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Os procuradores-gerais do Ministério Público

The attorneys general of the Public Ministry

Resumo

A partir de um olhar histórico e das ferramentas analíticas da sociologia política, o objetivo deste texto é discutir o estabelecimento das regras de ocupação do posto mais alto na hierarquia do Ministério Público estadual: o cargo de procurador-geral de Justiça. Com base numa análise das trajetórias daqueles que ocuparam o cargo desde sua criação (1891) até o período pós 1988, foi possível compreender as mudanças nessas regras (oficias e não oficias), assim como a transformação morfológica dos nomeados. Os 33 casos analisados indicam as tensões políticas e sociais que envolvem a alta hierarquia do MP até o século XXI.

Palavras-chave
Elites jurídicas; Sociologia Política; Ministério Público Estadual; Santa Catarina; Procurador-geral de Justiça

Abstract

Based on the historical look and the political sociology analytic tools, this text aims to discuss the establishment of rules for occupying the highest position in the hierarchy of the state Public Prosecutor’s Office: the position of Attorney General. By analyzing the trajectory of those who held this position from 1891 to after 1988, it was possible to understand the changes in the official and non-official rules regarding the morphological transformation of nominees. The study of 33 cases reveals the political and social tensions surrounding the Public Prosecutor’s Office’s high hierarchy until the 21st century.

Keywords
Legal elites; Political sociology; Public prosecutor’s office; Santa Catarina; Attorney General

Apresentação

O problema central apresentado neste texto versa sobre o processo de institucionalização do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e o percurso daqueles que ocuparam o cargo de chefia da instituição. A vasta bibliografia que se dedicou a compreender a formação do Ministério Público (MP) no Brasil tem deixado de lado as dimensões locais e regionais desse processo. As principais teses sobre o MP generalizam seus achados ao considerarem a instituição como homogênea, ou constroem estudos de maior fôlego sobre o Ministério Público Federal (MPF) não considerando as características regionais de conflitos e disputas pela formação institucional. A proposta deste texto é contribuir com as análises sobre elites dirigentes, focando no problema das disputas locais pelo poder e das estratégias regionais de institucionalização de uma carreira de Estado1 1 . O estudo apresentado neste artigo é um aprofundamento do debate discutido no segundo capítulo da minha tese de doutorado (Silveira, 2022). Pesquisa financiada com bolsa de doutorado Capes-DS. . Nota-se que o caso analisado – o MPSC – é tão somente um espaço empírico de análise do problema de pesquisa, qual seja, a investigação sobre os critérios de hierarquização e estruturação de um grupo de Estado.

Para isto, faço uma breve apresentação dos principais estudos sobre o MP, indicando os achados mais importantes para a compreensão deste espaço. Assumo um olhar para o problema a partir da sociologia política e, por isso, entendo que a institucionalização é um processo constante de lutas por transformações ou manutenção das regras que organizam e hierarquizam grupos sociais de modo que o investimento e os mecanismos que viabilizam a participação são social e historicamente estabelecidos (Lagroye e Offerlé, 2011LAGROYE, Jacques & OFFERLÉ, Michel. (2011), Sociologie de l'institution. Paris, Belin.). Na sequência faço um levantamento sobre a formação do cargo de promotor, a fim de que seja possível compreender quais eram “os espaços dos possíveis” para os bacharéis em meados do século XX e XXI em Santa Catarina, destacando a morfologia do espaço. Os casos descritos e narrados visam a apresentar a composição social do cargo e as condições de acesso às posições mais altas na hierarquia institucional e demonstrar as transformações históricas. As “trajetórias de sucesso” informam, por fim, o entrelaçamento entre os critérios sociais de hierarquização da carreira, os vínculos sociais de reciprocidade entre os grupos dirigentes da época e o peso das lógicas locais na definição do cargo.

O conjunto de dados apresentados foram coletados e elaborados entre 2017 e 2020 e contemplam uma análise longitudinal desde o fim do século XIX até as primeiras décadas do século XXI. Foram feitas entrevistas com membros ativos e aposentados da carreira do MPSC e buscas em materiais produzidos pela própria instituição, como um conjunto de entrevistas do projeto História Oral (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., 2013aAXT, Gunter. (2013a), Histórias de vida. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol II., 2013bAXT, Gunter. (org.). (2013b), Procuradores-gerais de Justiça de Santa Catarina: Resumos biográficos. Florianópolis, MPSC.). Publicações no site da instituição e periódicos de circulação regional também foram consultados. Considerando somente o recorte dos chefes do MP, foram analisados 33 casos.

Os estudos sobre o Ministério Público no Brasil

A bibliografia dedicada a estudar o Ministério Público pode ser dividida em três conjuntos. O primeiro deles envolve os trabalhos cujo objeto é a “criação institucional”. Os trabalhos de maior fôlego estruturados a partir da perspectiva neoinstitucionalista buscaram respostas às perguntas sobre quem compõe o MP, quais são as suas principais demandas e qual era o modelo de instituição pretendido. Os trabalhos elaborados pelo grupo de pesquisadores do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) na década de 1990 (Sadek, 1997SADEK, Maria Tereza (org.). (1997), O Ministério Público e a Justiça no Brasil. São Paulo, Sumaré, Idesp.) discutiam as posições ideológicas dos membros do MP dentro de um projeto mais amplo de compreender o Judiciário brasileiro. A tese acerca da existência de um “voluntarismo político” desses agentes discorre sobre a articulação política que envolveu o lobby pelo desenho institucional do MP na Constituição de 1988 (Arantes, 2002ARANTES, R. (2002), Ministério Público e política no Brasil. São Paulo, Sumaré.). A defesa de um “mercado de atuação profissional” reconhecia a “hipossuficiência da sociedade civil” (idem, p. 127) como critério essencial para a existência de uma instituição do Direito capaz de defender a sociedade.

