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Caracterização dos tutores de ensino-aprendizagem em serviços públicos de saúde e temas de interesse para atuação

RESUMO

Objetivo:

Descrever o perfil de tutores de ensino-aprendizagem em serviços públicos de saúde e investigar quais são os temas de maior interesse em espaços de desenvolvimento desses atores.

Método:

Estudo transversal. Elegíveis tutores da Planificação da Atenção à Saúde. Coleta de dados por questionário eletrônico composto por questões fechadas sobre características sociodemográficas, formação e atuação. Teste Qui-quadrado utilizado para comparar proporções segundo tipologias de tutor.

Resultados:

Considerados 614 tutores, que atuavam nas cinco regiões geográficas brasileiras, sendo a maioria na Atenção Primária (82%), seguido por atuação estadual/regional (13%) e na Atenção Ambulatorial Especializada (5%). A maioria referiu ser mulher, de cor da pele parda, da área de enfermagem, atuação como tutor há menos de 1 ano, e sem experiência prévia em preceptoria ou similar. Temas considerados mais importantes destacam-se Redes de Atenção à Saúde, estratificação de risco de condições crônicas e funções da Atenção Ambulatorial Especializada.

Conclusão:

Identificou-se a predominância de algumas características entre tutores, com diferenças entre as tipologias de atuação. Os achados podem apoiar gestores no processo de seleção e desenvolvimento de tutores na Planificação.

DESCRITORES
Tutoria; Serviços Públicos de Saúde; Educação Continuada; Planejamento

ABSTRACT

Objective:

To describe the profile of teaching-learning tutors in public health services and investigate which topics are of greatest interest in development spaces for these actors.

Method:

Cross-sectional study. Eligible tutors of Health Care Planning. Data collection using an electronic questionnaire composed of closed questions on sociodemographic characteristics, training and performance. Chi-square test used to compare proportions according to tutor typologies.

Results:

A total of 614 tutors worked in Brazil’s five geographic regions, the majority in primary care (82%), followed by state/regional work (13%) and specialized outpatient care (5%). The majority reported being female, of brown skin color, from the nursing field, having worked as a tutor for less than a year, and with no previous experience in preceptorship or similar. The most important topics were Health Care Networks, risk stratification for chronic conditions and the functions of specialized outpatient care.

Conclusion:

The predominance of certain characteristics among tutors was identified, with differences between the types of work. The findings can support managers in the process of selecting and developing tutors in Health Care Planning.

DESCRIPTORS
Mentoring; Public Health Services; Education, Continuing; Planning

RESUMEN

Objetivo:

Describir el perfil de los tutores de enseñanza-aprendizaje de los servicios de salud pública e investigar los temas de mayor interés en espacios de desarrollo de estos actores.

Método:

Se trata de un estudio transversal con Tutores Elegibles de Planificación de la atención en salud; con datos recopilados mediante cuestionario electrónico de preguntas cerradas sobre características sociodemográficas, formación y actuación. Se utilizó la prueba de Chi-cuadrado para comparar las proporciones según las tipologías del tutor.

Resultados:

Se consideraron 614 tutores que trabajaban en las cinco regiones geográficas del Brasil, la mayoría en Atención Primaria (82%), seguido de actuación estatal/regional (13%) y Atención Ambulatoria Especializada (5%). La mayoría declaró ser mujer, de piel morena, del ámbito de la enfermería, con menos de un año de actuación como tutora y sin experiencia previa como preceptora o similar. Los temas más importantes fueron las Redes de la Atención en Salud, la estratificación del riesgo de las enfermedades crónicas y el papel de la Atención Ambulatoria Especializada.

Conclusión:

Se identificó el predominio de ciertas características entre los tutores, distintas según los tipos de actuación. Las conclusiones pueden servir de apoyo a los gestores en el proceso de selección y desarrollo de los tutores en Planificación.

DESCRIPTORES
Tutoría; Servicios Públicos de Salud; Educación Continua; Planificación

INTRODUÇÃO

A Educação Permanente em Saúde (EPS) apresenta-se como competência do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo alvo de diversas ações e políticas públicas brasileiras nas últimas três décadas(11. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 16 jan 2023]. 78 p. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_educacao_permanente_saude_fortalecimento.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
). Destaca-se a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), que tem como princípio fundamental aprimorar a qualificação dos profissionais de saúde. Nesse contexto, a EPS é uma ferramenta que visa transformar as práticas nos serviços de saúde no dia a dia. Ela deve ser entendida como uma prática de ensino-aprendizagem e também como uma política de educação na área da saúde, cujo objetivo é gerar conhecimento a partir da experiência diária das instituições de saúde, levando em consideração a realidade vivenciada pelos atores envolvidos(22. Mattos MP, Ferreira L, Gomes DR, Esposti CDD. Validação do modelo lógico da Política de Educação Permanente em Saúde nos Centros de Atenção Psicossocial. Cien Saude Colet. 2023;28(8):2385–402. PubMed PMID: 37531546.).

Desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde e a I Conferência Nacional de Recursos Humanos em Saúde(33. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório final. In: 8a Conferência Nacional de Saúde; 1986; Brasília. Brasília: Ministério da Saúde; 1986. p. 11–12 [cited 3 apr 2018]. https://conselho.saude.gov.br/relatorios-cns/1492-relatorio-final-da-8-conferencia-nacional-de-saude.
https://conselho.saude.gov.br/relatorios...
), a formação de trabalhadores da saúde para o SUS está posta como um grande desafio. Busca-se por iniciativas que respondam às necessidades de saúde da população brasileira, que compreendam a determinação social do processo saúde-doença, a importância da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e a integração dos pontos de Atenção Primária à Saúde (APS) com a Atenção Ambulatorial Especializada (AAE)(44. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3, de 28 de setembro de 2017. Consolidação das normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 28 setembro 2017 [cited 19 oct 2023]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0003_03_10_2017ARQUIVO.html.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
). Nesse sentido, a Política Nacional de Atenção Especializada (PNAES), instituída em 2023(55. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.604, de 18 de outubro de 2023. Institui a Política Nacional de Atenção Especializada em Saúde (PNAES), no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 18 outubro 2023 [cited 19 oct 2023]. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-1.604-de-18-de-outubro-de-2023-517547992.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
), aponta que as equipes dos serviços especializados devem desenvolver estratégias de educação permanente, apoio e cuidado compartilhado, propiciando suporte para as equipes de referência da APS.

A necessidade de constante aperfeiçoamento dos serviços e profissionais de saúde se agrava à medida em que os avanços tecnológicos ocorrem de modo cada vez mais acelerado. Em países em desenvolvimento e com dimensões continentais, como o Brasil(66. United Nations. World Economic Situation Prospects. New York: United Nations; 2020. 41 p.), estabelece-se um hiato entre o que se desenvolve de mais moderno de tecnologias aplicadas à saúde e à realidade social e sanitária de grande parcela da população, que sobrevive em condições de carência extremas. Para reduzir o impacto dessas deficiências, programas de aprendizagem no trabalho têm sido planejados para a produção e sistematização de conhecimentos relacionados ao desenvolvimento do trabalho em saúde(11. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2018 [cited 16 jan 2023]. 78 p. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_educacao_permanente_saude_fortalecimento.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
,77. Magalhães CG, Ceccim RB, Amparo-Santos L, Santos VM, Pereira EM, Santos AAFM, et al. Permanent health education in the context of obesity: a scoping review. Rev Saude Publica. 2022;57(1):5. doi: http://dx.doi.org/10.11606/s1518-8787.2023057004244.
https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2023...
).

Historicamente, experiências como o Projeto Larga Escala (PLE) da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) contribuíram para situar um contexto que possibilitasse a transformação dos serviços de saúde, cuja base conceitual exigia a construção de alternativas metodológicas de ensino(88. Castro JL. Protagonismo silencioso: a presença da OPAS na formação de recursos humanos em saúde no Brasil [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2008 [cited 16 jan 2023]. Available from: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/14149.
https://repositorio.ufrn.br/handle/12345...
). Considerando a população submetida aos riscos de uma assistência prestada por trabalhadores sem a devida qualificação, o PLE se comprometia a reorganizar os serviços de saúde a partir da qualificação dos profissionais(99. Bassinello GA, Bagnato MH. Os primórdios do Projeto Larga Escala: tempo de rememorar. Rev Bras Enferm. 2009;62(4):620–6. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672009000400022. PubMed PMID: 19768343.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200900...
). Uma das inspirações do PLE foi o movimento francês Peuple et culture (Povo e Cultura), o qual, desde 1945, desenvolve abordagens de educação popular, promovendo educação crítica como uma estratégia de educação em larga escala através de educadores/mediadores(1010. Peuple & Culture [Internet]. Paris: Peuple & Culture; 2023 [cited 16 jan 2023]. Available from: https://www.peuple-et-culture.org/ressources/manifeste-de-peuple-et-culture.
https://www.peuple-et-culture.org/ressou...
).

No Brasil, em 1985, a fundação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) já representava uma iniciativa de EPS, mediante a parceria entre as esferas da educação e da saúde, com vistas à articulação de diferentes domínios da formação profissional em saúde(1111. Amâncio Fo A, Moreira MC. Formação de pessoal de nível médio para a saúde: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Rede Unida; 1996. 214 p.). Desde o início, suas ações foram direcionadas na perspectiva de uma formação que propiciasse ao educando a aquisição dos conhecimentos técnico-operacionais e dos fundamentos científicos e filosóficos que orientam as respectivas modalidades de trabalho. O Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde (Programa PET-Saúde) é uma iniciativa do governo brasileiro, desde 2008, com a pretensão de integrar ensino, serviço e comunidade. Seu objetivo é qualificar a formação profissional acadêmica e a educação permanente dos profissionais do SUS e das Universidades para a atenção integral à saúde.

