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Estudos de Usuários no sistema de informação museal: proposições para a adequação da oferta informacional em museus pela ótica de sujeitos invisibilizados

Museum Information System Users Survey: propositions for the adequation of the information offer in museums from the standpoint of invisible subjects

Resumo:

É objetivo deste estudo investigar o comportamento informacional de sujeitos invisibilizados no ambiente do museu, propondo uma discussão que levante atributos considerados importantes para o engajamento desse público nesses espaços. Para tanto, reúne fundamentos teóricos ligados ao sistema de informação museal, caracterizando o seu público, além de selecionar modelos de Estudos de Usuários da Ciência da Informação, visando relacioná-los ao âmbito do museu. O levantamento teórico em questão, permitiu a construção de um roteiro de entrevistas diretas com a amostra, que buscou compreender o comportamento informacional deste grupo nesses ambientes. Para auxílio a análise do conteúdo obtido, fez-se uso de ferramentas como o iFeel e o Iramuteq, respectivamente. Os resultados apontam que a maioria dos indivíduos entrevistados são do sexo masculino, pretos e de baixa renda, que não visitam museus com frequência por não compreenderem bem as exposições, afirmando faltar clareza nas informações transmitidas. Caracterizam-se como pessoas curiosas, que buscam por informação, todavia expõem um sentimento de insatisfação em relação as informações obtidas na visita a museus. Como melhoria propõem o acréscimo de guias, um trabalho em relação a qualidade das informações expostas, além da inserção de tecnologias, como totems e Qrcodes.

Palavras-chave:
Estudos de Usuários; sistema de informação museal; público invisibilizado; museus; informação

Abstract:

This study aims to investigate the informational behavior of individuals that are considered invisible in the museum environment, proposing a discussion that raises attributes contemplated as important for the engagement of this public in these spaces. Hence, it gathers theoretical foundations linked to the museum information system, characterizing its audience, in addition to selecting models from Studies of Information Science Users, aiming to relate them to the scope of the museum. The result of this survey was the construction of a script consisting of direct interviews with the sample in question, which attempted to understand the informational behavior of this group in such environments. To be of service to data analysis, tools such as iFeel and Iramuteq, respectively, were used. The results showed that most of the individuals interviewed are male, black and low-income, who do not visit museums frequently because they do not understand what is exhibited well, claiming that the information given and transmitted is lacking clarity. These individuals are characterized as curious people, who seek information; however they express a feeling of unsatisfaction with the information acquired when visiting museums. As an improvement of the situation presented, it is proposed the inclusion of guides, a further working in relation to the quality of the given information, in addition to the insertion of technologies, such as information/direction boards and QRcodes.

Keywords:
Users Survey; museum information system; invisible audience; museums; information

1 Introdução

Este artigo articula-se mediante a três horizontes interconectados. O primeiro, coloca o museu como objeto analítico principal, instituição que evoluíra suas funções desde os locais dedicados a guarda de artefatos, para os espaços nos quais, como grandes sistemas informacionais, também se incumbem a transmitir o conhecimento advindo de suas coleções ( LOUREIRO, 2004LOUREIRO, M. L. N. M. Webmuseus de arte: aparatos informacionais no ciberespaço. Ciência da Informação, Brasília, v. 33, n. 2, p. 97-105, maio/ago. 2004. ). O segundo, emprega como personagem amostral o indivíduo invisibilizado desta instituição, que, por definição, configura-se como alguém “estrangeiro” deste universo, usualmente, não se encaixando nas características básicas existentes no público corriqueiro desses locais ( RABELO; ALMEIDA JUNIOR, 2020RABELO, R.; ALMEIDA JUNIOR , O. F . Usuário de informação e ralé estrutural como não-público: reflexões sobre desigualdade e invisibilidade social em unidades de informação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 1-24, 2020. ). Já o terceiro, engloba a arena dos Estudos de Usuários da Ciência da Informação (CI), explicitada como forma encontrada para avaliar o comportamento informacional deste usuário, a fim de compreender suas percepções enquanto visitantes destes espaços, ambicionando, assim, fomentar estratégias que poderão vir a incitar o maior engajamento desse usuário nesse ambiente.

O entrecruzamento dos tópicos em questão resulta na hipótese deste artigo, que se baseia no pressuposto de que o sistema de informação museal não vêm trabalhando, adequadamente, a informação que oferta em seu espaço para o usuário invisibilizado que o visita ou pretende visitá-lo, gerando, com isso, um afastamento deste público. Portanto, é objetivo deste estudo investigar o comportamento informacional de sujeitos invisibilizados no ambiente do museu, propondo uma discussão que levante atributos considerados importantes para o engajamento desse público nesses espaços.

Para que se atinja esse objetivo e confirme, ou não, a hipótese traçada, este estudo adota uma metodologia configurada em três momentos. O primeiro, refere-se à composição do arcabouço teórico, que se destina tanto a estudar o sistema de informação museal, como a recuperar modelos de comportamento informacional dos Estudos de Usuários que possam ser correlacionados ao museu. O segundo, abriga-se na aplicação de um instrumento de pesquisa para usuários invisibilizados deste sistema, visando compreender a sua relação com o fenômeno da informação. Já o terceiro, faz uso das ferramentas de análise de conteúdo como o Iramuteq e o iFeel, no sentido avaliar, mais proficuamente, as respostas obtidas.

Justifica-se este estudo por dois motivos principais. O primeiro, corresponde à sua escolha amostral, uma vez que Rabelo e Almeida Junior (2020RABELO, R.; ALMEIDA JUNIOR , O. F . Usuário de informação e ralé estrutural como não-público: reflexões sobre desigualdade e invisibilidade social em unidades de informação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 1-24, 2020. ) revelam que são raras as produções da CI que relacionam os Estudos de Usuários a indivíduos invisibilizados. Isso significa que a ideia tradicional de usuário considera o elemento final do sistema o qual a informação será transmitida, abrigando pesquisas que buscam aperfeiçoar estes ambientes através de inquirições com o indivíduo que já o utiliza com frequência.

Consequentemente, aqueles que não se encaixam em determinados padrões, ficam de fora das análises, o que é identificado pelos autores como um contrassenso, dado que se desconsiderando do planejamento de um sistema usuários que não se encaixam em um modelo ideal, tende-se a não atingir as suas expectativas, afastando-os. Por conseguinte, justifica-se esta pesquisa também pela sua contribuição no conhecimento social no que tange aos estudos de usuários no âmbito da Ciência da Informação. Em buscas realizadas nas bases SciELO, Capes e Google Scholar, não foram encontrados estudos que considerassem o usuário invisibilizado como elenco analítico de pesquisas sobre usuários da informação em museus. O Instituto Brasileiro de Museus ( IBRAM, 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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), a exemplo, sobressalta este público em sua pesquisa, todavia, não trata especificamente do quesito informacional como proposição discursiva de seu texto.

O conteúdo deste artigo, enfim, discorre em sete seções principais. Está primeira apresenta a introdução. A segunda, trata do objeto de estudo museu. A terceira, expõe os Estudos de Usuários da CI, correlacionando-os ao universo museal. A quarta, exibe a metodologia. A quinta, apresenta os resultados. E a sexta e sétima, apresentam a conclusão e referências, respectivamente.

2 Apontamentos sobre o objeto de estudos museu

De acordo com o Conselho Internacional de Museus ( ICOM, 2006INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS (ICOM). Code of Ethics for Museums. Paris, 2006. Disponível em: http://icom.museum/code2006_eng.pdf Acesso em: 2 maio 2020.
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):

Museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, à serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e transmite o patrimônio material e imaterial da humanidade e de seu meio ambiente com fins educacionais e de deleite ( ICOM, 2006INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS (ICOM). Code of Ethics for Museums. Paris, 2006. Disponível em: http://icom.museum/code2006_eng.pdf Acesso em: 2 maio 2020.
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, p. 48).

