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Empreendedorismo, crise e reprodução do capital: mediações histórico-concretas

Entrepreneurship, crisis and reproduction of capital: historical-concrete mediations

Resumo:

Este artigo se propõe discutir as mediações histórico-concretas do empreendedorismo e a sua relação com o Serviço Social brasileiro, tendo como fio condutor a teoria marxiana da crise. Argumentamos que o incentivo ideopolítico ao empreendedorismo tem vínculo estrutural com a precarização do trabalho, potencializada no cenário da crise contemporânea, sob hegemonia rentista. Essa tendência se manifesta na esfera da reprodução do capital e, de modo inequívoco, nas instituições e nos espaços sócio-ocupacionais onde atuam as(os) assistentes sociais.

Palavras-chave:
Empreendedorismo; Crise; Reprodução do capital; Serviço Social

Abstract:

This article aims to discuss the historical-concrete mediations of entrepreneurship and its relationship with Brazilian Social Service, using the Marxian theory of crisis as its guiding thread. We argue that the ideological-political incentive for entrepreneurship has a structural link with the precariousness of work, heightened in the context of the contemporary crisis, under rentier hegemony. This tendency manifests itself in the sphere of capital reproduction and, unequivocally, in the institutions and socio-occupational spaces where social workers work.

Keywords:
Entrepreneurship; Crisis; Reproduction of capital; Social Service

Introdução

A crise contemporânea é portadora de determinações que aceleram em grande magnitude a reprodução ampliada do capital, na medida em que repõe o exército industrial de reserva, do qual o capital necessita para se reproduzir. Tais determinações possibilitam a vinculação de múltiplas faces da informalidade em função das necessidades da acumulação. Para além dos nexos que conectam o empreendedorismo à produção capitalista, nos dedicamos a refletir sobre as suas implicações ideopolíticas, em um estágio de profundas transformações na dinâmica de reprodução do capital e, consequentemente, nas modalidades de intervenção estatal. Este artigo contempla sínteses analíticas suscitadas por ocasião da nossa pesquisa doutoral1 1 Trata-se da tese intitulada Crise e reprodução do capital na contemporaneidade: uma crítica ao fenômeno do empreendedorismo (2024), sob orientação do professor Dr. Marcelo Braz Moraes dos Reis, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/RN, Brasil. e se propõe analisar as inflexões do empreendedorismo no trabalho profissional dos/das assistentes sociais,2 2 No relatório final da Plenária Nacional do Conjunto CFESS/CRESS-2020, intitulado: “TIC: novas tecnologias para a velha exploração do trabalho”, responsável por estabelecer as propostas para o triênio 2020-2023, a entidade estabeleceu como eixo de reflexão temas como a “pejotização”, a terceirização, o empreendedorismo, TICs, entre outros. Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/Relatorio-final-plenariaNacionalcfesscress2020.pdf. problematizando suas mediações, a partir da teoria da crise em Marx.

Nas últimas décadas, particularmente, no decênio após a deflagração da crise do subprime de 2008, o Estado brasileiro vem demonstrando papel ativo na incorporação da ideologia do empreendedorismo nos conteúdos e nas práticas governamentais, desenvolvendo instrumentos jurídico-normativos em parceria com bancos e instituições midiáticas, paralelamente à desregulamentação das leis de proteção social e trabalhista. Como suposta alternativa aos vínculos formais e celetistas,3 3 Referem-se à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, para regular as relações de trabalho no Brasil. a tendência ao trabalho “autônomo” tem comparecido em diversos espaços sócio-ocupacionais. A rigor, essa tendência foi amplamente oportunizada pelas novas condições de desenvolvimento das forças produtivas, com destaque ao incremento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

Sustentamos a hipótese de que os mecanismos desenvolvidos como estratégia de saída da crise respondem, nas circunstâncias atuais, a uma disputa ideopolítica por uma massa de trabalhadores, que constituem base necessária ao atendimento das necessidades de reprodução do capital, sob a dominância financeira. Esse contingente de trabalhadores que atua na esfera da circulação de mercadorias e de serviços, lócus privilegiado de valorização do capital, avoluma as estatísticas de trabalho por conta própria,4 4 Esta é a modalidade de trabalho que mais cresce no Brasil, de acordo com a PNAD Contínua (2023), o número de trabalhadores por conta própria alcançou 25,6 milhões de pessoas, no último trimestre, contribuindo para a redução da taxa de informalidade. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-11/pela-1a-vez-brasil-tem-mais-de-100-milhoes-de-trabalhadoresocupados. Acesso em: 7 mar. 2024. especialmente, nos países de economia periférica e dependente, como é o caso brasileiro. Partindo da perspectiva teórica que orienta a nossa análise, trata-se de uma nova determinação do que Engels (1843-1844), originalmente, denominou exército industrial de reserva. A análise das mediações que conectam empreendedorismo e crise exige, contudo, atenção às modificações do modo de produzir e de se reproduzir do capitalismo na contemporaneidade, bem como suas formas de controle e de mistificação da exploração da força de trabalho.

O artigo abordará os seguintes eixos temáticos: (1) De trabalhador a empreendedor: “autonomia” ou necessidade de reprodução do capital?; (2) Empreendedorismo como saída da crise: a nova ofensiva do capital contra o trabalho no pós-2008; (3) Empreendedorismo, crise e reprodução do capital: mediações histórico-concretas para pensar o Serviço Social; Metodologicamente, buscamos recuperar categorias marxianas centrais à análise da crise do capital, a saber: reprodução do capital, capital fictício, exército industrial de reserva e valor, além de algumas teses do debate marxista contemporâneo, que serão auxiliadas por dados sobre a temática, a partir de relatórios da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2020), da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD, 2020) e do Portal do Empreendedor (2020).

1. De trabalhador a empreendedor: “autonomia” ou necessidade de reprodução do capital?

Na área das Ciências Sociais, da Administração e da Economia, predominantemente, distintas correntes de pensamento são utilizadas para conceituar o empreendedorismo e analisar a sua função ao desenvolvimento capitalista. Na referida literatura, o pensamento econômico do liberal austríaco Joseph Schumpeter é tomado como referência fundante. No livro Capitalismo, socialismo e democracia (2017SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Fundação Editora Unesp, 2017.), abertamente contrário às formulações marxianas, e tendo como referência analítica a Grande Depressão de 1929, o economista afirmava que as crises oportunizariam aos empresários o investimento na capacidade criativa, incrementando as suas forças produtivas, criando novos mercados, tecnologias e meios de acesso aos bens de consumo.