Outra iniciativa desenvolvida no Brasil refere-se à Planificação da Atenção à Saúde (PAS), proposta em 2004 como uma metodologia que tem como objetivo apoiar o corpo técnico e gerencial das secretarias estaduais e municipais de saúde para organização dos processos de trabalho no contexto da RAS. Nesse sentido, a PAS propõe o desenvolvimento de competências das equipes de saúde para a organização da Atenção à Saúde, com foco nas necessidades dos usuários sob sua responsabilidade(1212. Mendes EV. A construção social da atenção primária à saúde [Internet]. Brasília: CONASS; 2015. [cited 16 jan 2023]. 193 p. Available from: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-CONSTR-SOC-ATEN-PRIM-SAUDE.pdf.
https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf...
). Entre outras práticas, a PAS constitui-se na consultoria em gestão, no processo de tutoria em serviços de saúde e nas capacitações de curta duração para profissionais da assistência e gestores, visando à organização do processo de trabalho.

Esses movimentos têm uma indagação em comum: “como propiciar ao trabalhador habilidades e conhecimentos para pensar e agir através de processos educativos vinculados aos serviços?” Nesse contexto, manifesta-se o interesse em aprofundar a investigação sobre o perfil e a compreensão dos tutores envolvidos nos processos educacionais e operacionais em um projeto de Planificação. Considerando que esse papel está em constante construção e que, atualmente, o perfil dos profissionais que lidam com processos de EPS na perspectiva de tutoria na PAS não está estabelecido na literatura, este artigo tem como objetivo descrever o perfil de tutores que atuam em ações de ensino-aprendizagem nos serviços de saúde que desenvolvem a metodologia da PAS, assim como investigar quais são os temas de maior interesse a serem trabalhados em espaços de desenvolvimento desses atores.

MÉTODO

Tipo

Trata-se de um estudo transversal, do tipo observacional, descritivo, com abordagem quantitativa, norteado pelo checklist do STrengthening the Reporting of OBservational studies in Epidemiology (STROBE)(1313. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP. Strengthening the reporting of observational studies in epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. BMJ. 2007 Oct 20;335(7624):806–8. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.39335.541782.AD. PubMed PMID: 17947786.
https://doi.org/10.1136/bmj.39335.541782...
), o qual contém 22 itens de verificação, com recomendações para uma descrição completa e precisa acerca dos estudos observacionais.

Local

O estudo foi realizado no contexto do projeto do programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (PROADI-SUS) intitulado “A organização da atenção ambulatorial especializada em rede com a atenção primária à saúde”, conhecido como PlanificaSUS, o qual é executado desde 2018, com o objetivo de apoiar a implantação da metodologia da Planificação da Atenção à Saúde (PAS)(1414. e-Planifica. [Internet]. e-Planifica; 2023 [cited 16 jan 2023]. Available from: https://planificasus.com.br/.
https://planificasus.com.br/...
). Participam do PlanificaSUS 24 regiões de saúde distribuídas nas cinco regiões geográficas brasileiras, sendo 5 no Norte, 9 no Nordeste, 4 no centro-Oeste, 3 no Sudeste e 3 no Sul. Em cada uma das regiões de saúde, são elencados um serviço de Atenção Ambulatorial Especializada (AAE) e serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), para implantação da metodologia da PAS.

População e Critérios de Seleção

A população do estudo foi composta por profissionais de saúde que atuam como tutores do PlanificaSUS. A terceira geração da metodologia da PAS trabalha com o modelo de melhoria e com a concepção da educação tutorial, ou seja, todos ensinam e todos aprendem(1212. Mendes EV. A construção social da atenção primária à saúde [Internet]. Brasília: CONASS; 2015. [cited 16 jan 2023]. 193 p. Available from: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-CONSTR-SOC-ATEN-PRIM-SAUDE.pdf.
https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf...
). Configura-se o tutor como figura central para o acompanhamento do conjunto de mudanças de processos nos serviços e que tem o domínio do como fazer.

A Figura 1 apresenta a divisão dos papéis protagonistas na execução da PAS, destacando-se, para este estudo, os tutores, os quais são responsáveis pelo processo de tutoria em suas respectivas regiões de saúde, municípios ou unidades de saúde. Nessa perspectiva, os tutores em âmbito estadual e regional representam referências para o desenvolvimento e atuação dos tutores de unidades e para discussão das pautas referentes aos processos de tutoria junto à gestão. Os tutores de unidades de APS e AAE interagem diretamente com os profissionais, desenvolvendo um trabalho educacional e de intervenção na realidade.

Figura 1
Descrição dos papéis na Planificação da Atenção à Saúde.

Adotou-se como critérios de exclusão não estar cadastrado na plataforma e-Planifica, utilizada para gestão e monitoramento do PlanificaSUS(1414. e-Planifica. [Internet]. e-Planifica; 2023 [cited 16 jan 2023]. Available from: https://planificasus.com.br/.
https://planificasus.com.br/...
) (https://planificasus.com.br/) (n = 73) ou não sinalizar atuar como tutor em pelo menos uma das tipologias definidas (estadual, regional, unidade APS e ou AAE) (n = 82).