A conquista da estrutura de carreira próxima à magistratura (formalização dos vencimentos e garantias de estabilidade do cargo) contribuiu para o fortalecimento de uma ideia de independência atrelada ao cargo e à função pública de defesa da sociedade. As análises sobre a instituição passaram então a observar o fenômeno de formação do órgão a partir do problema de modelos democráticos e institucionais. Neste segundo conjunto de trabalhos, a autonomia e independência foram tratadas como um problema de “controle democrático” (Kerche, 2018KERCHE, Fábio. (2018), "Independência, Poder Judiciário e Ministério Público". Caderno CRH, Salvador, 84 (31): 567-580, mar.; 2007) dado que a accountability é quase inexistente neste modelo do MP brasileiro. O alto grau de discricionariedade é encontrado tanto na área penal quanto na cível. Na primeira, os promotores têm a capacidade de fazer parte da investigação criminal e “conquistaram uma rara condição de independência para agir discricionariamente e perseguir fins a que eles mesmos se propõem, muitas vezes de maneira individual” (Arantes, 2019ARANTES, R. (2019), "Ministério Público, política e políticas públicas". In: OLIVEIRA, Vanessa Elias. Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Fio Cruz., p. 102). Segundo Arantes (2002)ARANTES, R. (2002), Ministério Público e política no Brasil. São Paulo, Sumaré., a discricionariedade na área cível aparece no poder dos promotores de decidirem sobre o prosseguimento dos casos nas instâncias do Judiciário ou pela atuação extrajudicial na solução do conflito. Não há consenso na bibliografia acerca da avaliação sobre a influência da instituição na judicialização das relações sociais. A presença do MP na judicialização de conflitos sociais é tanto reconhecida como importante para os movimentos de acesso a direitos (Vianna et al., [1999]2 2 . A data entre colchetes refere-se à edição original da obra. 2014) quanto criticada, já que a alta discricionariedade favorece o fortalecimento da “judicialização da política”, por exemplo, e o aumento do investimento institucional em áreas de interesse específico de promotores (Arantes, 2019ARANTES, R. (2019), "Ministério Público, política e políticas públicas". In: OLIVEIRA, Vanessa Elias. Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Fio Cruz., p. 111)3 3 . Há uma bibliografia extensa sobre a judicialização das relações sociais que discute o papel e as consequências da atuação do MP neste fenômeno. Indico aqui apenas alguns, Vianna et al. (2014), Arantes (2019), Oliveira (2019), Ximenes e Silveira (2019). . A temática da judicialização da política4 4 . Indico o trabalho de Maciel e Koerner (2002) sobre as diferentes abordagens da “judicialização da política”. e a agência do MP neste fenômeno ou a diminuição de fronteiras entre o direito e a política tem mobilizado parte importante da bibliografia. Segundo as análises que se dedicam a compreender e explicar a Operação Lava Jato, o eixo do problema encontra-se na falta de accountability do modelo institucional do MP brasileiro, que possui elevada “autonomia em relação aos políticos e […] aos cidadãos” (Kercher, 2018KERCHE, Fábio. (2018), "Independência, Poder Judiciário e Ministério Público". Caderno CRH, Salvador, 84 (31): 567-580, mar., p. 267). Nesse sentido, o caso específico da Operação Lava Jato é emblemático da discussão sobre os limites da atuação não só do MP mas dos órgãos do Judiciário e seus agentes na política e no próprio “jogo democrático” (Kerche e Marona, 2022KERCHE, Fábio & MARONA, Marjorie. (2022), A política do banco dos réus: operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil. Belo Horizonte, Autêntica.).

Ainda que algumas análises estejam mais próximas da sociologia política (Engelmann, Pilau e Silva, 2021; Engelmann e Menuzzi, 2020ENGELMANN, Fabiano & MENUZZI, Eduardo de Moura. (2020), "The internationalization of the Brazilian public prosecutor's office: Anti-corruption and corporate investments in the 2000s". BPSR, 1 (14): 1-35, jun.), a maior parte do debate sobre o MP ainda é construída a partir da perspectiva neoinstitucionalista. Mesmo que não seja o objetivo deste texto, vale ressaltar que o “enfoque internalista” (Seidl e Grill, 2013SEIDL, Ernesto & GRILL, Igor Gastal (orgs.). (2013), "A política como objeto de estudos das ciências sociais". In: SEIDL, Ernesto & GRILL, Igor Gastal (orgs.). As ciências sociais e os espaços da política no Brasil. Rio de Janeiro, FGV., 9), sobretudo das abordagens neoinstitucionalistas, investiga a instituição com base nos elementos que estruturam e organizam formalmente o espaço. Ao olharem para tais normas e regras, os autores pouco se distanciam “do sentido das práticas que têm lugar no espaço jurídico” (Engelmann, 2023ENGELMANN, Fabiano. (2023), "Juristas e politização da justiça no Brasil: desafios analíticos para a abordagem sociopolítica". Revista Pós Ciências Sociais, São Luís, 1 (20): 9-28, jan./abr., p. 9), não considerando a capacidade explicativa de compreensão do espaço existente nas transformações morfológicas ou nas características de hierarquização e diferenciação social de um grupo profissional como os promotores de justiça.

Os bacharéis e a ocupação de cargos de Estado

A ocupação de cargos burocráticos do Estado foi um destino comum entre bacharéis recém-formados e com poucas alternativas de emprego durante o século XIX. Tal conquista de ocupações como magistrados ou promotores foi responsável por parte do sistema de estruturação da hierarquia social em jogos de manutenção ou reconversão de posições (Adorno, 1988ADORNO, Sérgio. (1988), Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro, Paz e Terra.). Essa dinâmica de transformação e organização do espaço jurídico associado ao poder de Estado implicou diversas modificações nas formas de acesso aos postos. Foram estabelecidas regras e normas que buscavam eclipsar as estratégias de reprodução social no cargo e se aproximar da lógica da neutralidade do direito como princípio universal de regulamento do espaço jurídico.

O modo de estruturação das instituições de justiça no Brasil não se distanciou da lógica de importação de modelos de estruturas administrativas ocidentais como discutido por Badie ([1992] 1995). Para o autor (idem, p. 39), ao importarem formas específicas de instituições, as elites locais que operam esse processo incorrem em um efeito de mimetismo dessas instituições, de modo que se confundem com os produtores desses modelos. Ao adaptarem um formato institucional específico em contexto distinto do espaço originário, as elites dirigentes detêm a capacidade de elaborar compreensões e justificativas que definem a estrutura como “moderna”, além de importarem filosofias e técnicas organizadoras do processo de especialização que são desacompanhadas do ethos de origem (Coradini, 1997CORADINI, Odaci Luiz. (1997), "Grandes famílias e elite 'profissional' na medicina no Brasil". Manguinhos, 3 (3): 425-466, nov./fev., p. 462).

Em sua formação, a burocracia estatal brasileira do século XIX (em postos como conselheiros ou magistrados, por exemplo) era um espaço ocupado pelos economicamente marginais do sistema escravista e por agentes que se encontravam numa situação de decadência social por consequência das crises no setor de exportação (Carvalho, 2008CARVALHO, José Murilo de. (2008), "A construção da ordem: a elite política imperial". In: Teatro das sombras: a política imperial. 4 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., p. 40). Os membros dessa elite que tinham acesso aos quadros de Estado, para Carvalho (idem), compartilhavam de uma formação superior em direito, ainda muito restrita à extensão dos brasileiros, que promoveu uma socialização educacional de forte coesão ideológica dos grupos dominantes. Os estudos nos poucos cursos de direito existentes e a passagem dos professores por Coimbra contribuíram para um ensino marcadamente liberal e com vistas a formar membros que compunham a estrutura do Estado (Adorno, 1988ADORNO, Sérgio. (1988), Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro, Paz e Terra.). Nota-se, porém, que o acesso à educação superior não foi o único recurso que levou os bacharéis aos postos no Estado. Dado que a taxa de escolarização durante o Império era consideravelmente baixa5 5 . A taxa de analfabetismo no início da década de 1870 era de 82,3% entre a população com cinco anos ou mais. Foi somente nos anos 1950 que essa taxa começou a diminuir e atingiu 57,2% para a mesma população (Ferraro, 2002, p. 32). , o modo de hierarquização social em relação ao status da profissão não desconsiderava outros recursos como vínculos de reciprocidade que atenuavam a importância da “competência técnica” do diploma (Coradini, 1997CORADINI, Odaci Luiz. (1997), "Grandes famílias e elite 'profissional' na medicina no Brasil". Manguinhos, 3 (3): 425-466, nov./fev., p. 435). Ainda que nesse período de estruturação do Estado houvesse um predomínio de recrutamento de bacharéis6 6 . Desde o Império os bacharéis ocuparam os cargos públicos em maior número do que militares ou profissionais liberais como médicos (Venâncio Filho, [1977] 2011, p. 275). Na República Velha essa dinâmica se fortaleceu, e aqueles que possuíam o diploma em direito tinham suas chances de serem recrutados para os cargos do serviço público aumentadas, fosse nas administrações estaduais ou no governo central, ou ainda nas carreiras políticas (Miceli, 1979, p. 40). para postos associados à elite burocrática, somente a posse do diploma não era garantia de acesso aos cargos.

