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Diversidade sexual e formação profissional: o imperativo de ultrapassar indícios e efetivar princípios

Sexual diversity and professional training: the imperative of overcoming signs and implementing principles

Resumo:

Este artigo evidencia como o debate sobre diversidade sexual comparece na formação profissional em Serviço Social. Os resultados foram obtidos por meio da análise de 217 estruturas curriculares dos cursos de graduação em Serviço Social presenciais. Os dados revelam a fragilidade na incorporação da temática no âmbito da formação profissional, tendo como intuito subsidiar a inclusão de disciplinas obrigatórias sobre diversidade sexual, atendendo às diretrizes estabelecidas pela ABEPSS.

Palavras-chave:
Diversidade sexual; Formação profissional; Currículo; Serviço Social

Abstract:

This article highlights how the debate on sexual diversity appears in professional training in Social Work. The results were obtained through the analysis of 217 curricular structures of in-person undergraduate courses in Social Work. The data reveal the weakness in incorporating the theme within the scope of professional training, with the aim of supporting the inclusion of mandatory subjects on sexual diversity, complying with the guidelines established by ABEPSS.

Keywords:
Sexual diversity; Professional training; Curriculum; Social Work

Introdução

A formação - processo construído de maneira coletiva a partir de inúmeros elementos - alicerceia-se nos pilares de ensino-pesquisa-extensão. Ademais, tais pilares são considerados um trinômio indissociável para o ensino superior de qualidade, o qual versa sobre o preparo de habilidades e competências para futuras/os profissionais.

Durante os cursos de graduação, além da formação do conhecimento profissional, busca-se contribuir para a construção de uma nova visão de mundo, fomentando a ruptura com o conservadorismo e o viés moralizador, ainda tão presentes na sociedade contemporânea. No caso específico do Serviço Social, a formação tem como base de sustentação o Projeto Ético-Político, que se vincula a um projeto societário que luta por uma nova ordem social.

Esse potencial pedagógico extrapola o interior da sala de aula e está relacionado à integração do trinômio supracitado. O tripé ensino-pesquisa-extensão se materializa por meio de atividades de Monitorias, Iniciação Científica, Projetos de Extensão, Grupos de Estudos e Pesquisa, Estágios, Eventos acadêmico-científicos e, até mesmo, a representação estudantil. Compreendemos que todos esses elementos contribuem para a edificação da formação acadêmica. Assim, atrevemo-nos a indagar se o processo formativo vem ocorrendo de modo crítico e como o debate sobre diversidade sexual comparece na formação.

Para Simões Neto et al. (2011SIMÕES NETTO, J. P.; ZUCCO, L.; MACHADO, M. das D. & PICCOLO, F. A produção acadêmica sobre diversidade sexual. Em Pauta, Rio de Janeiro (R.J), vol. 9, n. 28, 2011.), a diversidade sexual compõe um grande “guarda-chuva” para atrelar assuntos relacionados à comunidade LGBTQI+.1 1 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos; o símbolo “+” representa outras expressões sexuais não abarcadas pela sigla, por exemplo, a assexualidade e a pansexualidade. Afinal, a diversidade sexual é múltipla e plural e, nesse sentido, a sigla não se limita a um conglomerado de letras, ao contrário, referimo-nos a pessoas, sujeitos políticos, que ultrapassam as classificações binárias dos gêneros e da sexualidade.

Não existe um único modelo de sexualidade que hegemoniza e normatiza os comportamentos na história, como o que é imposto pela lógica binária, dicotômica e essencialista, baseada nas diferenciações biológicas e tomando o cis-heterossismo compulsório como regime de verdade universal, e que todos os viventes devem acatar e submeter (Duarte; Fernandes, 2023DUARTE, M. J. de O.; FERNANDES, C. P. Serviço Social e diversidade sexual: o estado da arte. In: DUARTE, M. J. de. O. et al. (org.). Sexualidades & Serviço Social: perspectivas críticas, interseccionais e profissionais. Juiz de Fora: Editora UFJF; Selo Serviço Social, 2023., p. 219).

A multiplicidade de orientações sexuais e de identidades de gênero contrárias à imposição heterossexista demarca resistência à lógica cis-heteronormativa.

Cabe ressaltar que nosso olhar se volta para o interior das disciplinas, visto que nosso objeto de estudo prioriza a análise da matriz curricular, ou seja, do currículo formal (Libânio, 2001LIBÂNEO, A. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2001.). Historicamente, o currículo vincula-se a uma organização de saberes, a partir de uma sequência lógica de disciplinas ou conteúdo. Entretanto, a discussão sobre currículo inicia-se no Brasil somente a partir da década de 1930, pois, anteriormente, o país seguia os princípios da educação jesuítica.

Contudo, independentemente do vocábulo utilizado, a matriz curricular constitui-se como determinação do Ministério da Educação (MEC) para o processo de autorização/credenciamento e recredenciamento dos cursos superiores. São passíveis de alterações, desde que ratificadas diante do MEC, juntamente à atualização do Projeto Pedagógico do Curso, em consonância com as diretrizes dos cursos.

