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JUVENAL, THE KNEE: PRAXIOLOGIAS EM TRADUÇÃO LITERÁRIA E EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA COM CRIANÇAS

JUVENAL, THE KNEE: PRAXIOLOGIES IN LITERARY TRANSLATION AND LINGUISTIC EDUCATION WITH CHILDREN

RESUMO

A educação linguística crítica com crianças e pesquisas nessa área têm estado em especial evidência na última década (Merlo; Malta, 2022MERLO, M. C. R.; MALTA, L. S. (2022) Com a palavra, a criança: conversas em sala de aula que (trans)formam. Papéis, Campo Grande, v. 26, n. 51, p. 165-184. DOI: https://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/view/15654
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; Tonelli; Kawachi-Furlan, 2021TONELLI, J.R.A.; KAWACHI-FURLAN, C.J. (2021) Perspectivas de professoras de inglês para crianças: (re)planejar, (re)pensar e (trans)formar durante a pandemia (Covid-19). Signo. Santa Cruz do Sul, v.46, n. 85, p. 83-96. Disponível em: <https://sites.google.com/view/tcchandoutsample/class-1>. Acesso em: mar.2023.
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; Malta, 2019MALTA, L. S. (2019) Além do que se vê: educação crítica e letramentos, formação de professores e prática docente no ensino de inglês com crianças de 2 a 5 anos. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Merlo, 2018MERLO, M. C. R. (2018) Inglês para crianças é para inglês ver? políticas linguísticas, formação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamental no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Tonelli; Pádua; Oliveira, 2017TONELLI, J.R.A.; PÁDUA, L. S.; OLIVEIRA, T. R. R. (2017) Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil. Paraná: Appris.). Dada a complexidade do trabalho pedagógico com crianças, pensar a linguageme a educação correlacionadas às práxis pedagógicas torna-se um caminho necessário nos dias atuais. Sendo assim, este artigo tem como principal objetivo compartilhar duas experiências que interligam estudos em tradução (Zaidan, 2012ZAIDAN, J.C.S.M. (2012) Sobre vozes, ecos e sua irrupção no texto traduzido. Tradução & Comunicação: Revista brasileira de tradutores, n. 25, p. 33-52.; Arrojo, 2007ARROJO, R. (2007) Oficina de Tradução: a Teoria na Prática. 5ª edição. São Paulo: Ática.; Bassnett, 2003BASSNETT, S. (2003) Estudos de tradução: Fundamentos de uma disciplina. Tradução de Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste.) de literatura infantil à educação linguística em inglês com crianças. Ambas as experiências foram realizadas ao longo da elaboração de trabalhos de conclusão do curso de Letras-inglês da Universidade Federal do Espírito Santo. Na primeira delas (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.), relatamos o processo de tradução da obra literária do escritor Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos., intitulada O Joelho Juvenal. Juntamente à tradução do livro, o referido estudo traz sugestões de uso do material para a prática de ensino de inglês com crianças em uma perspectiva decolonial (Menezes de Souza; Figueiredo; Martinez, 2019MENEZES DE SOUZA, L.M. T; FIGUEIREDO, E.; MARTINEZ, J. (2019) “Eu só posso me responsabilizar pelas minhas leituras, não pelas teorias que eu cito”: entrevista com Lynn Mario Trindade Menezes de Souza (USP) Revista X, n. 14. p. 5-21. DOI: 10.5380/rvx.v14i5.69230.
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; Mignolo, 2018MIGNOLO. W. (2018) What Does It Mean to Decolonize? In: MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham and London: Duke University Press. p. 105-134. DOI: https://www.youtube.com/watch?v=w5AMlbP5TRQ.
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). Em diálogo com esse trabalho de tradução literária, a segunda experiência consistiu na elaboração e desenvolvimento de planos de aula baseados na tradução realizada por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.. Assim, a pesquisa de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., além de promover reflexões sobre praxiologias (Pessoa; Silva; Freitas, 2021PESSOA, R.R.; SILVA; K.A.; FREITAS, C.C. (2021) Praxiologias do Brasil Central sobre educação linguística crítica. São Paulo: Pá de Palavra.), tece considerações sobre a relevância da literatura na educação infantil (Tonelli, 2008TONELLI, J.R.A. (2008) O uso de histórias infantis no ensino de inglês para crianças: analisando o gênero textual história infantil sob a perspectiva do interacionismo sócio-discursivo. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 30, n. 1, p. 19-27.) e defende que práticas de contação de histórias auxiliam na promoção de um olhar freireano (Freire, 1997FREIRE, P. (1997) Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água.; 1996FREIRE, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.; 1987FREIRE, P. (1987) Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra.) para a educação linguística crítica com crianças. Finalmente, refletimos sobre como ambas as experiências colaboram para a formação docente inicial desses estudantes em fase final da graduação, ao mesmo tempo em que cooperaram para a construção de seus próprios currículos e de suas práticas pedagógicas com crianças.

Palavras-chave:
praxiologias; tradução literária; educação linguística com crianças; formação docente; literatura infantil

ABSTRACT

Critical language education with children and research in this area have been in particular evidence in the last decade (Merlo; Malta, 2022MERLO, M. C. R.; MALTA, L. S. (2022) Com a palavra, a criança: conversas em sala de aula que (trans)formam. Papéis, Campo Grande, v. 26, n. 51, p. 165-184. DOI: https://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/view/15654
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; Tonelli; Kawachi-Furlan, 2021TONELLI, J.R.A.; KAWACHI-FURLAN, C.J. (2021) Perspectivas de professoras de inglês para crianças: (re)planejar, (re)pensar e (trans)formar durante a pandemia (Covid-19). Signo. Santa Cruz do Sul, v.46, n. 85, p. 83-96. Disponível em: <https://sites.google.com/view/tcchandoutsample/class-1>. Acesso em: mar.2023.
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; Malta, 2019MALTA, L. S. (2019) Além do que se vê: educação crítica e letramentos, formação de professores e prática docente no ensino de inglês com crianças de 2 a 5 anos. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Merlo, 2018MERLO, M. C. R. (2018) Inglês para crianças é para inglês ver? políticas linguísticas, formação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamental no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Tonelli; Pádua; Oliveira, 2017TONELLI, J.R.A.; PÁDUA, L. S.; OLIVEIRA, T. R. R. (2017) Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil. Paraná: Appris.). Due to the complexity of pedagogical work with children, thinking about language and education correlated with pedagogical praxis becomes necessary nowadays. Therefore, this article aims to share two experiences that link translation studies (Zaidan, 2012ZAIDAN, J.C.S.M. (2012) Sobre vozes, ecos e sua irrupção no texto traduzido. Tradução & Comunicação: Revista brasileira de tradutores, n. 25, p. 33-52.; Arrojo, 2007ARROJO, R. (2007) Oficina de Tradução: a Teoria na Prática. 5ª edição. São Paulo: Ática.; Bassnett, 2003BASSNETT, S. (2003) Estudos de tradução: Fundamentos de uma disciplina. Tradução de Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste.) - of children’s literature - to language education in English with children. Both experiences were carried out during the preparation of final papers (Trabalho de Conclusão de Curso) for the Letras-Inglês course at the Federal University of Espírito Santo. In the first one (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.), we report the translation process of the literary work of the writer Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos. entitled O Joelho Juvenal. Together with the translation of the book, that study brings suggestions for using the material to teach English with children from a decolonial perspective (Menezes de Souza; Figueiredo; Martinez, 2019MENEZES DE SOUZA, L.M. T; FIGUEIREDO, E.; MARTINEZ, J. (2019) “Eu só posso me responsabilizar pelas minhas leituras, não pelas teorias que eu cito”: entrevista com Lynn Mario Trindade Menezes de Souza (USP) Revista X, n. 14. p. 5-21. DOI: 10.5380/rvx.v14i5.69230.
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; Mignolo, 2018MIGNOLO. W. (2018) What Does It Mean to Decolonize? In: MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham and London: Duke University Press. p. 105-134. DOI: https://www.youtube.com/watch?v=w5AMlbP5TRQ.
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). In dialogue with this work of literary translation, the second experience consisted of the elaboration and development of lesson plans based on the translation carried out by Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.. Thus, the research by Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., in addition to promoting reflections on praxiologies (Pessoa; Silva; Freitas, 2021PESSOA, R.R.; SILVA; K.A.; FREITAS, C.C. (2021) Praxiologias do Brasil Central sobre educação linguística crítica. São Paulo: Pá de Palavra.), considers the relevance of literature in early childhood education (Tonelli, 2008TONELLI, J.R.A. (2008) O uso de histórias infantis no ensino de inglês para crianças: analisando o gênero textual história infantil sob a perspectiva do interacionismo sócio-discursivo. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 30, n. 1, p. 19-27.) and argues that storytelling practices help to promote a Freirean perspective (Freire, 1997FREIRE, P. (1997) Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água.; 1996FREIRE, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.; 1987FREIRE, P. (1987) Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra.) for critical language education with children. Finally, we reflect on how both experiences contribute to the initial teacher education of these students in the final stages of undergraduate courses, while at the same time cooperating in the construction of their own curricula and their pedagogical practices with children.