Destaca-se nesta definição, o caráter público da instituição, que está a serviço da sociedade, com fins educacionais. Por meio dessa afirmativa, inclusive, é possível revelar como papel fundamental dos museus a proteção de objetos que detenham um significado, tornando esse significado mais acessível à população. Nesse contexto, Loureiro (2004LOUREIRO, M. L. N. M. Webmuseus de arte: aparatos informacionais no ciberespaço. Ciência da Informação, Brasília, v. 33, n. 2, p. 97-105, maio/ago. 2004. ), acrescenta que o museu se configura como um sistema, onde, dentro de um ciclo constante de geração e transmissão de saberes, representa o conhecimento existente em seus objetos, para que estes sejam recuperados pelo seu público.

Embora, assim, em sua definição os museus estejam designados à serviço da sociedade, com incumbência, inclusive, de transferir informações às gerações, estudos como os de Koptcke, Cazelli e Lima (2007KÖPTCKE, L. S.; CAZELLI, S.; LIMA, J. M. Os museus e seus visitantes: uma análise do perfil dos públicos dos museus do Rio de Janeiro e de Niterói. In: ABREU, R.; CHAGAS, M. S.; SANTOS, M. S .(org.). Museus, coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Brasília: Ministério da Cultura, 2007. p. 68-94. (Coleção museu, memória e cidadania). ), IBRAM (2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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), Dutra (2015 DUTRA, L. F. Sociedades Contemporâneas e o ‘mundo de telas’: um estudo acerca do museu virtual do Circuito Liberdade. 2015. Monografia (Graduação em Turismo) - Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. ), Bourdieu e Darbel (2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016.), Gomes (2016FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Qual a faixa de renda familiar das classes? Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://cps.fgv.br/qual-faixa-de-renda-familiar-das-classes . Acesso em: 09 fev. 2022.
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) e Jennings e Jones-Rizzi (2017JENNINGS, G.; JONES-RIZZI, J. Museums, white privilege, and diversity: A systemic perspective. Dimensions, Washington, v. 18, n. 5, p. 66-67, 2017. ), apresentam que o público dessas instituições detém, em sua maioria, características básicas (escolaridade, ocupação, renda, etc.) que os concentram em um grupo de indivíduos privilegiados na sociedade.

Bourdieu e Darbel (2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016.), a exemplo, apontaram que, desde 1969, na Europa, 9% do público desses espaços era desprovido de qualquer diploma, enquanto quase que 60% constituía-se em graduandos ou pós-graduados. Já Koptcke, Cazelli e Lima (2007KÖPTCKE, L. S.; CAZELLI, S.; LIMA, J. M. Os museus e seus visitantes: uma análise do perfil dos públicos dos museus do Rio de Janeiro e de Niterói. In: ABREU, R.; CHAGAS, M. S.; SANTOS, M. S .(org.). Museus, coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Brasília: Ministério da Cultura, 2007. p. 68-94. (Coleção museu, memória e cidadania). ), apresentam que seria tão maior a probabilidade de uma pessoa visitar um museu quanto maior fosse a sua renda. Jennings e Jones-Rizzi (2017JENNINGS, G.; JONES-RIZZI, J. Museums, white privilege, and diversity: A systemic perspective. Dimensions, Washington, v. 18, n. 5, p. 66-67, 2017. ), complementam que os visitantes destes locais tendem a residirem em bairros nobres, sendo em sua maioria brancos e ocupadores de categorias profissionais especializadas. O IBRAM (2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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), por sua vez, acrescenta que daqueles que não visitam museus, destacam-se os analfabetos e os com renda média de um salário mínimo.

Rabelo e Almeida Junior (2020RABELO, R.; ALMEIDA JUNIOR , O. F . Usuário de informação e ralé estrutural como não-público: reflexões sobre desigualdade e invisibilidade social em unidades de informação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 1-24, 2020. ) reflexionam sobre este contexto, ao criticarem que o acolhimento de uma larga maioria de visitantes caracterizados como escolarizados e de alta renda fez com que os museus afirmassem uma dimensão conservadora e excludente, resultando na invisibilidade de alguns indivíduos em suas dependências. Os invisibilizados, isto posto, são, por definição, “estrangeiros”, não possuidores em totalidade dos códigos de acesso ao universo simbólico ‘museu’. São aqueles, portanto, que não fazem parte do público efetivo e corriqueiro que permeia a essas intituições. Souza (2011SOUZA, J. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. ) relata sobre a utilização do termo “invisível” para denominar um grupo de pessoas específico, que provém da invisibilidade histórica de uma parcela significativa da população, que encontra-se à “margem” da sociedade (em alguns casos, economicamente, em outros socialmente, e em outros, os limites de exclusão são indissociáveis, envolvendo-se com vários domínios e setores distintos). O autor, por sua vez, infere a classe “invisível” - de modo não pejorativo, mas provocativo - correlacionando-a criticamente àqueles silenciados, que estão fora de um certo elenco.

Nessa perspectiva em particular, emprega-se aqui o termo “invisível” considerando perspectiva análoga a de Souza (2011SOUZA, J. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. ). Isso dado que no mundo dos museus, o fenômeno informacional engloba-se em um ciclo de criação, gestão e transferência de informações, que se encontra face a um exercício histórico de poder, estando diretamente relacionado à dimensões simbólicas e políticas intrinsecamente enraizadas nestes ambientes. Assim, àqueles sujeitos que estão fora de tal tessitura, acabam por tornarem-se não vistos, não pensados e, em alguns casos, excluídos das práticas e ações administrativas desses espaços.

Marques (2010MARQUES, I. C. O museu como sistema de informação. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal, 2010. ), neste contexto, destaca que os museus já apresentavam, desde as suas origens na Grécia, o viés de uma acessibilidade restrita, uma vez que somente os cidadãos eupátridas (do grego: ‘bem nascidos’) eram detentores do direito ao ingresso irrestrito a estes locais. Já na Idade Média, a autora revela que juntamente a expansão do cristianismo, a igreja passa a recorrer ao projeto da catequização pela imagem, demonstrando seu poder e imponência através da ostentação de objetos de culto em suas catedrais.

Anos à frente, com o Renascimento, Julião (2006JULIÃO, L. Apontamentos sobre a História do Museu. 2. ed. Brasília: Ministério da Cultura, 2006. (Caderno de Diretrizes Museológicas). ) evidencia que a elite europeia começa um processo de acumulação de objetos provenientes de expedições militares do novo mundo, dispondo-os, inclusive, nas salas de seus palácios, quando nascem os “Gabinetes de Curiosidades”. Este panorama, assim, indica que desde às suas origens, a fruição de bens culturais restringiu-se a nobreza e entidades ostentadoras, excluindo certas parcelas populacionais.

Somente passados alguns anos, com a Revolução Francesa no século XVIII, as classes populares se organizaram para reivindicar o acesso as coleções. A revolução, por sua vez, abrigou progressos para o museu ao delinear: (i) a definição da atribuição moderna dessas entidades, que passaram a deter funções ligadas tanto à guarda dos legados humanos, quanto à instrução do seu público através destes; e (ii) a consolidação de instituições museais públicas na Europa e em outros continentes, inspiradas no nascimento do museu do Louvre, em Paris, no ano de 1793.