Diante disso, a pesquisa buscou radiografar os currículos dos cursos de Serviço Social, tendo a temática da diversidade sexual como foco de análise, especialmente porque há uma década a ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) reitera a importância de assegurar tal discussão na formação por meio de disciplinas obrigatórias.

A partir dos dados coletados, foi possível identificar 217 estruturas curriculares, sendo 61 currículos de um total de 62 cursos presentes em instituições públicas, e 156 currículos, dos 170 contidos nas instituições de caráter privado no país. Assim, obtivemos uma amostra de 93,5% do total das Instituições de Ensino Superior brasileiras presenciais.

Nesse sentido, o presente artigo foi estruturado em duas seções de análise. Na primeira, discute-se o processo de formação em Serviço Social e sua indissociável relação com o conservadorismo imanente à profissão.

A segunda seção, por sua vez, registra a incipiente incidência da categoria diversidade sexual em âmbito nacional, por meio dos Projetos Pedagógicos, assegurada como disciplinas estabelecidas na matriz curricular dos cursos de Serviço Social presencial. E, nas considerações finais, são destacadas as lacunas existentes na formação e a urgência em romper com o silenciamento das opressões impetradas nos espaços formativos, além de buscar o estreitamento das relações entre as Unidades de Formação Acadêmicas e as instituições representativas da categoria.

1. O processo de formação em Serviço Social: rumos contra o conservadorismo

Refletir sobre o conservadorismo atuante na profissão significa considerar que o Serviço Social buscou, ao longo das últimas décadas, romper com as suas estruturas, ainda que, inicialmente, seja necessário compreender como esse viés conservador sempre esteve impregnado na profissão desde sua gênese, mantendo-se tão presente na atualidade

Ao conjecturar sobre a trajetória histórica da profissão no Brasil, é preciso remontar ao processo mediado pelo desenvolvimento das forças produtivas do sistema capitalista de produção. Além disso, é necessário considerar a emergência das particularidades decorrentes desse percurso proveniente das primeiras escolas de Serviço Social - o que, concomitantemente, é marcado pelo desenvolvimento econômico do país, associado à luta de classes, aliado à ação repressiva do Estado e à influência da Igreja Católica, com o propósito de manutenção da ordem.

O tradicionalismo foi, durante muito tempo, a base de sustentação profissional, alicerçada pela moral, materializada legalmente pelo primeiro Código de Ética, promulgado em 1947.

A entrada na década de 1950 registrou avanços legais importantes para o Serviço Social. É por meio da Lei n. 1.889, em 1953, que a profissão é regulamentada e estabelece o primeiro currículo a ser seguido em âmbito nacional pelos cursos, mais tarde, conferindo a prática profissional somente aos portadores de diploma, mediante a promulgação da Lei n. 3.252, de 1957 (Pereira, 2008PEREIRA, L. D. Educação e Serviço Social: do confessionalismo ao empresariamento da formação profissional. São Paulo: Xamã, 2008.).

A implantação do primeiro currículo mínimo2 2 “Desde 1953, os conteúdos e disciplinas eram organizados na forma de um currículo mínimo que deveria ser seguido por todos os cursos em nível nacional. Em 2012, por determinação do MEC, num processo de contrarreforma da educação, os currículos mínimos foram substituídos por diretrizes curriculares, mais flexíveis (e soltas) e sem determinação de disciplina, apenas conteúdos mais gerais. A partir de tais diretrizes, cada unidade de ensino organiza seu projeto político-pedagógico e sua matriz curricular, não havendo uma unidade de currículos nacionalmente”. (Cardoso, 2016, p. 434). origina-se a partir das discussões produzidas nas convenções da Abess (Associação Brasileira de Educação, Saúde e Assistência Social) realizadas no eixo Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e São Paulo, entre o período de 1951 e 1954. As temáticas consideraram a relação entre Serviço Social e ação social católica, o processo formativo e seus desdobramentos, incluindo os programas das disciplinas do ciclo básico e profissional, tendo como aspecto tensionador a base doutrinária e a técnica na formação.

A partir desses encontros, apresentou-se uma proposta, que sofreu transformações, reduziu disciplinas e extinguiu a formação de auxiliares sociais. Permaneceu, assim, somente a formação de nível superior, mediante três anos de preparação, o que seria regulamentado, posteriormente, pelo Decreto n. 994, de 15 de maio de 1962, tornando-se, portanto, uma profissão legalmente constituída.

Mediante as alterações, algumas disciplinas foram suprimidas, outras consideradas obrigatórias, e, por meio da Lei n. 1.889 de 1953, estabeleceu-se a primeira organização curricular a ser seguida por todos os cursos. Tornou-se visível o enxugamento da proposta defendida na III Convenção da Abess e o currículo em vigor, restringindo a formação, suprimindo as seguintes disciplinas: Seminário de Formação Social, Seminários Especializados, Deontologia do Serviço Social, Estatística, Atividades de Grupo e Administração de Obras Sociais. Foram priorizados aspectos metodológicos, a partir da discussão de Caso, Grupo e Comunidade, consolidando a prática por meio de visitas, pesquisas e estágios (Sá, 1995SÁ, J. L. M. Conhecimento e currículo em Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995.).