Keywords:
praxiologies; literary translation; language education with children; teacher education; children’s literature

INTRODUÇÃO

Quando falamos sobre educação linguística com crianças (ELIC), temos percebido a crescente busca de pesquisadoras e pesquisadores por investigar tal cenário, assim como temos notado o interesse de docentes em formação inicial - tanto da área de línguas e letras quanto da área da pedagogia - pelo aprendizado e desenvolvimento de práxis pedagógicas que envolvam a educação com crianças (Merlo; Malta, 2022MERLO, M. C. R.; MALTA, L. S. (2022) Com a palavra, a criança: conversas em sala de aula que (trans)formam. Papéis, Campo Grande, v. 26, n. 51, p. 165-184. DOI: https://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/view/15654
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; Tonelli; Kawachi-Furlan, 2021TONELLI, J.R.A.; KAWACHI-FURLAN, C.J. (2021) Perspectivas de professoras de inglês para crianças: (re)planejar, (re)pensar e (trans)formar durante a pandemia (Covid-19). Signo. Santa Cruz do Sul, v.46, n. 85, p. 83-96. Disponível em: <https://sites.google.com/view/tcchandoutsample/class-1>. Acesso em: mar.2023.
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; Malta, 2019MALTA, L. S. (2019) Além do que se vê: educação crítica e letramentos, formação de professores e prática docente no ensino de inglês com crianças de 2 a 5 anos. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Merlo, 2018MERLO, M. C. R. (2018) Inglês para crianças é para inglês ver? políticas linguísticas, formação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamental no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Tonelli; Pádua; Oliveira, 2017TONELLI, J.R.A.; PÁDUA, L. S.; OLIVEIRA, T. R. R. (2017) Ensino e Formação de Professores de Línguas Estrangeiras para Crianças no Brasil. Paraná: Appris.).

Diferentemente do que costumava acontecer há alguns anos, quando comumente nos deparávamos com a carência de pesquisas que abordassem teorias e estratégias em ELIC, hoje já podemos nos sentir mais amparadas acerca do trabalho docente nessa área, muito embora reconheçamos que, na visão mais ampla da educação e da linguística aplicada, ainda somos uma pequena fatia do bolo, havendo ainda espaço e necessidade para maiores aprofundamentos em pesquisas. De todo modo, vemos o crescente interesse nos estudos acerca da ELIC com bons olhos, na esperança de que tais investigações possam contribuir para o desapego de práticas consideradas tradicionais e auxiliar na proposição de praxiologias mais responsivas às necessidades das crianças.

Neste trabalho, compreendemos praxiologias como a fusão entre epistemologias e práticas, que se misturam de tal forma “que não podem ser expressas senão em uma palavra”, conforme sugerem Pessoa, Silva e Freitas (2021PESSOA, R.R.; SILVA; K.A.; FREITAS, C.C. (2021) Praxiologias do Brasil Central sobre educação linguística crítica. São Paulo: Pá de Palavra., p. 16). Assim como esses autores, é assim que interpretamos o argumento de Freire (1996)FREIRE, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra., para quem não há teoria sem prática, nem prática sem teoria. Para nós, o termo praxiologias marca discursivamente a inseparabilidade entre epistemologias e práticas e evita o binarismo “teoria versus prática”, que “além de não explicar, hierarquiza conhecimentos em nossa área” (Pessoa; Silva; Freitas, 2021PESSOA, R.R.; SILVA; K.A.; FREITAS, C.C. (2021) Praxiologias do Brasil Central sobre educação linguística crítica. São Paulo: Pá de Palavra., p. 16).

Essa hierarquização de saberes se dá, por exemplo, quando posicionamos a universidade como suposto local privilegiado para elaboração de teorias e a escola como contexto de práticas, de aplicação dessas teorias. Em um exercício decolonial (Mignolo, 2018MIGNOLO. W. (2018) What Does It Mean to Decolonize? In: MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham and London: Duke University Press. p. 105-134. DOI: https://www.youtube.com/watch?v=w5AMlbP5TRQ.
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), questionamos essa hierarquização, pois entendemos que ambos os contextos configuram-se espaços de praxiologias responsivas e responsáveis diante dos desafios que se colocam diante de nós, seja como docentes ou como discentes.

É nessa perspectiva que buscamos atuar em nossos contextos de trabalho, sejam eles em nossas pesquisas, na ELIC, na formação docente inicial e continuada. Entendemos que essa conduta se ampara essencialmente na educação crítica freireana na medida em que compreendemos a postura horizontal e dialógica da pessoa docente, de modo que

Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades, e não contra eles (Freire, 1987FREIRE, P. (1987) Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra., p.39).

E assim, quebrando as barreiras da autoridade em prol das liberdades, o que está em jogo não é a capacidade docente de compreender e reproduzir teorias em suas práticas, mas, sim, de ser capaz de trazer a criança para o co-protagonismo da aula, promovendo praxiologias que sejam contextualizadas e que levem em consideração a criança em suas especificidades.