Na perspectiva schumpeteriana, a figura do “empreendedor” se apresenta, portanto, como o indivíduo (potencial empresário)5 5 “Chamamos ‘empreendimento’ a realização de combinações novas; chamamos ‘empresários’ aos indivíduos cuja função é realizá-las [...] chamamos ‘empresários’ não apenas aos homens de negócios ‘independentes’ em uma economia de trocas, que de modo geral são assim designados, mas todos que de fato preenchem a função pela qual definimos o conceito” (Schumpeter, 1997, p. que se dispõe de habilidades e competências técnicas e subjetivas funcionais a um desenvolvimento econômico contínuo, “impulso fundamental que põe e mantém em movimento a máquina capitalista” (Schumpeter, 2017SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Fundação Editora Unesp, 2017., p. 119). Em tempos de crise, de acordo com o economista, “sobreviveriam” apenas os empreendedores capazes de inovar, processo que denominou destruição criativa. Essa inovação levaria, supostamente, a níveis crescentes de bem-estar social.

Trata-se de uma interpretação distinta do modo como o empreendedorismo é tomado ideologicamente na contemporaneidade, frequentemente atribuído a atividades da classe trabalhadora. Em termos de Brasil, por exemplo, argumenta-se a inadequada utilização do termo empreendedorismo para se referir a qualquer iniciativa de trabalho por conta própria, sem considerar suas naturezas distintas e suas limitações objetivas, conforme analisa Abílio (2021ABÍLIO, L. Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado. Revista Sociologia Contemporânea, v. 11, n. 3 p. 933-955, set./dez. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2019/11/ARTIGO-L-C-ABILIO.pdf . Acesso em: 3 dez. 2022.
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). A autora toma como exemplo o caso da empresa Uber, que convoca o motorista a ser “seu próprio chefe”, quando a realidade evidencia, por exemplo, que muitos desses trabalhadores não possuem meios mínimos de trabalho (carro, moto, bicicleta etc.), tendo muitas vezes de recorrer a empréstimos e/ou aluguéis desses meios para trabalhar.

No capitalismo contemporâneo, as distintas práticas empreendedoras6 6 Indicamos o livro Para além da prática empreendedora no capitalismo brasileiro, de autoria da pesquisadora Janaynna Ferraz (2020), que oferece uma profícua contribuição à crítica do empreendedorismo, a partir da economia política marxiana. são reeditadas como tendência do novo padrão de acumulação, inspirado nos receituários políticos e ideológicos definidos no Consenso de Washington.7 7 O Consenso de Washington foi um conjunto de medidas formuladas em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington, como o FMI e o Banco Mundial, e que se tornaram oficiais quando passaram ser “receitadas” para promover o “ajustamento macroeconômico” dos países em desenvolvimento. Especialmente nos países latino-americanos, ganha visibilidade o fenômeno da precarização estrutural do trabalho. Diferentemente da histórica precarização da classe trabalhadora, tal como conhecemos, trata-se de um novo conteúdo que a define ainda mais mundializada e generalizada. De acordo com dados da OIT,8 8 De acordo com as estimativas da OIT, o trabalho informal é a fonte de renda para muitos lares na América Latina e no Caribe, onde a taxa média de informalidade é de aproximadamente 54%. Disponível em: https://www.cepal.org/es/publicaciones/45557-coyuntura-laboral-america-latina-caribe-trabajo-tiempos-pandemia-desafios frente. Acesso em: 16 jun. 2020. em apenas um ano da deflagração da crise do subprime nos Estados Unidos, em 2008, estimou-se um acréscimo de quase 40 milhões de desempregados no mundo, chegando a um total de 230 milhões, sendo a maior parte deles jovens e mulheres da América Latina e do Caribe, conforme indicadores apresentados por Druck (2013DRUCK, G. A precarização social do trabalho no Brasil. In: ANTUNES, R.; BASSO, P. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013.). Ainda que essa tendência assuma conotações particulares no decênio pós-2008, ela tem como marco histórico a crise do padrão fordista de acumulação a partir de 1974/1975 e das políticas de ajuste neoliberal que ganham força neste contexto.

No Brasil, o alargamento desses índices soma-se à potencialização do quadro de subutilização e informalização da força de trabalho, especialmente no período de crise agravada pela pandemia.9 9 Indicamos a coletânea intitulada Trabalho e pandemia: informalidade, precarização e suas múltiplas relações, organizado por Roberto Véras de Oliveira e Ari Rocha da Silva (2021). Sob o mote da crise, programas governamentais, bancos e organismos privados fortalecem parcerias junto aos aparelhos midiáticos, em função da divulgação de experiências empreendedoras exitosas, mediando o acesso a crédito e a cursos oferecidos por instituições de fomento, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Importante sinalizar que em determinadas modalidades de trabalho por conta própria, tornar-se “autônomo” significa sair dos índices da informalidade e do desemprego,10 10 De acordo com a PNAD, “a taxa de informalidade - soma dos trabalhadores sem carteira, trabalhadores domésticos sem carteira, empregador sem CNPJ, conta própria sem CNPJ e trabalhador familiar auxiliar”. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26913-desemprego-cai-em-16-estados-em-2019-mas-20-tem-informalidade-recorde. Acesso em: 20 jun 2021. uma vez que promove a transfiguração de pessoa física em pessoa jurídica,11 11 Trata-se da chamada pejotização, uma nova modalidade de terceirização que surge nos anos 2000, a partir da regulamentação da transformação dos trabalhadores em microempresas individuais ou Pessoa Jurídica (PJ), modalidade que tende a transferir para os trabalhadores os custos da responsabilidade social, legal e econômica da atividade. cumprindo função à ocultação do quadro de desmonte da legislação social e trabalhista. Podemos tomar como exemplo a implementação do Programa Microempreendedor Individual (PMEI), instituído em nível federal no ano de 2008,12 12 Regulamentada pelo governo Lula, a Lei Complementar n. 128/2008, que alterou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar n. 123/2006), cria a figura do Microempreendedor Individual. Disponível em: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/legislacao. Acesso em: 15 set. 2020. que representa hoje uma das principais estratégias de enfrentamento ao desemprego e à informalidade no país. O que aparece como possibilidade de formalização representa, no entanto, a regulamentação da informalidade, não possibilitando a sua superação concreta, conforme avaliam Valentim e Peruzzo (2018VALENTIM, E.; PERUZZO, J. O empreendedorismo nas políticas de trabalho e geração de renda. Argumentum, Vitória: Ufes, Programa de Pós-graduação em Serviço Social, v. 10, n. 1, p. 261-275, jan./abr. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.periodicos.ufes.br/argumentum/article/download/18362/13204/56188 . Acesso em: 12 mar. 2023.
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). Os dados são incontestes.