Se, por um lado, a implantação de um currículo nacional propunha uma formação homogênea a todos os cursos, por outro, isso não significaria ultrapassar o conservadorismo presente na profissão. Ao contrário, o Serviço Social o presenciava por meio de uma nova roupagem, afinal, substituíram-se os referenciais franco-belgas pelo tradicionalismo norte-americano (Iamamoto, 1992IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. São Paulo: Cortez, 1992.).

A partir dessas orientações, o trato com os “problemas sociais” segue o viés da psicologização, fazendo com que sejam naturalizados, considerando as políticas sociais inexistentes ou ineficazes, atribuindo sua intervenção aos aspectos individuais e morais. Tais problemas são considerados patologias sociais, difundindo a perspectiva positivista-funcionalista, naturalizando a ordem funcional, mediada pela biologia à dimensão social da vida. Ao atuar sob essa direção, o Serviço Social torna-se responsável por promover a coesão social, reforçando o ideário conservador.

Ao olhar por esse prisma, as respostas são transferidas para o âmbito pessoal, transferindo a responsabilidade para o indivíduo, reforçando as ações de ajustamento e disciplinamento, tendo um apelo moral, o que converte suas manifestações a chamadas patologias sociais (Cardoso, 2016CARDOSO, P. F. G. 80 anos de formação em Serviço Social: uma trajetória de ruptura com o conservadorismo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 127, set./dez. 2016.).

A formação, em muito, tem sido influenciada pelas diretrizes éticas e, neste caso, os Códigos de Ética incidem diretamente nesse processo, visto que são orientadores da prática profissional. Nesse sentido, os Códigos de 1965 e 1975 não contribuem para descortinar o tradicionalismo, ao contrário, reafirmam-no.

De acordo com Barroco (2006BARROCO, M. L. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.), o Código de 1965 diferencia-se do anterior, no que se refere à contribuição do Serviço Social para o bem comum, em uma tentativa de introduzir discussão de direitos e não reproduzir a visão benevolente. Em seguida, é ceifado no Código de 1975, distanciando-se da prática humanista, condizente com a Ditadura Civil-Militar, após o golpe de Estado de 1964.

Em meio ao contexto ditatorial, a profissão se vê marcada por transformações adversas, pois, ao mesmo tempo que tem uma resposta violenta do Estado a qualquer reação contrária ao sistema, também emergem os primeiros indícios para a aproximação da teoria crítica.

Ainda que de forma incipiente, o Serviço Social tem seus primeiros contatos com o pensamento marxista a partir dos movimentos sociais e de resistência à ditadura. Para Netto (2011NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2011.), a influência marxista foi “adoçada” pela autocracia burguesa, ocorrendo de forma enviesada, visto que não se deu por meio das fontes primárias, mas por intermédio de seus intérpretes. As ideias marxistas se espalharam pela América Latina e pelo Brasil, e contribuíram para ir de encontro à ditadura, impulsionando a classe trabalhadora e fomentando o Movimento de Reconceituação do Serviço Social brasileiro.

Ao longo das conjunturas sócio-históricas, o Serviço Social vivenciou o momento de “teorização”, culminando no processo de renovação, o que possibilitou a reinvenção teórico-metodológica da profissão, aproximando o Serviço Social brasileiro de diferentes matrizes teóricas, conduzindo sua intervenção prática e incidindo diretamente no interior da profissão e na própria formação.

As mudanças ocorridas incidem no modo de intervir junto aos “problemas sociais”, deflagrando uma crise no interior na profissão, pondo à prova os aspectos teórico-metodológicos empregados pelas/os profissionais. Cumpre ressaltar esse período como de grande relevância para o Serviço Social, pois é a partir dele e de uma nova perspectiva política que a profissão inicia o processo de reconstrução, assumindo diferentes compromissos éticos.

Ao atuar na esfera das relações sociais, reproduz-se a ideologia dominante e, diante dessa reformulação, iniciam-se questionamentos no interior da profissão. A partir da prática profissional, posicionou-se a favor da classe trabalhadora, o que, posteriormente, seria chamado de Movimento de Reconceituação. Diante disso, a formação profissional conquista novos rumos, pautando-se em uma base crítica, a partir de um currículo comprometido com a classe trabalhadora.

Quando o assunto é formação em Serviço Social, o Movimento de Reconceituação sempre foi considerado um marco, em decorrência de sua contribuição no processo de rompimento com o conservadorismo, pois impactou diretamente nas alterações, e foi visto como um divisor de águas para a releitura da formação e atuação profissional. É concebido como um movimento que buscou construir uma nova identidade profissional, contribuindo para a reconstrução teórica, metodológica e operativa, na busca de “para que” e o “que fazer” do Serviço Social.