Cientes da complexidade que envolve a proposição de tais praxiologias, temos o objetivo de trazer neste trabalho reflexões que alinhavam conhecimentos em diferentes áreas, a saber, linguística aplicada, educação, literatura e tradução, que juntas podem nos auxiliar no processo de construção de saberes acerca da ELIC. Nossas reflexões se apoiam na transdisciplinaridade, perspectiva necessária para quem se propõe a pesquisar e/ou atuar com crianças. Em concordância com Ferraz (2018)FERRAZ, D. M. (2018) Educação Linguística e Transdisciplinaridade. In: PESSOA, R. R.; SILVESTRE, V. P. V.; MONTE MÓR, W. Perspectivas Críticas de Educação Linguística no Brasil: trajetórias e práticas de professoras/es universitárias/os de inglês. São Paulo: Pá de Palavra. p. 103-117., compreendemos que,

[...] em oposição à interdisciplinaridade (ideia de disciplinas dialogando, mas mantendo seus espaços), a transdisciplinaridade enseja conhecer e visitar o espaço do outro e, a partir desse encontro, transformar o seu próprio espaço. [A transdisciplinaridade contribui para] a possibilidade de transformações de seus próprios conhecimentos, expansão do olhar, inclusão de novos conhecimentos na formação docente e na prática pedagógica. [...] Não há fórmulas prontas, não há um modelo de transdisciplinaridade em que se estabelece que disciplinas X ou Y são essenciais. São os formadores e os contextos que determinarão quais conhecimentos são necessários (Ferraz, 2018FERRAZ, D. M. (2018) Educação Linguística e Transdisciplinaridade. In: PESSOA, R. R.; SILVESTRE, V. P. V.; MONTE MÓR, W. Perspectivas Críticas de Educação Linguística no Brasil: trajetórias e práticas de professoras/es universitárias/os de inglês. São Paulo: Pá de Palavra. p. 103-117., p. 110 ).

Com isso em mente, este artigo se justifica pela necessidade de investigar conhecimentos que julgamos necessários tanto para a formação docente inicial e continuada quanto para o trabalho em ELIC. Nesse sentido, retomamos a fala de Ferraz (2018)FERRAZ, D. M. (2018) Educação Linguística e Transdisciplinaridade. In: PESSOA, R. R.; SILVESTRE, V. P. V.; MONTE MÓR, W. Perspectivas Críticas de Educação Linguística no Brasil: trajetórias e práticas de professoras/es universitárias/os de inglês. São Paulo: Pá de Palavra. p. 103-117. ao notar que o ato de visitar e conhecer as áreas supracitadas favorece a transformação de nosso próprio espaço de atuação, colaborando para o desenho de nossas praxiologias. Mais especificamente, direcionamos o olhar para a literatura (infantil) como uma possibilidade para amparar praxiologias em ELIC, contando com a coparticipação de outras teorias e filosofias que também fazem parte da formação docente inicial no curso de Letras-Inglês da Universidade Federal do Espírito Santo.

Contextualização

Este artigo compartilha duas experiências que interligam estudos em tradução (Zaidan, 2012ZAIDAN, J.C.S.M. (2012) Sobre vozes, ecos e sua irrupção no texto traduzido. Tradução & Comunicação: Revista brasileira de tradutores, n. 25, p. 33-52.; Arrojo, 2007ARROJO, R. (2007) Oficina de Tradução: a Teoria na Prática. 5ª edição. São Paulo: Ática.; Bassnett, 2003BASSNETT, S. (2003) Estudos de tradução: Fundamentos de uma disciplina. Tradução de Vivina de Campos Figueiredo. Lisboa: Fundação Calouste.) literária, mais especificamente de literatura infantil, à ELIC. Essas experiências incluem um recorte de trabalhos de conclusão de curso, dos quais participamos como autores (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Silva, 2023SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.) como orientadora ou banca examinadora. Tais trabalhos, além de dialogarem entre si, também ensejam perspectivas transdisciplinares para a ELIC.

Na primeira experiência, relatamos o processo de tradução da obra literária do escritor Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos., intitulada O Joelho Juvenal (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.). Juntamente à tradução do livro, o referido estudo traz sugestões de uso do material para a prática de educação em inglês com crianças em uma perspectiva decolonial (Menezes de Souza; Figueiredo; Martinez, 2019MENEZES DE SOUZA, L.M. T; FIGUEIREDO, E.; MARTINEZ, J. (2019) “Eu só posso me responsabilizar pelas minhas leituras, não pelas teorias que eu cito”: entrevista com Lynn Mario Trindade Menezes de Souza (USP) Revista X, n. 14. p. 5-21. DOI: 10.5380/rvx.v14i5.69230.
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; Mignolo, 2018MIGNOLO. W. (2018) What Does It Mean to Decolonize? In: MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham and London: Duke University Press. p. 105-134. DOI: https://www.youtube.com/watch?v=w5AMlbP5TRQ.
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), que será discutida nas próximas seções deste artigo.

Em um diálogo com esse trabalho de tradução literária, a segunda experiência consistiu em um trabalho de cunho autoetnográfico elaborado por Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., que teve como objetivo elaborar e desenvolver planos de aula baseados na tradução realizada por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.. Assim, a pesquisa de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. tece considerações sobre a relevância da literatura na educação infantil (Tonelli, 2008TONELLI, J.R.A. (2008) O uso de histórias infantis no ensino de inglês para crianças: analisando o gênero textual história infantil sob a perspectiva do interacionismo sócio-discursivo. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 30, n. 1, p. 19-27.) e defende que práticas de contação de histórias auxiliam na promoção de um olhar freireano (Freire, 1997FREIRE, P. (1997) Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água.; 1996FREIRE, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra.; 1987FREIRE, P. (1987) Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra.) para a educação linguística crítica com crianças.

O diálogo entre os estudos de Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. e Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., além de valorizar e fortalecer as pesquisas locais, também evidencia a importância do compartilhamento de experiências entre pares para a formação docente, conforme refletimos em Merlo e Malta (2022)MERLO, M. C. R.; MALTA, L. S. (2022) Com a palavra, a criança: conversas em sala de aula que (trans)formam. Papéis, Campo Grande, v. 26, n. 51, p. 165-184. DOI: https://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/view/15654
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. Por meio das contribuições desses autores e dessas autoras, juntamente com praxiologias acerca da importância da inserção da literatura na ELIC, compartilhamos, nas próximas seções, as experiências aqui contextualizadas, refletindo sobre como elas podem contribuir também para a formação docente.

1. A LITERATURA NA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA EM INGLÊS COM CRIANÇAS

A literatura infantil é um recurso bastante utilizado em aulas com crianças, sobretudo quando se tem como objetivo o trabalho com a linguagem. Mais especificamente no caso da ELIC, é comum recorrermos a obras que trazem narrativas, ilustrações, entre outras possibilidades em literatura, a fim de contextualizar a construção do pensamento.

Segundo Krug, “a leitura permite o despertar de sentimentos e emoções, inspirando-nos a um ambiente repleto de possibilidades formuláveis, tantas quantas vezes forem necessárias” (Krug, 2015KRUG, F. S. (2015) A importância da leitura na formação do leitor. REI: Revista de Educação do IDEAU, v. 10, n 22., p.6). Essas possibilidades se materializam especialmente quando as práticas de leitura são contextualizadas por meio de obras literárias, principalmente quando se trata de crianças pequenas. Nesse caso, podemos dizer que

A leitura contribui para ampliar a visão de mundo, estimular o desejo de outras leituras, exercitar a fantasia e a imaginação, compreender o funcionamento comunicativo da escrita, compreender a relação fala/ escrita, desenvolver estratégias de leitura, ampliar a familiaridade com os textos, desenvolver a capacidade de aprender, ampliar o repertório textual para a produção dos próprios textos, conhecer as especificidades dos diferentes tipos do texto, favorecer a aprendizagem das convenções da escrita, só para citar algumas possibilidades (Smith, 2006SMITH, F. (2006) O Letramento na educação escolar: desfazendo alguns mitos. In: CARVALHO, M. A. F. Prática de leitura e escrita. Brasília: Ministério da educação., p. 36).