O fenômeno do bacharelismo ainda perdurou ao menos até a década de 1960 e contribuiu para a estruturação da carreira da magistratura (nos critérios e organização da profissão) com fortes traços clientelistas herdados do Império (Carvalho, 2008CARVALHO, José Murilo de. (2008), "A construção da ordem: a elite política imperial". In: Teatro das sombras: a política imperial. 4 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.). Desde a posse aos cargos de promotor, juiz de órfãos ou municipal até a circulação geográfica e mobilidade na “carreira” (idem, p. 121), as relações interpessoais figuravam um importante componente de ordenação do espaço. Não obstante, o aumento progressivo no número de diplomados iniciava novas lógicas de disputas entre os bacharéis, uma vez que não havia um mercado estruturado que assegurasse a equivalência entre postos e diplomas (Coradini, 1997CORADINI, Odaci Luiz. (1997), "Grandes famílias e elite 'profissional' na medicina no Brasil". Manguinhos, 3 (3): 425-466, nov./fev., p. 435). Até então, a forte homogeneidade apresentada pelos grupos dirigentes diplomados em direito destacava origens sociais próximas: em grande medida, eram famílias proprietárias de terras. Com o aumento das faculdades de direito7 7 . Segundo os dados do censo do IBGE, até 1932 o país possuía 26 cursos superiores de direito. Em 1935 esse número subiu para 36, mas caiu nos anos seguintes e oscilou entre 21 e 23 até o fim do Regime Vargas. Durante o Regime Militar houve um aumento expressivo no número de faculdades de direito, chegando a 130 em 1982. , o grupo passou a ser composto também por membros ligados aos estratos médios que eram qualificados sobretudo pela posse de títulos escolares (Miceli, 1979MICELI, Sérgio. (1979), Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo, Difel., p. 8). Tal queda no status do diploma levou os bacharéis a ocuparem cada vez mais cargos com alta remuneração no serviço público (idem, p. 142).

A partir dos anos 1930, a atuação em promotorias, nas magistraturas estaduais ou em bancas de advocacia compunha parte importante da trajetória de políticos (Miceli, 2007MICELI, Sérgio. (2007), "Carne e osso da elite política brasileira pós-30". In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, tomo III, vol. 10: O Brasil Republicano., p. 697). Uma vez que o sistema de Justiça guardava condições de dependência em relação ao Poder Executivo, as relações de “reciprocidade” (Coradini, 1997CORADINI, Odaci Luiz. (1997), "Grandes famílias e elite 'profissional' na medicina no Brasil". Manguinhos, 3 (3): 425-466, nov./fev., p. 462) envolvendo os ocupantes dos cargos políticos e no direito são significativas para a compreensão das dinâmicas de acesso aos cargos.

Condições sociais de nomeação: os procuradores-gerais de Justiça (PG)

Ainda na década de 1930, em 1932, foi criada a Faculdade de Direito de Santa Catarina (FDSC)8 8 . A Faculdade de Direito de Santa Catarina deu origem à Universidade Federal de Santa Catarina, fundada em 1960. num contexto de aumento da demanda por formação de técnicos que pudessem ocupar os postos em constante especialização. Até a criação da FDSC, só existia um espaço de formação superior em Santa Catarina: o Instituto Politécnico (criado em 1917) com cursos de Farmácia, Odontologia, Comércio e Agrimensura e de Engenheiro Agrônomo (Dallabrida, 2001DALLABRIDA, Norberto. (2001), A fabricação escolar das elites: o ginásio catarinense na primeira República. Florianópolis, Cidade Futura., p. 244). Os bacharéis catarinenses que compunham as elites dirigentes do estado e que atuavam na política ou na magistratura e em promotorias tinham cursado direito basicamente no Rio de Janeiro e no Paraná (Silveira, 2022SILVEIRA, Treicy Giovanella da. (2022), "Guardião da sociedade": uma sociologia do Ministério Público. Florianópolis, tese de doutorado em Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://bu.ufsc.br/teses/PSOP0730-T.pdf.
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, pp. 87-8). O número restrito de instituições de ensino em Santa Catarina na época dotavam os locais de formação como a FDSC e o Colégio Catarinense9 9 . Sobre a importância do Colégio Catarinense na formação e elaboração de vínculos entre as elites dirigentes de Santa Catarina, ver os trabalhos de Norberto Dallabrida (2001, 2008). de importância excepcional para a socialização das elites dirigentes do estado10 10 . Neste momento histórico, as instituições de ensino podem ser lidas como estratégicas na formação de elites regionais, pois também retratam um contexto de restrição de acesso à educação em todos os níveis (Bordignon, 2015, p. 159), dado que as taxas de analfabetismo entre os anos 1920 e 1940 para a população de cinco anos ou mais variava entre 71,2% e 61,2% (Ferraro, 2002, p. 33). .

Nomes notáveis da história política e do espaço jurídico do estado passaram por essas instituições: Aderbal Ramos da Silva (governador de Santa Catarina entre 1947 e 1951, deputado estadual e advogado); Celso Ramos (governador de SC entre 1961 e 1966 e senador); Heriberto Hülse (além de magistrado, também foi governador de SC entre 1958 e 1961); Jorge Konder Bornhausen (governador de SC entre 1979 e 1982 e advogado); Jorge Lacerda (deputado estadual, federal e governador de SC entre 1956 e 1958); Luíz Gallotti (deputado estadual, Procurador da República do Distrito Federal [Rio de Janeiro], interventor federal em SC, ministro do Supremo Tribunal Federal); Renato de Medeiros Barbosa (promotor público adjunto, advogado, deputado estadual); Udo Deeke (Interventor Federal em SC)11 11 . A principal fonte de dados sobre a história política catarinense é o dicionário elaborado por Walter Fernando Piazza (1994). Além desse material, também coletei informações nos sites da Fundação José Arthur Boiteux, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina e da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. .

Entre os personagens que fizeram parte da história política catarinense são comuns os casos de trajetórias profissionais que incluem a passagem pelos cargos de promotor ou mesmo pelo de chefe do Ministério Público de então, cargo denominado de procurador-geral do Estado (PGE) e escolhido pelo governador do estado (por exemplo, Henrique da Silva Fontes, PGE entre 1934 e 1937, foi secretário da Fazenda, Viação, Obras Públicas e Agricultura no governo de Adolpho Konder; Manoel Pedro da Silveira, PGE entre 1937 e 1943, foi secretário do Interior e Justiça no governo de Nereu Ramos e candidato pela UDN). Tais trajetos não ignoram a “força política” e de influência dos principais clãs familiares do século XX em Santa Catarina: “os Ramos” e os “Konder”12 12 . Sobre o protagonismo dos membros das “famílias” Ramos e Konder (entre descendentes, agregados e aliados) que dominaram as disputas políticas do estado catarinense durante o século XX, ver os trabalhos de Cristiane Manique Barreto (2003, 1997). . Os vínculos de solidariedade dessas “famílias” dilatavam suas estruturas de influência em diferentes domínios das classes dirigentes num momento em que os acessos aos cargos (tanto na magistratura quanto nas promotorias) seguiam indicações do Poder Executivo, além de estarem submetidos a ele.