É na década de 1980 que se torna possível evidenciar os avanços provenientes das lutas e das reformulações oriundas do Movimento de Reconceituação. A ruptura proposta pela vertente crítica, contrária ao conservadorismo, traz consigo inúmeros desdobramentos, dentre eles, o redirecionamento das entidades representativas da categoria, em especial, a Abess, que liderava a intenção de uma revisão curricular juntamente ao movimento estudantil, contando com a participação das unidades filiadas à instituição, acalorando os projetos em disputas no interior da profissão.

A versão final do currículo, enviada ao Conselho Federal de Educação, teve origem nas discussões provenientes da XXI Convenção Nacional da Abess, em 1979, realizada em Natal (RN), a partir do tema: “Proposta de reformulação do currículo mínimo”. O currículo indicado apoiava a formação em dois ciclos: o conhecimento básico, a partir da discussão da ciência do homem e da sociedade; e conhecimento profissionalizante, pautando-se nos fundamentos teóricos do Serviço Social e suas relações com esses sistemas (Pinto, 1986PINTO, R. M. F. Política educacional e Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1986.).

A proposta curricular de 1982, nas palavras de Castro e Toledo (2012CASTRO, M. M. de; TOLEDO, S. N. A reforma curricular do Serviço Social de 1982 e sua implantação na Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Libertas, v. 11, n. 2, 2012., p. 4), buscou “romper com o lastro conservador da profissão e com a vinculação com a ideologia dominante, incorporando a tradição marxista e direcionando sua ação de acordo com os interesses dos usuários”. A teoria marxista passava a integrar os conteúdos curriculares por meio das disciplinas: Teoria, História e Metodologia, substituindo as disciplinas de Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade.

Por ser considerado um currículo de alcance nacional, após sua homologação, os cursos de Serviço Social tiveram dois anos para sua implantação. Esse período foi acompanhando pela Abess, por meio de pesquisas e estudos capazes de subsidiar as unidades de ensino durante esse processo, oferecendo suporte às unidades de ensino quando necessário.

Embora, pela primeira vez, a profissão tenha, legalmente, registrado seu compromisso junto à classe trabalhadora - permitindo adensar subsídios que frutificariam na reformulação do Código de Ética de 1975 -, foi possível identificar equívocos a serem superados.

Tanto a implantação do currículo mínimo de 1982 quanto o Código de 1986 representam o rompimento com o conservadorismo, evidenciando a negação da neutralidade, consagrando-se como instrumentos imprescindíveis na interlocução com o marxismo. Entretanto, esses avanços não podem ser identificados no âmbito da diversidade sexual e, conforme ocorrido nos instrumentos anteriores, a temática também não é abordada.

As dimensões ético-políticas de cunho reacionário presentes nos códigos anteriores e as outras fragilidades presentes no currículo exigiram ratificações que foram evidenciadas no Código de 1993 e nas Diretrizes Curriculares de 1996. Com o objetivo de superar as fragmentações e ultrapassar as lacunas presentes do Currículo Mínimo de 1982, inicia-se, em 1993, um diálogo na XXVIII Convenção Nacional da Abess. No mesmo ano, a Lei de Regulamentação da Profissão e o novo Código de Ética entram em vigor. Isso faz com que a década de 1990 evidencie um amadurecimento profissional, corroborando a legitimação do Projeto Ético-Político. Enquanto instrumentos normativos inauguram um olhar diferenciado sobre a profissão, introduziram novos valores, referenciando o direcionamento político e profissional da categoria.

É preciso retomar a relevância que os códigos de ética exercem junto às profissões, seja durante a formação, seja na atuação profissional. No caso do Serviço Social, essa situação não se difere, pois são instrumentos normativos que estabelecem princípios, direitos e deveres que direcionam o fazer profissional.

De acordo com Barroco (2006BARROCO, M. L. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.), o embasamento ético trazido pelo código em vigor ressignificou o debate em torno da ética, ao assumir valores libertários e emancipatórios, reconstruindo a identidade profissional associada a uma nova ordem societária, tendo como premissa a defesa intransigente de direitos e a promoção do homem na sua condição humano-genérica.

Ao ampliarmos a lente de análise e lançarmos nossos olhares sobre o objeto de estudo, podemos considerar que o Código de Ética Profissional de 1993, pela primeira vez, descortina a temática da diversidade sexual, normatizando formalmente a temática como valores defendidos pela categoria, comparecendo nos seis dos 11 princípios fundamentais da profissão.

“Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças” (CFESS, 1993CFESS. Código de ética profissional do assistente social. Brasília: CFESS, 1993., p. 23, grifos nossos), o Código veta toda e qualquer forma de preconceito. Como bem sintetizam Mesquita, Ramos e Santos (2001MESQUITA, M.; RAMOS S. R.; SANTOS, S. M. M. Contribuições à crítica do preconceito no debate do Serviço Social. In: MUSTAFÁ, A. M. (org.). Presença ética: anuário filosófico-social do Gepe-UFPE. Recife: Unipress Gráfica e Editora do NE, 2001., p. 61), “abre-­se um campo de possibilidades para o entendimento e desnaturalização do preconceito”.