Com isso, é possível reconhecer a relevância da proposição de praxiologias literárias com as crianças, principalmente quando assumimos que a educação linguística tem, dentre outros objetivos, o propósito de formar leitores e leitoras, auxiliando-as a contextualizar a língua e a linguagem, a pensar criticamente e a exercitar a leitura de imagens e palavras (Smith, 2006SMITH, F. (2006) O Letramento na educação escolar: desfazendo alguns mitos. In: CARVALHO, M. A. F. Prática de leitura e escrita. Brasília: Ministério da educação.; Wright, 1995WRIGHT, A. (1995) Storytelling with children. Oxford: Oxford University Press.). Podemos dizer, portanto, que as práticas literárias também encorajam uma perspectiva transdisciplinar para a aprendizagem, na medida em que promovem a articulação de saberes diversos, transpondo a mera repetição de estrutura e vocabulário (Tonelli, 2008TONELLI, J.R.A. (2008) O uso de histórias infantis no ensino de inglês para crianças: analisando o gênero textual história infantil sob a perspectiva do interacionismo sócio-discursivo. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 30, n. 1, p. 19-27.). Tal prática, ainda vigente em diversos contextos (Merlo, 2018MERLO, M. C. R. (2018) Inglês para crianças é para inglês ver? políticas linguísticas, formação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamental no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.), tem sido questionada por váriosestudos na área de ELIC, que reconhecem que as crianças aprendem por meio do contexto, de vivências e da ludicidade (Tonelli, 2013TONELLI, J.R.A. (2013) Histórias infantis e ensino de Inglês para crianças: reflexões e contribuições. Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 13, n. 2, p. 297-315.). Desse modo, a proposta de pensar a literatura juntamente com as crianças em sala de aula tem a pretensão de auxiliá-las na sua formação completa, isto é, no desenvolvimento de sua identidade, cultura e discursos (Kawachi-Furlan; Malta; 2020MERLO, M. C. R; KAWACHI-FURLAN, C. J. (2020) Língua e linguagem na educação de língua estrangeira para crianças: reflexões sobre filosofias da linguagem estruturalista e pós-estruturalista. Revelli, Inhumas, v. 12, p. 1-19. Disponível em https://doi.org/10.55028/papeis.v26i51.14991. Acesso em: jun. 2023.
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), compreendendo que “língua e cultura fazem parte de um binômio inseparável” (Rocha, 2018ROCHA, C. H. (2018) Foreign language MOOCs design: challenges to provide meaningful learning. The ESPecialist , v. 39, p. 1-25., p.10).

Bem, tendo reconhecido a importância de promovermos experiências literárias com as crianças, o próximo passo seria pensar em quais recursos utilizar. Enquanto professores de língua inglesa, frequentemente consumimos o que vem do Norte, principalmente dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, seja em formato de livros, jogos, vídeos ou quaisquer outros recursos que possibilitem à criança o contato contextualizado com o idioma estrangeiro. Dessa forma, deparamo-nos com outra questão político-filosófica: como seria possível utilizarmos a literatura como potente recurso em ELIC sem que, com isso, colonizássemos as crianças com as quais atuamos por meio da indução a um modo “ideal” de língua, cultura e identidade, proveniente do estrangeiro imperialista e não do contexto local?

A resposta veio depois de muito pensarmos e discutirmos a educação crítica para a qual nos voltamos filosoficamente. E veio em forma de outra pergunta: seria preciso lançar mão da literatura infantil estrangeira que já estava posta ou poderíamos - como sugerem Menezes de Souza, Figueiredo e Martinez (2019)MENEZES DE SOUZA, L.M. T; FIGUEIREDO, E.; MARTINEZ, J. (2019) “Eu só posso me responsabilizar pelas minhas leituras, não pelas teorias que eu cito”: entrevista com Lynn Mario Trindade Menezes de Souza (USP) Revista X, n. 14. p. 5-21. DOI: 10.5380/rvx.v14i5.69230.
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- realizar tal tarefa em nosso próprio modus operandi?

Para nós, pensar, criticar e questionar são ações fundamentais para definirmos nossos modos de fazer. Segundo Rosa,

A defesa de um método único e “perfeito”, escolhido sem um processo reflexivo, e que irá funcionar em qualquer realidade, com qualquer aluno, sendo aplicado por qualquer professor, desconsidera por completo o contexto de ensino e o caráter sócio-político, cultural e ideológico da língua (Rosa, 2020ROSA, M. M. F. (2020) O ensino de Inglês para a educação infantil: a visão de educadoras sobre sua formação, seu papel como professoras e objetivos de ensino. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., p. 41).

E foi refletindo sobre o contexto e o caráter político-social-cultural-ideológico da língua que decidimos nos aprofundar em teorias decoloniais e articulá-las à tradução literária para que, com isso, fosse possível elaborarmos nosso próprio material facilitador do trabalho pedagógico com as crianças. Essas reflexões serão exploradas na seção a seguir, na qual abordamos a tradução literária e a decolonialidade como possibilidades para a atuação em ELIC.

2. TRADUÇÃO LITERÁRIA, DECOLONIALIDADE E EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA COM CRIANÇAS

Apesar de compreendermos que trazer literatura estrangeira para a sala de aula seja relevante e enriquecedor, gostaríamos de promover praxiologias contextuais, localizadas, em oposição às práticas pedagógicas embasadas em modelos únicos de cultura e de linguagem vindos do Norte (Mignolo, 2018MIGNOLO. W. (2018) What Does It Mean to Decolonize? In: MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham and London: Duke University Press. p. 105-134. DOI: https://www.youtube.com/watch?v=w5AMlbP5TRQ.
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). Conforme mencionamos na seção anterior, nosso grande questionamento em relação à literatura como apoio pedagógico na ELIC teve por base o receio da possibilidade de colonizar por meio da língua, algo com o qual não concordamos e não gostaríamos de promover.

Merlo (2018MERLO, M. C. R. (2018) Inglês para crianças é para inglês ver? políticas linguísticas, formação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamental no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., p. 84) observa que a utilização de livros anglófonos, geralmente vindos de países considerados imperialistas, “tem movimentado substancialmente a indústria mundial de ensino e venda de recursos e materiais didáticos, geralmente sediadas nesses países”. Partindo desse argumento, reafirmamos não ter como intenção reforçar a apreciação da cultura exterior desde a educação infantil, criando a falsa perspectiva de separação entre as culturas e a crença de uma língua “superior”. Desse modo,

É importante mencionar que a expansão do inglês como LE não deve ser vista como fruto do acaso. Por trás dos discursos de neutralidade da expansão do inglês como língua franca, escondem-se interesses mercadológicos e colonizadores, principalmente das nações britânica e estadunidense (Assis Peterson; Cox, 2007), geralmente caracterizadas como sendo o berço legítimo desta língua (Kumaravadivelu, 2006; Duboc, 2015). (Merlo, 2018MERLO, M. C. R. (2018) Inglês para crianças é para inglês ver? políticas linguísticas, formação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamental no Espírito Santo. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., p. 84).

Assim, ao desenhar as praxiologias que iriam compor seu trabalho de conclusão de curso em uma perspectiva decolonial, Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. questiona práticas pedagógicas que reforcem os interesses mercadológicos e colonizadores que podem ser impulsionados pela aquisição de materiais estrangeiros para fins didáticos. A estratégia proposta pelo autor para tentar escapar de tais práticas foi a tradução de uma obra brasileira de literatura infantil para ser utilizada em aulas de inglês com crianças.