Nas primeiras gestões da década de 1930, as nomeações para a Procuradoria Geral do Estado seguiam a lógica formal da Procuradoria Geral da República (regulamentada pela Constituição Federal de 1891): a escolha era feita entre membros do Tribunal de Justiça, neste caso, de Santa Catarina, mas também entre juízes de direito (Américo da Silveira Nunes, por exemplo, ocupou o cargo de PG pela primeira vez em 1919 e só foi nomeado desembargador em 1925). As relações entre os órgãos do MP e o Poder Executivo eram muito próximas e de submissão do primeiro ao segundo. Não só o PG era nomeado pelo governador e cumpria funções de defesa do estado, as nomeações de promotores públicos13 13 . A nomenclatura do cargo seguiu como promotor público até 1981, quando passou a ser promotor de justiça. e adjuntos14 14 . O cargo de promotor adjunto era de nomeação do chefe do executivo e tinha a principal função de não deixar nenhuma comarca sem promotor. Os relatos de promotores indicam que não apenas o posto era ocupado por pessoas sem formação em direito, como há registros de açougueiros e agentes de rodoviária nomeados. (Axt, 2011, pp. 57-8). Nota-se que o cargo também era ocupado por aqueles que buscavam um posto antes de estabelecerem a carreira na política. nas comarcas também eram feitas pelo Executivo, uma vez que eram definidos pela legislação como “auxiliares das autoridades judiciárias” (Santa Catarina, 1895SANTA CATARINA. [Constituição (1895)], Constituição do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, Assembleia Legislativa de Santa Catarina, 1895., art. 2). Segundo Brüning (2001, p. 122), no fim do século XIX o “Procurador-Geral” era nomeado “Desembargador […], Procurador da Soberania do Estado”, e o ocupante do cargo também atuava como desembargador. Na instalação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 1891 também foi nomeado o primeiro “Desembargador-Procurador da Soberania do Estado”, Edelberto Licínio da Costa Campello.

Observa-se que os procuradores-gerais15 15 . Como visto, a primeira denominação do posto foi “Desembargador […] Procurador da Soberania do Estado”. Com a Constituição Estadual de 1910, mudou para Procurador-Geral do Estado (Brüning, 2001, p. 122). da Primeira República são filhos de coronéis, presidentes de província, proprietários rurais, membros das elites dirigentes da Paraíba, Pernambuco e Bahia formados sobretudo na Faculdade de Direito do Recife e na Faculdade de Direito da Bahia. Neste primeiro conjunto de dados analisados, a trajetória desses agentes passava menos por posições na política e mais por ocupações ligadas ao direito, como desembargador16 16 . O Tribunal de Justiça de Santa Catarina foi criado em 1891. , juiz de direito e promotor público. Tudo indica que a passagem pelo posto estava associada à posição social da família e, por consequência, ao acesso ao ensino superior especializado. Notam-se, entre estes primeiros “chefes do MP” estadual, uma relação com os periódicos de circulação regional e disposições a atuarem nas dinâmicas culturais do estado. Por exemplo, Joaquim Thiago da Fonseca (PG de 1901 a 1917) e João da Silva Medeiros Filho (PG de 1918 a 1919) fizeram parte da fundação do Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina. Também João Medeiros Filho, Heráclito Carneiro Ribeiro17 17 . Heráclito Carneiro Ribeiro foi o único bacharel negro a ocupar o cargo mais alto de Procurador-Geral do Estado. Filho do membro fundador da Academia de Letras da Bahia, Ernesto Carneiro Ribeiro. Seu pai também era médico, professor e filólogo. (PG de 1920 a 1922) e Ulysses Gerson Alves da Costa (PG de 1917 a 1918) trabalharam como jornalistas: o primeiro foi diretor da Gazeta Catharinense em 1910; o segundo, jornalista na Gazeta do Comércio de Joinville (SC) em 1914; e o terceiro, diretor do periódico Diário de Pernambuco. A circulação nos espaços culturais também é notada nas trajetórias de: Américo da Silveira Nunes (PG de 1914 a 1915, 1919 a 1920 e 1922 a 1930), figura entre os fundadores da FDSC; Heráclito Carneiro Ribeiro, além de um dos fundadores da FDSC, também ajudou a fundar o Instituto Politécnico (Florianópolis) e ocupou o cargo de diretor tanto do Instituto quanto do Ginásio Brasílico; e Urbano Müller Salles (PG de 1930 a 1934) foi reitor da FDSC em 1948.

Observa-se que o olhar para os “chefes do MP” entre o fim do século XIX e o início do XX serve tão somente para situar o surgimento do cargo, os critérios de ocupação e as condições morfológicas de acesso ao posto. Seria equivocado e anacrônico tratar a ocupação do cargo de Procurador da Soberania do Estado de Santa Catarina como igual ao cargo de Procurador-geral de Justiça, dado que, até meados do século XX, também tinha função de defesa do próprio governo estadual e a nomeação poderia ser feita entre membros “externos” à carreira. Isso posto, nesse período quase todos os ocupantes do cargo de “chefia” nasceram no Nordeste e se formaram ou na Faculdade de Direito de Recife ou na Faculdade de Direito Livre da Bahia. Já entre os primeiros casos de procuradores nascidos em Santa Catarina, a formação foi no Rio de Janeiro: João da Silva Medeiros Filhos, formado na Faculdade de Nacional de Direito do Rio de Janeiro; e Urbano Müller Salles, formado na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro.

QUADRO 1
: Procuradores-gerais na Primeira República

Durante o século XX ocorreram mudanças significativas na organização do MP, de modo que a “instituição” começou a aparecer nos textos constitucionais como órgão mais ou menos estruturado. Já no texto constitucional de 1934 (art. 97), os chefes dos MPs foram impedidos de exercer outra “função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição”. A regulação da magistratura e dos Ministérios Públicos foi transmitida aos estados e, pela primeira vez, o MP apareceu no capítulo referente aos “Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais”18 18 . O Ministério Público já tinha aparecido anteriormente na Constituição de 1934 quando foi dividido entre MP da União, do Distrito Federal e Territórios, e dos estados. . Tais normas já indicavam a regulamentação de entrada na carreira através de concurso; ainda assim, não havia padronização neste formato de recrutamento, e as nomeações ficavam a cargo do poder executivo estadual. Fato é que, como anunciado por Getúlio Vargas em veto ao decreto n. 5 de 24 de janeiro de 1935 (texto que tratava de alterações em relação ao provimento dos cargos no Ministério Público Eleitoral e fixava o subsídio e outras vantagens dos juízes e procuradores), “[…] tratando-se, como se trata, de órgão de ‘cooperação na actividade do Governo’ devem, os seus representantes, ser a expressão da confiança directa do Governo.” (Brüning, 2002, p. 138). Ou seja, o cargo de chefe do MP continuava dependente do executivo.