Mesmo em condições de pandemia, o Brasil alcançou no final de 2020 recorde no número de registros de MEI, com um total de 11,3 milhões de MEIs ativos, 20% a mais do que no fim de 2019, quando o segmento tinha 9,4 milhões de registros (Portal do Empreendedor, 2020).13 13 Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/numero-de-novos-microempreendedores-individuais-bate-recorde-em-2020/. Acesso em: 24 nov. 2021. No que se refere às condições de renda, o mesmo estudo revela que 53% desses empreendedores viviam com até R$ 1 mil reais por mês ao fim do mesmo ano, segundo pesquisa divulgada pela plataforma MEI Fácil, que registra e avalia o empreendedorismo no Brasil. Ainda segundo a pesquisa, nos últimos meses de 2020, 52% dos empreendedores individuais buscaram auxílio financeiro com parentes e amigos. E apenas um em cada cinco obteve empréstimo com bancos ou instituições financeiras tradicionais, razão pela qual pode ser indicativo da expropriação financeira desses trabalhadores.14 14 De acordo com o Sebrae/PB (2020), com base em dados da Receita Federal, o índice de inadimplência dos microempreendedores individuais na Paraíba sofreu um aumento de quase 15% entre os meses de dezembro de 2019 e maio de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2020/08/07/microempreendedores-atingem-inadimplencia-de-5712percent-na-paraiba-aponta-o-sebrae.ghtml. Acesso em: 14 abr. 2021.

O Serviço Social, assim como outras profissões, também tem sido impactado pela chamada pejotização15 15 Sugerimos acesso aos dados apresentados no Relatório do CFESS (2022). Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cfess.org.br/arquivos/2022Cfess-PerfilAssistentesSociais-Ebook.pdf. Acesso em: 20 abr. 2024. das relações de trabalho, ressalvadas as particularidades em que se inserem os/as profissionais no processo de reprodução do capital, quer seja no âmbito do trabalho profissional, através da prestação de serviços à população, quer seja contribuindo com a formação teórico-prática de discentes e profissionais. No nosso entendimento, o desvelamento acerca do alcance e da materialidade dessa nova tendência exige recurso às mediações histórico-concretas, que já têm sido objeto de discussões.16 16 Ver Relatórios publicados pelo conjunto CFESS/CRES entre 2019-2022. Disponível em: https://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/relatorios-e-deliberacoes-dos-encontros-nacionais. Acesso em: 11 abr. 2024.

Em contrapartida à queda significativa dos vínculos públicos, hegemônicos na profissão, trata-se de uma forma de “burlar a aplicação da legislação trabalhista, expressando um processo mais profundo de desregulamentação das relações de trabalho, que pode se acentuar entre assistentes sociais numa conjuntura de ampliação do desemprego” (CFESS, 2022CFESS. Perfil de assistentes sociais no Brasil: formação, condições de trabalho e exercício profissional. Brasília/DF: CFESS, 2022., p. 109). Podemos tomar como exemplo a ampliação de profissionais autônomos em algumas regiões brasileiras.17 17 De acordo com o Perfil de assistentes sociais no Brasil: formação, condições de trabalho e exercício profissional (CFESS, 2022), eles representam 4,43% da categoria. Dos que possuem como principal vínculo o trabalho autônomo, trata-se de 0,73% da categoria, o equivalente a 321 profissionais, situados predominantemente na região Nordeste.

Para Raichelis (2021RAICHELIS, R. O trabalho no fio da navalha: nova morfologia no Serviço Social em tempos de devastação e pandemia. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, v.140, p. 134-152, jan./abr. 2021.), essa nova metamorfose tende a produzir, paralelamente, uma nova forma de ser do trabalho profissional, seja na alteração das condições e das relações de trabalho nos diferentes espaços sócio-ocupacionais, onde atuam os/as assistentes sociais, seja nas demandas dos trabalhadores assistidos pelos serviços e pelas políticas sociais. Ganha centralidade o crescimento do home office ou teletrabalho, a prestação de serviços, o trabalho intermitente ou terceirizado em substituição aos empregos públicos, as jornadas exaustivas e salários rebaixados (pagos por peça/meta).

No livro Informalidade e precarização do trabalho: a nova trama da produção capitalista,18 18 Trata-se da reedição do livro pioneiro Os fios invisíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabalho, acrescida do capítulo IV: “A autonomia do trabalho em questão”, em que a autora atualiza análises e dados. Maria Augusta Tavares (2021TAVARES, M. A. Informalidade e precarização do trabalho: a nova trama da produção capitalista. São Paulo: Cortez, 2021.), tendo como referência a recente conjuntura brasileira, avalia que essas novas modalidades de trabalho ganham legitimidade com os mecanismos jurídicos utilizados pelo capital, com destaque às alterações feitas na CLT pela última Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017). Na obra, a autora se dedica a descortinar a ideologia do empreendedorismo sob o figurino neoliberal, demonstrando de que forma o chamado trabalho autônomo está subordinado às relações de assalariamento, ainda que as estratégias ideopolíticas queiram obscurecer essa relação e, ao mesmo tempo, negar a centralidade do trabalho e da luta de classes.

Pode-se dizer, portanto, que à medida que cresce o contingente de trabalhadores - leia-se, o exército industrial de reserva como contratendência da crise -, o capital vale-se de mecanismos extraeconômicos para legitimar novas formas de exploração e de extração de mais-valor, garantindo, ao mesmo tempo, a reprodução da força de trabalho sem que o capital precise se preocupar com garantias protetivas.

No artigo “Política social e reprodução da força de trabalho? Um dilema contemporâneo”, o pesquisador Henrique Wellen (2021WELLEN, H. Política social e reprodução da força de trabalho? Um dilema contemporâneo. Argumentum, Vitória, v. 13, n. 1, p. 139-152, jan./abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://ufrn.academia.edu/HenriqueWellen . Acesso em: 25 nov. 2021.
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) problematiza a função do Estado à reprodução da força de trabalho na conjuntura atual, à luz da teoria marxiana do valor. Para o pesquisador, trata-se de estratégias de diminuição do custo de manutenção de vida do trabalhador por parte do capital, que se conecta ao fenômeno da precarização do trabalho. Para Wellen (2021WELLEN, H. Política social e reprodução da força de trabalho? Um dilema contemporâneo. Argumentum, Vitória, v. 13, n. 1, p. 139-152, jan./abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://ufrn.academia.edu/HenriqueWellen . Acesso em: 25 nov. 2021.
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, p. 144), “as crises capitalistas fazem requerer modificações governamentais, exigindo alterações nas características momentâneas desta generalidade capitalista estatal”.