Para que fosse possível tamanha empreitada, a pesquisa se desenvolveu em 6 fases: 1. a escolha do livro; 2. a tradução do texto; 3. a elaboração de considerações sobre tradução, decolonialidade e ELIC; 4. a análise da tradução com base em uma perspectiva decolonial; 5. a escrita do trabalho; e 6. a disponibilização do material para professoras e professores de ELIC (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.).

É importante enfatizar que não consideramos esse trabalho mais ou menos importante que outros, tampouco acreditamos que tal prática aniquilará a colonialidade, nem mesmo defendemos o abandono de obras anglófonas provenientes de países do Norte. O pensamento decolonial reconhece a dificuldade de anular os efeitos da colonialidade que nos perpassa, principalmente se considerarmos a sociedade em seus moldes vigentes (Mignolo, 2018MIGNOLO. W. (2018) What Does It Mean to Decolonize? In: MIGNOLO, W.; WALSH, C. On Decoloniality: Concepts, Analytics, Praxis. Durham and London: Duke University Press. p. 105-134. DOI: https://www.youtube.com/watch?v=w5AMlbP5TRQ.
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). O que buscamos, em uma perspectiva decolonial, é propor outras visões e caminhos possíveis, a partir da problematização da realidade como resultado de processos naturalizados, tais como a ideia de que os produtos e saberes do Norte são melhores. Nesse entendimento, o que Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. pretendeu com as praxiologias que propõe foi pensar em novas possibilidades de trazer a literatura para a educação infantil de modo a auxiliar a criança na formação de suas culturas, suas linguagens e de saberes outros, construídos localmente.

Para além de questões das línguas sistematizadas e estabelecidas politicamente, também compreendemos que o ato de ler um livro para ou com uma criança pode se configurar em uma prática decolonial. Dizemos isso porque entendemos que em livros infantis também lidamos com a leitura de imagens, que é majoritariamente praticada pela criança enquanto, geralmente, a pessoa adulta é responsável pela leitura das palavras. Assim, conceber a elasticidade e as múltiplas possibilidades de elaboração dos sentidos das imagens também é considerar, para adultos e crianças, tais possibilidades na língua escrita.

A presença de imagens na literatura infantil, ao mesmo tempo que possibilita práticas de leitura multimodais, traz desafios para a tradução literária, pois implica em relacionar o que está sendo dito à determinada ilustração da página. Ou seja, quanto maior for a relação entre a linguagem escrita e a imagética, mais complicada pode se tornar a tradução.

Para Camargo (1995)CAMARGO, L. (1995) A relação entre imagem e texto na ilustração de Poesia Infantil. Ensaios. s.p. Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/30296.> Acesso em: jul. 2023.
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, livros com ilustrações devem preferencialmente estar coesos com a escrita, pois a ilustração por si só não apresenta sentido em relação a um texto:

Pode-se entender a coerência intersemiótica como a relação de coerência, quer dizer, de convergência ou não-contradição entre os significados denotativos e conotativos da ilustração e do texto. Como essa convergência só ocorre nos casos ideais, pode-se falar em três graus de coerência: a convergência, o desvio e a contradição. Avaliar, portanto, a coerência entre uma determinada ilustração e um determinado texto significa avaliar em que medida a ilustração converge para os significados do texto, deles se desvia ou os contradiz (Camargo, 1995CAMARGO, L. (1995) A relação entre imagem e texto na ilustração de Poesia Infantil. Ensaios. s.p. Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/30296.> Acesso em: jul. 2023.
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, p.1).

A tradução de livros infantis, portanto, se torna mais complexa pela razão de maior vínculo entre os textos verbais e não verbais (Camargo, 1995CAMARGO, L. (1995) A relação entre imagem e texto na ilustração de Poesia Infantil. Ensaios. s.p. Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/30296.> Acesso em: jul. 2023.
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; Jakobson, 1974JAKOBSON, R. (1974) Lingüística e comunicação. 6ª ed. São Paulo: Cultrix.), já que normalmente apresentam maior diversidade de elementos não verbais. Contudo, vale ressaltar novamente que, apesar de se procurar coesão e coerência entre os sistemas semióticos dos textos, é impossível reproduzir totalmente algum texto em outra língua, como argumentam Diniz e Cadôr (1994DINIZ, T. F. N.; CADÔR, A. B. (1994) A tradução intersemiótica e o conceito de equivalência. In: Anais do IV Congresso da ABRALIC, Literatura e Diferença. p. 1001-1004., p.1003):

Este é o nível da tradução intersemiótica. Assim, a equivalência não se define como busca pela - igualdade que não pode ser encontrada nem dentro da mesma língua - mas como processo. A percepção da equivalência é como uma dialética entre os signos dos textos em questão e o objetivo da tradução passa a ser esclarecer a questão da equivalência e examinar o que constitui o sentido dentro desse processo.

Compreendemos a tradução intersemiótica conforme Roman Jakobson, para quem “a tradução intersemiótica ou transmutação consiste na interpretação dos signos verbais por meio de signos não verbais” (Jakobson, 1974JAKOBSON, R. (1974) Lingüística e comunicação. 6ª ed. São Paulo: Cultrix., p. 65). Em diálogo com Diniz e Cadôr, a asserção de Zaidan (2012ZAIDAN, J.C.S.M. (2012) Sobre vozes, ecos e sua irrupção no texto traduzido. Tradução & Comunicação: Revista brasileira de tradutores, n. 25, p. 33-52., p. 40), nos mostra que a busca pela equivalência total na tradução intersemiótica revela uma postura colonizadora tanto em relação à linguagem quanto ao sujeito:

Transitar, via tradução, entre dois sistemas semióticos presumindo a possibilidade de equivalência total através de um suposto transporte de significados reflete uma visão essencialista e representacionista da linguagem bem como cartesiana do sujeito. Implicada nessa visão está, como consequência, a neutralização tanto (e principalmente) da diferença, quanto da natureza irredutível e contingente de qualquer língua.

Desse modo, podemos considerar que as traduções realizadas na pesquisa de Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., apesar de não terem buscado uma equivalência total entre diferentes semioses, levaram em consideração a relação entre o verbal e o não-verbal dos textos fontes. Adotar essa postura foi uma decisão de tradução literária e de educação crítica horizontalizada (Monte Mór; Nascimento, 2020MONTE MÓR, W.; NASCIMENTO, A. K. (2020) Hierarquias verticais e horizontais na formação atual de professores. Encontro do 2o Ciclo de Palestras do GEELLE. Youtube. 12/2020. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/revelli/article/view/10223. Acesso em: jul.2023.
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), pois considera a imagem, que é justamente o que uma criança que ainda não foi alfabetizada consegue ler e a partir do qual a criança constrói sentido. Para nós, a postura horizontal de Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. tende a incentivar a criança a produzir significados com base no que ela consegue ler, trabalhando criticidade e autonomia e contribuindo para os momentos de aprendizagem na escola (Malta, 2019MALTA, L. S. (2019) Além do que se vê: educação crítica e letramentos, formação de professores e prática docente no ensino de inglês com crianças de 2 a 5 anos. Dissertação de Mestrado em Linguística. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.).

Com essa visão decolonial para o modo de traduzir obras literárias infantis e assumindo uma postura crítica, dialogada e horizontalizada ao longo do processo de formação docente é que chegamos ao nome de Ziraldo e à obra O Joelho Juvenal (2005), cujo processo de tradução literária (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.) será compartilhado a seguir.