O preconceito, historicamente, desempenha a função de dominação e controle. E mesmo que não seja possível interrompê-lo totalmente na sociedade burguesa, é necessário extrapolar a dicotomia existente entre os indivíduos e o humano-genérico, para preservar a singularidade dos sujeitos (Barroco, 2006BARROCO, M. L. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.).

Assim, o projeto ético-político legitima-se pelo compromisso com as demandas inerentes à classe trabalhadora, aos grupos discriminados na sociedade. Por isso, impulsionar o respeito pela diversidade e promover um debate qualificado garantem as liberdades individuais e coletivas.

Esse compromisso permitiu a realização de ações pelo conjunto CFESS/Cress, fomentando o enfrentamento ao preconceito e materializando-se em outros instrumentos normativos, fortalecendo um projeto profissional visionário, sintetizado em um dos princípios: “Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero” (CFESS, 1993CFESS. Código de ética profissional do assistente social. Brasília: CFESS, 1993., p. 24, grifos nossos).

Como uma profissão eminentemente interventiva, tendo a questão social3 3 Segundo Iamamoto (1999, p. 27): “A Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”. como seu objeto de intervenção, “enfrentar a homofobia ou qualquer de suas variantes pela profissão só se torna possível na medida em que tomamos isto como uma tarefa coletiva, como um componente indissociável do projeto ético-político” (Almeida, 2008ALMEIDA, G. S. Notas sobre a possibilidade de enfrentamento da homofobia pelos/as assistentes sociais. O Social em Questão: Diversidade Sexual e Cidadania, Rio de Janeiro, ano XI, n. 20, p. 142-169, 2008., p. 139). Por isso, a importância de contribuir na promoção ao acesso a todas as políticas sociais, viabilizando a equidade e a universalidade nos serviços.

Por fim, o “Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física” (CFESS, 1993CFESS. Código de ética profissional do assistente social. Brasília: CFESS, 1993., p. 24, grifos nossos), que retoma o sexto princípio, com ênfase na atuação profissional. Posteriormente, seria detalhado na Resolução 489, de junho de 2006, a qual prevê penalidades ao profissional que pratique ou estimule prática de atos discriminatórios ou preconceituosos que atentem contra a livre orientação e a expressão sexual.

Noutras palavras, é inegável o respeito às diferenças, sob a ótica dos direitos humanos, sendo inconcebível qualquer forma de preconceito ou discriminação. A presença dos princípios fundamentais, no Código de 1993, é tida como caráter inovador, elevando a discussão para outro patamar, além de superar a neutralidade dos códigos anteriores, a fragilidade teórica de 1986 e, ainda, posiciona-se em favor da classe trabalhadora. E esse olhar sobre a classe passa, pela primeira vez, por uma análise do ser social, agregando outras dimensões além da classe, o que permite incluir gênero, etnia, geração e orientação sexual.

Uma das estratégias utilizadas pelo conjunto CFESS/Cress foi o lançamento da campanha: “O amor fala todas as línguas: assistente social na luta contra o preconceito”, movimento pela livre orientação e expressão sexual, lançado em 2006CFESS. Projeto da Campanha “O amor fala todas as línguas - assistente social na luta contra o preconceito”: campanha pela liberdade de orientação e expressão sexual. Brasília: CFESS, 2006a.. Essa campanha buscou promover, como foi mencionado, a discussão sobre a livre orientação e a expressão sexual como direito humano, suscitando ações estratégicas de enfrentamento a qualquer tipo de opressão, discriminação e/ou preconceitos decorrentes da orientação sexual.

O ápice da campanha foi a aprovação da Resolução n. 489/2006CFESS. Resolução n. 489, 4 de junho de 2006. Brasília: CFESS, 2006b., a qual instituiu normas que vedavam quaisquer condutas de caráter discriminatório e/ou preconceituosas por orientação sexual no exercício profissional do Serviço Social. Representou a culminância da campanha, exercendo papel fundamental na luta contra a homofobia, a lesbofobia e a transfobia, tendo o intuito de reforçar o dever profissional no combate a práticas que violem os direitos humanos.

Entretanto, enfrentar o preconceito e a discriminação é tarefa árdua, pois, como fruto de uma sociedade heteropatriarcal, o conservadorismo se faz presente, o que inclui estar presente, também, no interior da categoria. O exemplo disso foi a recusa de parte da categoria em abordar a temática e problematizar sua relevância, com a justificativa de que outros temas seriam mais pertinentes à profissão.

Como bem sinalizado por Mesquita e Matos (2011MESQUISTA, M.; MATOS, M. “O amor fala todas as línguas: assistente social na luta contra o preconceito” - reflexões sobre a campanha do conjunto CFESS/Cress. Em Pauta: Teoria Social e Realidade contemporânea, n. 28, p. 131-146, 2011. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.12957/rep.2011.2938 . Acesso em: 15 out. 2020.
https://doi.org/10.12957/rep.2011.2938...
, p. 132), foi considerada “uma campanha inadequada e que o CFESS não tinha que se envolver em tais questões”. Isso, por si só, já demonstra ser indispensável e urgente sensibilizar as/os profissionais, a fim de ampliar o debate sobre liberdade de orientação e de expressão sexual. A campanha foi rechaçada em vários momentos, desde a proposta inicial até sua execução. Exemplos das negativas recebidas foram os embargos moralistas de alguns espaços da categoria, que proibiram a fixação do material de divulgação. O cartaz, instrumento de divulgação da campanha, sofreu sanções para não ser fixado, evidenciando a rejeição.