Em Santa Catarina, a Constituição Estadual de 1935 definiu o Procurador Geral do Estado como chefe dos promotores públicos (art. 79), e sua nomeação deveria ser feita “pelo Governador dentre os brasileiros natos, graduados em direito, inscritos na Ordem dos Advogados, secção de Santa Catarina, de notório merecimento e reputação ilibada” (idem, art. 80). Apesar de ter os mesmos vencimentos dos desembargadores, o PG poderia ser demitido ad notum. Como efeito do processo de profissionalização do direito, neste momento tanto o PG quanto os promotores já tiveram – formalmente – a capacidade de atuação política reduzida: o PGE não poderia exercer outra função pública que não fosse o magistério, e os promotores estavam proibidos de exercer “qualquer atividade político-partidária” (idem, art. 85). A mudança seguinte veio com a Constituição Federal de 1946, que estruturou o MP em carreira e estabeleceu o concurso como critério de entrada (art. 127), e com a Lei n. 2588 de 8 de setembro de 1955, que equiparou os vencimentos do PG ao dos desembargadores.

Dentre os três procuradores-gerais nomeados durante o Estado Novo, somente José Rocha Ferreira (PG de 1943 a 1946) não era catarinense. Para esse grupo restrito continuam vigentes as características sociais dos nomeados anteriormente: membros de famílias do direito ou da política, passaram por cargos de nomeação política e ocuparam posições na magistratura. Manoel Pedro da Silveira (PG de 1937 a 1943) foi o único a ocupar o cargo de promotor público antes de ser nomeado procurador-geral e o único a não exercer atividades nos espaços culturais; Henrique da Silva Fontes (PG de 1934 a 1937) foi membro do IHGSC, da Academia Catarinense de Letras, membro fundador e professor da FDSC, diretor da Faculdade Catarinense de Filosofia; e José Rocha Ferreira também foi membro do IHGSC e professor na FDSC.

Mesmo com a “atividade político-partidária” vetada entre membros do MP desde a Constituição Estadual de 1947 (art. 91), a proximidade dos PGs com a dinâmica política estadual é evidente. Como a proibição estava restrita ao exercício do cargo, tais vínculos estabelecidos na trajetória dos agentes eram inevitavelmente conservados. Entre os nomeados até o regime militar são notáveis as relações públicas mantidas com os membros da classe política, seja por relações de parentesco, seja por vínculos sociais herdados, seja por proximidade “ideológica”: Milton Leite da Costa (PG de 1946 a 1951 e 1961 a 1965) era amigo pessoal da “família” Ramos19 19 . A filha de Milton Leite relatou a proximidade do pai com “os Ramos” em entrevista para Silveira Júnior (2009, p. 30): “A carreira dele sempre foi caracterizada pela relação com Nereu Ramos, a família Ramos. E o Nereu [Ramos] era como se fosse um ídolo para ele’, diz, não só no aspecto profissional mas principalmente ‘na retidão e a honestidade’”. , “ligado ao PSD” (Silveira Júnior, 2009, p. 30), contribuiu com a elaboração do Plano de Governo de Celso Ramos e, além de ter sido nomeado promotor adjunto durante a graduação, também ocupou vários cargos de confiança no governo; Fernando Ferreira Melo (PG de 1951 a 1952), casado com Alcina Gallotti Ferreira de Melo, foi nomeado prefeito de Rio do Sul (SC) na interventora de Luiz Gallotti e deputado estadual pela UDN antes de ser nomeado PG; e Paulo Henrique Blasi (PG de 1959 a 1961) foi secretário de Estado da Justiça antes de assumir o cargo como PG e posteriormente foi nomeado secretário da Administração e da Educação. Nota-se que entre estes PGs, mais uma vez, a trajetória está associada aos cargos no direito e na política. São ligeiramente distintos os casos de Vitor Lima (PG entre 1952 a 1956), que foi professor de ginásio antes da nomeação, e de Hans Buendgens (PG entre 1957 e 1959, filho de engenheiro), escritor e diretor do Museu de Arte Moderna de Florianópolis também anteriormente à nomeação. É perceptível que a multiposicionalidade desses agentes informa sobre as características da profissionalização do direito no estado, assim como sobre a participação desses personagens na estruturação dos espaços culturais da região: FDSC, Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina e a Academia Catarinense de Letras.

Alçar o posto de chefe do MP era um reflexo da manutenção de “boas relações” com as elites dirigentes do estado, que eram traduzidas em “notório merecimento e reputação ilibada”, dado que se tratava de um cargo “de confiança do chefe do Poder Executivo”20 20 . Lei Orgânica do Ministério Público Catarinense, n. 733/52, art. 8º. A primeira lei orgânica do MP catarinense foi formulada seguindo as mudanças nos outros estados da federação como São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraíba (Silveira Júnior, 2009, p. 62). . A passagem pelo cargo, com algumas exceções, ocorria após a ocupação de vários outros postos. Desde o primeiro PG, só ocorreram quatro casos de bacharéis que foram nomeados com até trinta anos de idade: Pedro dos Reyes Gordilho (filho de tenente-coronel) tinha trinta anos; Joaquim Thiago da Fonseca tinha 23 anos; Milton Leite da Costa (estudou no Colégio Catarinense e o pai era telegrafista) tinha 29 anos; e Paulo Henrique Blasi tinha trinta. Para as outras trajetórias a nomeação ocorreu por volta dos quarenta anos. Dada a diversificação dos postos de trabalho no direito, o tempo entre a obtenção do título e a chegada na PG é muito maior até 1930, passa de dezessete anos para quatro casos, sendo que os outros variam entre onze e treze anos. Depois da Era Vargas, esse tempo diminui para seis ou sete anos, tendo apenas dois casos de percursos mais longos: Fernando Ferreira Melo (egresso do Colégio Catarinense), onze anos, e Vitor Lima, doze anos.

Até este momento, o cargo fazia parte de postos de nomeação política possíveis aos bacharéis membros das elites regionais, uma vez que desde o período anterior havia uma circulação entre posições na magistratura e na política que mantinham o lugar do agente na estrutura hierárquica social. Contudo, a equiparação dos vencimentos entre os cargos do MP e a magistratura só ocorreu no fim do século XX, o que indica algum grau de disputa por prestígio entre essas ocupações e justificava a possibilidade de os promotores receberem parte da dívida cobrada como fiscais na área da Fazenda em seus rendimentos21 21 . Como relata o ex-procurador geral José Daura: “Os juízes ganhavam um pouco melhor, mas não podiam advogar. Então, podia acontecer do Promotor alcançar até um padrão de vida um pouco melhor do que o do Juiz” (Axt, 2011, p. 55). Outro ex-PG também relatou: “o Ministério Público era, do ponto de vista político-administrativo, um órgão de pouca expressão e de reduzido prestígio. O que realmente o sustentava era o exercício da advocacia pública, ou seja, a defesa dos interesses patrimoniais do Estado” (Axt, 2011, p. 154). . Todas as alterações nas regras de acesso ao cargo apresentadas até agora não modificaram a morfologia do cargo e indicam pouca diversificação nas trajetórias: título de bacharel, cargos como promotor público ou juiz de direito, postos de indicação política, nomeação como desembargador e PG.