O Joelho Juvenal, mas também Juvenal, The Knee

No livro O Joelho Juvenal, de Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos., somos apresentados de uma forma lúdica e contextualizada à personificação da parte do corpo que dá nome ao livro. Somos levados a visualizar como o joelho de uma criança vive, percebendo, a partir dele, sua visão e perspectiva de mundo, o que ele sente, sofre, deseja e observa. Por meio da leitura, podemos criar relações com os sentimentos e acontecimentos da vida do menino, além de refletir sobre o que ocorre quando esse menino deixa de ser criança e se torna um adulto.

No que diz respeito à tradução elaborada por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., conforme mencionamos anteriormente, as imagens do livro foram levadas em conta para que fizessem sentido com o texto (Jakobson, 1974JAKOBSON, R. (1974) Lingüística e comunicação. 6ª ed. São Paulo: Cultrix.; Camargo, 1995CAMARGO, L. (1995) A relação entre imagem e texto na ilustração de Poesia Infantil. Ensaios. s.p. Disponível em: <https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/30296.> Acesso em: jul. 2023.
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) e também em consideração ao fato de que Ziraldo é reconhecido nacionalmente por ser um grande ilustrador.

Em relação à estrutura do texto, foi mantida a mesma configuração de parágrafos, pois, de certa forma, ela preserva a métrica que foi pensada pelo autor. Apesar de o livro não ter rimas em todas as páginas, Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. procurou inserir rimas por meio de aliterações, considerando que a poesia, “com seus versos e musicalidade, desperta emoções e sentimentos no leitor, levando-o a penetrar intensamente no universo do poema” (Ferreira, 2016FERREIRA, M. L. (2016) A musicalidade em contexto de ensino de português, LM, e de francês, LE. Relatório de estágio apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Disponível em: https://doi.org/10.1215/9780822371779-007 Acesso em: jul.2023.
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, p. 30). Pensando na ELIC, observamos que a musicalidade e as rimas podem tornar a aprendizagem mais fluida, uma vez que elas nos ajudam a desenvolver e aprender, não somente o inglês, mas qualquer outra língua na educação com crianças. “As Nursery Rhymes, por exemplo, são histórias e/ou canções curtas em língua inglesa utilizam esse recurso com a finalidade de serem facilmente memoráveis” (Galvão; Assis; Lima, 2020GALVÃO, A. S. M.; ASSIS, E. P.; LIMA, A. P. (2020) Storytelling nas aulas de inglês para crianças: sugestões para professores. Via Litterae: Revista de Linguística e Teoria Literária, v. 12, n. 2, p. 211-232., p. 219).

Para as mesmas autoras,

As rimas, por exemplo - com suas repetições de fonemas idênticos ou semelhantes - auxiliam a construir textos com sonoridade, ritmo e musicalidade, proporcionando ao professor que trabalha com storytelling desenvolver competências que vão desde a aquisição vocabular até o trabalho com a memória auditiva dos alunos (Galvão; Assis; Lima, 2020GALVÃO, A. S. M.; ASSIS, E. P.; LIMA, A. P. (2020) Storytelling nas aulas de inglês para crianças: sugestões para professores. Via Litterae: Revista de Linguística e Teoria Literária, v. 12, n. 2, p. 211-232., p.218).

Conforme mencionamos anteriormente, neste artigo trazemos um recorte do trabalho de Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. na medida em que ele nos fornece subsídios para pensar em praxiologias em tradução literária e ELIC. Desse modo, não é nosso objetivo retomar todas as escolhas de tradução feitas pelo autor. Assim, compartilhamos aqui apenas alguns exemplos que demonstram as perspectivas articuladas neste trabalho.

Figura 1
Capa do Livro

Figura 2
Página 3

Quadro 1
Página 3

No título, o nome do joelho foi mantido, visto que nomes próprios não precisam necessariamente ser traduzidos, e manter o nome Juvenal demonstraria a escolha pelo abrasileiramento no nome da obra, pois embora ela tivesse se tornado um livro em inglês, ainda era um livro escrito e traduzido por brasileiros.

Figura 3
Páginas 4 e 5

Quadro 2
Páginas 4 e 5

Na segunda página, a expressão poor guy foi escolhida primeiramente. Porém, apesar do joelho ser personificado na história, no fim foi usada uma expressão mais neutra (Baker, 1992), poor thing, para que ficasse claro que ela se refere ao joelho, e não ao menino da história. Além disso, a escolha da expressão mais neutra pode ajudar a mostrar à criança a existência de uma possibilidade de neutralidade de gênero no discurso, pois não há, nesse caso, relevância quanto a uma parte do corpo ser considerada masculina ou feminina, ainda que seu nome seja um nome considerado masculino (Juvenal).

A explicação entre parênteses “like an old toy” foi incluída na tradução para que a criança pudesse, por meio da assimilação com um brinquedo velho, compreender o significado do vocábulo scraped. Essa palavra pode ser considerada complexa para crianças pequenas, muito embora creiamos que ela faça parte de suas vivências, pois é usual que uma criança tenha seu joelho ralado, ou, nas palavras de Ziraldo, “escalavrado”.

Figura 4
Páginas 8 e 9

Expressões em inglês também foram adicionadas para fazer fluir melhor a leitura e representar um pouco do sentido original, o que Barbosa (1990)BARBOSA, H. G. (1990) Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas: Pontes. chama de compensação. Como pode ser visto no Quadro 3, a expressão you know foi usada na tentativa de transmitir a ideia da expressão “pois”, que funciona como um marcador discursivo usual do português brasileiro. Tal escolha de tradução pode auxiliar a criança a compreender questões linguísticas que vão além da aquisição de vocabulário, pois evidencia o modo como se usa a língua em diferentes contextos. Nesse caso, as escolhas lexicais realizadas, embora se mantenham no campo estrutural da linguagem, estão relacionadas também com o discurso.

Quadro 3
Página 9
Quadro 4
Página 10

Na página 10 (Figura 5), Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos. faz referência a uma famosa frase do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade. Tendo em consideração que essa tradução pode ser lida por pessoas que ainda não conheçam tal frase, como no caso das crianças pequenas, na tradução deste elemento cultural, Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. escolheu explicitar quem a disse, referenciando Carlos Drummond de Andrade. A partir de uma perspectiva decolonial, entendemos que lançar mão dessa estratégia de tradução possibilitou manter no texto culturas e identidades brasileiras. Note-se, ainda, que a escolha da palavra stone e não rock (ambas significando pedra em inglês) foi proposital para rimar com o nome de Drummond.

Figura 5
Páginas 10 e 11

Fotografia 1
Juvenal the knee

Por fim, podemos dizer que os exemplos de escolhas de tradução aqui mencionados foram selecionados por demonstrarem a preocupação não apenas com a equivalência da obra quando direcionada para a língua alvo, isto é, do português brasileiro para o inglês, mas também pensando em quem seria o público-alvo daquele texto, especificamente crianças aprendizes de língua inglesa.

Na próxima seção, discutimos sobre como a tradução literária conseguiu, no caso aqui explorado, dar suporte à formação docente inicial de pessoas que pretendem atuar com crianças, além de auxiliar praxiologias de (futuros) professores e professoras de língua inglesa.

3. PRAXIOLOGIAS EM FORMAÇÃO DOCENTE PARA A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA COM CRIANÇAS POR MEIO DA LITERATURA

Para refletirmos sobre praxiologias na ELIC por meio da literatura e da tradução literária, precisamos explicar que o trabalho de conclusão de curso de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. consistiu em elaborar e desenvolver planos de aula para realizar em seu contexto de atuação - ELIC em um curso de inglês privado - baseando-se nas propostas de tradução e de atividades sugeridas por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., cujo trabalho havia sido realizado no semestre anterior.