As críticas e as posturas contrárias aos princípios defendidos pelo Código de Ética Profissional, mais uma vez, demonstram-nos que as ações precisam estar articuladas diretamente com o processo formativo. Potencializar o debate faz-se necessário, uma vez que a formação também vem sofrendo com a ofensiva conservadora.

Diante disso, há de se questionar como essa discussão vem sido congregada ao longo da formação. Mesquita (2009MESQUITA, M. Assistente social na luta contra o preconceito: campanha pela livre expressão e orientação sexual. In: ENCONTRO NACIONAL CFESS/CRESS, CONFERÊNCIA E DELIBERAÇÕES, 35., 2009, Brasília. Anais [...]. Brasília: CFESS, 2009.) sinaliza o valor de ser problematizada no interior das disciplinas de “Ética Profissional em Serviço Social; Movimentos Sociais, Gênero e Serviço Social; Família e Serviço Social”, dentre outras. Práticas como essas contribuem para que seja possível uma mudança cultural, capaz de contribuir para a desconstrução da heterossexualidade obrigatória e a naturalização das múltiplas violências.

A campanha trouxe à tona muitas demandas reprimidas, permitindo que o CFESS promovesse ações para responder a elas, inclusive, no âmbito jurídico. As normativas legais, quando utilizadas de forma isolada, tornam-se “letra morta” na sociedade, ao contrário de quando são aliadas a ações de caráter socioeducativo. Dessa forma, ao assumir uma dimensão político-pedagógica, desempenham o duplo papel de mobilizar e de sensibilizar a categoria na qualificação do debate proposto. Mais do que isso, promovem a reflexão e contribuem para o processo de desconstrução de uma lógica dominante.

2. Diversidade sexual e formação: uma lente de aumento sobre os currículos dos cursos de Serviço Social

Na direção de compreender as diversas nuances que permeiam o debate sobre diversidade sexual, e sua interlocução com o processo de formação profissional, centramos nossas análises nos currículos dos cursos de graduação em Serviço Social das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras presenciais.

A primeira etapa da pesquisa consistiu no mapeamento dos cursos de graduação presenciais em Serviço Social das IES brasileiras por meio do site da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), via e-mec,4 4 Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em: 15 jul. 2021. utilizando a opção “Busca Avançada”, modalidade “presencial” e situação “em atividade”. Os dados coletados tiveram como base territorial a regionalização estabelecida pela ABEPSS, alocando o país em seis regionais, assim constituídas: Centro-Oeste, Leste, Nordeste, Norte, Sul 1 e Sul 2.

Ao estabelecermos como critério de inclusão o curso de Serviço Social na modalidade presencial em atividade no ano de 2023, o quantitativo dos cursos coletados em fevereiro de 2023 foi de 232 cursos.

Para obter informações que possibilitassem alcançar este objetivo de mapear como a temática de diversidade sexual se apresenta nos cursos de Serviço Social das universidades brasileiras, optou-se por acessar os sites dos cursos, os quais são de domínio público. O acesso aos sites vislumbrou o contato com a gestão e/ou secretaria acadêmica dos cursos.

Por vezes, as homepages dos cursos disponibilizam o e-mail para contato de forma pública, e respeitando as orientações estabelecidas pela Circular n. 1/2021-Conep/SECNS/MS, a qual norteia os procedimentos em pesquisas em ambiente virtual, realizou-se o contato. A comunicação foi realizada por e-mail por meio de lista oculta de destinatários, solicitando os Projetos Pedagógicos do Curso (PPC) vigentes no ano de 2023,5 5 Dados coletados no período de fevereiro a junho de 2023. com o intuito de completar as informações necessárias, preservando a identificação das instituições de ensino.

Assim, concentramos nossas análises nos cursos de Serviço Social presenciais que disponibilizaram seus currículos, tendo como universo de pesquisa 217 estruturas curriculares, de acordo com Tabela 1.

Tabela 1.
Distribuição de currículos disponíveis por região6 6 Dados coletados no período de fevereiro a junho de 2023.

Após acesso aos currículos, buscamos evidenciar a incidência das disciplinas que discutem a temática sobre diversidade sexual nas IES públicas e privadas, de acordo com as regiões. Como forma de ilustrar a assimetria contida nas regiões, utilizamos faixas de percentual, demonstrando o comparecimento de disciplinas que incorporam o debate sobre diversidade sexual.

Ao considerarmos que o índice maior ocorre nas instituições públicas, recorremos a quatro faixas distintas: até 40%; de 41 a 70%; 71 a 99%; e em separado 100%. Já as faixas das instituições privadas mantiveram percentuais menores classificados como: até 20%; 21 a 30%; e 31 até 40%, como dispostos na Tabela 2.