Weil (1999WEIL, S. E. El Museo y el publico. Revista de Museologia, Madrid, v. 5, n. 6, feb. 1999. ) salienta, em contrapartida, que mesmo com o avanço de uma consolidação de instituições museais públicas pelo mundo, a questão dos privilégios de classe para acesso aos bens culturais enraizou uma problemática paradoxal. O autor disserta, nesse contexto, que dentre os visitantes destes espaços passou-se a aflorar uma barreira invisível entre aqueles que eram capazes de compreender os objetos expostos - em súmula, as classes monopolizadoras, por séculos, dos bens musealizados - e as esferas sociais populares - sucumbidas a uma célere adaptação a este “novo” universo.

Soares (2017SOARES, E. Documentação e informação no contexto museológico. Revista Museologia & Interdisciplinaridade, Brasília, v. 6, n. 11, p. 258-268, jan./jun. 2017. ), isto posto, afirma que os museus, ao invés sobreporem esta ordem de supremacia de um público em detrimento dos demais, acabaram por sustentarem-se sobre permanências históricas, fortalecendo processos de reprodução da informação por meio de formatos que beneficiavam visitantes com maior poder cultural. O autor acrescenta, que certa parcela do público enfrenta, ainda, um desafio para compreender a linguagem destes espaços revelando que a “[...] comunicação nem sempre é condizente com a necessidade de informação que cada público de museu precisa para estar em sintonia com o propósito da exposição e aprender com ela” ( SOARES, 2017SOARES, E. Documentação e informação no contexto museológico. Revista Museologia & Interdisciplinaridade, Brasília, v. 6, n. 11, p. 258-268, jan./jun. 2017. , p. 259).

De acordo com Gomes (2016FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Qual a faixa de renda familiar das classes? Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://cps.fgv.br/qual-faixa-de-renda-familiar-das-classes . Acesso em: 09 fev. 2022.
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), uma forma de se conseguir avançar no rompimento desse contrassenso, baseia-se na inquirição desses indivíduos, compreendendo seus anseios informacionais. Somente assim, os museus poderiam capacitar-se para transferir informações que conseguissem dialogar com seus diferentes visitantes. Essa conjuntura insinua que o campo dos Estudos de Usuários poder-se-á deter um papel importante no auxílio à questão da gestão da informação em museus, uma vez que investiga: (i) as necessidades, as buscas e os usos da informação pelos cidadãos, bem como os sistemas que utilizam; e (ii) as possibilidades para o maior acesso informacional de grupos sociais (colocando sujeitos face à informação que necessitam). Estes estudos, portanto, enfocam problemáticas relacionadas à qual informação uma pessoa quer encontrar e como o sistema pode ser projetado para suprir essas necessidades. De acordo com Gomes (2016GOMES, T. V. Estudo de público e não público em museus soteropolitanos. 2016. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016.), somente ao compreender este cenário, os museus poderão capacitar-se rumo a melhoria dos seus serviços informacionais.

3 Necessidades, buscas e usos da informação e os modelos de comportamento para se informar

Para Choo (2006CHOO, C. W. Research in information and Knowledge Management. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2006. ) o usuário da informação pode ser definido como o indivíduo que utiliza determinado serviço ou produto de uma unidade informacional, impulsionado por certa necessidade específica. Ainda segundo o autor, ‘necessidade de informação’ atrela-se as necessidades cognitivas de uma pessoa, ligando-se a deficiências de conhecimento; por sua vez, ‘busca de informação’ caracteriza-se como a interação do indivíduo com sistemas de informação, em razão do suprimento de sua necessidade; e o ‘uso da informação’ é visto como ações envolvidas na incorporação daquilo que foi encontrado no processo de busca.

Ao estudar como os usuários da informação lidam com seus processos de necessidade, busca e uso informacional, vê-se o desabrochamento (principalmente após a década de 1980) de uma série de modelos teóricos que vislumbraram descrever este fluxo de atividades do comportamento do sujeito social para se informar. Wilson (1999WILSON, T. D. Models in information behavior reserch. Journal of Documentation, London, v. 55, n. 3, p. 249-270, jun. 1999. ), a título de exemplo, desenvolve um modelo ( Figura 1) que coloca o indivíduo face a um contexto específico.

O autor apresenta a necessidade de informação, acrescentando seus mecanismos de ativação, ou seja, aquilo que irá motivar o usuário a buscar a informação e em que medida. Neste ponto, apresenta a ‘Teoria do estresse e do enfretamento’, que salienta a observação do porquê algumas necessidades induzem ao comportamento de busca mais do que outras. Os mecanismos de ativação, assim, são afetados por cinco tipos de variáveis, sendo: (i) predisposições psicológicas (exemplo, a curiosidade); (ii) natureza demográfica (exemplo, a escolaridade); (iii) função social (exemplo, a profissão); (iv) variáveis ambientais (exemplo, os recursos disponíveis) e (v) características das fontes (exemplos, a credibilidade).

Figura 1 -
Modelo de comportamento para se informar

Adiante, é perceptível a existência de outra fase, que faz uso de conceitos da “Teoria do Risco/Recompensa”, mostrando por que algumas fontes de informação são mais usadas do que outras, consequências de desencadeamentos oriundos das variáveis intervenientes. Já a “Teoria do aprendizado social” atrela-se às razões de algumas pessoas perseguirem a busca informacional com sucesso e outras não, baseada na própria percepção de autoeficácia. Para Wilson (1999WILSON, T. D. Models in information behavior reserch. Journal of Documentation, London, v. 55, n. 3, p. 249-270, jun. 1999. ), uma pessoa, mesmo ciente da utilidade de uma fonte de informação, pode falhar no uso dela se estiver insegura sobre sua capacidade de lidar com essa fonte. Enfim, são evidenciados diferentes tipos de busca de informação para que, então, se estabeleçam seus processamentos e usos.

Dervin (1992DERVIN, B. From the mind’ eye of the user: the sense-making qualitative-quantitative methodology. In: GLAZIER, J. D.; POWELL, R. R. (org.). Qualitative Research in Information Management. Englewood: Libraries Unlimited, 1992. p. 61-84. ) também se esforçou na construção de um modelo de comportamento informacional, partindo do pressuposto de que o indivíduo seria constituído por um quadro interno de referências, formado por significados interiorizados a partir de observações da realidade. Ao confrontar-se com a vida, entretanto, o sujeito depara-se com desordens que causam descontinuidades em sua existência. Para vencer essas descontinuidades, ele lança mão de seus quadros de referências, todavia, quando estes não permitem transpor os obstáculos, um processo de busca informacional apresenta-se necessário. Em resumo, a abordagem oferece uma metáfora ( Figura 2), na qual a necessidade informacional é comparada com uma lacuna e, através da busca (ponte), responde-se à questão principal, transpondo o vazio percebido.

Figura 2 -
A metáfora do Sensemaking

Em análise sobre a metodologia utilizada por Dervin, Choo (2006CHOO, C. W. Research in information and Knowledge Management. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2006. ) destaca o método da entrevista da linha do tempo em que o usuário é conduzido a reconstruir uma situação, descrevendo o vazio detectado e a ajuda desejada, caracterizando seus passos detalhadamente. Para o autor, pelo modo como as pessoas percebem seus vazios e como desejam informações para ajudá-las, pode-se prever seu comportamento informacional.