Com isso, observamos que o livro de Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos., O Joelho Juvenal, pode ensejar uma gama de possibilidades. Se abordado por uma perspectiva linguística, o livro nos mostra que é possível ensinar partes do corpo, tais como joelho, cotovelo, canela e pé, de forma contextualizada e lúdica, que transpõe a mera repetição e o acúmulo de léxico. Em uma perspectiva sócio-emocional, essa obra literária possibilita focalizar também as emoções, na medida em que viabiliza discussões a respeito da forma que o joelho se sente quando algo acontece com o menino, ou como o menino se sente triste às vezes. É possível, também, refletir sobre as fases do crescimento, sobre como a vida muda e nós mudamos com o passar do tempo. Pode-se ainda falar de forma lúdica sobre a “visão” das partes do corpo, levando as crianças a refletir de forma criativa sobre como elas enxergam o mundo e o que acontece quando algo muda ou dá errado. Em uma perspectiva transdisciplinar, pode-se conversar com as crianças sobre quem Ziraldo é e apresentar a elas outros de seus trabalhos. Como Ziraldo, além de ser escritor, é também ilustrador, as crianças podem ser convidadas a observar suas ilustrações e a fazer uma releitura dessas imagens. É pertinente até mesmo realizar com as crianças um projeto coletivo de escrita e ilustração de um livro, integrando linguagens multimodais (imagética e escrita, a depender das potencialidades e interesses das crianças).

Mas, buscando nos afastar de uma visão utilitarista da literatura infantil, que justifica sua abordagem com base em seu suposto alinhamento com determinados conteúdos, ressaltamos que o trabalho com o texto literário explora possibilidades também na própria literatura, promovendo valiosas experiências culturais à criança, a educadoras(es) e ao fazer pedagógico, que poderão ser ao mesmo tempo únicas e coletivas, não necessariamente vinculadas a demandas específicas de aprendizado (Krug, 2015KRUG, F. S. (2015) A importância da leitura na formação do leitor. REI: Revista de Educação do IDEAU, v. 10, n 22.).

Todas essas possibilidades foram discutidas por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., reconhecendo que sua materialização dependerá do contexto, assim como nos sugere Ferraz (2018)FERRAZ, D. M. (2018) Educação Linguística e Transdisciplinaridade. In: PESSOA, R. R.; SILVESTRE, V. P. V.; MONTE MÓR, W. Perspectivas Críticas de Educação Linguística no Brasil: trajetórias e práticas de professoras/es universitárias/os de inglês. São Paulo: Pá de Palavra. p. 103-117..

Juvenal, The Knee e a sala de aula

Assim como, na seção anterior, nos apoiamos em apenas alguns exemplos de escolhas de tradução literária elaboradas por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. ao longo da realização de sua pesquisa, aqui também nos atemos a exemplos específicos do trabalho de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. sobre como a literatura auxiliou na elaboração de praxiologias situadas e relevantes com as crianças que, no momento da realização de sua pesquisa, eram alunas de uma escola de idiomas de iniciativa privada, com idade entre cinco e seis anos. No recorte focalizado neste trabalho, compartilhamos os relatos de cunho autoetnográfico de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. com base na tradução literária proposta por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória..

Ao analisar a tradução literária feita por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., foi possível perceber a importância das imagens para compreensão da história Juvenal, the knee. Com efeito, para Carvalho e Aragão (2015)CARVALHO, S.A.; ARAGÃO, C.O. (2015) Os caminhos do letramento visual: uma análise de material didático virtual. Estudos Anglo Americanos, n 44. p. 9-34.,

as imagens refletem o mesmo princípio bakhtiniano do dialogismo observado no código verbal, em que o significado é construído na interação entre o escritor e o leitor através do texto. No caso das imagens, entre o produtor, expectador, a imagem e o contexto (Carvalho; Aragão, 2015CARVALHO, S.A.; ARAGÃO, C.O. (2015) Os caminhos do letramento visual: uma análise de material didático virtual. Estudos Anglo Americanos, n 44. p. 9-34., p.15).

Com isso em mente, Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. escolheu iniciar os trabalhos com a leitura do livro pela leitura das imagens, reforçando, assim, a relação delas com o texto e considerando que a criança pode produzir significados a partir da leitura de imagens. Com isso, compreendemos que Silva partiu do pressuposto de que a criança é protagonista em sua construção de conhecimento, ao invés de enxergá-la como alguém que iria receber o conhecimento e internalizá-lo. Desse modo, Silva se inspira em Freire (1996)FREIRE, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. para quem a autonomia em sala de aula ocorre quando a educadora abre mão do poder usualmente estabelecido - em que ela é responsável por oferecer conhecimento enquanto a criança será o receptáculo dele - e empodera a criança a ler um livro por meio das imagens e construir seus próprios sentidos..

É interessante perceber que por mais que o texto apresentasse vocabulário e estruturas em língua inglesa que poderiam ser consideradas complexas para crianças, elas foram capazes de entender a história como um todo, não se apegando aos vocábulos que ainda não conheciam. Nesse aspecto, podemos dizer que é importante estimular a criança a produzir significados a partir do que ela consegue ler da imagem, trabalhando criticidade e autonomia no ensino e promovendo uma perspectiva de educação horizontal.

Essa postura crítica e dialógica também pode ser notada quando a educadora reconhece a construção linguística da criança para além de suas expectativas. Podemos ver isso no trecho a seguir, no qual Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. explica uma quebra de expectativa que teve em uma das aulas utilizando o livro Juvenal, The Knee:

Os alunos foram avaliados durante todo o processo através de estímulos verbais e não verbais. Perguntas como What ‘s this? e What are these? foram feitas para verificar a compreensão do vocabulário e das estruturas gramaticais por parte dos alunos. Nessa parte, percebi que alguns alunos apresentaram um pouco mais de dificuldade do que os outros em relação ao vocabulário, e muitos deixaram de utilizar a palavra “knee” para se referir ao joelho, chamando-o apenas de Juvenal. Por alguns momentos tentei incentivá-los a utilizar a palavra knee, porém percebi que eles se divertiam muito mais ao utilizar Juvenal. Por fim, aceitei a mudança e passei a me referir ao joelho como Juvenal the knee (Silva, 2023SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., p. 23 - grifos da autora).

Ao longo de todas as atividades realizadas, a educadora conseguiu refletir não apenas sobre a visão positivista do ensino, ou seja, sobre a expectativa de que ela iria ensinar algo e estudantes aprenderem o que ela tinha como objetivo. A reorientação das praxiologias educacionais, como nos direciona Freire, é fundamental para uma formação docente que leve em consideração o fato de que todas as pessoas que estão envolvidas no processo educacional, sejam elas docentes ou discentes. Para ele, “o aprendizado do ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto, se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas posições” (Freire, 1997FREIRE, P. (1997) Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água., p.19). Assim, foi possível notar que, por meio do projeto Juvenal, The Knee, Silva esteve constantemente refletindo sobre suas práxis educacionais, o que podemos afirmar ter colaborado para sua formação docente.