Tabela 2.
Incidência da temática diversidade sexual nas IES públicas e privadas

As informações apontam para as disparidades regionais no que se refere à existência de disciplinas que contenham a discussão de diversidade sexual inclusa no currículo. Também foi possível identificar uma desproporcionalidade quando considerada a natureza administrativa das instituições e como a temática comparece.

É crível a frequência superior revelada nas IES públicas diante das IES privadas. Essa discrepância ocorre tanto na paridade quanto na incidência. Verifica-se que o menor índice de comparecimento de disciplinas nas instituições públicas, 38% na Região Leste, ainda é superior aos índices obtidos na maior região entre as instituições privadas, neste caso, evidenciada pela regional Sul 2, com 14%.

Ao que se refere às IES públicas, a Região Centro-Oeste se destaca por alcançar 100% dos cursos de Serviço Social. Ou seja, todas as instituições oferecem ao menos uma disciplina, seguida da Região Norte, com 71% de incidência. Todavia, esse mesmo percentual torna-se destoante quando relacionamos com as IES privadas, pois ele declina para 28% na Região Centro-Oeste e para 17% na Região Norte.

Tal discrepância nos aflige não apenas em termos quantitativos, mas principalmente no impacto de como esses dados reverberam no processo de formação, e como ele tem sido absorvido pela comunidade acadêmica.

Em contrapartida, quando analisamos as regionais de forma unificada, somando instituições públicas e privadas, os descompassos permanecem. A Região Centro-Oeste se mantém com maior índice de implantação de disciplinas, com 45% de IES, seguido da Região Sul 2, com 40%, como demonstrado no Mapa 1.

A visualização do mapa proporciona materialidade para a dimensão intangível dos cursos de Serviço Social, proporcionando uma leitura da realidade. A imagem permite realizar um diálogo entre as regiões e, por essa razão, colocamos uma “lente de aumento” sobre elas, oportunizando um olhar minucioso diante das regionais separadamente.

Mapa 1.
Incidência da temática diversidade sexual em âmbito nacional*

Constatou-se a presença de pelo menos um componente curricular em 71 cursos de graduação em Serviço Social, o que traduz 33% das IES. Foi possível identificar 91 disciplinas sendo ofertadas, sendo 60 de caráter obrigatório e 31 de caráter optativo. O comparecimento de disciplinas mostra-se de forma desigual nas regionais da ABEPSS. Ao considerarmos as instituições públicas, destacam-se as Regiões Centro-Oeste e Norte, com maior incidência de disciplinas contidas na matriz curricular; entretanto, quando nos referimos às IES privadas, sobressai-se a Região Sul 1, seguida das Regiões Centro-Oeste e Nordeste.

As disciplinas atravessam os três núcleos de formação, em especial o Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, com ênfase nas discussões de Família e Gênero, seguido de disciplinas que trabalham a diversidade sexual com outras temáticas, como gênero, raça/etnia e direitos humanos. Isso faz com que as disciplinas que abordem exclusivamente a temática sejam reduzidas.

Os Componentes Curriculares Básicos Comuns, integrantes do Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, também apresentaram disciplinas ofertadas nos períodos iniciais, como Antropologia e Psicologia Social.

Considerações finais

A formação profissional em Serviço Social é oriunda de bases conservadoras, enrijecidas a partir de ações dogmáticas, com vieses moralizadores. A reprodução da intolerância e do preconceito está arraigada desde sua gênese. Os predecessores profissionais consolidaram-se como fatores desafiadores para a construção de uma formação orientada pelo projeto ético-político, em consonância com diretrizes postas pelas entidades representativas da categoria.

O processo de erosão do tradicionalismo do Serviço Social foi crucial para a renovação ocorrida ao longo da formação. Fomentada a partir de elementos que se materializaram com a construção de novos currículos e a aproximação da perspectiva crítica, posicionou-se a favor da classe trabalhadora. Nesse sentido, o curso de graduação em Serviço Social forma profissionais para o exercício de um trabalho orientado por normativas vigentes que norteiam a categoria, como o Código de Ética do Profissional (1993), a Lei de Regulamentação da Profissão (n. 8.662/93)BRASIL. Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de assistente social e dá outras providências. Brasília, 1993. e as Diretrizes Curriculares da ABEPSS (1996ABEPSS. Diretrizes curriculares para o curso de Serviço Social. Brasília: ABEPSS, 1996.).

As Diretrizes Curriculares elaboradas pela ABEPSS, por sua vez, representam um amadurecimento intelectual e político da categoria, mediante o fortalecimento das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico operativa. Elas demarcam a projeção um novo projeto de formação-profissional, que reforça seu compromisso com os princípios fundamentais estabelecidos pelo Código de Ética.

A partir do exposto, a composição dos GTPs (Grupos Temáticos de Pesquisa) e a criação de coordenação, por ênfases no grupo da ABEPSS, constituem-se como avanços significativos para a formação. Ao mesmo tempo, a incorporação desse conteúdo deve se mostrar como um desafio a ser desvelado pela formação profissional em Serviço Social.

