Acessibilidade / Reportar erro

A prática da avaliação de documentos de arquivo no Arquivo Nacional dos Estados Unidos

Appraisal practice in the Nacional Archives of the Unites States

Resumo

O presente artigo tem como objetivo relatar como a prática da avaliação de documentos de arquivo é realizada no Arquivo Nacional dos Estados Unidos. Em relação à metodologia, a pesquisa é de natureza básica, caráter qualitativo e exploratório, utilizando a coleta de dados por meio da pesquisa e análise documental na página eletrônica do Arquivo Nacional, além da aplicação de um questionário na instituição. A ação pioneira dos Estados Unidos, justamente pelos servidores do seu Arquivo Nacional, na estruturação de pensamentos e ações que visavam resolver o problema da grande produção documental pós-guerra e o surgimento da avaliação foi perceptível. Utilizam-se de instrumentos de gestão como tabela de temporalidade e teoricamente se alicerçam na teoria de Schellenberg. Conclui-se que as práticas do Arquivo Nacional estão baseadas em seu principal teórico, mas também ficou claro que outros fatores interferentes, como legislações, contextos sociais, culturais, políticos e estruturais influenciam as ações dessa importante instituição representativa dos arquivos, que muito contribui na área.

Palavras-chave:
avaliação de documentos; Arquivo Nacional; Estados Unidos; gestão de documentos; Schellenberg

Abstract:

This article aims to present how the appraisal practice is performed in the National Archives of the United States. In relation to the methodology, the research is of a basic, qualitative, and exploratory nature and used as data collection the research and document analysis on the National Archive's website, as well as the application of a questionnaire within the institution. The pioneering action of the United States, precisely by the servers of its National Archive, in structuring thoughts and actions that aimed to solve the problem of the large post-war document production and the emergence of appraisal was noticeable. They use management tools such as the temporality table and theoretically are based on Schellenberg's theory. We conclude that the practices of the National Archive are grounded in its main theoretician. Still, it also became clear that other interfering factors such as legislation and social, cultural, political, and structural contexts influence the actions of this important representative institution of archives that contributes a lot in the area of archives.

Keywords:
aprraisal; Nacional Archives; United States; records management; Schellenberg

1 Introdução

A avaliação de documentos de arquivo é uma atividade fundamental para garantir a preservação do patrimônio documental arquivístico e da própria memória institucional dos produtores do acervo, bem como para assegurar a transparência e a responsabilidade das instituições públicas e privadas. Isso ocorre porque a avaliação possibilita a identificação dos documentos de valor permanente em detrimento daqueles que não têm, decidindo como eles devem ser destinados. É importante também porque permite que as organizações otimizem espaço de armazenamento e recursos financeiros, ao mesmo tempo em que preservam os documentos mais relevantes e significativos de sua existência.

Ao analisar a avaliação de documentos de arquivo com base nas práticas desenvolvidas e nas teorias construídas em diversos países por seus estudiosos, torna-se evidente o quão relevantes eles foram na formulação dessa função crucial na Arquivística.

Também é perceptível que não houve uma linearidade nessas construções teóricas e por vezes metodológicas, ou seja, uma não substituiu a outra de modo estritamente cronológico, apesar do uso deste recurso, em alguns casos, para fins didáticos. A riqueza de uma área científica social está justamente no fato de que não existe uma fórmula exata para o seu fazer que seja aplicável em toda e qualquer situação.

O presente artigo tem como objetivo demonstrar como essa função arquivística é praticada nos dias atuais em um dos principais países influentes no Brasil, os Estados Unidos, mais especificamente em seu Arquivo Nacional, que desempenha o papel de proteção aos arquivos governamentais, além de ser parte dos resultados de pesquisa de doutorado1 1 Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2022. .

Os Estados Unidos são grandes produtores de documentos e possuem atores que construíram uma literatura profícua no campo epistemológico, em virtude de sua vivência profissional, inclusive influenciando a literatura de outros países.

Os norte-americanos, mediante a grande massa documental advinda das atividades administrativas governamentais de um período de guerra e pós- guerra, foram desenvolvendo estruturas burocráticas para dar conta da nova realidade à época, incluindo os arquivos, criando seu Arquivo Nacional em 19342 2 Sua denominação foi National Archives and Records Service (NARS), e a partir de 1985 alterou para seu atual nome National Archives and Records Administration (NARA). . Inicialmente, a execução dos trabalhos de comissões nessas massas baseavam-se mais na economia e eficiência governamental, expurgando-as do que em ações arquivísticas, que foram sendo desenvolvidas ao longo do tempo.

Para compreender tal trajetória, a presente pesquisa é de natureza básica, caráter qualitativo e exploratório, utilizando como coleta de dados a pesquisa e análise documental na página eletrônica do Arquivo Nacional americano, tendo em vista que é fonte primária por ser considerada documento arquivístico sobre como discorrem a respeito das práticas na avaliação. Outra abordagem para coletar dados envolveu a aplicação de um questionário à instituição. A análise dos dados foi conduzida através da transcrição e de uma tradução não literal das respostas, seguida por uma análise qualitativa das informações.

2 A representação do Arquivo Nacional nas discussões sobre avaliação de documentos nos Estados Unidos

A avaliação nos Estados Unidos passou por alguns períodos, os quais destacaremos a seguir, e alguns nomes importantes marcaram essa trajetória, iniciada com a grande produção documental da primeira metade do século XX. Trace (2016TRACE, Ciaran B. Dentro ou fora do documento? Noções de valor arquivístico. In: EASTEWOOD, Terry; MACNEIL, Heather. (Org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 77-106.) apontou que as ideias sobre avaliação foram articuladas pelos funcionários do recém-criado Arquivo Nacional (1934), que passou de um “depósito passivo de documentos históricos” para um “departamento de serviços” com função de apoio aos administradores públicos na gestão das enormes quantidades de documentos em um primeiro momento, evoluindo no pós-guerra para o desenvolvimento de critérios de escolha dos documentos a serem preservados ou descartados.