Contemporaneamente ao estudo de Dervin (1992DERVIN, B. From the mind’ eye of the user: the sense-making qualitative-quantitative methodology. In: GLAZIER, J. D.; POWELL, R. R. (org.). Qualitative Research in Information Management. Englewood: Libraries Unlimited, 1992. p. 61-84. ), Kuhlthau (1993KUHLTHAU, C. C. A principle of uncertainty for information seeking. Journal of Documentation, Wagon Lane, v. 49, n. 4, p. 339-355, 1993. ) desenvolveu proposições que evidenciavam as diferentes emoções que pulsavam diante do processo de busca informacional. A autora, assim, arquiteta um modelo dividindo-o em seis estágios, sendo: iniciação; seleção; exploração; formulação; coleta e apresentação. Resumidamente, durante a iniciação, o usuário reconhece a necessidade de informação e, então, surgem sentimentos de incerteza. Durante a seleção, os sentimentos de insegurança são substituídos por otimismo e uma prontidão para a busca. Na exploração, ele expande sua compreensão do tema e a confusão pode aumentar. O estágio da formulação é o ponto de mutação, porque é nele em que o usuário estabelece uma perspectiva sobre o problema que pode orientar a busca. A insegurança decresce. Durante a coleta, o usuário interage com sistemas de informação para reunir informações. No estágio seis, ele completa a busca. Há uma sensação de alívio - ou desapontamento - dependendo dos resultados desta fase.

Kuhlthau (1993KUHLTHAU, C. C. A principle of uncertainty for information seeking. Journal of Documentation, Wagon Lane, v. 49, n. 4, p. 339-355, 1993. ), todavia, reconhece que as análises do processo de busca por informação não, necessariamente, seguirão a direção citada em seu modelo, uma vez que o usuário poderá tomar decisões que afetem este processo. Exemplo, é o estado de espírito do indivíduo e sua atitude em relação à tarefa de busca. Ou seja, caso este encontre-se num estado mais investigativo, tende a empreender ações mais expansivas, enquanto uma pessoa num estado mais indicativo prefere ações mais conclusivas.

Em seguimento, vê-se, que o comportamento do indivíduo na identificação de suas necessidades, busca e uso da informação é influenciado, também, pelo âmbito situacional em que vive. No modelo de Choo (2006CHOO, C. W. Research in information and Knowledge Management. Brasília: Universidade Católica de Brasília, 2006. ), assim, o ambiente onde a informação é processada pelo usuário é o foco principal, apresentando distinções. A primeira, revela-se por meio do ‘ambiente de processamento da informação’, que é interno ao indivíduo e constituído por suas necessidades cognitivas e emoções e a segunda revela-se pelo ‘ambiente de uso da informação’, que é externo e inclui as condições do meio em que vive. Taylor (1991TAYLOR, R. Information use environments. In: DERVIN, B.; VOIGT, M. J. (org.). Progress in Communication Science. Norwood: Ablex Publishing, 1991. p. 217-255. ) acrescenta que, geralmente, ao perceber uma necessidade de informação o indivíduo toma atitudes, conectadas a conceitos prévios e normas sociais do meio em que vive, enfatizando que o comportamento de uso da informação influencia-se, também, por meio de relações controladas pela natureza dos ambientes em que o sujeito esteja envolvido.

3.1 Necessidade, busca e uso de informação no sistema de informação museal

O museu configurando-se como um ambiente também construído com a intenção de produzir e transferir informações, engloba visitantes que apresentam, comumente em suas dependências, um comportamento de busca informacional. Isso significa que o usuário da informação no museu, ao adentrar em uma galeria, poderá encontrar objetos aos quais não compreenderá em totalidade seus usos, significados ou contexto histórico ( SOARES, 2017SOARES, E. Documentação e informação no contexto museológico. Revista Museologia & Interdisciplinaridade, Brasília, v. 6, n. 11, p. 258-268, jan./jun. 2017. ). Nessa ocasião, o indivíduo passará a acessar seu quadro de referências na tentativa de transpor o obstáculo identificado ( DERVIN, 1992DERVIN, B. From the mind’ eye of the user: the sense-making qualitative-quantitative methodology. In: GLAZIER, J. D.; POWELL, R. R. (org.). Qualitative Research in Information Management. Englewood: Libraries Unlimited, 1992. p. 61-84. ).

As variáveis intervenientes ( WILSON, 1999WILSON, T. D. Models in information behavior reserch. Journal of Documentation, London, v. 55, n. 3, p. 249-270, jun. 1999. ), nesta conjuntura, influenciarão a sua decisão. Em relação às suas predisposições psicológicas, por exemplo, o usuário poderá possuir uma tendência à curiosidade, o que o levará a uma maior inclinação para buscar informações. Já em relação a natureza demográfica, visitantes menos assíduos, poderão requerer com maior frequência ajuda humana em suas visitas ( BOURDIEU; DARBEL, 2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016.). Destaca-se, em continuidade, a existência de estreita correlação entre a visita ao museu e a “Teoria do aprendizado social” de Wilson (1999WILSON, T. D. Models in information behavior reserch. Journal of Documentation, London, v. 55, n. 3, p. 249-270, jun. 1999. ), uma vez que, caso o usuário não identifique uma autoeficácia para utilização desse sistema, poderá não dedicar tempo para compreender suas coleções. Todavia, caso o indivíduo opte por seguir com a busca informacional poderá iniciar o processo por meio das questões: O que está faltando para compreender essa exposição? Que tipo de ajuda espero receber? Fundamentado nesses questionamentos, passa a definir técnicas que serão visualizadas como a sua “ponte” para aquisição da informação desejada ( DERVIN, 1992DERVIN, B. From the mind’ eye of the user: the sense-making qualitative-quantitative methodology. In: GLAZIER, J. D.; POWELL, R. R. (org.). Qualitative Research in Information Management. Englewood: Libraries Unlimited, 1992. p. 61-84. ), sendo a busca feita pelos produtos documentários do museu como etiquetas informativas, áudio-guia, folder explicativo etc., detendo caráter ativo - o indivíduo procura um guia disponível - ou passivo, considerando somente os suportes informacionais existentes.

Ademais, a busca por informação poderá resultar em um sentimento de satisfação e alívio - caso os produtos documentários do museu atendam as expectativas do usuário - ou gerar um sentimento de desapontamento e frustração - no caso contrário. Uma vez que a informação obtida seja percebida e aceita poderá ser utilizada para uma série de usos, como por exemplo, uso para dar significado ao objeto museal; para determinar fenômenos ou acontecimentos históricos atrelados ao bem cultural; para sentir-se mais envolvido com a exposição e/ou promover satisfação pessoal, etc. ( KUHLTHAU, 1993KUHLTHAU, C. C. A principle of uncertainty for information seeking. Journal of Documentation, Wagon Lane, v. 49, n. 4, p. 339-355, 1993. ).

Figura 3 -
A necessidade, busca e uso de informação no sistema de informação museal

A Figura 3, nesse sentido, exemplifica o processo de necessidade, busca e uso de informação pelo usuário do museu, abarcando as principais correlações realizadas com os modelos estudados. A “ponte”, ou seja, as formas de transpor o vazio cognitivo, encontra-se com ranhuras, uma vez que, nem sempre, o processo de obtenção de informação pelo usuário visitante dessas instituições é verdadeiramente satisfeito ( IBRAM, 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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; GOMES, 2016FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Qual a faixa de renda familiar das classes? Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://cps.fgv.br/qual-faixa-de-renda-familiar-das-classes . Acesso em: 09 fev. 2022.
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; SOARES, 2017SOARES, E. Documentação e informação no contexto museológico. Revista Museologia & Interdisciplinaridade, Brasília, v. 6, n. 11, p. 258-268, jan./jun. 2017. ).