O estudo teve como objetivo geral evidenciar como o debate sobre a diversidade sexual comparece na graduação em Serviço Social presencial das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras a partir da análise dos currículos. Com base nisso, verificamos a inexistência de, pelo menos, um componente curricular que aborde a diversidade sexual em 66% das IES pesquisadas, correspondendo a 146 estruturas curriculares, de um universo de 217 cursos, desprezando as diretrizes estabelecidas pela ABEPSS desde 2014.

A privação de disciplinas configura-se como “silêncio pedagógico” ou “metodologia do silêncio”, como classificam Andrade, Lima e Gomes (2018ANDRADE, M. I. P.; LIMA, A. M. de; GOMES, H. B. Formação profissional e diversidade sexual: a “metodologia do silêncio” no projeto pedagógico do curso de Serviço Social da UFam. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 16., 2018, Manaus. Anais [...]. Manaus, 2018. v. 1, n. 1. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/25088 . Acesso em: 20 mar. 2023.
https://periodicos.ufes.br/abepss/articl...
). É utilizada como estratégia para negligenciar o debate, robustecendo o preconceito, e pactua com a perpetuação de currículos heteronormativos.

Muitas são as classificações para designar a escassez do conteúdo no meio acadêmico, mesmo porque não podemos esquecer que “o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas” (Moreira; Silva, 2005MOREIRA, A. F.; SILVA, T. T. (org.). Currículo, cultura e sociedade . 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005., p. 8).

Essas determinações muito nos revelam sobre novas e velhas disputas no campo da formação e, por consequência, da atuação profissional. Passados 18 anos da Resolução CFESS n. 489/2006CFESS. Resolução n. 489, 4 de junho de 2006. Brasília: CFESS, 2006b., nos deparamos com a permanência da resistência por uma parte da categoria, que desconsidera a temática relevante para a profissão.

Por isso, as palavras de Souza (2023SOUZA, S. B. O corpo lésbico em sala de aula: sobre pedagogias subversivas na formação profissional em serviço social. In: DUARTE, M. J. de. O. et al. (org.). Sexualidades & Serviço Social: perspectivas críticas, interseccionais e profissionais. Juiz de Fora: Editora UFJF; Selo Serviço Social, 2023., p. 65) ecoam como um grito de alerta:

Faz-se necessário um movimento conjunto, nos espaços sócio-ocupacionais, nas entidades representativas da categoria e na academia, para que se consolide o avanço do pensamento profissional em relação às questões das dissidências de gênero e sexualidades, de forma a construir uma atuação profissional capaz de responder de forma qualificada às demandas da população LGBTI+, se desfazendo de princípios e valores pessoais que promovem preconceitos e discriminação contra os gêneros e sexualidades não normativos.

Com o intuito de superar a incipiência da temática sobre diversidade sexual nos currículos dos cursos de graduação em Serviço Social, busca-se oportunizar o fortalecimento do debate sobre diversidade sexual, a fim de atender às diretrizes estabelecidas pela ABEPSS.

A inclusão dessa temática na graduação tem como objetivo aprimorar a práxis profissional, buscando potencializá-la de maneira efetiva, para que o debate seja incorporado na formação profissional com a densidade requerida, uma vez que o Serviço Social é uma profissão que possui uma atuação orientada pela defesa de direitos e, de forma incondicional, dos direitos humanos.

Referências

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  • ANDRADE, M. I. P.; LIMA, A. M. de; GOMES, H. B. Formação profissional e diversidade sexual: a “metodologia do silêncio” no projeto pedagógico do curso de Serviço Social da UFam. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM SERVIÇO SOCIAL, 16., 2018, Manaus. Anais [...]. Manaus, 2018. v. 1, n. 1. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/25088 Acesso em: 20 mar. 2023.
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  • 1
    Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos; o símbolo “+” representa outras expressões sexuais não abarcadas pela sigla, por exemplo, a assexualidade e a pansexualidade.
  • 2
    “Desde 1953, os conteúdos e disciplinas eram organizados na forma de um currículo mínimo que deveria ser seguido por todos os cursos em nível nacional. Em 2012, por determinação do MEC, num processo de contrarreforma da educação, os currículos mínimos foram substituídos por diretrizes curriculares, mais flexíveis (e soltas) e sem determinação de disciplina, apenas conteúdos mais gerais. A partir de tais diretrizes, cada unidade de ensino organiza seu projeto político-pedagógico e sua matriz curricular, não havendo uma unidade de currículos nacionalmente”. (Cardoso, 2016CARDOSO, P. F. G. 80 anos de formação em Serviço Social: uma trajetória de ruptura com o conservadorismo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 127, set./dez. 2016., p. 434).
  • 3
    Segundo Iamamoto (1999IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1999., p. 27): “A Questão Social é apreendida como um conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
  • 4
    Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em: 15 jul. 2021.
  • 5
    Dados coletados no período de fevereiro a junho de 2023.
  • 6
    Dados coletados no período de fevereiro a junho de 2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2024
  • Aceito
    26 Jul 2024
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