Durante os anos iniciais do século XX os Estados Unidos já enfrentavam o problema de acumulação e crescimento dos documentos, entretanto foi com a Segunda Guerra que a situação tornou-se insustentável, novas comissões e a expedição de atos legislativos específicos foram criados como a Federal Records Act (FRA), a lei federal de arquivos de 1950, aparecendo pela primeira vez o conceito de records management3 3 Gestão de documentos é a tradução de records management, conforme o Dicionário brasileiro de terminologia arquivística (2005). .

Inicialmente, as ações de contenção da massa documental eram motivações de ordem econômico-administrativa e eficiência, o modelo americano ora implantado visava eliminar para preservar. Destacando as ações da comissão Hoover (1947 e 1953), Indolfo (2007INDOLFO, Ana Celeste. Gestão de Documentos: uma renovação epistemológica no universo da Arquivologia. Arquivística.net, Rio de janeiro, v. 3, n. 2, p. 28-60, jul./dez., 2007.) sublinhou que ela estabeleceu as práticas para a consolidação da área no período de 1950-1960:

[…] introduzindo ações voltadas para o controle da produção documental, a racionalização das eliminações e a conservação econômica e concentrada dos documentos de guarda intermediária, bem como a difusão de manuais de procedimentos. (Indolfo, 2007INDOLFO, Ana Celeste. Gestão de Documentos: uma renovação epistemológica no universo da Arquivologia. Arquivística.net, Rio de janeiro, v. 3, n. 2, p. 28-60, jul./dez., 2007., p. 32-33).

Quem sistematizou pioneiramente o debate, em contrapartida ao que se praticava - avaliar para destruir seguindo a prática da avaliação britânica - foi Philip C. Brooks, funcionário do Arquivo Nacional, introduzindo o que se constituía “valor permanente”. Ele avançou em duas ideias-chave: a necessidade de destruir documentos duplicados e a importância de definir valor permanente. Para isso, propôs três critérios para determinar o valor permanente:

  1. o valor atribuído aos documentos pela instituição criadora (administrativo e legal);

  2. o uso que esses documentos têm para a história administrativa da instituição em questão;

  3. o valor histórico dos documentos para pesquisa (que ele admitia ser ampla e indefinível).

Em 1946, G. Philip Bauer, que também trabalhou no Arquivo Nacional, defendeu como critério de avaliação os custos com aquisição e preservação, mesmo documentos com valor permanente poderiam ser descartados. Ele também defendia que o valor deveria estar atrelado ao uso (Couture, 2005COUTURE, Carol. Archival Appraisal: A Status Report. Archivaria, Ottawa, v. 59, p. 83-107, 2005.).

Theodore R. Schellenberg trabalhou no Arquivo Nacional dos Estados Unidos de 1935 a 1963 e teve como desafio a crise provocada pelo crescente aumento dos documentos modernos. Nessa época, a situação dos arquivos tornou-se crítica com a acumulação de uma massa documental de forma assistemática nos diversos setores da administração pública. Schellenberg formulou procedimentos para avaliar documentos para descarte e sua experiência o levou a introduzir um programa de avaliação para lidar com o grande volume de novos documentos do governo. Publicando o livro Modern archives: principles and techniques em 1956, Schellenberg sistematizou as discussões de vários artigos anteriores e se apoiou no trabalho de muitos de seus colegas, tornando sua obra influente tanto nos Estados Unidos como no exterior.

Ele contribuiu com dois conceitos básicos, quase consensuais para avaliação: valor primário e valor secundário. Os arquivos têm valor primário para a própria entidade de onde se originam os documentos. “Os documentos nascem do cumprimento dos objetivos para os quais um órgão foi criado - administrativos, fiscais, legais e executivos. Esses usos são, é lógico, de primeira importância” (Schellenberg, 2004SCHELLENBERG, Theodore Roosevelt. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. Editora FGV, 3. ed. Rio de Janeiro, 2004., p. 180). Os documentos com valor secundário são “[…] preservados em arquivos por apresentarem valores que persistirão por muito tempo ainda depois de cessado seu uso corrente e porque seus valores serão de interesse para outros que não os utilizadores iniciais” (Schellenberg, 2004SCHELLENBERG, Theodore Roosevelt. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. Editora FGV, 3. ed. Rio de Janeiro, 2004., p. 180).

Nesse contexto surgiu o conceito de gestão de documentos (records management). A promulgação da lei de arquivos em 1950 estabelecendo a gestão de documentos, focada na eficácia administrativa e práticas diferentes dos documents - focado nos documentos históricos, influenciou outros países como o Canadá, no qual se dispunha o programa para toda a administração pública norte-americana. Segundo Schmidt (2015SCHMIDT, Clarissa Moreira dos Santos. A construção do objeto científico na trajetória histórico-epistemológica da Arquivologia. São Paulo: Associação dos Arquivistas de São Paulo, 2015.), mesmo o decreto indo além de questões propriamente arquivísticas, esse modelo de gestão propiciou profundas mudanças na Arquivologia.

A separação entre records e os archives na atuação profissional foi uma das grandes mudanças. Esse método constava da elaboração de tabelas de temporalidade, de autorização contínua para eliminação de documentos e da criação de depósitos de armazenagem temporária de baixo custo (Records Centers).

Na década de 1980, um Comitê de Valor Intrínseco (Committee on Intrinsic Value) foi criado pelo Arquivo Nacional dos Estados Unidos com o objetivo específico de escrever uma definição abrangente de valor intrínseco para definir as qualidades e características dos documentos que, na opinião do Comitê, tinham valor inerente e, portanto, deveriam ser preservados.