Optou-se, neste estudo, por uma amostragem baseada no método “bola de neve”, realizada a partir do envio de convites por e-mail e grupos de WhatsApp com os atores envolvidos no PlanificaSUS. Esse tipo de método, também conhecido como método de cadeia de referências, começa com a inclusão de um certo número de pessoas que fazem parte da população-alvo, as quais podem indicar a partir de seus contatos outros indivíduos para a amostra. Segue-se assim, sucessivamente, até que se alcance o número desejado(1515. Goodman LA. Snowball Sampling. Ann Math Stat. 1961;32(1):148–70. doi: http://dx.doi.org/10.1214/aoms/1177705148.
https://doi.org/10.1214/aoms/1177705148...
). Dessa forma, a amostra final foi composta por 614 participantes.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada entre agosto e setembro de 2022, a partir de um questionário estruturado elaborado pelos autores, o qual era composto por questões fechadas, incluindo características sociodemográficas (gênero, faixa etária, raça/cor, escolaridade, região geográfica) e relacionadas à formação e à atuação na PAS (formação, maior grau de formação, tipologia de tutor, tempo de conclusão da graduação, tempo de atuação como tutor, horário semanal protegido, atuação como tutor no mesmo local de trabalho, atuação prévia como preceptor ou similar, percepção de temas importantes a serem desenvolvidos e tempo de experiência na APS e em unidades AAE no modelo do Ponto de Atenção Secundária Ambulatorial). Destaca-se que o questionário foi elaborado em formato eletrônico e disponibilizado por meio do software Research Electronic Data Capture (REDCap©)(1616. REDCap. Software – REDCap [Internet]. REDCap; 2023 [cited 13 jul 2023]. Available from: https://projectredcap.org/software/.
https://projectredcap.org/software/...
), mediante a apresentação e aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Análise e Tratamento dos Dados

As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequência e proporções. O teste Qui-quadrado foi utilizado para comparar proporções das variáveis descritivas segundo as tipologias de tutor (estadual/regional, serviço APS, serviço AAE). A variável contínua idade foi descrita por meio da média e desvio padrão. O gráfico de barra foi elaborado para apresentação dos percentuais de resposta por categoria de tipo de tutor, acerca dos temas identificados como importantes a serem desenvolvidos para atuação como tutor. O software Stata versão 13.0 foi utilizado para a realização das análises estatísticas.

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, com o parecer CEP 3.674.106 em 2019, de acordo com a Resolução nº466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. A participação ocorreu mediante a apresentação e aceite do TCLE.

RESULTADOS

Participaram do estudo 614 tutores do PlanificaSUS, com média de idade de 36,8 anos (21,8 – 71,5, DP = 8,8 anos). A Tabela 1 apresenta a caracterização geral dos tutores participantes, que, em sua maioria, identificou-se como mulher cisgênero (87%), com graduação em enfermagem (81%) e raça/cor branca ou parda (90%), havendo cerca de 10% dos participantes que se identificaram como pretos, amarelos ou indígenas.

Tabela 1
Características sociodemográficas e de formação dos(as) tutores(as) do PlanificaSUS – São Paulo, SP, Brasil, agosto-setembro, 2022.

Os participantes residiam nas cinco regiões geográficas do Brasil, sendo a maioria na região Nordeste (43,8%), seguida pelo Norte (19,2%), Sul (18,0%), Sudeste (10,4%) e Centro-Oeste (8,6%). Quanto à tipologia de tutor, a maioria atuava em serviços de APS (82,2%), seguido por cerca de 12% que atuavam no âmbito estadual ou regional, e 5% em serviços de AAE (Tabela 1). A Tabela 2 apresenta características de formação e atuação entre os diferentes tipos de tutores.

Tabela 2
Características relacionadas à atuação dos(as) tutores(as) no PlanificaSUS, segundo tipo de atuação – São Paulo, SP, Brasil, agosto-setembro, 2022.

Conforme pode ser observado, a maioria relatou não ter experiência prévia como preceptor ou similar (59,6%) e atuar como tutor há menos de 1 ano (58%). Identificou-se relação do tempo de atuação como tutor, com a tipologia de atuação (p-valor = 0,012), de modo que a proporção daqueles que atuavam há menos de 1 ano como tutor, pareceu ser maior entre os tutores de serviços de APS (60,6%), enquanto a proporção daqueles com mais de 2 anos de atuação foi maior entre tutores estaduais e regionais (41,3%) ou de serviços de AAE (31,2%).

