no Rio de Janeiro, a autora chamou a atenção para a existência de um conjunto de iniciativas que, na mesma época, buscavam dar conta de “movimentos de favela, dos trabalhos de ongs voltadas para a “cidadania”, estratégias político-religiosas orientadas para construção de um “outro lugar” de manifestações identitárias e políticas”, bem como dar conta de “associações musicais, artísticas e religiosas se estruturam por outras premissas culturais” (Birman 2003c:18).

Olhando agora para esses anos, não há como não lembrar do Rap da Felicidade, escrito em 1995 por MC Cidinho & Doca, que inicia assim: “Eu só quero é ser feliz/. Andar tranquilamente na favela onde eu nasci/ E poder me orgulhar/E ter a consciência que o pobre tem seu lugar/Fé em Deus, DJ”. E continua: “Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer/Com tanta violência eu sinto medo de viver/Pois moro na favela e sou muito desrespeitado/A tristeza e a alegria aqui caminham lado a lado/Eu faço uma oração para uma santa protetora/Mas sou interrompido a tiros de metralhadora....”

Descrições como essa, provenientes de expressões artísticas, passaram a compor o “outro lugar” ganhando algum espaço na definição das tensões e possíveis rupturas na equação cordialidade/elites X violência/segmentos populares. Esse cenário de mudanças, no qual Patricia Birman identifica “outras referências culturais”, precisa ser levado em conta para a melhor compreensão do processo de mudança na composição social de jovens que chegam às universidades nos anos 2000, sobretudo nas áreas de comunicação, história e ciências sociais, e se dedicam a pesquisar o “mal-estar que nos acompanha: violência e “cultura da cordialidade”.

De fato, reagindo à criminalização das favelas e de seus moradores, convivendo com diferentes expressões artísticas de resistência (sobretudo o funk e o hip hop), e se beneficiando de certas políticas de inclusão educacional, uma parcela de jovens composta por negros/as, mulheres, evangélicos, moradores de favelas e periferias chegou à universidade.

Cientistas sociais “crias das favelas e periferias” poderão lançar mão de suas próprias experiências para desvendar velhas e novas dinâmicas sociais de cordialidade e de violência em seus territórios urbanos de origem? Jovens cientistas sociais oriundos de lares evangélicos poderão trazer novas perspectivas para analisar as mudanças na chamada “cultura católica brasileira”? O que já se pode observar é que existe no Brasil de hoje uma parcela de jovens cientistas sociais que está testando sua capacidade de desnaturalizar representações correntes a seu respeito e, ao mesmo tempo, produzir e impor representações (mentais, verbais, gráficas ou teatrais) sobre seus territórios.

Nesse contexto, não há como não desnaturalizar a “fábula das três raças” e o “mito da democracia racial”. Ou seja, tornaram-se mais amplas e diversificadas as fontes de interpretação do “mal à brasileira”. Com essa perspectiva, o texto de Patricia Birman nos instiga a refletir sobre como e até que ponto as mudanças no meio universitário poderão repercutir nas análises dos “estudiosos da violência” no Rio de Janeiro. O que, direta ou indiretamente, não será sem consequências para as disputas futuras pelo imaginário nacional.

Nota final (ou sobre contribuições e questionamentos que ultrapassaram as conjunturas).

Na introdução do livro Religião e Espaço Público, Patricia Birman afirmou a importância de “explorar o religioso como um aspecto, um componente importante, ou mesmo fundamental, de vários processos sociais e políticos que ocorrem hoje em nosso país” (Birman 2003a:11).

Hoje, após duas décadas marcadas por significativas mudanças no campo religioso, polarização política e recrudescimento da violência na sociedade brasileira e, especialmente, no Rio de Janeiro (onde à polícia e ao tráfico soma-se hoje a evidente expansão das milícias), por que retomar esses três textos de Patricia Birman? Muitas e elaboradas respostas poderiam ser dadas para essa pergunta, mas aqui destacarei apenas duas dimensões que já foram tratadas no decorrer do presente artigo.

Por um lado, é importante ressaltar que os referidos textos não economizam na explicitação de tensões que rondam seus “objetos de estudo”. Isso acontece quando se assume “o ato quase herético” de anunciar princípios cosmológicos - que fundam práticas mágicas - presentes também no universo protestante que, por sua vez, se renova através do contato com concepções correntes sobre “o mal e sobre os espíritos de possessão presentes em nossas sociedades”.

Tal “renovação” - ou imbricamento - pode ajudar a compreender hoje a convivência em famílias plurirreligiosas, bem como os trânsitos religiosos após experiências de conversão. E, talvez, possa ajudar também a pensar a questão da “cordialidade” para além do Brasil católico descrito por Sérgio Buarque de Holanda em 1936. Tal livro, que em segunda edição ganhou um novo capítulo intitulado “O homem cordial”, tem presença obrigatória nos debates atuais “sobre nosso resistente déficit republicano e sobre nossa secular incapacidade de separar vida pública de vida privada (Cf. Buarque de Holanda 2014). Porém, como cordialidade vem de “core”, de coração, pode-se perguntar até que ponto essa clássica referência poderia nos ajudar a pensar hoje o lugar do afeto na convivência em famílias plurirreligiosas, no âmbito da casa, do cotidiano, da vida privada.