O Comitê relatou suas conclusões em setembro de 1980, em documento publicado com o nome Intrinsic Value in Archival Material, Staff Information Paper nº 21 em 1982 (NARA, 1982NARA NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION. Intrinsic Value in Archival Material. 1982. Disponível em: https://www.archives.gov/research/alic/reference/archives-resources/archival-material-intrinsic-value.html?_ga=2.237504256.1264844919.1689361091-1162101783.1689361091 . Acesso em: 17 jul. 2021.
https://www.archives.gov/research/alic/r...
). Segundo o Comitê, o arquivista é responsável por determinar quais documentos têm valor intrínseco. Normalmente essa determinação é feita no nível da série. Como em todas as outras atividades de avaliação, o contexto é a chave para fazer com que essas determinações e ele é normalmente melhor preservado, considerando toda a série. O arquivista, no entanto, também pode determinar que certos itens de registro individual dentro de uma série têm valor intrínseco, especialmente aqueles itens a serem retidos por causa de características físicas especiais.

2.1 A avaliação de documentos de arquivo por outros autores nos Estados Unidos

Trace (2016TRACE, Ciaran B. Dentro ou fora do documento? Noções de valor arquivístico. In: EASTEWOOD, Terry; MACNEIL, Heather. (Org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 77-106.) destacou que uma nova era de publicações sobre avaliação teve início nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 1970, tendo como pano de fundo as transformações culturais e sociais, o surgimento de uma nova história social e a ascensão dos arquivos não-governamentais.

Em 1977, a Sociedade de Arquivistas Americanos (Society of American Archivists - SAA) publicou, dentro de uma série de manuais, a obra intitulada Archives and Manuscripts: Appraisal and Accessioning do arquivista da Universidade de Illinois Maynard J. Brichford, que discutiu outras maneiras de abordar questões de avaliação que refletiam a diversidade da comunidade arquivística americana.4 4 As ideias de Brichford a respeito da avaliação seguiam um método taxonômico conhecido que delineava as principais áreas de interesse na tomada de decisões de avaliação: características dos documentos em si (o que incluía idade, o volume, a forma, assim como características informacionais, probatórias e funcionais), sua utilidade administrativa (valores administrativo, fiscal e legal, segundo Schellenberg) e seu valor para a pesquisa (exclusividade, credibilidade, alcance temporal, frequência, qualidade de uso, entre outros). Diante dessas conclusões, uma determinação final de valor (valor arquivístico) dependia de uma decisão ulterior, por parte do arquivista, sobre a possibilidade de se destinarem recursos finitos à preservação desses documentos. Brichford defendia que a determinação do valor arquivístico incluía o conhecimento sobre a relação entre um documento e os outros, bem como - recorrendo a Bauer - sobre os custos de processamento, preservação e armazenagem (Trace, 2016, p. 83).

Em 1985, os arquivistas universitários Frank Boles e Julia Marks Young produziram um modelo de avaliação para documentos institucionais que seguiu abordagens taxonômicas anteriores, pragmáticas, mas que questionava a aplicabilidade do modelo de Schellenberg fora do espaço governamental, bem como o compêndio de Brichford, oferecendo um modelo composto dos elementos que devem ser considerados ao tomar uma decisão de avaliação - o uso dos documentos como componente de sua microavaliação. O uso dos documentos é um componente do módulo de valor da informação, que “[…] avalia o potencial dos documentos para uso, após sua vida administrativa ativa está concluída” (Boles, Young, 1985BOLES, Frank J; YOUNG, Julia Marks. Exploring the Black Box: The Appraisal of University Administrative Records. The American Archivist. Chicago, v. 48, n. 2, 1985. Disponível em: https://meridian.allenpress.com/american-archivist/article/48/2/121/23194/Exploring-the-Black-Box-The-Appraisal-of . Acesso em: 14 jul. 2022.
https://meridian.allenpress.com/american...
, p.124, tradução nossa).

Outro arquivista que surgiu entre as décadas de 1970 e 1980 foi F. Gerald Ham. Segundo Trace (2016TRACE, Ciaran B. Dentro ou fora do documento? Noções de valor arquivístico. In: EASTEWOOD, Terry; MACNEIL, Heather. (Org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 77-106.), ele acreditava que modificações estruturais na sociedade, o aumento no volume e a diminuição na qualidade dos documentos geravam o problema da perda daqueles mais vulneráveis, e o curto ciclo vital dos documentos eletrônicos criava a necessidade de que os arquivistas assumissem uma função mais ativa e criativa para documentar a sociedade.

Uma nova abordagem para a avaliação de arquivos foi proposta por Helen Samuels, arquivista do Massachusetts Institute of Technology, em 1986. Samuels (1986SAMUELS, Helen Willa. Who Controls the Past. The American Archivist. Chicago, v. 49, n. 2, p. 109-124, 1986. Disponível em: https://meridian.allenpress.com/american-archivist/article/49/2/109/23268/Who-Controls-the-Past. Acesso em: 23 dez. 2022.
https://meridian.allenpress.com/american...
) desenvolveu a visão de avaliação cooperativa e interinstitucional através de seu conceito de estratégia de documentação, que combinava várias atividades de avaliação arquivística visando documentar os principais temas, questões, atividades ou funções da sociedade.

Uma estratégia de documentação é um plano formulado para preservar a documentação de uma tarefa contínua, atividade ou área. Ela é executada por meio de esforços mútuos de muitas instituições e indivíduos, influenciando a criação de documentos e o recolhimento arquivístico de uma parte deles. Tal estratégia é refinada em resposta a condições e pontos de vista em mudança, uma forma de análise que promove a coordenação de atividades de muitos arquivos.

Em 1988, Cox e Samuels (1988COX, Richard J; SAMUELS, Helen W. The Archivist’s First Responsibility: A Research Agenda To Improve The Identification And Retention Of Records Of Enduring Value. The American Archivist, Chicago, v. 51, p. 28-42, 1988. Disponível em: https://meridian.allenpress.com/american-archivist/article/51/1-2/28/23445/The-Archivist-s-First-Responsibility-A-Research . Acesso em: 16 out 2023.
https://meridian.allenpress.com/american...
) definiram o que chamaram de “valor duradouro” (enduring value), como informação que documenta a sociedade moderna e argumentaram que os documentos não podem ser avaliados isoladamente, mas que os arquivistas devem ver além da noção tradicional de avaliação ligada a instituições únicas e da coleta de documentos históricos.