Ou seja, cancelada a relação de compra e venda da força de trabalho - diga-se, a relação de assalariamento -, o capital mobiliza mecanismos político-ideológicos para reforçar a ideia de que os indivíduos devem buscar a satisfação das necessidades privadas no mercado. Trata-se, portanto, de uma relação paradoxal entre política social e reprodução da força de trabalho, que exige apreensão das novas determinações estruturais do capital.

2. Empreendedorismo como saída da crise: a nova ofensiva do capital contra o trabalho no pós-2008

Fazer a classe trabalhadora crer em processos de trabalho individuais e autônomos do processo global de produção capitalista é parte dos discursos e das práticas neoliberais que buscam apagar as contradições existentes e desqualificar a luta de classes no capitalismo contemporâneo. Essa estratégia ideopolítica é problematizada no vastíssimo debate sobre a nova morfologia da classe trabalhadora no Brasil, presente no livro O privilégio da servidão, em que Antunes (2020ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.) aborda distintas faces da informalidade submetidas às relações de assalariamento, sob a forma de não valor.19 19 Destacamos a coletânea de pesquisas presentes no livro Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II, organizado por Ricardo Antunes e Pietro Basso, em que apresentam divergências em relação às teses do filósofo alemão Jürgen Habermas. Também dialoga criticamente com as análises de André Gorz nos livros O imaterial (2003) e Metamorfoses do trabalho (2005). No nosso entendimento, essa nova morfologia relaciona-se aos mecanismos contratendenciais da crise e à sua lógica ininterrupta de reposição do exército industrial de reserva, em níveis crescentes.

A crise contemporânea que começamos a experimentar em meados dos anos 1970, com a queda das taxas de lucro do capital produtivo no mercado internacional, fez requerer do grande capital medidas de ajustes, com vista à reestruturação da economia mundial. Não restam dúvidas de que a produção material continua sendo fonte substancial da criação de valor, contudo, o capital se dispõe de meios variados para a sua valorização em esferas não produtivas. O objetivo é encurtar ao máximo o tempo de rotação do capital, articulando capital produtivo, comercial e monetário,20 20 Trata-se do capital social total, que constitui a grandeza plena do valor. conforme trata Marx (2014MARX, K. O Capital: o processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014. Livro II.) no capítulo IV do seu segundo livro.

No referido capítulo, Marx explica que o movimento de rotação é interrompido de maneira cíclica, em diferentes estágios, provocando modificações nas formas de o capital produzir e se reproduzir, com vista à acumulação. “A reprodução do capital em cada uma de suas formas e cada um de seus estágios é tão contínua quanto a metamorfose dessas formas e a passagem sucessiva pelos três estágios” (Marx, 2014MARX, K. O Capital: o processo de circulação do capital. São Paulo: Boitempo, 2014. Livro II., p. 180). As leis de produção e de reprodução do capital são desveladas, portanto, como unidade indissociável.

Sabe-se que o filósofo não conheceu a condição de superacumulação que caracteriza o estágio atual do capitalismo e, menos ainda, o que se convencionou chamar de financeirização.21 21 Remetemos aos estudos apontados originalmente por Hilferding em seu livro O capital financeiro (1985), também analisados por Lênin no clássico ensaio O imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras Escolhidas, Editorial Avante!.Lisboa-Moscovo,1984 [1916] e por Rosa Luxemburgo em A acumulação do capital: Contribuição ao estudo econômico do imperialismo. São Paulo: Nova Cultura, 1985 [1913]. No entanto, nos marcos da industrialização no século XIX, Marx estudou as conexões entre os fenômenos monetários e o processo de produção de valor implícito nas relações financeiras, demonstrando suas formas aparentes e a sua necessidade histórica. Nas suas próprias palavras: “o capital aparece como uma fonte misteriosa e autocriadora do juro, de seu próprio crescimento. A coisa (dinheiro, mercadoria, valor), como mera coisa, já é agora capital, e o capital aparece como uma simples coisa” (Marx, 2017MARX, K. O Capital: o processo global de produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017. Livro III., p. 516).

A passagem presente no livro III de O Capital: o processo global de produção capitalista é completamente válida para a análise sobre a crise que eclodiu em 2008 no sistema financeiro dos Estados Unidos, a partir do colapso dos empréstimos subprime,22 22 Trata-se de um tipo de contrato em que hipotecas são transformadas em derivativos, com vista à aceleração do financiamento de imóveis. A elevação das taxas dos juros durante a crise provocou um índice gigantesco de inadimplência das famílias. provocando a falência do quarto maior banco norte-americano, o Lehman Brothers. A crise que, a priori, apresentou-se como uma dinâmica estrita à esfera financeira dos países onde havia uma maior condição de hipertrofia do capital fictício,23 23 Além dos estudos de David Harvey, marxista pioneiro na análise do capital fictício, também indicamos as elaborações do também economista Reinaldo Carcanholo. logo alcançou setores produtivos mundialmente, ressalvadas as particularidades históricas de cada país.24 24 Referimo-nos, por exemplo, às manifestações da crise no Brasil, que ocorreu paralelamente à crise política agravada a partir de 2014, com a difícil eleição de Dilma Rousseff (PT) para presidente, que abriu uma agenda de ajustes e medidas, impactando as frações burguesas e as classes sociais (Antunes, 2020).

Para se ter uma ideia, duas das maiores empresas automobilísticas do mundo também entraram em crise, a General Motors e a Chrysler. “Um dos resultados anunciados da reestruturação dessas empresas foi a demissão de 52 mil trabalhadores” (Marques; Nakatani, 2009MARQUES, R. M.; NAKATANI, P. O que é capital fictício. São Paulo: Brasiliense, 2009., p. 69). Além desse efeito, a elevação das taxas de juros também elevou os índices de empobrecimento, concentração de renda e hiperindividamento das famílias norte-americanas, conforme analisam Duménil e Lévy (2014DUMÉNIL, G.; LÉVY, D. A crise do neoliberalismo. São Paulo: Boitempo, 2014.), dando sequência a uma agenda de medidas de retirada de direitos sociais e trabalhistas. Pensemos nos bilhões injetados pelo governo dos Estados Unidos para o salvamento dos bancos e de grandes empresas, como a General Motors (GM), que recebeu a soma de aproximadamente 50 bilhões de dólares (Tonelo, 2021TONELO, I. No entanto, ela se move: a crise de 2008 e a nova dinâmica do capitalismo. São Paulo: Boitempo; Iskra, 2021. (Coleção Mundo do trabalho).).