A proporção de tutores que relataram mais de 5 anos de experiência na APS foi maior entre tutores de serviços de APS (42,2%), comparados aos demais tutores (p-valor < 0,001). No que se refere à atuação em serviços de AAE no modelo do Ponto de Atenção Secundária Ambulatorial (PASA), aproximadamente 80% dos participantes relataram não ter experiência, com menor proporção desses entre os que atuavam como tutores em serviços de AAE (46,9%) em comparação aos demais (p-valor < 0,001). O tempo de formação da graduação (p-valor < 0,001) e o maior nível de escolaridade (p-valor < 0,001) também se associaram a tipologia de tutor, com tendência de maior tempo de formação e grau de escolaridade entre tutores estaduais e regionais ou de serviços de AAE em comparação aos tutores da APS.

A maioria dos participantes atuava como tutor no mesmo local de trabalho, em especial no caso de tutores de serviço de APS ou AAE. Com relação ao horário semanal protegido para atuação como tutor, foi identificado que cerca de 40% relataram não ter um horário estabelecido, com maior proporção entre os tutores da APS (45,8%), enquanto o percentual dos que relataram ter mais de duas horas semanais protegidas foi maior entre tutores de AAE (43,8%) (p-valor < 0,001) (Tabela 2).

A Figura 2 apresenta os percentuais de respostas positivas acerca dos temas considerados relevantes para atuação como tutor, para o total de participantes e por tipologia de tutor. O questionário apresentava uma lista com 13 temáticas em formato de caixa de seleção múltipla-escolha. Entre os tutores da AAE, o tema mais votado foi Funções da AAE (12%) seguido por processo de tutoria, Redes de Atenção à Saúde e Segurança do paciente (9%). Os temas menos sinalizados por tutores da AAE foram Construção Social da APS (4%) e Acesso (5%). Entre os tutores da APS, o tema mais votado foi Estratificação de Risco das Condições Crônicas (11%), seguido por Atributos e funções da APS (10% dos votos). Os temas menos sinalizados entre tutores da APS foram Funções da AAE (5 %), Enfoques organizacionais de acesso (6%) e Mediação de processos educacionais (6%).

Figura 2
Temas considerados como importantes a serem desenvolvidos para atuação de tutores do PlanificaSUS.

Entre tutores Estadual e Regional, o tema mais votado foi Redes de Atenção à Saúde (10%), seguido por Processo de Tutoria (9%), enquanto o tema menos sinalizado como relevante foi Gestão de base populacional (6%), seguido por Acesso, Atributos e funções da APS, Construção Social da APS, Mediação de processos educacionais e Programação de agenda, todos esses representando 7 % dos votos.

Além das temáticas listadas na questão de múltipla-escolha, o questionário contava com uma pergunta aberta para inserção de outras temáticas que pudessem ser de interesse. Foram obtidas 65 respostas para essa questão com sugestões de novos temas, os quais foram categorizados nas temáticas descritas na Tabela 3. As duas sugestões que mais surgiram referiam-se às temáticas “Gestão dos Sistemas e Serviços de Saúde” e desenvolvimento de “Temáticas de Habilidades Leves”, as quais compreendem aspectos sobre relacionamentos interpessoais, atitudes e capacidade de socialização do indivíduo.

Tabela 3
Outros temas sugeridos a serem desenvolvidos para atuação de tutores do PlanificaSUS – São Paulo, SP, Brasil, agosto-setembro, 2022.

DISCUSSÃO

A maioria dos tutores participantes referiu ser mulher cisgênero, de cor da pele parda, da área profissional da enfermagem, com especialização concluída, atuação como tutor(a) há menos de 1 ano, no mesmo local de trabalho e na região Nordeste. A maior parte não relatou experiência prévia de atuação em ambulatórios com o modelo PASA ou como preceptor ou similar. Entre os que relataram experiência prévia com preceptoria, foram sinalizadas atuações como: preceptoria de alunos de residência, tutor do PET Saúde ou professor(ar) de campo de estágio.

A caracterização dos tutores participantes da pesquisa com relação ao gênero e à raça/cor é semelhante à forma como outros grupos de profissionais de saúde são apresentados no Brasil, mulheres cisgênero e pardas. De acordo com o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre ‘O estado da enfermagem no mundo’, 89% dos profissionais de enfermagem na região das Américas são mulheres(1717. Organização Pan-Americana da Saúde. Infográfico - Situação da enfermagem na Região das Américas [Internet]. Washington: Organização Pan-Americana da Saúde Organização Mundial da Saúde, Escritório Regional para as Américas; 2021 [cited 2023 oct 19]. Available from: https://iris.paho.org/handle/10665.2/54504.
https://iris.paho.org/handle/10665.2/545...
). Destaca-se que apesar de aparecer de maneira minoritária, houve representatividade de outras raças/cores no grupo de tutores da PAS. Mulheres, em particular as negras, são protagonistas para manutenção dos serviços essenciais (como saúde, educação, assistência social etc.) em contextos emergenciais(1818. Wenham C, Smith J, Morgan R, Gender and COVID-19 Working Group. COVID-19: the gendered impacts of the outbreak. Lancet. 2020;395(10227):846–8. doi: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30526-2. PubMed PMID: 32151325.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30...
). Na linha de frente, as questões de gênero moldam as experiências das mulheres, considerando que são maioria no setor e que desempenham, historicamente, o trabalho do cuidado, fortalecendo o fenômeno conhecido como “a feminização da saúde”(1919. Hirata H. Comparando relações de cuidado: Brasil, França, Japão. Estud Av. 2020;34(98):25–40. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3498.003.
https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020....
).