QUADRO 2
: Procuradores-gerais de Santa Catarina até 1964

Durante o Regime Militar e o período pré-CF/88, foi reforçada a submissão do MP ao poder executivo. A Emenda Constitucional n. 1 de 1969 retirou o MP da organização judiciária e definiu o presidente da República como “voto único” para a escolha do procurador-geral da República, excluindo a participação do Senado. Em relação aos estados, ao cargo de PG foi atribuído “o poder de solicitar, perante o Tribunal de Justiça, a intervenção nos municípios para assegurar obediência à Constituição estadual, bem como prover execução de lei ou de ordem judicial. (Art. 15, § 3, d)” (Arantes, 2002ARANTES, R. (2002), Ministério Público e política no Brasil. São Paulo, Sumaré., p. 42). A alteração mais significativa em relação ao posto de chefia do MP nesse período foi a definição de “tratamento e prerrogativas de Desembargador” ao cargo de Procurador-Geral e a sua nomeação pelo Governador entre os membros da carreira22 22 . Terceira Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina, Lei Ordinária n. 4557, de 4 de janeiro de 1971. . Além disso, a partir da Emenda Constitucional catarinense n. 1 de 1970, não seria mais exigida a inscrição na OAB para o ingresso na carreira, e foi extinto o cargo de promotor adjunto.

Os abusos do regime pouco impactaram as relações entre o procurador-geral e o governo estadual. Entre os únicos conflitos encontrados nos relatos estão uma conversa sobre a diferença de vencimento entre membros do MP e de generais aposentados (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 45) e a prisão de um promotor “tido por comunista” (idem, p. 44), mas solto em seguida. Aliás, o último PG do período afirmou: “o Ministério Público nunca sentiu a mão pesada do regime militar” (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 76).

Desde o recorte temporal anterior já foi possível perceber um aumento no número de PGs catarinenses formados no estado. Comparados com os grupos anteriores, os PG nomeados durante o regime militar chegaram ao cargo mais velhos (com no mínimo 35 anos) e com mais de vinte anos entre a obtenção do título e a nomeação. A exceção é João Carlos Kurtz, que foi nomeado com onze anos da saída do ensino superior. Kurtz foi procurador-geral entre 1979 e 1987 e entre 1991 e 1995. Estudou na PUC do Rio Grande do Sul, antes de entrar no MP teve uma banca de advocacia por pouco tempo e, com a indicação de amigos do pai (político da UDN), foi nomeado promotor adjunto em 1971 e promotor público no ano seguinte. A proximidade de seu pai com a classe política da região impulsionou a sua ida para a capital; em princípio como convocado para auxiliar o então PG Napoleão Xavier Amarante, posteriormente para ser nomeado pelos governadores Jorge Konder Bornhausen (PDS), em 1979, e Esperidião Amin (PDS), em 1991 (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 75).

Outro PG do período, João José Leal (PG entre março e junho de 1987), fez sua carreira fora da capital e se aposentou sem fazer a progressão até a posição mais alta (cargo de procurador). Durante a faculdade foi Presidente do Centro Acadêmico, membro da UNE e ficou pouco tempo preso por ordem do Dops. Durante a graduação trabalhou na Caixa Econômica Federal, depois de nomeado promotor fez especializações, pós-graduação no exterior e trabalhou como docente até a aposentadoria. Sua curta passagem pela Procuradoria Geral é um indício da mudança nas regras de ocupação do cargo, aumento na disputa pela posse e consequente transformação de prestígio atribuído à função. O ex-procurador geral conta que não fez campanha para ser nomeado e “não esperava por tal convite” (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 99). A Associação Catarinense do MP fez oposição ao PG, pois era contrária à desconvocação de alguns promotores que estavam lotados na capital e deveriam voltar para as comarcas no interior23 23 . Sobre este conflito, ver as entrevistas realizadas por Gunter Axt (2011, 2013a e b). , e, pouco tempo depois, João José Leal pediu para ser exonerado e voltar ao cargo de promotor.

Nomeado em seguida, Hipólitto Luiz Piazza (filho de funcionário público e PG entre 1987 e 1991) era próximo do grupo do PMDB24 24 . Seu irmão, Aloísio Acácio Piazza, foi deputado pelo PMDB, vereador e prefeito de Florianópolis. , contribuiu com a elaboração do plano de governo do então candidato Pedro Ivo Campos que, posteriormente, o nomeou para a PG (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 118). Filho de funcionário público, Piazza se formou na FDSC, foi funcionário do Tribunal de Contas desde 1956 e teve uma banca de advocacia com seus colegas de turma durante a graduação. Depois de aprovado na prova para o MPSC, cogitou não entrar para a carreira, já que o salário era menor do que recebia como funcionário do Tribunal e advogado (idem, p. 105).

As disputas em torno do cargo movimentaram parte dos membros da carreira, que foram se organizando para “colocar seus aliados no cargo”. Até a redemocratização e após 1988, a composição da lista tríplice da procuradoria-geral contou com um conjunto de diferentes estratégias para atingir a nomeação de aliados. Em pesquisa nas atas do Conselho Superior do Ministério Público de Santa Catarina, viu-se que existiram pleitos acirrados com diferença de menos de vinte votos entre o primeiro e o segundo colocado, como foi o caso em três eleições25 25 . Em 1960 o MPSC possuía 37 membros, na década de 1970 esse número aumentou para 110, na década de 2000 chegou a 243 e em 2019, 473. . As diferentes trajetórias de acesso ao cargo indicam um tensionamento nas regras não oficiais de nomeação. Por isso, encontramos trajetórias distintas de membros que chegaram à chefia do MP e conflitos mais explícitos pelo poder. Em outros termos, trata-se de uma dinâmica de forças pela representação legítima do espaço, que encontra sua forma mais acabada no cargo de procurador-geral.

A questão é que, ao longo deste período pós CF/88 de intensa disputa pela formalização da carreira, a regra de ocupação do cargo de PG se torna mais complexa e vinculada a múltiplos recursos dos “candidatos”. Um reflexo disso são as características de idade, tempo de formação e de carreira dos PG: no mínimo 46 anos de idade, mais de vinte anos de obtenção do título de bacharel e de carreira (com uma exceção discutida anteriormente).

Entre o fim do século XX e o início do XXI, a disputa pela nomeação foi tendencialmente direcionando os esforços para o convencimento da própria classe, já que, neste momento, a nomeação do primeiro nome da lista tríplice parece ser um padrão seguido pelos governos executivos. A passagem por cargos na cúpula da administração superior é uma característica significativa dessas trajetórias26 26 . Esta dinâmica também é encontrada no MPF (Viegas, 2020). . Com a profissionalização do cargo do promotor de justiça, outros postos são incorporados às “trajetórias de sucesso” como a circulação institucional em cargos de coordenação regional de promotores, de centro de apoio operacional (posições de indicação do PG) ou, ainda, cargos de assessoria subordinados ao PG. A ocupação de cargos como o de secretário-geral (nomeado pelo PG) e de corregedor-geral (eleito pelo Colégio de Procuradores) e a eleição para o Conselho Superior do MP parecem aumentar as chances de uma candidatura de sucesso. Diferente do caso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde o cargo de presidente da associação é a porta de entrada para a cúpula (Engelmann, 2004, p. 329), aqui esta estratégia de “ser visto” pela classe por meio da ACMP é menos comum. São apenas dois registros: Moacyr de Moraes Lima Filho, presidente da ACMP entre 1984 e 1990 e PG entre 1995 e 1999, e Lio Marcos Marin, presidente da ACMP entre 2002 e 2006 e nomeado PG para a gestão de 2011 a 2014.