O tema também é trabalhado no livro Para a crítica da crise: diálogos com intelectuais e parlamentares da esquerda em Portugal, em que Marcelo Braz (2016BRAZ, M. Para a crítica da crise: diálogos com intelectuais e parlamentares da esquerda em Portugal. Curitiba: Prismas, 2016.), tendo como horizonte os impactos da crise do subprime na conjuntura socioeconômica e política portuguesa, faz uma análise rigorosa sobre as tendências gerais da crise, ocultadas nas suas expressões fenomênicas. O autor parte do suposto da crise como expressão de contradições concentradas, “relacionadas aos problemas do valor, a sua criação no processo produtivo e a sua realização no processo de circulação” (Braz, 2016BRAZ, M. Para a crítica da crise: diálogos com intelectuais e parlamentares da esquerda em Portugal. Curitiba: Prismas, 2016., p. 30). De acordo com essa base argumentativa, qualquer tentativa de deslocamento das contradições inerentes à crise para outras esferas da vida social - leia-se, a esfera da reprodução -, ainda que temporariamente, não poderá oferecer alternativa substancial de superação. Com suas palavras:

A crise é, então, um dos momentos em que prevalece a lei do valor - que tende a ser acionada quando as diversas contradições interatuantes conjuram simultaneamente contra o “destino” do capital, contra seu processo de valorização. As tendências contraditórias não são superadas, mas elas precisam ser compensadas por contratendências que restabeleçam algumas condições necessárias à valorização do capital. Mais uma vez não nos enganemos: se as contradições não são superadas, não pode ser superada a tendência à crise. Por isso, não há capitalismo sem crise. Ou, se quisermos, capitalismo é crise (Braz, 2016BRAZ, M. Para a crítica da crise: diálogos com intelectuais e parlamentares da esquerda em Portugal. Curitiba: Prismas, 2016., p. 30).

Recuperando as teses mandelianas, o autor explica que uma das causas para deflagração das crises é a combinação da superprodução de mercadorias com a superacumulação de capitais. A segunda causa igualmente contraditória relaciona-se ao subconsumo da classe trabalhadora. Aqui, deve-se recordar que a superprodução é provocada pela dificuldade de realização de valor, em razão do desequilíbrio entre a oferta e a demanda de mercadorias nas diferentes esferas da produção.25 25 Ao desenvolver sua teoria das crises cíclicas, Mandel (1985) utiliza algumas abstrações marxianas para explicar os limites engendrados na esfera da produção, intrínsecos às contradições postas pelo desenvolvimento tardio. Ele agrupa todas as formas em duas categorias, as que produzem meios de produção (Departamento I) e as que produzem bens de consumo (Departamento II). Não alcançando a rentabilidade esperada nas esferas produtivas, a massa acumulada de capitais não investidos produtivamente volta-se às esferas financeiras. A crise, nesses termos, assume uma condição de superacumulação, característica central da recessão de 1974/1975,26 26 Também de autoria de Mandel (1990), indicamos a indispensável contribuição da obra A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista, com destaque ao capítulo XXV sobre as novas configurações da crise. que demarca o chamado capitalismo contemporâneo.

Ambas as crises se explicam pela queda tendencial da taxa de lucro que, segundo Marx, é a lei mais importante da economia política moderna (Rosdolsky, 2001ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Tradução: César Benjamin. Rio de Janeiro: Eduerj; Contraponto, 2001.), razão pela qual dedica um capítulo em seu terceiro livro (capítulo 14: “Causas contra-arrestantes”). Note-se que, diferentemente das crises cíclicas, em que era possível a retomada da taxa de lucro dentro dos limites do capital,27 27 Pensemos nos mecanismos contratendências engendrados pelo pacto fordista-keynesiano, em resposta à crise de 1929-1933, também chamada de Grande Depressão. a crise contemporânea se caracteriza pelo bloqueio dessa possibilidade pela via dos espaços produtivos, assumindo um caráter permanente e estrutural28 28 Recomendamos a obra A crise estrutural do capital, de autoria de István Mészáros (2009). que impulsiona novos nichos de acumulação, sob o domínio rentista.

Portanto, na perspectiva marxiana, falar nos mecanismos de saída da crise é pensar na contínua conexão entre força de trabalho excedente e reprodução do capital. Ainda que as chaves heurísticas para a investigação dos fenômenos monetários sejam oferecidas por Marx de modo mais sistemático no seu segundo livro e, especialmente tratadas, nos capítulos XXI a XXVI29 29 Destacamos, especificamente, os capítulos em que Marx retoma a sua análise sobre o dinheiro e suas funções parasitárias ou, se preferirmos, sobre o capital portador de juros, forma desenvolvida do capital fictício. do livro III, já nos Grundrisse (1857-1858)MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. Supervisão editorial: Mario Duayer. Tradução: Mario Duayer e Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011., versão inicial da crítica da economia política, o filósofo alertava sobre limites imanentes da produção capitalista e do desenvolvimento de suas forças produtivas, como tendência geral que pressupõe as crises.

No capitalismo contemporâneo, esse limite se traduz pelo aumento dos níveis de apropriação de valor em razão desproporcional à produção capitalista: caem as taxas de lucro e o capital entra em crise. Quando Marx desenvolveu sua lei da tendência à queda da taxa de lucro, a sua preocupação era demonstrar as contratendências30 30 No capítulo 14 do livro III de O Capital, intitulado “Causas contrarrestantes”, o filósofo cita como contratendências: (I) aumento do grau de exploração do trabalho; (II) compressão do salário abaixo de seu valor; (III) barateamento dos elementos do capital constante; (IV) a superpopulação relativa; (V) o comércio exterior; (VI) o aumento do capital acionário. operadas pelo capital como mecanismo de saída da crise. Aqui, merecem destaque o barateamento da força de trabalho e a tendência ao aumento da superpopulação relativa. A saber:

Embora decresça a quantidade total do trabalho vivo adicional nela contido, cresce a parte não paga em relação à paga, seja por uma redução absoluta, seja por uma redução relativa da parte paga, pois o mesmo modo de produção que faz diminuir a massa total do trabalho vivo adicional numa mercadoria é acompanhado do aumento do mais-valor absoluto e relativo. A queda tendencial da taxa de lucro está ligada a um aumento tendencial na taxa do mais-valor, ou seja, no grau de exploração do trabalho (Marx, 2017MARX, K. O Capital: o processo global de produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017. Livro III., p. 239).

Sob a lógica do capital, essa contradição é dirimida com a contínua redução da parte variável de capital, que Marx também chama de demanda relativa de trabalho. Em linhas gerais, alcançado dado nível de acumulação, para continuar se reproduzindo, o capital necessita desempregar força de trabalho e, paralelamente, produzir uma reserva disposta a trabalhar em condições cada vez mais precárias. Esse público tem sido alvo de programas governamentais inspirados na ideologia do empreendedorismo, conforme vimos anteriormente.