Por outro lado, os textos de Patricia Birman aqui apresentados nos remetem ao espaço público, ao lugar da religião no “imaginário da nação”. Sua constatação de que a IURD, opondo-se a um ethos católico da pobreza, estava construindo “uma imagem da religião associada à riqueza, à opulência, ao cosmopolitismo e à globalização” pode soar hoje como uma espécie de “profetismo antropológico”.

Naquele momento, não estavam evidentes os vasos comunicantes entre a Teologia da Prosperidade (primeiramente disseminada no Brasil pela IURD), o chamado “sionismo cristão” (anteriormente citado) e a “teologia do domínio” (que, a partir de berço norte americano, se espalhou internacionalmente como caminho de conquista de poder espiritual para se contrapor ao “mal” instalado no mundo).

Pode-se dizer que tais vertentes se complementam e têm em comum a adoção de trechos isolados do Antigo Testamento originalmente dirigidos aos israelitas. Sendo assim, não há como não lembrar o texto de Birman (2003c) que já se referia à “Fogueira de Israel”, como invenção ritual, bem como já registrava como dignas de análise as caravanas de fiéis em direção à Israel promovidas pela IURD. Entretanto, ainda é importante compreender por que hoje a evocação a Israel não se restringe à IURD e a outras denominações neopentecostais mas também se faz presente entre fiéis de denominações históricas e pentecostais bem mais antigas, bem como em uma parcela católica que empunhou a bandeira de Israel em manifestação pública recente.

Posto esse cenário, o desafio é compreender a ampliação do lugar da religião nas disputas políticas atuais no mundo ocidental, que historicamente se pretendeu republicano e laico. Hoje, é inegável que o movimento constitutivo da “nova direita” mundial evidencia uma forte convergência entre posicionamentos políticos conservadores e militância religiosa, principalmente evangélica. Contudo, ao mesmo tempo, é preciso ressaltar que tal convergência também tem provocado reações e reconfigurações de diferentes grupos que compõem a “esquerda evangélica”, como bem demonstram as instigantes entrevistas realizadas por Vital da Cunha e Moura (2022) com evangélicos/as brasileiros/as de diferentes gerações.

Existem evangélicos/as de diferentes idades e denominações remando contra a corrente. Entre os/as mais jovens, vale destacar a presença do grupo Novas Narrativas Evangélicas que, em 2021, surgiu como uma comunidade/plataforma de reconhecimento e afirmação da pluralidade evangélica”. O Novas (como é conhecido) se define como “antifundamentalista”, pela defesa dos direitos humanos e pela articulação entre a fé evangélica com os principais desafios sociais do Brasil, pelo estado laico.8

A presença dessas vozes dissonantes sugere a urgência da reflexão sobre as repercussões do aumento da diversidade religiosa, racial, sexual e de origem de classe existente hoje não só entre uma nova geração de cientistas sociais, mas também entre jovens evangélicos/as que - tensionando o poder em suas igrejas de origem, fundando novas denominações ou definindo-se como “desigrejados” - atuam religiosamente motivados no espaço público.

Interessante notar que, nesses espaços de resistência, ao se posicionar sobre a oposição entre “teologia do domínio” e “estado laico”, direta ou indiretamente, discute-se o binômio cordialidade/violência no Brasil do século XXI. O que por si só revela a importância de revisitar os textos de Patricia Birman que ultrapassam as conjunturas nos quais foram escritos. A autora - por meio de cuidadosas pesquisas de campo e fina capacidade analítica - nos mostra como se movem as fronteiras e como são diversas as requalificações do “mal” que expressam alianças e disputas religiosas e políticas.

Por esses e por muitos outros motivos, tenho a honra e o prazer de participar dessa homenagem a Patricia Birman. E, vinte e cinco anos depois, aproveito a oportunidade para sugerir que ela lidere uma nova rodada de escutas que nos permita refletir sobre as representações do “mal” à brasileira entre gerações e que possa ampliar nossa compreensão sobre conturbado contexto internacional do século XXI.