4 Metodologia

O início desta investigação deu-se com um levantamento teórico, realizado em 2021, que se dividiu em três assuntos: “museus e evolução para sistemas de informação”; “museus e público” e “estudos de usuários e modelos de comportamento informacional em sistemas de informações”. Em se tratando dos dois primeiros temas, o material utilizado derivou-se das bases de dados Scopus, SciELO e Google Scholar, por meio das palavras-chaves “origem dos museus”; “público de museus”; “museus e informação” e “sistema de informação museal”. Já o terceiro tema fora buscado pelas mesmas bases de dados utilizando-se as palavras-chaves “estudos de usuários” e “modelos de comportamento para se informar em museus”.

Na sequência, a pesquisa se destinou a sua fase empírica. Em se tratando da amostra, a investigação fora não probabilística, uma vez que, como visto no arcabouço teórico, não são comuns pesquisas que elucidem este público, nem que delineiem quantas pessoas, no Brasil, possuem frequência a estas entidades ( IBRAM, 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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). Desse ponto de vista, nota-se que uma quantidade consensual para a aplicação de pesquisas qualitativas seria entre 20 e 30 entrevistados, observando-se para a finalização da coleta o seu ponto de saturação - entendendo-se por saturação o momento em que a aplicação de novas entrevistas não trará mais esclarecimentos para o objeto estudado ( MINAYO, 2017MINAYO, M. C. S. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa, São Paulo, v. 5, n. 7, p. 01-12, 2017. ). Acrescenta-se, que conforme executado pelo IBRAM (2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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) a aplicação das pesquisas fora realizada presencialmente, em locais de fluxo de transeuntes (praças, pontos de ônibus etc.) na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais/Brasil, em dezembro de 2021.

A primeira pergunta do roteiro de entrevistas, nesse sentido, baseou-se na frequência em que o (a) respondente visita espaços museais, sendo: “na sua vida, com que frequência você visitou museus”? Detendo opções como: “nunca visitei um museu” ou “visitei de uma a três vezes” - e sucessivamente. Caso o indivíduo respondesse que visitou museus “de sete a nove vezes 1 1 É tênue a relação entre a quantidade de vezes que uma pessoa visitou um museu e a sua caracterização como visitante frequente ou não. Nesta pesquisa, considerou-se que acima de seis visitas o indivíduo já estaria fora do contexto em que se deseja investigar, uma vez que, pelos parâmetros do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA, 2010), 70% da população brasileira nunca foi a um museu. Logo, considera-se que um sujeito que já fora a museus seis vezes em sua vida, faz parte de uma seleta minoria que já visitou essas instituições com certa repetição e, portanto, não serão considerados amostra investigativa. ” ou mais, era agradecido pela participação, mas não entrevistado.

As questões dois a seis foram alocadas para se identificar as características sociodemográficas dos respondentes. Correlações poderiam ser feitas a partir das proposições de Bourdieu e Darbel (2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016.) que inferem as variáveis renda e escolaridade como grandes impactadoras da probabilidade de uma pessoa visitar museus. Já a questão sete é inspirada no estudo do IBRAM (2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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) que questiona a uma amostra de não público de museus quais seriam as razões para não os frequentarem, detendo opções como: falta de tempo; não gostar ou não ter interesse em museus; não conhecer nenhum museu; dificuldade de acesso; dinheiro e outros. Neste contexto, o roteiro contempla, igualmente, essas opções, acrescentando o quesito informacional como uma das alternativas: “não compreendo bem as exposições, falta clareza nas informações transmitidas”.

Da questão oito a 11, o instrumento proposto faz uso do método da entrevista da linha do tempo ( DERVIN, 1992DERVIN, B. From the mind’ eye of the user: the sense-making qualitative-quantitative methodology. In: GLAZIER, J. D.; POWELL, R. R. (org.). Qualitative Research in Information Management. Englewood: Libraries Unlimited, 1992. p. 61-84. ) no qual o usuário é conduzido a reconstruir uma situação, descrevendo o vazio informacional detectado em uma visita a museus e a ajuda desejada para transpô-lo. Almeja-se, assim, identificar o momento em que este percebera o problema (questão oito), como identificou o “ gap” (questão nove) e qual ajuda buscou para transpô-lo (questões dez e 11).

As questões 12, 16, 17 e 18 objetivam conhecer a opinião dos entrevistados, visando construir atributos que relacionem a oferta informacional destes ambientes a seu usuário invisibilizado. As respostas obtidas com essas perguntas foram tratadas por meio do método de análise de conteúdo. De acordo com Bardin (1977BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70 LDA, 1977.), análise de conteúdo configura-se em uma técnica de análise que irá avalia o que foi dito no material obtido com as questões abertas, buscando classificar as respostas em temas ou categorias que auxiliem na compreensão do que está por trás dos discursos.

A análise de conteúdo nas respostas das questões supracitadas, portanto, fora realizada por meio de técnica específica, descrita através de três fases principais, sendo: (i) préanálise, que consiste na leitura geral do material eleito para diagnóstico; (ii) exploração do material, que visa a sistematização das ideias colocadas pelas respostas escritas dos respondentes, estabelecendo codificações por meio de palavras-chaves identificadas no discurso dos inquiridos, criando-se, a partir disso, categorias temáticas de análises; e (iii) tratamento dos resultados, inferência e interpretação, que traduz-se em captar os conteúdos manifestos e latentes contidos em todo o material coletado, ressaltando os aspectos considerados semelhantes e os que foram concebidos como diferentes propondo conclusões sobre as respostas obtidas ( BARDIN, 1977BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70 LDA, 1977.).

Para auxiliar a análise de conteúdo utilizou-se o software IRAMUTEQ ( Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que se traduz em um programa que permite diferentes análises estatísticas sobre corpus transcritos.

Já as questões 13 a 15, relacionam-se a aspectos emocionais do respondente, e, portanto, visam compreender quais sentimentos estão envolvidos em seu processo de necessidade, busca e uso da informação no ambiente museal ( KUHLTHAU, 1993KUHLTHAU, C. C. A principle of uncertainty for information seeking. Journal of Documentation, Wagon Lane, v. 49, n. 4, p. 339-355, 1993. ). Para essas perguntas, optou-se pela utilização do sistema web iFeel que analisa o sentimento de uma resposta dada por um indivíduo a partir da utilização de diferentes métodos. Para se detectar o método mais adequado para avaliação das questões propostas, foram todos rodados em uma única questão do roteiro (questão 15) e realizado um teste de assertividade no intuito de identificar qual teria maior rigor para a amostra de comentários rodada. O teste baseou-se na leitura das avaliações comparando o resultado obtido por cada método com o que era de fato realidade para aquele comentário. Ao final, o SentiStrenght fora escolhido com 74% de assertividade.

5 Resultados

O total de entrevistados destra pesquisa fora de 25 indivíduos. Em se tratando da frequência de visitação a museus vê-se que 19 (76%) destes alegaram ter visitado museus de uma a três vezes na vida e seis (24%) de quatro a seis vezes - demonstrando que o grupo se compreende em indivíduos que pouco fazem uso dessas instituições.

Já em relação ao sexo, observou-se que 18 (72%) dos indivíduos declararam-se do sexo masculino e sete (28%) do feminino. Resultado que pode ser comparado com os estudos de Dutra ( 2015 DUTRA, L. F. Sociedades Contemporâneas e o ‘mundo de telas’: um estudo acerca do museu virtual do Circuito Liberdade. 2015. Monografia (Graduação em Turismo) - Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. ), que ressalta certa tendência de uma maior presença feminina nestes espaços. Portanto, ao estudar o indivíduo não contemplado nas características básicas do visitante assíduo de museus, entendeu-se ser natural ter obtido o resultado em questão. O mesmo ocorre quando se observa a caracterização da amostra em relação a cor/raça dos entrevistados. Jennings e Jones-Rizzi (2017JENNINGS, G.; JONES-RIZZI, J. Museums, white privilege, and diversity: A systemic perspective. Dimensions, Washington, v. 18, n. 5, p. 66-67, 2017. ) já apontavam que o número de visitantes de museus em relação a sua cor era de uma maioria de pessoas brancas. O resultado obtido com a aplicação da pesquisa corrobora essa perspectiva ao apontar uma soberania de pessoas pretas e pardas (68%) como visitantes pouco assíduos ou quase incomuns em museus ( Gráfico 1).