3. Empreendedorismo, crise e reprodução do capital: mediações histórico-concretas para pensar o Serviço Social

No capitalismo contemporâneo, não obstante a incomensurável reposição do exército industrial de reserva, especialmente em momentos de crise, o capital trata de acionar mecanismos extraeconômicos31 31 Ver elaborações de Netto (1996) sobre a refuncionalização do Estado no capitalismo monopolista, ratificando a sua função na administração dos ciclos da crise. essenciais à sua ocultação. O objetivo é desviar as atenções do quadro de desemprego, tudo se passando como se fosse possível criar novas modalidades de trabalho, independentes das determinações do valor. Ao tratar de uma das mais importantes leis de sua obra magna, Marx adverte que “se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista, ela se torna, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista” (Marx, 2010MARX, K. O Capital: crítica da economia política. 15. ed. Rio de Janeiro: Civilização, 2010. Livro I., p. 735). Quando formulou a Lei geral da acumulação capitalista subscrita no capítulo XXIII do seu primeiro livro, Marx já indicava sinais de que o crescimento contínuo da força de trabalho sobrante se tornaria condição de existência do modo de produção capitalista.

Uma notável análise desse contexto histórico encontra-se na principal obra da juventude de EngelsENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Tradução: B. A. Schumann. Supervisão, apresentação e notas: José Paulo Netto. São Paulo: Boitempo, 2010. (Mundo do trabalho; Coleção Marx-Engels)., A situação da classe trabalhadora na Inglaterra - trata-se do ensaio “Esboço de uma crítica da economia política”, escrito entre finais de 1843 e janeiro de 1844. Na brilhante apresentação da edição brasileira, José Paulo Netto a classifica como análise concreta seminal e pioneira da sociedade burguesa, em que o jovem traça os primeiros delineamentos das leis econômicas, a partir de procedimentos histórico-dialéticos - inclui-se a análise da crise periódica, da pauperização das massas (“a questão social”32 32 Entre os anos 30 e 50 do século XIX, o brutal pauperismo das camadas trabalhadoras urbanas, derivado diretamente da produção capitalista, impactou a consciência social europeia, e deu origem a uma larga e copiosa documentação. Intelectuais dos mais diversos matizes, reacionários e conservadores, liberais e democratas, reformadores e revolucionários, ocuparam-se do que então era designado por todos como “questão social” (Netto, 2010, p. 32). ) e da produção de uma reserva de força de trabalho, base que consubstancia a matéria de intervenção do Serviço Social.

Em tempos de desassalariamento, a reposição do exército industrial de reserva, na medida em que se constitui precondição para que o capital continue obtendo ganhos a custos cada vez menores, também exerce funcionalidade aos mecanismos ideopolíticos, que legitimam o modus operandi do capital hipertrofiado. A suposta saída da crise por via do empreendedorismo, bem como as tendências engendradas por ela, esbarra nas condições objetivas experimentadas pelos trabalhadores, como vimos nos dados analisados ao longo do texto. Tais contradições nos oferecem elementos fundamentais para pensar a relação entre Serviço Social e empreendedorismo no capitalismo contemporâneo, tendo a teoria marxiana da crise como referência analítica central. Falemos, ainda que sumariamente, sobre dois deles.

O primeiro diz respeito ao conteúdo econômico-estrutural da crise e seus rebatimentos diretos no trabalho profissional. Vimos, ao longo do texto, que as crises se manifestam, expressamente, quando o movimento total do capital é interrompido. Nos exames de Marx, somente em articulação com a esfera da reprodução, o capital produtivo consegue desenvolver mecanismos de contratendência à crise. Portanto, pensar as estratégias anticíclicas exige, necessariamente, pensar na dinâmica de desregulamentação de direitos - leia-se, o socorro ao fundo público,33 33 Indicamos a tese de Evilásio Salvador (2008). o ajuste fiscal, os ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários pela via tributária e contrarreformista e, com máximo destaque, à potencial apropriação dos recursos de reprodução do trabalho pelo capital, seja por via do rebaixamento salarial, seja por via do fornecimento de crédito para a sua reprodução ampliada (Behring, 2010BEHRING, E. R. Crise do capital, fundo público e valor. In: BOSCHETTI, I. (org.). Capitalismo em crise, política social e direitos. São Paulo: Cortez, 2010.).

Ao ser incorporado aos programas governamentais, o empreendedorismo não apenas fortalece a radicalização do projeto neoliberal nessa conjuntura em que se avança o conservadorismo de teor reacionário (Mota; Rodrigues, 2020MOTA, A. E.; RODRIGUES, M. Legado do Congresso da Virada em tempos de conservadorismo reacionário. Katálysis, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 199-212, maio/ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/1982-02592020v23n2p199/43246 . Acesso em: 7 mar. 2024.
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), mas também favorece, objetivamente, a reprodução de atividades precárias de trabalho, na contramão da garantia dos direitos.

O segundo elemento refere-se ao conteúdo ideopolítico da crise que, por vezes, atribui ao Estado a função redentora de ajuste e equilíbrio econômico, como se fosse possível, por essa via exclusiva, a retomada das taxas de lucro. Recordem-se de que as crises nascem na esfera da produção e, tão somente, manifestam-se em outras esferas da vida social. Significa reconhecer que as determinações do trabalho no processo de produção material são fundantes e absolutamente indissociáveis dos seus mecanismos de reprodução. Esse argumento ratifica o que Ana Elizabete Mota (2015MOTA, A. E. Cultura da crise e seguridade social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2015.) denominou cultura da crise ao qualificá-la como mecanismo privilegiado de garantia das bases materiais e ideopolíticas da produção capitalista.

Os discursos e as práticas empreendedoras, ao serem recepcionados por profissionais do Serviço Social, particularmente, por aqueles adeptos do Serviço Social autônomo, estabelecem uma relação conflituosa com a sua direção social estratégica,34 34 Trata-se da construção de um novo projeto profissional - leia-se, Projeto Ético-Político - comprometido com a massa da classe trabalhadora brasileira e com a crítica radical das relações econômicas e sociais vigentes, no curso do movimento de transição democrático-popular na segunda metade da década de 1990. Nas circunstâncias atuais, o projeto segue ameaçado por forças conservadoras e regressivas, impulsionadas pela crise. que se materializa no plano da luta de classes. Quando substituímos a ideia de trabalhador por empreendedor, a desigualdade de classe - inerente à sociedade capitalista - é cancelada e os indivíduos passam a se distinguir pelas aptidões individuais e subjetivas, cuja referência comum é o mercado.