A maioria dos tutores, participantes deste estudo, são da área profissional da enfermagem. O resultado evidencia dificuldades de adesão dos profissionais de outras áreas às ações de EPS(2020. Pinheiro GE, Azambuja MS, Bonamigo AW. Facilidades e dificuldades vivenciadas na Educação Permanente em Saúde, na Estratégia Saúde da Família. Saúde Debate. Dez 2018;42(spe4):187–97. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s415.
https://doi.org/10.1590/0103-11042018s41...
), incluindo a PAS. Nesse cenário, salientar a necessidade de enfocar questões sobre a importância de processos educacionais nos currículos de outras áreas da saúde poderá resultar no fortalecimento da interdisciplinaridade e na adesão de outras categorias profissionais a processos de EPS, como os desenvolvidos na PAS.

Um estudo prévio investigou a formação do profissional de enfermagem relacionada à sua expressiva participação em processos no âmbito da educação, verificou-se que este profissional tem um papel importante como educador, destacando a importância de buscar constante atualização, pois o mercado de trabalho, cada vez mais, exige profissionais críticos e reflexivos(2121. Paschoal AS, Mantovani MD, Lacerda MR. A educação permanente em enfermagem: subsídios para a prática profissional. Rev Gaúcha Enferm. [Internet]. 2018 [cited 2023 jan 18];27(3):336–43. Available from: https://seer.ufrgs.br/index.php/rgenf/article/view/4621/2633.
https://seer.ufrgs.br/index.php/rgenf/ar...
). Cabe destacar que, no cenário do presente estudo, os tutores da PAS eram indicados ou se voluntariavam para assumir tal função, mas não recebiam remuneração adicional por esta. Nesse contexto e diante das evidências do protagonismo de profissionais da enfermagem em diversas ações de EPS, ressalta-se a necessidade de reconhecimento oficial delas em suas atividades laborais, assim como em sua remuneração.

Outro importante resultado deste estudo é que a maioria dos tutores participantes atuam na região Nordeste. Este achado é corroborado pela forte trajetória desta região no desenvolvimento de programas de Saúde Pública, especialmente em programas no âmbito da APS, observada desde a década de 90. Além disso, vale ressaltar o pioneirismo dessa região em propostas de atuação na EPS, que surge primeiramente nos cenários das Residências em Saúde(2222. Silva KL, França BD, Marques RC, Matos JAV. Análise dos discursos referentes à Educação Permanente em Saúde no Brasil (1970 a 2005). Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0019222. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00192.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol001...
). Assim, diante do expressivo número de regiões de saúde envolvidas no PlanificaSUS estarem localizadas no Nordeste, esperava-se ampla participação dos tutores desses estados. As experiências acumuladas no Nordeste nos permitem pensar que estratégias que estimulam o envolvimento de profissionais de saúde em projetos e espaços já existentes que utilizam de EPS pode ser uma alternativa aplicável e não onerosa, sendo essa uma possibilidade bem-sucedida de potencializar a expansão da PAS.

No que diz respeito ao tempo de atuação do tutor no âmbito do PlanificaSUS, observa-se uma notável variação na permanência dos profissionais que atuam na APS em comparação com aqueles envolvidos na AAE e na gestão. O cenário encontra conexões com o modelo da Nova Gestão Pública na APS, que se caracteriza, entre outros aspectos, pela introdução de Organizações Sociais, flexibilização nos contratos de trabalho e competição por recursos no orçamento público(2323. Fonseca JM, Lima SML, Teixeira M. Expressões da precarização do trabalho nas regras do jogo: Organizações Sociais na Atenção Primária do município do Rio. Saúde Debate. 2021;45(130):590–602. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104202113003.
https://doi.org/10.1590/0103-11042021130...
). O fenômeno levanta importantes questões sobre a fragilidade dos vínculos empregatícios no setor de saúde, que tendem a ser mais precários entre os profissionais contratados para atuar na Estratégia Saúde da Família(2323. Fonseca JM, Lima SML, Teixeira M. Expressões da precarização do trabalho nas regras do jogo: Organizações Sociais na Atenção Primária do município do Rio. Saúde Debate. 2021;45(130):590–602. doi: https://doi.org/10.1590/0103-1104202113003.
https://doi.org/10.1590/0103-11042021130...
). Essa realidade contribui para a instabilidade da força de trabalho envolvida nos programas de EPS, apontando para a escassa perspectiva de crescimento profissional e uma sensação de insegurança quanto ao futuro. Tais condições podem, por sua vez, incentivar a saída e a constante rotatividade dos trabalhadores, o que é prejudicial para a continuidade e efetividade das ações de EPS.