Penn (2014PENN, Elaine Samantha Marston. 2014. Exploring archival value: na axiological approach. Tese (Doutorado) UCL (University College London), London, 2014. Disponível em: https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/1455310/1/ESMPenn%20Thesis%20Final.pdf . Acesso em: 17 jan. 2021.
https://discovery.ucl.ac.uk/id/eprint/14...
) destacou que uma reinterpretação da teoria arquivística existente veio inicialmente de uma fonte inesperada de David Bearman, um especialista em projetar e implementar sistemas de tecnologia da informação para bibliotecas, arquivos e museus. Segundo ela, Bearman observou os desafios enfrentados pelos arquivistas, particularmente o crescente volume e variedade de documentos, inclusive eletrônicos, em comparação com a falta de recursos disponíveis para lidar com eles e argumentou que as abordagens tradicionais para avaliação de arquivos, baseadas em tentativas de identificar e classificar valores, tinham “deficiências” como ferramentas para tomar decisões de avaliação dentro de uma determinada instituição e eram fatalmente falhas em ajudar a tomar decisões mais amplas.

Bearman foi descrito por alguns como um "neo-Jenkinsoniano" devido a sua reinterpretação da proveniência, ou seja, o lugar de origem dos arquivos, o contexto, inclusive para recuperação da informação. Bearman aplicou-o às funções dos documentos em vez dos próprios documentos individualmente, o que foi visto por alguns arquivistas como uma atualização da abordagem de Jenkinson para avaliação, associando os prazos de guarda e a destinação desde o momento da sua produção.

Autores e ideias discutidos em uma época não foram substituídos por outros, pelo contrário, por vezes há uma interseção entre eles e autores de outros países. Mesmo a contraposição traz insumos e contribuições importantes para a avaliação de documentos, como Brooks influenciou Schellenberg ou Samuels e Bearman influenciaram Terry Cook.

3 A avaliação de documentos no Arquivo Nacional dos Estados Unidos - NARA

O nome National Archives and Records Administration (NARA) - é o reflexo de sua história, a separação entre records management para os documentos de gestão e archives para os documentos considerados permanentes, uma divisão destacada com Schellenberg.

Essa instituição, pioneira em termos de gestão de documentos e avaliação, tem como missão fornecer acesso público aos documentos do governo federal sob seu controle e sua custódia.

O acesso público aos documentos do governo fortalece a democracia, permitindo que os americanos reivindiquem seus direitos de cidadania, responsabilizem seu governo e compreendam sua história para que possam participar de forma mais eficaz em seu governo (NARA, 2022NARA NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION. Mission, Vision and Values. 2022. Disponível em: https://www.archives.gov/about/info/mission . Acesso em: 23 maio 2022.
https://www.archives.gov/about/info/miss...
, tradução nossa).

O NARA auxilia as agências federais na determinação de quais documentos governamentais devem ser mantidos e quais podem ser eliminados, conforme exigido pela Lei dos Documentos Federais (FRA), legislação e regulamentos relacionados.

As decisões de quais documentos serão preservados são tomadas durante o processo de elaboração da tabela de temporalidade das agências governamentais. As decisões de guarda para diferentes categorias de documentos são postas em forma de prazos e devem ser aprovadas pelo arquivista dos Estados Unidos5 5 Arquivista dos Estados Unidos será nomeado pelo Presidente com o conselho e consentimento do Senado. Será nomeado sem consideração por filiações políticas e unicamente com base nas qualificações profissionais exigidas para o desempenho das funções e responsabilidades do cargo de Arquivista (Title 44, Chapter 21, § 2103. Officers, NARA, 2016). O Arquivista dos Estados Unidos é o chefe (head) do NARA. , antes que quaisquer documentos possam ser eliminados ou recolhidos para o Arquivo Nacional, se de guarda permanente.

Uma vez aprovadas, as agências federais devem segui-las. A participação das instituições é vital para a elaboração do instrumento. Os comentários públicos contribuem para a decisão final sobre por quanto tempo os documentos serão retidos. O NARA fornece acesso às tabelas de temporalidade e destinação de documentos aprovadas por meio de um repositório, o Records Control Schedule Repository (RCS), uma espécie de base de dados compartilhada, com arquivos desde 1973.

Schellenberg (2004SCHELLENBERG, Theodore Roosevelt. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. Editora FGV, 3. ed. Rio de Janeiro, 2004.) nomeou como disposition plan, o instrumento que cobre todos os documentos de uma agência, e em português traduziu-se por plano de destinação. “Podem ter o complexo objetivo de identificar todos os corpos de documentos de um órgão e indicar o destino que se deva dar a cada um deles, seja eliminação, seja a transferência para um arquivo de custódia permanente” (Schellenberg, 2004SCHELLENBERG, Theodore Roosevelt. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. Editora FGV, 3. ed. Rio de Janeiro, 2004., p. 135).

As diretrizes para determinar o valor arquivístico dos documentos, visando sua guarda permanente por meio da avaliação, estão descritas na política de avaliação Appraisal Policy of the National Archives, extraída da Diretriz interna do NARA nº 1441, de 20 de setembro de 2007.

A política se aplica apenas a documentos sujeitos à Lei dos Documentos Federais, documentos de todas as agências do poder executivo, tribunais distritais e circulares dos Estados Unidos, bem como agências do poder legislativo. No entanto, os documentos criados pelo Presidente e entidades presidenciais, o Senado, a Câmara dos Representantes, o Arquiteto do Capitólio e a Suprema Corte não estão sujeitos à FRA. Portanto, a avaliação dos documentos criados por essas entidades não é abrangida por essa política.