Em alguns momentos, a afetividade sugerida por Freire (1997)FREIRE, P. (1997) Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água. se fez presente por meio das atividades propostas, como no trecho a seguir, em que Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. relata ter pensado nas crianças como indivíduos em sala de aula, em suas personalidades, características e outras individualidades:

Ao questioná-los “ What’s your knee’s name?”, obtive como resposta, “Cocôdile”, Lula, Purple, Rainbow e Pink. Achei interessante como os nomes refletem a personalidade de cada aluno. As meninas que possuem uma personalidade mais tímida, delicada e carinhosa escolheram os nomes Purple, Pink e Rainbow. O menino que possui uma personalidade mais agitada, é mais carismático e adora conversar, escolheu Lula. A menina e o menino, que são irmãos, possuem uma personalidade mais agitada, adoram contar piadas e gostam de ser engraçados, escolheram “Cocôdile”, uma mistura das palavras cocô e crocodile. (Silva, 2023SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., p. 24 - grifos da autora)

Desse modo, é possível perceber a sensibilidade que permeou a convivência entre Silva e as crianças em sala de aula, pois ao acolher as contribuições das crianças, reconhecendo-as como produto de suas identidades, a educadora demonstrou realmente “estar junto” com as crianças, conforme discutido por Andrade (2011ANDRADE, M. R. M. (2011) (org.) Novas Perspectivas em Linguística Aplicada. Vol. 18. Campinas, SP : Pontes Editores., p. 171):

[...] o ensino de uma língua tem a ver, acima de tudo, com a transformação da convivência, que é um estar junto com outros seres humanos com os quais trazemos à mão mundos na linguagem, em um contínuo tornar-se humanos, entrelaçando emoção com razão à medida que convivemos e configuramos nossos domínios operacionais mais cotidianos.

Finalizando a narrativa sobre as experiências em sala de aula de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., ao desenvolver planos de aula com base no livro traduzido Juvenal, The Knee, refletimos sobre uma atividade que proporcionou à educadora uma experiência com translinguagem. Essa perspectiva parte do pressuposto de que “os seres humanos pensam para além da língua, e o pensamento requer o uso de uma variedade de recursos cognitivos, semióticos e modais, dos quais a língua em seu sentido convencional de fala e escrita é apenas uma” (Li Wei, 2018LI WEI. (2018) Translanguaging as a Practical Theory of Language. Applied Linguistics, v.39, n.1, p.9-30., p. 18 - tradução nossa). Nessa mesma visão, Maciel e Rocha afirmam que a translinguagem como prática educacional pode promover o empoderamento de estudantes ao colaborarem para o “desenvolvimento da consciência metacognitiva e da consciência metalinguística” (Maciel; Rocha, 2020, p. 10), auxiliando na construção de seu repertório linguístico.

Com isso em mente, na última atividade relacionada à leitura do livro Juvenal, the knee,Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. propôs que crianças trabalhassem com tubos de conexão, popularmente conhecidos como “joelho”. Essa atividade foi feita com o intuito de estimular a criatividade das crianças, promover práticas multissensoriais e também possibilitar outras formas de linguagem para aprender a língua inglesa, tais como o desenho e a pintura. Utilizando os tubos de conexão e tinta guache, os alunos recriaram o personagem principal da história, o Juvenal. Ao se engajar na atividade, as crianças logo notaram que o “joelho” possuía um encaixe para os dedos e prontamente começaram a usá-lo como um fantoche e a interagir, recriando a história, como pode ser observado na imagem a seguir:

Conforme o relato de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória., essa foi uma atividade muito apreciada pelas crianças, que se engajaram de forma lúdica na produção de habilidades linguísticas e artísticas, dentre outros conhecimentos possibilitados pelo texto literário. Do mesmo modo, a própria educadora pôde engajar-se ludicamente na atividade com as crianças, estimulando sua produção linguística por meio de interações afetivas.

Nessa perspectiva, compreendemos que a experiência com a literatura se associa à ludicidade, na medida em que o lúdico se configura como

[...] algo que está sendo construído enquanto significado. [...] um conjunto de experiências, pois, está presente em todas as fases da vida do sujeito, [...] que parte da complexidade das atividades e experiências humanas, e resulta em algo prazeroso. (...) a ludicidade é um estado interno de bem-estar, de alegria e de plenitude ao investir energia e tempo em alguma atividade, que pode e deve dar-se em qualquer momento ou estágio da vida de cada ser humano (Lucinda; Ferreira; Keim, 2019, p. 109).

Assim, partindo do relato de Silva (2023)SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. acerca de suas praxiologias, realizadas com base em um olhar crítico e afetivo para a ELIC, podemos refletir sobre como o processo educacional pode - e, na nossa visão, precisa - ser lúdico tanto para as crianças quanto para a educadora ou o educador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, buscamos articular praxiologias em diversas áreas do conhecimento de maneira transdisciplinar, com o objetivo de refletir sobre como experiências com literatura infantil podem contribuir para a ELIC. Retomamos dois trabalhos de conclusão do curso de Letras-Inglês da Universidade Federal do Espírito Santo (Oliveira, 2022OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.; Silva, 2023SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.), trazendo um recorte que revela contribuições importantes do trabalho literário em língua inglesa com crianças, a partir de perspectivas decoloniais que valorizam o contexto e as produções locais. Desse modo, compartilhamos a tradução literária da obra O joelho Juvenal, de Ziraldo (2005)ZIRALDO. (2005) O joelho Juvenal. São Paulo: Melhoramentos., feita por Oliveira (2022)OLIVEIRA, S.P. (2022) Tradução de livros infantis é um pedaço de bolo?: uma visão decolonial da tradução na educação linguística com crianças. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. e demonstramos como o texto Juvenal, the knee, associado a uma perspectiva freireana para a ELIC, possibilitou experiências literárias relevantes e memoráveis tanto para as crianças quanto para a professora que conduziu as atividades (Silva, 2023SILVA, L.C.M.S. (2023) Juvenal, the knee: uma experiência autoetnográfica na educação linguística em inglês com crianças. 2023. Trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras-Inglês. Departamento de Línguas e Letras, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória.).

Compartilhamos, também, as perspectivas praxiológicas que embasam a proposição da tradução e do trabalho pedagógico com as crianças e vimos que, por mais que ambas as propostas tenham sido trabalhosas, elas também foram proveitosas para que pudéssemos refletir coletivamente sobre caminhos e sentidos possíveis para embasar práticas futuras em salas de aula com crianças. Compreendemos que refletir sobre e reorientar nossas praxiologias é um exercício constante (Freire, 1987FREIRE, P. (1987) Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra., 1996FREIRE, P. (1996) Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra., 1997FREIRE, P. (1997) Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’água.), sendo fundamental que esse processo ocorra no dia-a-dia da sala de aula, em momentos de formação docente inicial e continuada, em pesquisas relacionadas à educação, e na elaboração de praxiologias em tradução literária e ELIC. Desse modo, reiteramos que experiências com o texto literário podem contribuir para a ELIC e também para a formação docente, na medida em que cooperaram com professoras e professores em formação para a construção de suas culturas, de seus próprios currículos e de suas práticas pedagógicas com crianças.

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

Declaramos para os devidos fins que os dados públicos utilizados na pesquisa que resultou na elaboração do artigo. JUVENAL, THE KNEE: PRAXIOLOGIAS EM TRADUÇÃO LITERÁRIA E EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA COM CRIANÇAS, publicado na revista Trabalhos em Linguística Aplicada, na edição n(63.1): 92-105, jan./abr. 2024, estão disponíveis nos endereços eletrônicos citados, permitindo amplo e irrestrito acesso.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2023
  • Aceito
    12 Nov 2023
  • Publicado
    03 Jan 2024
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