Gráfico 1 -
Qual é sua cor/raça?

Em relação a renda familiar, vê-se, também, que as pontuações realizadas pelo IBRAM (2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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) e Gomes (2016FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Qual a faixa de renda familiar das classes? Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://cps.fgv.br/qual-faixa-de-renda-familiar-das-classes . Acesso em: 09 fev. 2022.
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) denotam certa coerência e correlação com os dados obtidos. Isso porque, dos 25 entrevistados, 14 apontaram deter renda familiar entre dois e quatro salários mínimos (R$ 2.200,00 e R$ 4.400,00), sete entre um e dois salários mínimos (R$ 1.100,00 e R$ 2.200,00) e quatro entre quatro e seis salários mínimos (R$ 4.400,00 e R$ 6.600,00). Esse panorama indica, segundo estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (2021FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV). Qual a faixa de renda familiar das classes? Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://cps.fgv.br/qual-faixa-de-renda-familiar-das-classes . Acesso em: 09 fev. 2022.
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), que o grupo investigado, enquadra-se, em sua maioria, nas classes sociais D, E e C respectivamente. Este resultado vai de encontro ao apontado por Koptcke, Cazelli e Lima (2007KÖPTCKE, L. S.; CAZELLI, S.; LIMA, J. M. Os museus e seus visitantes: uma análise do perfil dos públicos dos museus do Rio de Janeiro e de Niterói. In: ABREU, R.; CHAGAS, M. S.; SANTOS, M. S .(org.). Museus, coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Brasília: Ministério da Cultura, 2007. p. 68-94. (Coleção museu, memória e cidadania). ), quando ressaltam que é tão maior a probabilidade de uma pessoa visitar um museu quanto maior for a sua renda mensal.

Em se tratando dos níveis de escolaridade, percebeu-se que a amostra detém escolarização acima do indicado pela literatura trabalhada nesta pesquisa. Se Bourdieu e Darbel (2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016.) apontam que existe uma tendência ascendente de visitação em museus para quão mais alta for a escolaridade do indivíduo, percebeu-se que os dados obtidos com a amostra não se consolidam de tal maneira, não podendo afirmar perspectiva análoga. Observa-se, que dos 25 indivíduos entrevistados, sete (28%) possuem ensino médio completo, cinco (20%) superior completo, cinco (20%) superior incompleto, três (12%) pós-graduação, três (12%) ensino fundamental completo e dois (8%) fundamental incompleto. Acredita-se, que um dos motivos mais plausíveis para se ter obtido este retorno da amostra investigada é exatamente o fato de que em se tratando da idade dos entrevistados ( Gráfico 2), a maioria encontra-se englobada em indivíduos entre 18 e 39 anos (76%).

Gráfico 2 -
Qual é sua idade?

Este fator, de acordo com a Associação Brasileira de Estágios ( ABRES, 2021ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTÁGIOS (ABRES) . Percentual da população com educação superior por faixa etária. São Paulo, 2018. Disponível em: https://abres.org.br/estatisticas/ . Acesso em: 28 ago. 2021.
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), é determinante para a identificação de níveis de escolaridades mais altos, uma vez que, segundo a associação, brasileiros com idade até 34 anos tendem a possuir maiores níveis instrutivos (em uma escala de até 10%), em comparação a adultos de 35 a 64 anos.

Caminhando para a questão sete do roteiro de entrevista, vê-se que os dois principais motivos para a não visitação a museus (que contemplam 80% das escolhas) vão de encontro a questões ligadas ao sistema de informação museal. O primeiro deles (escolhido por 11 dos 25 entrevistados) é “não compreendo bem as exposições, falta clareza nas informações transmitidas” e o segundo (escolhido por nove dos 25 entrevistados) é “não conheço nenhum museu, falta divulgação”. Sobre estes pontos específicos, alguns entrevistados observam:

O museu de certa forma não convida a população a visitá-lo, os temas são excludentes (das exposições) e não abarcam temáticas de todos os povos que conhecemos. É necessário que se abraçasse outros interesses (Entrevistado 10).

O museu deveria ter algo como se fosse um "mapa de referências" onde junto de uma obra viessem indicações de livros, filmes, músicas e outras formas de arte que ajudassem a completar a informação. Por exemplo, se você quer entender mais sobre a obra X, veja o filme Y. Isso levaria a pessoa a tanto compreender melhor a obra quanto acessar outros meios de cultura. Do jeito que é atualmente, ou você estuda antes, ou fica sem entender (Entrevistado 13).

O museu dá a informação que ele quer, não a que a gente quer saber, entende? Não tem diálogo (Entrevistado 25).

O museu não desenvolve bem a sua informação, portanto acaba não despertando interesse na comunidade. No final, fico sem querer ir para um lugar onde não vou entender nada (Entrevistado 17).

Dentro deste recorte de falas, é possível aprofundar-se no comentário do entrevistado dez, que se estende quando discute que, por ser negro, não se enxerga representado no ambiente dos museus, a não ser pelos de temática da escravidão. A ideia, para o respondente, era que o museu fosse um lugar de maior representatividade, sendo que, somente assim, poderia conquistar novos públicos. Já o entrevistado 13 propõe uma organização e tratamento da informação nesses ambientes. Faz pensar, por exemplo, que caso uma pessoa visitasse a Neue Galerie em Nova York e observasse o quadro “A dama dourada” de Gustav Klimt, poderia ser sugerido a assistir a obra cinematográfica também denominada “A dama dourada” de Simon Curtis, que retrata parte da história que envolve o quadro. Esse conjunto de informações, segundo o respondente, poderia auxiliar no entendimento da obra e até gerar maior interesse do usuário pelo ambiente museal. Já a fala do entrevistado 25, retrata o processo unilateral de transmissão da informação existente nos museus, denotando que seu sistema de informações produz informações a seu querer, sem, no entanto, questionar qual a necessidade do usuário. Sobre os demais motivos para a não visitação, vê-se que quatro dos respondentes escolheram a opção “falta de tempo” e um a opção “tenho dificuldade para acessar museus (transporte, por exemplo)”.

Em relação a questão oito, que solicitava para que o respondente se lembrasse de alguma visita que realizou em um museu retomando uma experiência na qual teve dúvida (s) sobre uma obra ou exposição, questionou-se, se neste momento ele havia buscado por informação. A pergunta, nesse sentido, almejava conhecer o comportamento informacional deste indivíduo no sistema de informação museal, resultando que 22 (88%) dos entrevistados tiveram o interesse em buscar pela informação no ambiente do museu.

A partir de então, os entrevistados foram levados a dinâmica da entrevista de linha do tempo, sendo conduzidos a reconstruírem a situação de necessidade de informação, caracterizando todos os passos. Neste momento, haveria duas perspectivas a se avaliar sendo a primeira, para o caso em que o indivíduo percebera a necessidade e buscara por informação e a segunda, para o caso em que mesmo consciente da necessidade, optou por não prosseguir pela busca. As diferentes perspectivas citadas podem ser percebidas abaixo:

Estava no museu de Sabará, não tive dúvida sobre uma obra, era mais sobre como eles faziam para preservar aqueles materiais, era tudo muito antigo. A informação que precisava não estava escrita, mas conversei com a senhora responsável pelo museu e ela me ajudou (Entrevistado 19).