De acordo com ela, define-se avaliação como processo de determinação do valor dos documentos e, portanto, da destinação final dos documentos federais, tornando-os temporários ou permanentes. Valor de arquivo é o valor histórico duradouro (valor para guarda permanente) ou outro valor, conforme determinado pelo arquivista dos Estados Unidos, que garante a preservação contínua de documentos pelo NARA, além do período necessário para realizar os negócios e funções de sua agência original ou de seu sucessor. Os documentos avaliados como tendo valor arquivístico são designados nas tabelas de temporalidade como “documentos permanentes”, e aprova os documentos que não tenham tal valor para eventual eliminação.

O NARA não avalia os documentos isoladamente, trabalha com outras partes interessadas para garantir que: “[…] evidências essenciais criadas sejam identificadas, devidamente destinadas e gerenciadas pelo tempo que for necessário” (NARA, 2007NARA NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION. Appraisal Policy of the National Archives. 2007. Disponível em: https://www.archives.gov/records-mgmt/scheduling/appraisal?_ga=2.169716641.1264844919.1689361091-1162101783.1689361091 . Acesso em: 06 fev. 2021.
https://www.archives.gov/records-mgmt/sc...
, tradução nossa). De acordo com a política, o arquivista dos Estados Unidos tem a responsabilidade legal de decidir por quanto tempo os documentos devem ser retidos e quais têm valor arquivístico para a guarda permanente e, portanto, devem ser recolhidos. Ao tomar decisões de avaliação, o arquivista considera as recomendações da equipe do NARA, busca e considera as opiniões expressas pelas agências de origem e pelo público em geral.

A importância das funções e atividades desempenhadas pela agência ou agências de origem, bem como o contexto de negócios no qual os documentos são criados, são considerações importantes para o avaliador. Isso implica relacionar a origem e o contexto ao quadro estratégico e aos objetivos enunciados na política de avaliação. O avaliador deve determinar se os documentos representam a única ou a mais completa e significativa fonte de informação. Registros que contenham informações não disponíveis em outros documentos (incluindo outros documentos federais, bem como arquivos acumulados por governos estaduais e locais) têm maior probabilidade de serem preservados permanentemente em comparação com aqueles que contenham dados duplicados em outras fontes. No entanto, o NARA pode decidir reter documentos que contenham informações disponíveis em outro lugar, caso sejam mais completos ou mais facilmente acessíveis do que a fonte alternativa.

Segundo a Instituição, documentos que se destacam como evidências essenciais (essential evidence) (NARA, 2007NARA NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION. Appraisal Policy of the National Archives. 2007. Disponível em: https://www.archives.gov/records-mgmt/scheduling/appraisal?_ga=2.169716641.1264844919.1689361091-1162101783.1689361091 . Acesso em: 06 fev. 2021.
https://www.archives.gov/records-mgmt/sc...
) são aqueles que documentam os direitos dos cidadãos, permitindo que estes estabeleçam suas identidades, protejam seus direitos e os reivindiquem. A segunda categoria inclui os registros que documentam ações de funcionários federais, possibilitando-lhes explicar decisões passadas, formar políticas futuras e prestar contas pelas consequências de seus atos. E a terceira categoria abrange os registros que documentam a experiência nacional, fornecendo os meios para avaliar os efeitos das ações federais sobre a nação e para compreender sua história, ciência e cultura, incluindo o ambiente artificial e natural.

De acordo com a FRA, as agências governamentais precisam identificar todos os seus documentos, os seus prazos de guarda, solicitar autorização do Arquivo Nacional para eliminá-los e recolher o que for de guarda permanente. Esse processo é gerenciado pelo NARA.

O arquivista dos Estados Unidos é o responsável pela aprovação das tabelas de temporalidade e destinação de documentos (records schedule), emitidas por meio da autorização de destinação de documentos (records disposition authority). Ele é o arquivista chefe do NARA, mas não faz isso sozinho, ele conta com a opinião dos arquivistas da equipe do Arquivo Nacional e torna disponível para comentários públicos6 6 O NARA é obrigado por lei a publicar um aviso no Federal Register (www.federalregister.gov), o jornal diário do governo, tal como nosso Diário Oficial. O público tem 45 dias a partir da data de publicação para enviar comentários. Os comentários podem ser enviados usando as ferramentas de comentários em Regulations.gov ou por email, e o NARA responde nesta mesma ferramenta. sobre quaisquer tabelas que solicitem permissão para eliminar documentos. O público tem a oportunidade de comentar sobre o instrumento e as decisões de avaliação. Para a instituição, os comentários públicos contribuem para tomar melhores decisões de avaliação, fornecendo perspectivas não governamentais adicionais sobre o valor dos documentos.

O records schedules, termo em inglês, é, na tradução do Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística7 7 Tabela de temporalidade. Instrumento de destinação, aprovado por autoridade competente, que determina prazos e condições de guarda tendo em vista a transferência, recolhimento, descarte ou eliminação de documentos (Arquivo Nacional, 2005). , a tabela de temporalidade do NARA, porém compartimentada, diferente da tabela brasileira. Pode ser um instrumento para um conjunto específico de documentos ou para vários itens separados; pode ser de uma única agência ou um instrumento geral utilizado por todas. No caso de documentos que são comuns à maioria das agências, o Arquivo Nacional encoraja todos a tratá-los da mesma maneira, usando as tabelas de temporalidade e destinação de documentos gerais (General Records SchedulesGRS8 8 Fazendo uma analogia à prática no Brasil, ainda que cada uma tenha suas especificidades, os General Records Schedules seriam a tabela de temporalidade e destinação de documentos da atividade-meio, elaborada pelo Arquivo Nacional. As atividades específicas de cada agência, denominadas atividades-fim, são nomeadas apenas de records schedules. ) criadas pelo NARA. Para documentos específicos de cada instituição, a agência criadora elabora seu instrumento, que é aprovado pelo NARA.