Ora, se o Serviço Social gesta-se a partir do protagonismo do Estado no enfrentamento às expressões da questão social, cujas bases de legitimidade são as relações de assalariamento que pressupõem a garantia de direitos sociais e trabalhistas, parece-nos oportuno refletir sobre as novas relações de trabalho em que se insere o Serviço Social. Tal reflexão se revela ainda mais insurgente quando o Estado tende a ser cancelado como campo de mediação fundamental e estratégico da profissão, dinâmica impulsionada pelos novos componentes da reprodução capitalista.

Conclusão

A ofensiva contra o trabalho no capitalismo contemporâneo, especialmente no pós-2008, ao ampliar novos nichos de acumulação, potencializa a expansão das relações de precarização do trabalho, em nível mundial. Nesta nova dinâmica, importa ao capital, além de garantir o desígnio voraz da extração de mais-valor, também assegura mecanismos que sejam funcionais às necessidades da acumulação, sob hegemonia financeira. E o faz transferindo para os indivíduos os custos com a reprodução da força de trabalho.

Neste artigo, buscou-se apresentar mediações histórico-concretas que possam lançar pistas sobre a contraditória incorporação da ideologia do empreendedorismo nos discursos e nas práticas dos trabalhadores, classe com a qual o Serviço Social se identifica, se posiciona e direciona o seu exercício profissional na dinâmica da reprodução do capital. Para tanto, recorremos à crítica da economia política em Marx, procurando validar a sua teoria da crise e, ao mesmo tempo, refletir sobre as estratégias de enfrentamento.

Argumentamos que a incorporação da ideologia do empreendedorismo nos conteúdos e nas práticas governamentais respondem, fundamentalmente, às contratendências do capital em crise. No plano individual, a concepção de autonomia como “saída” da crise esbarra nas condições concretas experimentadas pelos trabalhadores. O que aparece como suposta predisposição individual dos trabalhadores para o “mundo dos negócios”, a partir da criatividade e de outros atributos subjetivos, é, na realidade, alternativa de sobrevivência, que supomos ter vínculo estrutural com o fenômeno precarização do trabalho, agravado no contexto da crise.

Não se trata de deslegitimar as novas determinações que se expressam no âmbito do trabalho e da formação profissional, tampouco negar a necessidade dos trabalhadores que empreendem, motivados pela falta de renda e de oportunidade de emprego formal. A análise dialética nos possibilita exatamente tensionar as suas bases de legitimidade, permeadas por interesses contraditórios que se refazem a cada estágio de desenvolvimento capitalista.