Bibliografia

  • BIRMAN, Patricia; NOVAES, Regina & CRESPO, Samira. (orgs.) (1997), O mal à brasileira Rio de Janeiro Ed UERJ.
  • BIRMAN, Patricia. (1997), “Males e Malefícios no Discurso Neopentecostal”. In: P. Birman et al. (Orgs). O mal à brasileira . Rio de Janeiro: EdUERJ.
  • BIRMAN, Patricia (org.). (2003a), Religião e espaço público Rio de Janeiro: CNPq/Pronex Attar editorial.
  • BIRMAN, Patricia. (2003b), “Imagens religiosas e projetos de futuro”. In: P. Birman (org.). Religião e espaço público . Rio de Janeiro: CNPq/Pronex Attar editorial .
  • BIRMAN, Patricia. (2003c), “Sobre O mal à brasileira e o mal-estar que nos acompanha”. Revista Debates do NER, ano 4, nº 4.
  • BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (2014). Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
  • CAPLAN, Lionel. (1994), “The Popular Culture of evil in Urban South India in Parkin”. In: D. Parkin (org.). The Anthropology of Evil Cambridge: Basil Blackwell.
  • MACHADO, Maria das Dores Campos; MARIZ, Cecília & CARRANZA, Brenda. (2023), “Sionismo Cristão”. In: L. Reis et al. (org). Dicionário para entender o Campo Religioso , vol.1. Rio de Janeiro: ISER.
  • MARIZ, Cecília. (1997), “O Demônio e os pentecostais no Brasil”. In: P. Birman et al. (Orgs). O mal à brasileira . Rio de Janeiro: EdUERJ .
  • MARIZ, Cecília. (1999), “A teologia da batalha espiritual: uma revisão bibliográfica”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais (BIB), nº 47.
  • MELLO E SOUZA, Laura. (1986), O diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial São Paulo: Companhia das Letras .
  • NOVAES, Regina. (2018), “Juventude e religião, sinais do tempo experimentado”. Revista Interseções vol. 20 nº 2: 351-368.
  • OVERING, Joanna. (1994), O xamã como construtor de mundos: Nelson Goodman na Amazonia Ideias, Campinas.
  • SANCHIS, Pierre. (1992). O repto Pentecostal à Cultura “Católica Brasileira”. Caxambu: XVII Reunião da ANPOCS, mimeo.
  • SOARES, Luiz Eduardo. (2000). “Uma interpretação do Brasil para contextualizar a violência” em C. A. M. Pereira et al. (org.). Linguagens da Violência Rio de Janeiro, Ed Rocco.
  • SOUTO MAIOR, Mário. (1975) Território da Danação: o Diabo na Cultura Popular do Nordeste Rio de Janeiro: Editora Livraria São José.
  • VELHO, Gilberto (1994), Projeto e Metamorfose. Antropologia das Sociedades Complexas Rio de Janeiro: Zahar.
  • VITAL DA CUNHA, Christina & MOURA, João Luiz (orgs.) (2022). Evangélicos à Esquerda no Brasil Comunicações do ISER, nº 74.
  • VIVEIROS DE CASTRO,Maria Laura . (1997), “Violência e Cordialidade na Cultura Brasileira: o Jogo do Bicho e o Carnaval Carioca”. In: P. Birman et al. (Orgs). O mal à brasileira . Rio de Janeiro: EdUERJ .
  • 1
    Este artigo é uma versão do texto apresentado em 4 de dezembro de 2023, no ciclo de debates “Ciências Sociais na UERJ: Temas, Trajetórias e Perspectivas”, realizado em homenagem a Patricia Birman pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/UERJ).
  • 2
    Souto Maior (1975) registrou 99 locuções e 105 nomes para o diabo presentes na cultura popular do Nordeste brasileiro.
  • 3
    No mesmo livro vale ler o artigo de Cecília Mariz (1997) onde a autora sugere que a concepção de demônio no pentecostalismo rompe com a concepção do mal e da ética nas tradições religiosas dominantes no Brasil. Para um balanço crítico da bibliografia sobre o mesmo tema, ver também Mariz (1999).
  • 4
    Como afirma Gilberto Velho, “para lidar com o viés racionalista, com ênfase na consciência individual, auxilia-nos a noção de campo de possibilidades como dimensão sociocultural, espaço para formulação de projetos (...) as noções de projeto e campo de possibilidades podem ajudar na análise de trajetórias e biografias enquanto sócio-histórico, sem esvaziá-las arbitrariamente de suas particularidades e singularidades” (Velho 1994:40).
  • 5
    No decorrer de seu texto, Birman (2003a) cita as contribuições de vários autores que se debruçaram e analisaram o fenômeno neopentecostal, particularmente a IURD. Não é o caso repeti-las aqui.
  • 6
    O Bispo Marcelo Crivella posteriormente entrou no mundo político sendo senador, Ministro da Pesca e Prefeito do Rio de Janeiro (2017-2020). Sua trajetória exemplifica bem as confluências da IURD com o clientelismo e fisiologismo da cultura política brasileira.
  • 7
    Atualmente, para explicar a presença mundial de grupos evangélicos nas disputas políticas que compõem a esfera pública, à expansão do “sionismo cristão” soma-se a disseminação da “teologia do domínio”. Nessa vertente teológica, também de berço norte-americano, enfatiza-se um projeto de ocupação de espaços políticos visando a redução do caráter laico dos governos.
  • 8
    Cf. Novas Narrativas Evangélicas. Disponível em: https://novasnarrativasevangelicas. Acesso em 11/03/2024.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2024
  • Aceito
    04 Abr 2024
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