Os documentos federais eliminados sem uma tabela de temporalidade e destinação de documentos ou em desacordo com as instruções do instrumento são ilegais e denominados pelo NARA como “eliminações não autorizadas”.

Na análise feita sobre a política de avaliação na página eletrônica não foi identificada menção a uma base teórica explícita e suas influências atuais. No entanto, é perceptível a influência de Schellenberg na prática, evidenciada pelo uso da avaliação com base nos valores probatórios e informativos, na organização em record group9 9 Record group é o conjunto de documentos que compartilham a mesma proveniência ou foram criados na mesma unidade administrativa. No NARA a aplicação do princípio de proveniência assume a forma de grupos de documentos numerados, com cada grupo compreendendo os documentos de uma grande entidade governamental, geralmente um escritório ou agência independente. A maioria dos grupos inclui documentos de quaisquer predecessores da organização nomeados no título do grupo. Alguns grupos combinam os documentos de várias agências pequenas ou de curta duração que têm um relacionamento administrativo ou funcional entre si. , a existência do Federal Records Center, que são espécies de arquivos intermediários. Existem 16 instalações desse tipo que oferecem serviços de armazenamento, acesso e eliminação de documentos às agências federais, conforme descrito na literatura americana, ou seja, arquivos intermediários de documentos separados das agências.

No livro Arquivos Modernos, Schellenberg (2004SCHELLENBERG, Theodore Roosevelt. Arquivos Modernos: princípios e técnicas. Editora FGV, 3. ed. Rio de Janeiro, 2004., p. 147) não denominou diretamente os records centers como arquivos intermediários, mas sim, segundo a tradução em português, centro ou depósito de armazenamento temporário. Segundo ele, esses centros atendem, ao menos, a três necessidades bem definidas: a) servem para acomodar certos tipos de documentos que se acumulam regularmente nas repartições do governo e que devem ser conservados durante longos períodos de tempo; b) servem para acomodar acumulações especiais de documentos de órgãos extintos ou de determinadas atividades; e c) servem como um lugar onde se concentram todos os acúmulos de documentos - regulares ou especiais, de valor e sem valor - ao se iniciar um programa de administração de documentos ou arquivístico.

3.1 Análise descritiva a partir da coleta de dados por meio do questionário

O primeiro contato solicitando a aplicação do questionário foi realizado por meio do site do NARA, no canal Contact Us, em meados de janeiro de 2021. No mesmo mês, o setor Records Management respondeu, autorizando o envio do questionário. Esse envio foi efetuado por correio eletrônico em 26 de fevereiro de 2021. Em 23 de março, o NARA retornou com instrumento respondido. O questionário consistiu em 17 perguntas10 10 As perguntas e respostas completas do questionário se encontram na tese que originou esse artigo. , e Andrea Riley (Supervisory Archives Specialist, Operations Research & Support Team, Records Management Services, Office of the Chief Records Officer) foi responsável pelas respostas.

A equipe de avaliação do NARA se localiza no setor Office of the Chief

Records Officer, Records Management Services e fornece serviços de gestão de documentos às agências, incluindo avaliação e elaboração de tabela de temporalidade e destinação de documentos, assistência técnica, orientações, consulta e análise sobre questões políticas (de arquivo). O arquivista de avaliação do NARA trabalha, principalmente, com os encarregados dos documentos das agências.

Em relação à interação entre o NARA e os produtores de documentos nas instituições governamentais, no que diz respeito à gestão de documentos, cada agência é obrigada a designar um encarregado dos documentos11 11 No livro Arquivos Modernos, de Schellenberg, o termo record officer foi traduzido como encarregado dos documentos, que são os funcionários que se ocupam de trabalhos realizados em relação aos arquivos nas fases de gestão, tradução utilizada aqui. da agência (Agency Records Officer). Normalmente, esses encarregados são responsáveis pelo programa de gestão de documentos da agência. Os gestores estabelecem, em geral, uma rede de contatos dentro de cada escritório da sua agência para delegar responsabilidades de gestão de documentos. O NARA trabalha principalmente com o encarregado dos documentos e a equipe de apoio de gestão de documentos da agência (agency records management staff) e fornece orientação sobre gestão de documentos para as agências na forma de regulamentos federais, boletins NARA e perguntas frequentes. Os avaliadores de documentos do NARA trabalham diretamente com os encarregados e suas equipes durante o processo de avaliação, fornecendo orientação sobre a tabela de temporalidade e destinação de documentos. Os arquivistas de avaliação geralmente se reúnem com a equipe da agência que cria ou utiliza documentos durante o processo de avaliação.

Sobre em qual fase do ciclo de vida é realizada a avaliação, o supervisor ressaltou que os documentos podem ser avaliados praticamente em qualquer momento do seu ciclo de vida. O único requisito é que os documentos federais não podem ser eliminados sem uma autorização de destinação de documentos (records disposition authority) aprovada pelo NARA. Os documentos são avaliados quando a agência submete uma tabela de temporalidade e destinação de documentos (records schedule).

Conforme Riley (2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ) explicou, ainda sobre a questão anterior:

As agências normalmente recolhem os documentos para o NARA de duas maneiras, seja por meio da movimentação anual de documentos permanentes da agência armazenados nos Arquivos Intermediários Federais (Federal Records Centers), quando são elegíveis para recolhimento, ou como ofertas diretas das agências. Em ambos os casos, a agência está envolvida na aprovação dos documentos para recolhimento por meio de uma solicitação (que é um documento eletrônico usado para processar a troca de documentos da agência com o NARA). O NARA recebe documentos de todas as agências sujeitas à Federal Records Act - FRA.

As agências frequentemente eliminam seus próprios documentos, embora os documentos temporários mantidos nos Arquivos Intermediários Federais sejam descartados por eles, após a agência obter a aprovação de eliminação.

O respondente destacou que os arquivistas de avaliação do NARA avaliam os documentos à medida que as tabelas de temporalidade e destinação de documentos são enviadas pelas agências. Normalmente, eles tem até 400 tabelas de várias agências em andamento a qualquer momento.