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  • 1
    Trata-se da tese intitulada Crise e reprodução do capital na contemporaneidade: uma crítica ao fenômeno do empreendedorismo (2024), sob orientação do professor Dr. Marcelo Braz Moraes dos Reis, do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/RN, Brasil.
  • 2
    No relatório final da Plenária Nacional do Conjunto CFESS/CRESS-2020, intitulado: “TIC: novas tecnologias para a velha exploração do trabalho”, responsável por estabelecer as propostas para o triênio 2020-2023, a entidade estabeleceu como eixo de reflexão temas como a “pejotização”, a terceirização, o empreendedorismo, TICs, entre outros. Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/Relatorio-final-plenariaNacionalcfesscress2020.pdf.
  • 3
    Referem-se à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, para regular as relações de trabalho no Brasil.
  • 4
    Esta é a modalidade de trabalho que mais cresce no Brasil, de acordo com a PNAD Contínua (2023), o número de trabalhadores por conta própria alcançou 25,6 milhões de pessoas, no último trimestre, contribuindo para a redução da taxa de informalidade. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-11/pela-1a-vez-brasil-tem-mais-de-100-milhoes-de-trabalhadoresocupados. Acesso em: 7 mar. 2024.
  • 5
    “Chamamos ‘empreendimento’ a realização de combinações novas; chamamos ‘empresários’ aos indivíduos cuja função é realizá-las [...] chamamos ‘empresários’ não apenas aos homens de negócios ‘independentes’ em uma economia de trocas, que de modo geral são assim designados, mas todos que de fato preenchem a função pela qual definimos o conceito” (Schumpeter, 1997SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1997., p.
  • 6
    Indicamos o livro Para além da prática empreendedora no capitalismo brasileiro, de autoria da pesquisadora Janaynna Ferraz (2020FERRAZ, J. de M. Para além da prática empreendedora no capitalismo brasileiro. Lisboa: Actual, 2020.), que oferece uma profícua contribuição à crítica do empreendedorismo, a partir da economia política marxiana.
  • 7
    O Consenso de Washington foi um conjunto de medidas formuladas em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington, como o FMI e o Banco Mundial, e que se tornaram oficiais quando passaram ser “receitadas” para promover o “ajustamento macroeconômico” dos países em desenvolvimento.
  • 8
    De acordo com as estimativas da OIT, o trabalho informal é a fonte de renda para muitos lares na América Latina e no Caribe, onde a taxa média de informalidade é de aproximadamente 54%. Disponível em: https://www.cepal.org/es/publicaciones/45557-coyuntura-laboral-america-latina-caribe-trabajo-tiempos-pandemia-desafios frente. Acesso em: 16 jun. 2020.
  • 9
    Indicamos a coletânea intitulada Trabalho e pandemia: informalidade, precarização e suas múltiplas relações, organizado por Roberto Véras de Oliveira e Ari Rocha da Silva (2021)OLIVEIRA, R. V. de; SILVA, A. R. da (org.). Trabalho e pandemia: informalidade, precarização e suas múltiplas relações. São Paulo: Annablume, 2021..
  • 10
    De acordo com a PNAD, “a taxa de informalidade - soma dos trabalhadores sem carteira, trabalhadores domésticos sem carteira, empregador sem CNPJ, conta própria sem CNPJ e trabalhador familiar auxiliar”. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26913-desemprego-cai-em-16-estados-em-2019-mas-20-tem-informalidade-recorde. Acesso em: 20 jun 2021.
  • 11
    Trata-se da chamada pejotização, uma nova modalidade de terceirização que surge nos anos 2000, a partir da regulamentação da transformação dos trabalhadores em microempresas individuais ou Pessoa Jurídica (PJ), modalidade que tende a transferir para os trabalhadores os custos da responsabilidade social, legal e econômica da atividade.
  • 12
    Regulamentada pelo governo Lula, a Lei Complementar n. 128/2008, que alterou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar n. 123/2006), cria a figura do Microempreendedor Individual. Disponível em: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/legislacao. Acesso em: 15 set. 2020.
  • 13
    Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/numero-de-novos-microempreendedores-individuais-bate-recorde-em-2020/. Acesso em: 24 nov. 2021.
  • 14
    De acordo com o Sebrae/PB (2020), com base em dados da Receita Federal, o índice de inadimplência dos microempreendedores individuais na Paraíba sofreu um aumento de quase 15% entre os meses de dezembro de 2019 e maio de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2020/08/07/microempreendedores-atingem-inadimplencia-de-5712percent-na-paraiba-aponta-o-sebrae.ghtml. Acesso em: 14 abr. 2021.
  • 15
    Sugerimos acesso aos dados apresentados no Relatório do CFESS (2022CFESS. Perfil de assistentes sociais no Brasil: formação, condições de trabalho e exercício profissional. Brasília/DF: CFESS, 2022.). Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cfess.org.br/arquivos/2022Cfess-PerfilAssistentesSociais-Ebook.pdf. Acesso em: 20 abr. 2024.
  • 16
    Ver Relatórios publicados pelo conjunto CFESS/CRES entre 2019-2022. Disponível em: https://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/relatorios-e-deliberacoes-dos-encontros-nacionais. Acesso em: 11 abr. 2024.
  • 17
    De acordo com o Perfil de assistentes sociais no Brasil: formação, condições de trabalho e exercício profissional (CFESS, 2022CFESS. Perfil de assistentes sociais no Brasil: formação, condições de trabalho e exercício profissional. Brasília/DF: CFESS, 2022.), eles representam 4,43% da categoria. Dos que possuem como principal vínculo o trabalho autônomo, trata-se de 0,73% da categoria, o equivalente a 321 profissionais, situados predominantemente na região Nordeste.
  • 18
    Trata-se da reedição do livro pioneiro Os fios invisíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabalho, acrescida do capítulo IV: “A autonomia do trabalho em questão”, em que a autora atualiza análises e dados.
  • 19
    Destacamos a coletânea de pesquisas presentes no livro Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II, organizado por Ricardo Antunes e Pietro BassoANTUNES, R.; BASSO, P. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo: Boitempo, 2013., em que apresentam divergências em relação às teses do filósofo alemão Jürgen Habermas. Também dialoga criticamente com as análises de André Gorz nos livros O imaterial (2003)GORZ, A. O imaterial: conhecimento, valor e capital. Tradução: César Azzan Jr. São Paulo: Annablume, 2003. e Metamorfoses do trabalho (2005)GORZ, A. Metamorfoses do trabalho: busca do sentido: crítica da razão econômica. Tradução: Ana Montoia. São Paulo: Annablume, 2005..
  • 20
    Trata-se do capital social total, que constitui a grandeza plena do valor.
  • 21
    Remetemos aos estudos apontados originalmente por Hilferding em seu livro O capital financeiro (1985)HILFERDING, R. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Coleção Os economistas)., também analisados por Lênin no clássico ensaio O imperialismo, fase superior do capitalismo. Obras Escolhidas, Editorial Avante!.Lisboa-Moscovo,1984 [1916] e por Rosa Luxemburgo em A acumulação do capital: Contribuição ao estudo econômico do imperialismo. São Paulo: Nova Cultura, 1985 [1913].
  • 22
    Trata-se de um tipo de contrato em que hipotecas são transformadas em derivativos, com vista à aceleração do financiamento de imóveis. A elevação das taxas dos juros durante a crise provocou um índice gigantesco de inadimplência das famílias.
  • 23
    Além dos estudos de David Harvey, marxista pioneiro na análise do capital fictício, também indicamos as elaborações do também economista Reinaldo Carcanholo.
  • 24
    Referimo-nos, por exemplo, às manifestações da crise no Brasil, que ocorreu paralelamente à crise política agravada a partir de 2014, com a difícil eleição de Dilma Rousseff (PT) para presidente, que abriu uma agenda de ajustes e medidas, impactando as frações burguesas e as classes sociais (Antunes, 2020ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.).
  • 25
    Ao desenvolver sua teoria das crises cíclicas, Mandel (1985)MANDEL, E. O capitalismo tardio. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Coleção Os economistas). utiliza algumas abstrações marxianas para explicar os limites engendrados na esfera da produção, intrínsecos às contradições postas pelo desenvolvimento tardio. Ele agrupa todas as formas em duas categorias, as que produzem meios de produção (Departamento I) e as que produzem bens de consumo (Departamento II).
  • 26
    Também de autoria de Mandel (1990)MANDEL, E. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista. São Paulo: Ensaio; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1990 [1923]., indicamos a indispensável contribuição da obra A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista, com destaque ao capítulo XXV sobre as novas configurações da crise.
  • 27
    Pensemos nos mecanismos contratendências engendrados pelo pacto fordista-keynesiano, em resposta à crise de 1929-1933, também chamada de Grande Depressão.
  • 28
    Recomendamos a obra A crise estrutural do capital, de autoria de István Mészáros (2009)MÉSZÁROS, I. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009..
  • 29
    Destacamos, especificamente, os capítulos em que Marx retoma a sua análise sobre o dinheiro e suas funções parasitárias ou, se preferirmos, sobre o capital portador de juros, forma desenvolvida do capital fictício.
  • 30
    No capítulo 14 do livro III de O Capital, intitulado “Causas contrarrestantes”, o filósofo cita como contratendências: (I) aumento do grau de exploração do trabalho; (II) compressão do salário abaixo de seu valor; (III) barateamento dos elementos do capital constante; (IV) a superpopulação relativa; (V) o comércio exterior; (VI) o aumento do capital acionário.
  • 31
    Ver elaborações de Netto (1996)NETTO, J. P. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996. sobre a refuncionalização do Estado no capitalismo monopolista, ratificando a sua função na administração dos ciclos da crise.
  • 32
    Entre os anos 30 e 50 do século XIX, o brutal pauperismo das camadas trabalhadoras urbanas, derivado diretamente da produção capitalista, impactou a consciência social europeia, e deu origem a uma larga e copiosa documentação. Intelectuais dos mais diversos matizes, reacionários e conservadores, liberais e democratas, reformadores e revolucionários, ocuparam-se do que então era designado por todos como “questão social” (Netto, 2010NETTO, J. P.; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2009., p. 32).
  • 33
    Indicamos a tese de Evilásio Salvador (2008)SALVADOR, E. Fundo público no Brasil: financiamento e destino dos recursos da seguridade social (2000-2007). 2008. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2008..
  • 34
    Trata-se da construção de um novo projeto profissional - leia-se, Projeto Ético-Político - comprometido com a massa da classe trabalhadora brasileira e com a crítica radical das relações econômicas e sociais vigentes, no curso do movimento de transição democrático-popular na segunda metade da década de 1990. Nas circunstâncias atuais, o projeto segue ameaçado por forças conservadoras e regressivas, impulsionadas pela crise.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2024
  • Aceito
    18 Jun 2024
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