Fui em um museu na cidade de Niterói uma vez, lá tinha uma folha de papel (literalmente uma A4) toda em branco e emoldurada. Não fazia ideia do que aquilo significava, não tinha explicação. Mas confesso não ter buscado pela informação, pois me senti envergonhada, parecia que eu tinha que saber aquilo, sabe? (Entrevistado 14).

Sobre o primeiro comentário, percebe-se que usuário possui uma maior inclinação para buscar informações, já o segundo, absteve-se por acreditar que deveria saber o que a obra significava, enfatizando um sentimento de vergonha. Nesse sentido, a questão 12 da entrevista questiona se sobre a experiência descrita se o entrevistado poderia sugerir alguma melhoria ao museu ( Figura 4).

Como retorno, fora construída uma nuvem de palavras com destaque para os termos: (i) guia; (ii) informação(ções); (iii) exposições; (iv) totem; (v) etiqueta; (vi) mapas; (vii) assuntos etc. A questão, nesse sentido, levanta um aspecto salientado por Bourdieu e Darbel (2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016.) em relação a preferência do público menos assíduo a museus a requerer ajuda humana em suas visitas. Nesse âmbito, vê-se que a maior concentração de respostas dadas contemplando a palavra “guia” sugere um interesse do público em um mediador para aprimorar sua experiência. A maioria das palavras expostas na nuvem, adicionalmente, ligam-se ao sistema de informação, como a utilização de mapas e etiquetas informativas ou até mesmo o uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC) salientadas pela palavra ‘totem’ e pelo comentário dos respondentes oito e 14 que sugerem o uso de um QRCode ao lado dos objetos do museu, na tentativa de se colocar um conteúdo mais explicativo das obras - sem atrapalhar aqueles que, porventura, prefiram uma visita menos orientada.

Figura 4 -
Nuvem de palavras questão 12 ( Em relação a essa experiência, você poderia sugerir alguma melhoria ao museu que fosse capaz de aprimorar a sua visita?)

Permanecendo na questão 12, rodou-se as respostas obtidas também no sentido de obter-se uma análise de similitude, que se baseia em uma imagem que representa a ligação entre palavras do corpus textual gerado com as respostas dos entrevistados ( Figura 5). A partir da análise, é possível inferir os temas de maior importância em relação ao questionamento e aqueles que possuem uma relação mais forte (considerando-se a espessura das ramificações).

Figura 5 -
Análise de similitude da Questão 12 ( Em relação a essa experiência, você poderia sugerir alguma melhoria ao museu que fosse capaz de aprimorar a sua visita?)

Vê-se, que o entrevistado acredita que a estrutura base de melhoria da sua experiência descrita no museu, revela-se por meio da informação (núcleo central), sendo que sua maior relação se destaca por meio das variáveis, museu, guia, tecnologia e etiqueta. Adicionalmente, a análise apresenta a existência de uma tendência a necessidade de uma maior quantidade de informação no museu (núcleo verde), ao encontro de mapas para se mostrar as informações necessárias a este grupo de usuários (núcleo azul claro), além de denotar aspectos ligados a informações suficientes sobre cada obra (núcleo azul escuro). Os respondentes 14 e 18, auxiliam no entendimento do contexto em questão:

O museu deveria ter maior quantidade de guias ou mediadores, porque somente a etiqueta não é suficiente (Entrevistado 14).

Penso que investir em tecnologia é legal, mas sou mais da pessoa, sabe? Acho que os museus deveriam ter mais guias. Um outro ponto é atualizar as informações, no museu que fui, as plaquinhas tinham até poeira. Se você quiser visitar mais de uma vez, vai ser sempre a mesma coisa (Entrevistado 18).

Prosseguindo para as relações emocionais no processo de percepção de necessidade, busca e uso de informação nos museus (questões 13, 14 e 15), a Tabela 1 traz uma análise estatística das emoções mais citadas pelos usuários invisibilizados, mostrando que quão mais alto o valor resultante da análise, maior o cálculo de frequência da palavra citada pelos entrevistados em relação a cada atributo estudado (necessidade, busca ou uso de informação).

Tabela 1 -
Análise estatística das emoções nos processos de necessidade, busca e uso da informação pelo usuário invisibilizado do museu

Em se tratando da percepção de necessidade informacional, vê-se que o sentimento de curiosidade (4,3031), seguido pelo de dúvida (3,7476) são os que mais afloraram nas experiências descritas, sendo, de certa forma, as emoções despertadoras do processo de busca. Este resultado, correlaciona-se diretamente a questão oito, na qual 88% dos entrevistados apontaram terem buscado por informação quando perceberam uma necessidade na sua visita a museus. Isso significa, que por deterem um sentimento inicial de curiosidade, podem ter sido despertados a procurarem as informações - contexto relacionado a predisposições psicológicas salientadas por Wilson (1999WILSON, T. D. Models in information behavior reserch. Journal of Documentation, London, v. 55, n. 3, p. 249-270, jun. 1999. ).

Já sobre o processo de busca por informação, vê-se que o sentimento mais aflorado é o da ansiedade (5,8913). Isso porque, conforme já visto nas seções anteriores, neste momento o usuário ainda não sabe se a questão será devidamente respondida e se conseguirá transpor o ‘ gap’ percebido. Já sobre o processo de uso de informação, os sentimentos mais aflorados foram os de insatisfação (2,1215) e dúvida (-1,8951), sugerindo que, por mais que os usuários tenham se prontificado pela busca, não foram satisfeitos com as informações obtidas. O segundo atributo destacando-se pela dúvida, inclusive, faz parecer que mesmo com a informação encontrada, o usuário ainda permaneceu com um sentimento de confusão, não sanando, completamente, o seu questionamento original. Esse resultado aparenta indicar que a hipótese inicialmente sobressaltada neste estudo (que se baseia no pressuposto de que o sistema de informação museal não vêm trabalhando, adequadamente, a informação que oferta em seu espaço para o usuário invisibilizado que o visita ou pretende visitá-lo, gerando, com isso, um afastamento deste público) pode ser verdadeira, uma vez que mesmo existindo o interesse do visitante por obter a informação, o sistema não a entrega de maneira condizente às suas necessidades, causando-lhe insatisfação.

Ainda neste aspecto, a questão 16 do instrumento questiona qual é a opinião do respondente em se tratando das informações expostas no museu visitado por ele, solicitando que descrevesse o que achou da linguagem utilizada, do tamanho dos textos, das fontes das letras, da adequação e atualização do conteúdo etc. As respostas a esse questionamento, nesse sentido, foram rodadas no iFeel, em vistas de se reforçar ou não o resultado obtido em relação as perguntas anteriores. Ao rodar as respostas obtidas, retornou-se que 72% das mesmas eram de caráter negativo:

Não é adequado. É difícil de entender, só aparece autor e técnica (e as técnicas são difíceis de entender), as etiquetas são pequenas, a informação em geral deveria ter mais destaque (Entrevistado 3).

Não existe inclusão. Trabalho com crianças e adolescentes com necessidades especiais e sei que não estão inclusos nas ações dos museus (Entrevistado 11).

Em se tratando das maiores dificuldades que cada indivíduo ressaltou apresentar ao visitar um museu (questão 17), destacam-se: (i) a falta ou incompletude das informações transmitidas; (ii) o desafio de compreender o conteúdo exposto; (iii) a escassez de mediadores - nem sempre disponíveis; (iv) o desinteresse na temática das exposições e (v) desconhecer as exposições que contemplam cada museu - falta de divulgação.