Alguns pleitos são exemplares deste período de reestruturação das “regras do jogo”. Na eleição de 1995 o candidato José Galvani Alberton, além de outros cargos na procuradoria-geral, tinha sido secretário-geral na gestão de Kurtz e compunha a lista com um adversário mais próximo da gestão de Piazza (durante a qual ocupou o cargo de corregedor-geral). A articulação para inserir o nome de Alberton como uma continuidade da gestão de Kurtz o posicionou como primeiro colocado da lista tríplice, mas o nomeado pelo governador Paulo Afonso Vieira (PMDB) foi Moacyr de Moraes de Lima Filho. Nas eleições seguintes as disputas continuaram acirradas e os grupos tiveram que elaborar articulações e estratégias para “criar uma forma de obrigar o governador a nomear o nosso candidato” (entrevista com procurador aposentado com idade entre sessenta e setenta anos, entrou no MPSC entre as décadas de 1960 e 1970). Um procurador aposentado chegou a relatar que concorreu cinco vezes à vaga de PG para compor a lista e dar mais chances para seu correligionário. Até o início do século XXI, as mudanças de poder no MPSC foram resultadas das estratégias políticas de fundamentalmente dois grupos que precisavam ao mesmo tempo alcançar os votos da classe para compor uma lista tríplice favorável e conquistar a “simpatia” do governo estadual para a nomeação.

Neste longo processo de institucionalização do MPSC, o grupo de membros do MPSC que ocupou o cargo de PG se tornou um reflexo mais característico da morfologia da própria carreira do que daqueles que compunham o espaço de posições das elites dirigentes do estado (como visto no início do período analisado). A origem social é diversificada entre filhos de pais com baixa escolarização ou com ensino superior e profissionais liberais. Ainda que todos sejam catarinenses27 27 . Em relação à população total do MPSC em 2018, 88% nasceram na região Sul do país e 57% (169) são de Santa Catarina. , com a expansão do ensino superior e dos cursos de direito também se diversificaram os locais de ensino onde os PG obtiveram o título de bacharel (metade dos PG se formaram em instituições federais). Em relação ao tempo entre a titulação e a entrada na carreira, os PG parecem seguir o padrão encontrado para o grupo mais amplo de membros do MPSC, mais de três anos (Silveira, 2022SILVEIRA, Treicy Giovanella da. (2022), "Guardião da sociedade": uma sociologia do Ministério Público. Florianópolis, tese de doutorado em Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://bu.ufsc.br/teses/PSOP0730-T.pdf.
https://bu.ufsc.br/teses/PSOP0730-T.pdf...
, p. 153).

QUADRO 3
: Procuradores-gerais durante o Regime Militar e a redemocratização

Alguns apontamentos finais

A análise apresentada aqui buscou demonstrar as transformações associadas às regras de ocupação do posto mais alto da hierarquia do Ministério Público Estadual, a Procuradoria Geral de Justiça. Os dados analisados indicam que as chances de acesso ao cargo foram sendo transformadas conforme as dinâmicas ligadas à posse do diploma em direito, e a estrutura de postos no estado que recebiam os bacharéis também mudou. A partir da estruturação da carreira com a CF/88 e a separação entre a função de defesa do estado e de chefe do MP em cargos distintos, a nomeação para a PG considera um acúmulo de recursos distintos dos períodos anteriores.

No fim do século XIX e início do XX, a passagem pelo cargo de PG estava associada a trajetórias de bacharéis nascidos no Nordeste, filhos das elites rurais e políticas, diplomados na Faculdade de Direito de Recife ou na Faculdade de Direito da Bahia. Após a PG, esses bacharéis eram nomeados desembargadores no recém-criado Tribunal de Justiça do estado e chegavam a ocupar cargos políticos de confiança.

Ao longo do século XX a morfologia do cargo foi transformada, sobretudo pela ampliação do ensino superior e, quanto mais a carreira no MP foi sendo estruturada, menos comuns se tornaram os postos na magistratura. Contudo, os vínculos sociais herdados ou construídos ao longo da trajetória parecem delimitar as chances de sucesso na nomeação. Mesmo para aqueles que não vieram de famílias dos estratos dirigentes, a passagem pela FDSC parece ter sido determinante para a trajetória.

Nota-se, por fim, que a baixa profissionalização do cargo até meados do século XX estabelece um contexto de maior disposição para o exercício de atividades culturais (atuação como jornalistas, escritores, professores e contribuição na formação do espaço cultural do estado como a FDSC, a Academia de Letras de Santa Catarina e o Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina).