Depois que uma agência envia uma tabela de temporalidade e destinação de documentos ao NARA, ela passa por um processo de análise que inclui a revisão das partes internas interessadas, bem como uma oportunidade para o público comentar quando os documentos são propostos para eliminação. O NARA reavaliará os documentos quando houver evidências convincentes de que as decisões de avaliação anteriores exigem revisão. Nessas circunstâncias, o NARA buscará a agência federal e o envolvimento público no processo de reavaliação.

Sobre o instrumento necessário para autorizar a eliminação, que é a tabela de temporalidade e destinação de documentos, foi perguntado quanto tempo é necessário para elaborá-la. O supervisor disse que como são as agências que elaboram o instrumento, eles não sabem necessariamente quanto tempo leva em média para desenvolvê-la, “pode levar de meses a anos e depende da extensão e escopo da tabela e do processo de revisão interna da agência, que varia de agência para agência” (Riley, 2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ).

A autorização de destinação é concedida no nível do item. As tabelas de temporalidade e destinação de documentos podem conter um ou mais itens. Os itens podem ser aplicados a um conjunto muito específico de documentos (com limite de tempo ou não), documentos relacionados a uma determinada função ou atividade ou a uma agregação de documentos relacionados.

Continuando a partir da pergunta anterior, o entrevistado foi questionado sobre a frequência com que as agências realizam avaliação, se existe calendário estabelecido e se é possível medir o tempo do processo de avaliação:

O NARA avalia os documentos quando as agências enviam tabelas de temporalidade e destinação de documentos, portanto, o tempo depende, em parte, de quando os novos documentos são criados ou identificados. Existem também situações específicas em que as agências devem rever os prazos. Essas situações são definidas em nossos regulamentos, 36 CFR 1225.22. As agências são obrigadas a revisar periodicamente suas tabelas de temporalidade e destinação de documentos para ver se a reavaliação é necessária. No momento, não há prazo para essa revisão, mas estamos atualizando nossos regulamentos para exigir que as agências revisem todas as suas tabelas de temporalidade e destinação de documentos com mais de 10 anos a cada 5 anos. (Riley, 2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ).

Pensando sobre os Federal Records Centers como arquivos intermediários, foi perguntado como é o seu funcionamento.

São basicamente depósitos de documentos. Eles mantêm documentos em papel para agências. Esses documentos ainda pertencem às agências, não ao NARA. Os documentos podem ser permanentes ou temporários e os Arquivos Intermediários Federais trabalharão com as agências quando chegar a hora de recolher quaisquer documentos permanentes para o NARA ou eliminar os documentos temporários de acordo com as tabelas de temporalidade e destinação de documentos da agência. As agências não são obrigadas a armazenar documentos em um Arquivo Intermediário. Eles têm que pagar pelo armazenamento e outros serviços como fariam em um local de armazenamento comercial. (Riley, 2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ).

Sobre qual órgão é responsável por padronizar, monitorar e/ou aprovar as políticas e ações de avaliação dos órgãos públicos nacionais e quais são os principais instrumentos de orientação e leis sobre essa prática, Riley (2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ) informou que o NARA é responsável por emitir regulamentos e orientações relacionadas às tabelas de temporalidade e destinação de documentos. Também são responsáveis por sua política de avaliação de documentos.

Foi questionado quais as teorias e teóricos influenciam hoje o NARA sobre avaliação de documentos, o respondente foi enfático:

As práticas de avaliação do NARA são baseadas nas teorias de Schellenberg, que foram desenvolvidas quando ele era um arquivista do Arquivo Nacional. Nenhuma outra teoria teve um impacto significativo em nossas práticas de avaliação. (Riley, 2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ).

Sobre os impactos dos documentos digitais e como está sendo tratada a avaliação, inclusive de mídias sociais e websites, Riley (2021RILEY, Andrea. Questionnaire. Mensagem recebida por: jujuteka@yahoo.com.br em 23 mar. 2021. ) afirmou que:

O advento da gestão de documentos digitais não mudou significativamente nossas práticas de avaliação. Nossa política de avaliação inclui considerações técnicas, como se um formato eletrônico pudesse representar desafios tecnológicos, mas tais questões são raras. Temos regulamentos (36 CFR 1225.24) que exigem que as agências notifiquem o NARA quando os documentos permanentes originalmente avaliados em um formato analógico passam para um formato eletrônico. Da mesma forma, os regulamentos exigem que as agências revisem os documentos temporários quando mudam de formatos analógicos para eletrônicos que não sejam digitalizados, a menos que os documentos tenham sido avaliados como mídia neutra (36 CFR 1225.22 (h)). Esses regulamentos estão atualmente em revisão devido à emissão iminente de novos regulamentos contendo padrões para digitalização de documentos permanentes.

Não ficou claro como ocorrem os procedimentos em documentos nato digitais em relação aos recolhimentos ou estruturas de repositórios.

4 Considerações finais

A ação pioneira dos Estados Unidos, justamente pelos servidores do seu Arquivo Nacional, na estruturação de pensamentos e ações que visavam resolver o problema da grande produção documental pós-guerra e o surgimento da avaliação foi perceptível. Importantes nomes surgiram debatendo o tema e agregando novos insumos. Brooks, antes de Schellenberg, já havia estabelecido critérios para selecionar documentos de valor permanente. Internacionalmente, é inegável que Theodore Schellenberg, com seus valores primários e secundários, seu livro Arquivos Modernos, várias visitas e palestras em diversos países, foi o arquivista com grande influência no mundo dos arquivos.

No processo de avaliação, incluindo o trato ao documento digital nos Estados Unidos, o National Archives and Records Administration (NARA) tem como missão fornecer acesso público aos documentos do governo federal sob seu controle e custódia, auxilia as agências federais na determinação de quais documentos governamentais devem ser mantidos e quais podem ser eliminados. Segundo sua lei federal de documentos, as agências governamentais precisam identificar todos os seus documentos, os seus prazos de guarda nas chamadas records schedules - tabelas de temporalidade, solicitar autorização do Arquivo Nacional para eliminar seus documentos e recolher o que for de guarda permanente.