Por outro lado, entre os tutores que representam as secretarias estaduais de saúde, seja no nível central ou no nível regional, identifica-se maior tempo de vinculação como tutores do PlanificaSUS. Uma explicação possível é de que as unidades federativas, em espaços de gestão, disponibilizam servidores de carreira, com vínculo trabalhista mais estável, contribuindo assim com a execução e sustentabilidade de projetos de apoio ao SUS, como o PlanificaSUS(2424. Gleriano JS, Fabro GC, Tomaz WB, Forster AC, Chaves LD. Gestão do trabalho de equipes da saúde da família. Esc Anna Nery. 2021;25(1):e20200093. http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0093.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Um outro resultado importante está relacionado com o cenário de atuação do tutor. Há um expressivo percentual de tutores que atuam desenvolvendo atividades do PlanificaSUS no mesmo local de trabalho onde são enfermeiros, gerentes ou outras categorias, no caso dos serviços de APS e AAE. Tal configuração traz perspectivas ambíguas podendo ser compreendidas como potencialidade pelo fato do tutor ser reconhecidamente integrante da equipe e do serviço, e, portanto tende a ser legitimado pelos outros profissionais por estar diretamente implicado nas ações de organização e qualificação dos processos desenvolvidos ao longo do projeto. Em contrapartida, há o risco de sobrecarga desse profissional, especialmente quando se verifica a frequência com que enfermeiros desenvolvem função assistencial, gerencial e de tutoria, ligada a aspectos de aprendizagem junto à equipe de referência.

Para minimizar a possível sobrecarga, o horário semanal protegido para o desenvolvimento das ações de tutoria é recomendado pela metodologia da PAS, de acordo com experiências positivas na organização dos serviços e na práxis profissional que apresentam, em sua configuração, a dinâmica de horário protegido para processos de EPS(2525. Santos ERS, Pinto LMA, de Assis MS. Educação permanente em Saúde como Estratégia para a Reorganização do Processo de Trabalho em uma Unidade de Saúde da Família em tempos de Pandemia da COVID-19. REMS. 2022;2(4):388. doi: https://doi.org/10.51161/rems/3336.
https://doi.org/10.51161/rems/3336...
). No entanto, cerca de 40% dos tutores participantes do presente estudo relatou não ter horário protegido, em especial nas unidades de saúde. Esse resultado é corroborado pelo estudo nacional sobre “Práticas de Enfermagem no Contexto da APS”, que demonstra que as ações de educação permanente são as menos prioritárias em comparação ao atendimento ao usuário por agendamento, por demanda espontânea, atividade de gestão de equipe e unidade, assim como ações de educação em saúde(2626. Conselho Federal de Enfermagem. Práticas de Enfermagem no Contexto da Atenção Primária à Saúde (APS): Estudo Nacional de Métodos Mistos. Relatório Final [Internet]. Brasília, DF: CEAM, UnB, COFEN; 2022 [cited 2023 jan 18]. Available from: https://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-Final-Web-1.pdf.
https://www.cofen.gov.br/wp-content/uplo...
).

No que se refere à experiência prévia no Modelo do Ponto de Atenção Secundária Ambulatorial (PASA), apesar de ser a referência para organização dos processos nas unidades da AAE, a partir da PAS, apresenta-se como uma nova proposta para organização da atenção especializada(1212. Mendes EV. A construção social da atenção primária à saúde [Internet]. Brasília: CONASS; 2015. [cited 16 jan 2023]. 193 p. Available from: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-CONSTR-SOC-ATEN-PRIM-SAUDE.pdf.
https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf...
). Esse aspecto foi evidenciado pelo expressivo percentual de tutores da AAE que relataram não apresentarem experiência em ambulatórios balizados por esse modelo organizativo. No contexto em que o modelo tradicional é dominante, as iniciativas de serviços de atenção secundária, que adotam abordagens alinhadas com os princípios do modelo PASA, são raramente difundidas(2727. Almeida PF, Silva KA, Bousquat A. Atenção Especializada e transporte sanitário na perspectiva de integração às Redes de Atenção à Saúde. Cien Saude Colet. 2022;27(10):4025–38. PubMed PMID: 36134808.). Desse modo, entende-se que o PlanificaSUS desenvolve um processo ativo de formação de atores para a implantação e implementação de um modelo cujos pilares asseguram o rompimento da configuração fragmentada de assistência prestada à pessoa usuária na atenção secundária, independente da condição crônica estabelecida(2828. Bandeira LR, Kolankiewicz AC, Alievi MF, Trindade LF, Loro MM. Atenção integral fragmentada a pessoa estomizada na rede de atenção à saúde. Esc Anna Nery. 2020;24(3):e20190297. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0297.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Na oportunidade de sinalizar possíveis temas que identificam como relevantes para sua práxis, os tutores apresentam necessidades de forma heterogênea a partir de cada contexto de atuação. As respostas dos tutores de unidades da APS estão relacionadas ao aprofundamento da clínica para a organização do processo de trabalho da Estratégia de Saúde da Família, enquanto os tutores de serviços ambulatoriais afirmam maior necessidade de compreensão sobre o funcionamento do modelo PASA e os tutores ligados à gestão estadual, seja no nível central, seja no regional, relatam necessidade de formação relacionada às RAS.