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  • SILVEIRA JÚNIOR, Celso Martins. (2009), ACMP: Uma associação que deu certo. Porto Alegre, Magister.
  • 1
    . O estudo apresentado neste artigo é um aprofundamento do debate discutido no segundo capítulo da minha tese de doutorado (Silveira, 2022SILVEIRA, Treicy Giovanella da. (2022), "Guardião da sociedade": uma sociologia do Ministério Público. Florianópolis, tese de doutorado em Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://bu.ufsc.br/teses/PSOP0730-T.pdf.
    https://bu.ufsc.br/teses/PSOP0730-T.pdf...
    ). Pesquisa financiada com bolsa de doutorado Capes-DS.
  • 2
    . A data entre colchetes refere-se à edição original da obra.
  • 3
    . Há uma bibliografia extensa sobre a judicialização das relações sociais que discute o papel e as consequências da atuação do MP neste fenômeno. Indico aqui apenas alguns, Vianna et al. (2014), Arantes (2019)ARANTES, R. (2019), "Ministério Público, política e políticas públicas". In: OLIVEIRA, Vanessa Elias. Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Fio Cruz., Oliveira (2019)OLIVEIRA, Vanessa Elias (org.). (2019), Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Fio Cruz., Ximenes e Silveira (2019)XIMENES, Salomão Barros & SILVEIRA, Adriana Dragone. (2019), "Judicialização da Educação: caracterização e crítica". In: OLIVEIRA, Vanessa Elias de (org.). Judicialização de políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro, Editora Fio Cruz..
  • 4
    . Indico o trabalho de Maciel e Koerner (2002)MACIEL, Débora Alves & KOERNER, Andrei. (2002), "Sentidos da judicialização da política: duas análises". Lua Nova, São Paulo, 57: 113-134. sobre as diferentes abordagens da “judicialização da política”.
  • 5
    . A taxa de analfabetismo no início da década de 1870 era de 82,3% entre a população com cinco anos ou mais. Foi somente nos anos 1950 que essa taxa começou a diminuir e atingiu 57,2% para a mesma população (Ferraro, 2002FERRARO, Alceu Ravanello. (2002), "Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos?". Educação & Sociedade, Campinas, 81 (23): 21-47, dez., p. 32).
  • 6
    . Desde o Império os bacharéis ocuparam os cargos públicos em maior número do que militares ou profissionais liberais como médicos (Venâncio Filho, [1977] 2011, p. 275). Na República Velha essa dinâmica se fortaleceu, e aqueles que possuíam o diploma em direito tinham suas chances de serem recrutados para os cargos do serviço público aumentadas, fosse nas administrações estaduais ou no governo central, ou ainda nas carreiras políticas (Miceli, 1979MICELI, Sérgio. (1979), Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo, Difel., p. 40).
  • 7
    . Segundo os dados do censo do IBGE, até 1932 o país possuía 26 cursos superiores de direito. Em 1935 esse número subiu para 36, mas caiu nos anos seguintes e oscilou entre 21 e 23 até o fim do Regime Vargas. Durante o Regime Militar houve um aumento expressivo no número de faculdades de direito, chegando a 130 em 1982.
  • 8
    . A Faculdade de Direito de Santa Catarina deu origem à Universidade Federal de Santa Catarina, fundada em 1960.
  • 9
    . Sobre a importância do Colégio Catarinense na formação e elaboração de vínculos entre as elites dirigentes de Santa Catarina, ver os trabalhos de Norberto Dallabrida (2001DALLABRIDA, Norberto. (2001), A fabricação escolar das elites: o ginásio catarinense na primeira República. Florianópolis, Cidade Futura., 2008DALLABRIDA, Norberto. (2008), "A força da tradição: ex-alunos do Colégio Catarinense em destaque e em rede". História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, 26 (12): 141-163, set./dez.).
  • 10
    . Neste momento histórico, as instituições de ensino podem ser lidas como estratégicas na formação de elites regionais, pois também retratam um contexto de restrição de acesso à educação em todos os níveis (Bordignon, 2015BORDIGNON, Rodrigo da Rosa. (2015), Elites políticas e intelectuais no Brasil: condições de diversificação e estratégias de carreira (1870-1920). 410 p. Porto Alegre, tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul., p. 159), dado que as taxas de analfabetismo entre os anos 1920 e 1940 para a população de cinco anos ou mais variava entre 71,2% e 61,2% (Ferraro, 2002FERRARO, Alceu Ravanello. (2002), "Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos?". Educação & Sociedade, Campinas, 81 (23): 21-47, dez., p. 33).
  • 11
    . A principal fonte de dados sobre a história política catarinense é o dicionário elaborado por Walter Fernando Piazza (1994)PIAZZA, Walter Fernando (org.). (1994), Dicionário político catarinense. Florianópolis, Edição da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, 871p.. Além desse material, também coletei informações nos sites da Fundação José Arthur Boiteux, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina e da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.
  • 12
    . Sobre o protagonismo dos membros das “famílias” Ramos e Konder (entre descendentes, agregados e aliados) que dominaram as disputas políticas do estado catarinense durante o século XX, ver os trabalhos de Cristiane Manique Barreto (2003BARRETO, Cristiane Manique. (2003), "Entre laços: as elites do Vale do Itajaí nas primeiras décadas do século XX". In: RAMPINELLI, Waldir José (org.). História e poder: a reprodução das elites em Santa Catarina. Florianópolis, Editora Insular., 1997BARRETO, Cristiane Manique. (1997), Entre laços e nós: formação e atuação das elites no Vale do Itajaí (1889-1930). 155 p. Porto Alegre, dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.).
  • 13
    . A nomenclatura do cargo seguiu como promotor público até 1981, quando passou a ser promotor de justiça.
  • 14
    . O cargo de promotor adjunto era de nomeação do chefe do executivo e tinha a principal função de não deixar nenhuma comarca sem promotor. Os relatos de promotores indicam que não apenas o posto era ocupado por pessoas sem formação em direito, como há registros de açougueiros e agentes de rodoviária nomeados. (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., pp. 57-8). Nota-se que o cargo também era ocupado por aqueles que buscavam um posto antes de estabelecerem a carreira na política.
  • 15
    . Como visto, a primeira denominação do posto foi “Desembargador […] Procurador da Soberania do Estado”. Com a Constituição Estadual de 1910, mudou para Procurador-Geral do Estado (Brüning, 2001, p. 122).
  • 16
    . O Tribunal de Justiça de Santa Catarina foi criado em 1891.
  • 17
    . Heráclito Carneiro Ribeiro foi o único bacharel negro a ocupar o cargo mais alto de Procurador-Geral do Estado. Filho do membro fundador da Academia de Letras da Bahia, Ernesto Carneiro Ribeiro. Seu pai também era médico, professor e filólogo.
  • 18
    . O Ministério Público já tinha aparecido anteriormente na Constituição de 1934 quando foi dividido entre MP da União, do Distrito Federal e Territórios, e dos estados.
  • 19
    . A filha de Milton Leite relatou a proximidade do pai com “os Ramos” em entrevista para Silveira Júnior (2009, p. 30): “A carreira dele sempre foi caracterizada pela relação com Nereu Ramos, a família Ramos. E o Nereu [Ramos] era como se fosse um ídolo para ele’, diz, não só no aspecto profissional mas principalmente ‘na retidão e a honestidade’”.
  • 20
    . Lei Orgânica do Ministério Público Catarinense, n. 733/52, art. 8º. A primeira lei orgânica do MP catarinense foi formulada seguindo as mudanças nos outros estados da federação como São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraíba (Silveira Júnior, 2009, p. 62).
  • 21
    . Como relata o ex-procurador geral José Daura: “Os juízes ganhavam um pouco melhor, mas não podiam advogar. Então, podia acontecer do Promotor alcançar até um padrão de vida um pouco melhor do que o do Juiz” (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 55). Outro ex-PG também relatou: “o Ministério Público era, do ponto de vista político-administrativo, um órgão de pouca expressão e de reduzido prestígio. O que realmente o sustentava era o exercício da advocacia pública, ou seja, a defesa dos interesses patrimoniais do Estado” (Axt, 2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., p. 154).
  • 22
    . Terceira Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina, Lei Ordinária n. 4557, de 4 de janeiro de 1971.
  • 23
    . Sobre este conflito, ver as entrevistas realizadas por Gunter Axt (2011AXT, Gunter (org.). (2011), Histórias de vida: os procuradores-gerais. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol I., 2013aAXT, Gunter. (2013a), Histórias de vida. Florianópolis, Procuradoria-Geral de Justiça Centro de Estudos e aperfeiçoamento funcional, vol II. e b).
  • 24
    . Seu irmão, Aloísio Acácio Piazza, foi deputado pelo PMDB, vereador e prefeito de Florianópolis.
  • 25
    . Em 1960 o MPSC possuía 37 membros, na década de 1970 esse número aumentou para 110, na década de 2000 chegou a 243 e em 2019, 473.
  • 26
    . Esta dinâmica também é encontrada no MPF (Viegas, 2020VIEGAS, Rafael Rodrigues. (2020), "Governabilidade e lógica de designações no Ministério Público Federal: os 'procuradores políticos profissionais'". Revista Brasileira de Ciência Política, 33: 1-51 set./dez.).
  • 27
    . Em relação à população total do MPSC em 2018, 88% nasceram na região Sul do país e 57% (169) são de Santa Catarina.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
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