Assumiu-se, por meio do questionário aplicado, que as práticas de avaliação do NARA são baseadas nas teorias de Schellenberg e que o advento da gestão de documentos digitais não mudou significativamente as práticas de avaliação.

Foi possível perceber que no NARA suas práticas estão alicerçadas em seu principal teórico, mas também ficou claro que outros fatores interferentes como legislações, contextos sociais, culturais, políticos e de estruturação influenciam as ações de uma importante instituição representativa dos arquivos que muito contribui na área dos arquivos e que algumas práticas, mesmo baseadas em uma mesma teoria podem ter abordagens diferentes dependendo desses fatores interferentes.

Agradecimentos

Ao National Archives and Records Administration/NARA, em especial a Andrea Riley (Supervisory Archives Specialist, Operations Research & Support Team, Records Management Services, Office of the Chief Records Officer) por toda atenção e ajuda nas respostas do questionário.

Referências

  • 1
    Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, no ano de 2022.
  • 2
    Sua denominação foi National Archives and Records Service (NARS), e a partir de 1985 alterou para seu atual nome National Archives and Records Administration (NARA).
  • 3
    Gestão de documentos é a tradução de records management, conforme o Dicionário brasileiro de terminologia arquivística (2005ARQUIVO NACIONAL. Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/dicionrio_de_terminologia_arquivistica.pdf . Acesso em: 17 jul. 2023
    https://www.gov.br/conarq/pt-br/centrais...
    ).
  • 4
    As ideias de Brichford a respeito da avaliação seguiam um método taxonômico conhecido que delineava as principais áreas de interesse na tomada de decisões de avaliação: características dos documentos em si (o que incluía idade, o volume, a forma, assim como características informacionais, probatórias e funcionais), sua utilidade administrativa (valores administrativo, fiscal e legal, segundo Schellenberg) e seu valor para a pesquisa (exclusividade, credibilidade, alcance temporal, frequência, qualidade de uso, entre outros). Diante dessas conclusões, uma determinação final de valor (valor arquivístico) dependia de uma decisão ulterior, por parte do arquivista, sobre a possibilidade de se destinarem recursos finitos à preservação desses documentos. Brichford defendia que a determinação do valor arquivístico incluía o conhecimento sobre a relação entre um documento e os outros, bem como - recorrendo a Bauer - sobre os custos de processamento, preservação e armazenagem (Trace, 2016TRACE, Ciaran B. Dentro ou fora do documento? Noções de valor arquivístico. In: EASTEWOOD, Terry; MACNEIL, Heather. (Org.). Correntes atuais do pensamento arquivístico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. p. 77-106., p. 83).
  • 5
    Arquivista dos Estados Unidos será nomeado pelo Presidente com o conselho e consentimento do Senado. Será nomeado sem consideração por filiações políticas e unicamente com base nas qualificações profissionais exigidas para o desempenho das funções e responsabilidades do cargo de Arquivista (Title 44, Chapter 21, § 2103. Officers, NARA, 2016NARA NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS ADMINISTRATION. Basic Laws and Authorities. 2016. Disponível em: https://www.archives.gov/about/laws/appendix/13489.html?_ga=2.132030607.1264844919.1689361091-1162101783.1689361091 . Acesso em: 22 jun. 2021.
    https://www.archives.gov/about/laws/appe...
    ). O Arquivista dos Estados Unidos é o chefe (head) do NARA.
  • 6
    O NARA é obrigado por lei a publicar um aviso no Federal Register (www.federalregister.gov), o jornal diário do governo, tal como nosso Diário Oficial. O público tem 45 dias a partir da data de publicação para enviar comentários. Os comentários podem ser enviados usando as ferramentas de comentários em Regulations.gov ou por email, e o NARA responde nesta mesma ferramenta.
  • 7
    Tabela de temporalidade. Instrumento de destinação, aprovado por autoridade competente, que determina prazos e condições de guarda tendo em vista a transferência, recolhimento, descarte ou eliminação de documentos (Arquivo Nacional, 2005ARQUIVO NACIONAL. Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005. Disponível em: https://www.gov.br/conarq/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/dicionrio_de_terminologia_arquivistica.pdf . Acesso em: 17 jul. 2023
    https://www.gov.br/conarq/pt-br/centrais...
    ).
  • 8
    Fazendo uma analogia à prática no Brasil, ainda que cada uma tenha suas especificidades, os General Records Schedules seriam a tabela de temporalidade e destinação de documentos da atividade-meio, elaborada pelo Arquivo Nacional. As atividades específicas de cada agência, denominadas atividades-fim, são nomeadas apenas de records schedules.
  • 9
    Record group é o conjunto de documentos que compartilham a mesma proveniência ou foram criados na mesma unidade administrativa. No NARA a aplicação do princípio de proveniência assume a forma de grupos de documentos numerados, com cada grupo compreendendo os documentos de uma grande entidade governamental, geralmente um escritório ou agência independente. A maioria dos grupos inclui documentos de quaisquer predecessores da organização nomeados no título do grupo. Alguns grupos combinam os documentos de várias agências pequenas ou de curta duração que têm um relacionamento administrativo ou funcional entre si.
  • 10
    As perguntas e respostas completas do questionário se encontram na tese que originou esse artigo.
  • 11
    No livro Arquivos Modernos, de Schellenberg, o termo record officer foi traduzido como encarregado dos documentos, que são os funcionários que se ocupam de trabalhos realizados em relação aos arquivos nas fases de gestão, tradução utilizada aqui.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2023
  • Aceito
    21 Ago 2023
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2705, sala 519 , CEP: 90035-007., Fone: +55 (51) 3308- 2141 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: emquestao@ufrgs.br