Como facilitador do cenário (questão 18), os usuários destacam a execução de um trabalho de qualidade a ser feito com empresas privadas e públicas, que fomentassem a divulgação das exposições e trabalhos realizados pelo museu para que o visitante se habituasse mais ao discurso dessas instituições. Além de avaliarem ser necessário mais pesquisas de caráter exploratório, uma vez que quanto mais o museu entender os anseios do seu público invisibilizado, maiores serão as chances de conseguirem conquistá-los.

6 Conclusão

Observa-se, que a importância deste trabalho fora dada mediante a duas premissas basilares, sendo a primeira baseada em sua amostra de pesquisa - que englobou um indivíduo, usualmente, não destacado em produções científicas da CI - e a segunda, que desperta uma discussão acerca da invisibilidade social ainda muito aflorada no museu, uma vez que, pela amostra investigada, o visitante não assíduo dessas instituições engloba-se ainda em indivíduos pretos e pardos (68%), do sexo masculino (72%) e pertencentes as classes D, E e C.

A ideia de se construir dialógicamente com os próprios usuários possíveis adaptações informacionais no museu no sentido de melhor atendê-los, faz parte da premissa de Bourdieu e Darbel (2016BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. Porto Alegre: Editora Zouk, 2016., p. 87), que sobressalta a importancia de “dar olhos àqueles que não vêem”, querendo enfatizar a necessidade de oferecer a este público a ajuda informacional que esperam para que então possam compreeder o significado das coleções desses espaços. Essa perspectiva levanta a problemática de que não é possível que todo o visitante de um museu se encaixe em um modelo de divulgação de informação único, e que, principalmente aqueles menos habituados precisam do desenvolvimento de possibilidades as quais abranjam expectativas inerentes às suas necessidades.

É certo, todavia, que uma pesquisa que almeje sugerir adaptações na oferta informacional de museus não apresenta-se como um ponto final de um contexto complexo. Segundo Rabelo e Almeida Junior (2020RABELO, R.; ALMEIDA JUNIOR , O. F . Usuário de informação e ralé estrutural como não-público: reflexões sobre desigualdade e invisibilidade social em unidades de informação. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 1-24, 2020. ), inclusive, não necessariamente bastará uma alteração na estrutura de um museu para que um grupo possa se apropriar deste. A superação da condição do invisível, demanda, igualmente, em certa adequação do Estado, que segundo o IBRAM (2012INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS (IBRAM). O “não público” dos museus: levantamento estatístico sobre o “não ir” a museus no Distrito Federal. Brasília, 2012. Disponível em: https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/09/Pesquisa-nao-publico_maio2013.pdf . Acesso em: 20 mar. 2020.
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), dar-se-á através de ações ligadas a educação de crianças e adolescentes. Por outro lado, é possível começar a romper algumas estruturas, ao acolher indivíduos até então desconsiderados como amostras investigativas. À luz de tais premissas, é perceptível que qualquer escolha amostral é também, uma escolha política, com implicações éticas, significando que estudos de usuários que se prestem a analisar os interesses não somente daqueles pertencentes às classes dominantes, avançam a um horizonte mais democrático.

Nesses termos, vê-se que a pesquisa permitiu notar - mediante a amostra estudada - que o usuário invisibilizado de museus tende a deter predisposições psicológicas ligadas a curiosidade sobre as obras do museu, buscando por informação quase 90% das vezes em que detém uma dúvida. Todavia, por suas falas, percebe-se ainda que alguns entrevistados se demonstraram envergonhados quando precisam procurar por informação nesses ambientes. Diferentemente de outras pesquisas, observa-se que o público estudado detém mais anos de estudo, com maioria de entrevistados possuidores de ensino médio completo e superior. De toda forma, salientam em suas falas, a preferência de guias como melhores opções de recuperação da informação no museu, além de reforçarem o uso de mapas, acréscimo de etiquetas, ressaltando a utilização das TIC como forma profícua de obtenção de informação nesses espaços.

Os invisibilizados, adicionalmente, relatam certo desconhecimento de quando ocorrerão as exposições dos museus e alegam faltar divulgação destes equipamentos de cultura. Acreditam que o interesse maior do público partiria pela criação de exposições com temáticas mais representativas. Sobre suas reações emocionais, constata-se que possuem um sentimento negativo sobre as informações expostas no museu, além de deterem, ao final do processo de uso da informação, emoções relacionadas a insatisfação e dúvida. Este aspecto pode estar atrelado as falas dos próprios respondentes que acreditam que as informações expostas não são suficientes para a compreensão das obras e, muitas vezes, encontram-se desatualizadas e com um caráter unilateral - transmitindo a informação que desejam, sem entender a necessidade daqueles que os visitam. Adicionalmente, desaprovam os formatos de exposição da informação, alegando que estes não estão adequados para portadores de necessidades especiais.

A partir do exposto, é possível de se dizer que o objetivo proposto neste estudo (investigar o comportamento informacional de sujeitos invisibilizados no ambiente do museu, propondo uma discussão que levante atributos considerados importantes para o engajamento desse público nesses espaços) fora atendido e que as discussões levantadas ao longo da execução desta pesquisa auxiliam no entendimento do comportamento informacional deste grupo de usuários dentro do museu. Salienta-se, todavia, que não foram esgotadas as possibilidades para a compreensão do objeto de pesquisa. Isso significa, que mesmo sabendo que nos aproximamos de alguns parâmetros importantes para a compreensão da percepção do usuário invisibilizado sobre o sistema de informação museal, também fora provocada a convicção de como o tema em questão é amplo, detendo diferentes margens para a criação de novos estudos e, consequentemente, o desabrochamento de perspectivas que elevem a capacidade dos museus rumo a uma melhoria dos seus serviços informacionais.

Como último ponto para reflexão, acrescentamos os projetos de museus sociais ou comunitários, que propõem em seu âmago algumas rupturas das barreiras salientadas neste texto ao se configurarem como instrumentos de suas próprias comunidades, geridos por locais, objetivando o fortalecimento da arte popular, a capacitação e aprendizado de seus visitantes a partir das obras expostas, atuando por meio de suas próprias formas de organização para que a comunidade detenha posse física e simbólica de sua herança ( LERSCH; OCAMPO, 2004LERSCH, T. M.; OCAMPO, C. C. El concepto del museo comunitario: ¿historia viviente o memoria para transformar la historia? In: CONFERENCIA NACIONAL DE LA ASOCIACIÓN NACIONAL DE ARTES Y CULTURA LATINAS, Kansas City, Missouri. Anais [...]. NALAC: Kansas City, Missouri. 6-10 oct. 2004. p. 1-4. ). Suas premissas, nesse sentido, podem configurar-se como uma das possibilidades para que indivíduos menos assíduos a esses espaços comecem a visualizá-los como ambientes mais acolhedores para se frequentar e apropriar.

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  • 1
    É tênue a relação entre a quantidade de vezes que uma pessoa visitou um museu e a sua caracterização como visitante frequente ou não. Nesta pesquisa, considerou-se que acima de seis visitas o indivíduo já estaria fora do contexto em que se deseja investigar, uma vez que, pelos parâmetros do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( IPEA, 2010INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). IPEA constata que 70% da população brasileira nunca fora a um museu ou a um centro cultural. Brasília, 2010. ), 70% da população brasileira nunca foi a um museu. Logo, considera-se que um sujeito que já fora a museus seis vezes em sua vida, faz parte de uma seleta minoria que já visitou essas instituições com certa repetição e, portanto, não serão considerados amostra investigativa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2022
  • Aceito
    08 Jul 2022
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