Nesse sentido, é importante destacar que apesar de todos reconhecerem a necessidade de espaços de EPS, há menos demanda por temáticas em comum. A diversidade de interesse pelas temáticas pode ser explicada por variáveis de contexto, no qual de um lado profissionais da APS são estimulados pela metodologia da PAS a qualificar o cuidado com as condições crônicas, e do outro profissionais da AAE desenvolvem cuidado especializado sobre a lógica de um modelo com princípios diferentes do tradicionalmente utilizado em unidades ambulatoriais do SUS.

Das temáticas que surgiram a partir da pergunta aberta, duas categorias tiveram maior destaque. A categoria de habilidades leves chama a atenção por ser um agrupamento de sugestões advindas dos participantes que estão alinhadas ao conceito de habilidades sociais. Refere-se a comportamentos valorizados por contribuir para um desempenho socialmente competente em tarefas interpessoais. Gerenciamento das emoções e enfrentamento do estresse; comunicação e aptidões interpessoais; tomada de decisões e resolução de questões; pensamento inovador e análise crítica; autoconhecimento e empatia são as cinco esferas fundamentais das competências comportamentais que fomentam o desenvolvimento de indivíduos mais proficientes na abordagem de desafios e experiências cotidianas(2929. Bianconi ALM, Malaquias TSM, Zani AV, Teston EF, Bortoletto MSS, Haddad MCFL. Educational intervention in social skills for Primary Care nurses. Rev Bras Enferm. 2023;76(4):e20220503. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0503. PubMed PMID: 37820138.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2022-0...
).

Além disso, pode-se entender que as atividades e reflexões ofertados pelo PlanificaSUS têm consequências não apenas para transformação das práticas de trabalho dos atores envolvidos diretamente na PAS, mas também aos demais profissionais de saúde e consequentemente na qualificação do cuidado à população. Valorizar o encontro, escuta e autonomia dos trabalhadores e usuários é essencial para a EPS(3030. Leite CM, Pinto ICM, Fagundes TLQ. Educação Permanente em Saúde: reprodução ou contra-hegemonia? Trab Educ Saúde. 2020;18(supl 1): e0025082. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00250.
https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol002...
). Nesse contexto, torna-se crucial reconhecer que cada profissional, impulsionado por suas vivências e trajetórias pessoais, desenvolve abordagens para enfrentar dilemas diários. O aprendizado contínuo ocorre através do compartilhamento de experiências uns com os outros, fundamentado na prática e na interação, não limitado à mera transmissão de conhecimento.

Entre as limitações do presente estudo, destaca-se a amostra intencional, não sendo representativa da totalidade de tutores da PAS. No entanto, os achados deste estudo apresentam pontos fortes no que diz respeito à caracterização de atores envolvidos em processos que utilizam a EPS como estratégia para organização dos processos de trabalho. A identificação do perfil de tutores que desenvolvem a PAS no contexto do PlanificaSUS potencializa o estabelecimento de estratégias de desenvolvimento destes atores estratégicos, além de subsidiar futuras ações para recuperar a relação dos serviços de saúde com processos de formação continuada. Outro destaque refere-se ao fato de este ser o primeiro estudo nacional com dados primários de características de profissionais de saúde que atuam como tutores da PAS, abrangendo todas as regiões geográficas do país.

CONCLUSÃO

Este estudo permitiu caracterizar a figura do tutor da PAS no contexto do projeto PlanificaSUS. Destaca-se que o tutor se constitui como um dos elementos essenciais para o desenvolvimento dessa metodologia nas regiões de saúde, uma vez que atuam como facilitadores nas oficinas tutoriais, que envolvem as equipes das unidades de APS e unidades ambulatoriais. A partir disso, permite-se refletir sobre o processo de trabalho, apoiando diretamente as equipes na identificação do que precisa ser mudado, a partir dos apontamentos ligados ao que se quer alcançar e no planejamento de intervenções de melhoria, considerando o contexto local e as necessidades das pessoas usuárias.

Foi possível, por meio deste trabalho, apresentar características predominantes entre os tutores, assim como diferenças segundo as tipologias de tutor, as quais podem ser consideradas por gestores e instituições proponentes de ações que envolvam a metodologia da PAS no que diz respeito à seleção, escolha e desenvolvimento de profissionais que atuarão como tutores da PAS. Pesquisas futuras devem também se concentrar tanto nos aspectos de desenvolvimento desses tutores, como na avaliação desse público sobre o seu papel na operacionalização da PAS.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thiago da Silva Domingos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2023
  • Aceito
    17 Jan 2024
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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