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A edição histórico-crítica alemã

[The German historical-critical edition]

Resumo:

O presente artigo aborda o modelo histórico crítico proposto por Hans Zeller, definindo se, primeiramente, o conceito de versão. De seguida, explica se que, neste cenário, todos os testemunhos atestadamente autógrafos possuem o mesmo nível de autoridade de ntro da tradição do texto, uma vez que correspondem à vontade do autor em determinados momentos da história do texto. Em contraste com esta posição, retratam se as ideias subjacentes ao método do copy text, paradigma editorial anglo saxônico que defende a valorização da intenção final do autor, sendo apenas as lições que representam a última vontade do autor relativamente ao seu texto aquelas que devem figurar na edição crítica.

Palavras chave:
conceito de versão; modelo editorial histórico-crítico; Hans Z eller

Abstract:

This paper discusses the historical critical model proposed by Hans Zeller. The starting point of the argumentation is the definition of the concept of version. The paper then demonstrates that, in such a scenario, all testimonies attested as autographs po ssess the same level of authority within a text’s tradition, since they correspond to the author’s will at certain moments in the text’s history. This proposition is contrasted with the ideas underlying the copy text method, an Anglo Saxon editorial paradi gm that advocates valuing the author’s final intention, with only those lessons that represent the author’s last will for his text being included in the critical edition.

Key words:
definition of version; historical-critical editorial model; Hans Zeller

1 Introdução

Se o chamado método de Lachmann foi a contribuição central da filologia alemã para a edição de textos antigos sem testemunhos autógrafos 2 2 Embora Karl Lachmann e Franz Muncker tenham sido responsáveis pela edição crítica dos trabalhos completos do filósofo e poeta Gotthold Lessing (1729-1781), não aplicaram o método estemático, tendo sido priorizada a última edição revista pelo autor na fixação do texto ( Hertz 1851 : XVII-XXIII). Este é um sinal claro de como Lachmann e Muncker estavam cientes das necessidades impostas pela edição de textos modernos, incompatíveis com a orientação estemática. , podemos afirmar que, no que diz respeito ao tratamento de tradições com testemunhos controlados pelo autor, o modelo histórico-crítico, desenvolvido pelos editores germânicos na segunda metade do século XX, é incontornável 3 3 Embora estes filólogos não se ocupem do estudo das técnicas aplicadas a textos antigos, Hans Zeller considera que, na presença sugerida por um stemma de um texto transmitido por vários testemunhos não autógrafos que descendem do mesmo manuscrito original, é aceitável aplicar as regras de Lachmann e reconstituir esse mesmo texto através da combinação de lições dos vários testemunhos ( Zeller 1975 : 236). Por outro lado, os defensores do método histórico-crítico não preveem nem discutem a aplicação do método de Lachmann em situações similares à que se observa em Poesias de Sá de Miranda de Carolina Michaëlis, já que, apesar de se tratar de uma tradição totalmente apógrafa, os testemunhos não possuem todos um ascendente comum. . Ao longo deste artigo, definiremos o conceito de edição histórico-crítica, o contexto em que se deu a sua génese e limites que lhe têm sido apontados; apresentaremos os contributos de Hans Zeller, considerado o principal académico responsável pela difusão deste modelo; e refletiremos sobre o impacto destes procedimentos editoriais no panorama filológico internacional, contrapondo o modelo histórico-crítico alemão à teoria editorial anglo-americana encabeçada por Fredson Bowers e Walter Greg. Desta forma, visa-se delinear as tendências de pensamento que influenciaram a concessão dos princípios adotados para a elaboração das edições histórico-críticas alemãs e quais os reflexos deste novo padrão editorial na discussão académica internacional sobre quais as normas fundamentais para a edição de textos modernos com testemunhos autorais disponíveis.

Tendo estes objetivos em vista, clarifiquemos, primeiramente, o que se compreende por edição histórico-crítica em sentido restrito. Nas secções seguintes, discutiremos a postura que Hans Zeller adota face a este mesmo conceito, notando que esta definição inicial serve apenas de ponto de referência. Alguns fóruns online, citando a obra Editionswissenschaft: Eine Einführung in Methode und Praxis der Edition neuerer Text de Bodo Plachta, definem edição histórico-crítica num sentido mais lato, incluindo todas as edições diplomáticas e críticas produzidas no contexto alemão. Embora não tenhamos tido acesso ao volume de Plachta ( 1997Plachta, Bodo. Editionswissenschaft: Eine Einführung in Methode und Praxis der Edition neuerer Texte. Stuttgart: Reclam, 1997.), não recorremos a qualquer definição mais abrangente do método histórico-crítico para este trabalho. Sendo assim, neste artigo, o adjetivo histórico remete para a preocupação destes editores em reconstituir todas as etapas do texto, desde a sua génese até à publicação, com a finalidade de restaurar a história da produção do texto em causa. Deste modo, o editor encara o seu trabalho como um historiador, transcrevendo e comparando todas as variantes e apresentando fac-símiles dos manuscritos e de outros documentos considerados essenciais para a reconstituição da história de uma obra. Assim, o editor não prefere uma versão do texto em relação às outras ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 244) 4 4 Embora ao longo deste trabalho se reproduza a ideia de que um editor seguidor do modelo histórico-crítico não deve demonstrar preferência entre versões de um mesmo texto ( Zeller 1975 : 244), esta conceção muitas vezes é apenas um princípio teórico que deve nortear o filólogo durante o processo de fixação do texto, não se observando, muitas vezes, na prática. Isto deve-se ao facto de que, por razões inerentes ao custo de impressão e produção de livros, nem sempre é possível ou se justifica do ponto de vista financeiro apresentar todas as versões do texto de modo paralelo com o mesmo nível de destaque na edição. Um exemplo disto é a edição da obra Max Havelaar (1860) do escritor holandês Multatuli pela filóloga Annemarie Kets-Vree, na qual a editora, que assume explicitamente que este é um projeto baseado no modelo de edição alemão, seleciona como base para o seu trabalho a última edição revista pelo autor ( Kets-Vree 2000:140 ). Contudo, não contamina esta versão do texto com variantes de outras versões, preferindo apresentá-las separadamente em aparato, explicando que, nesta edição histórico-crítica, a função do texto-base é somente servir de suporte para o aparato de variantes ( Kets-Vree 2000 : 140). , uma vez que todas elas desempenham um papel ativo na génese e edificação do texto. Ao mesmo tempo, o editor deve ser cuidadoso para não contaminar a versão do texto que selecionou para a edição com variantes de outros testemunhos ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 245), pois tal contágio entre versões impossibilitaria a distinção, por parte dos leitores, das diversas fases de construção do texto. Por sua vez, estas edições são qualificadas como críticas dado que resultam de uma comparação atenta entre os vários testemunhos de uma tradição textual e, à semelhança do que sucede na edição de matriz lachmanniana, da emenda do texto com base em princípios científicos com o objetivo primordial de purgar o texto de elementos estranhos ao autor, como erros de cópia ou intervenções não autorizadas por parte do editor ( Blecua 1983 Blecua, Alberto. Manual de crítica textual. Madrid: Editorial Castalia, 1983.: 18-19). No que diz respeito à edição histórico-crítica, cada uma das versões que comprovadamente o texto assumiu desde a sua génese deve ser analisada e emendada individualmente, sendo que os erros detetados devem ser assinalados de modo que o leitor identifique todas as intervenções do editor crítico. A aplicação deste método por parte de investigadores especialistas na obra dos autores a editar permite que as edições histórico-críticas sejam fontes ricas e confiáveis para o estudo dos textos. Por norma, estas edições incluem, para além do texto, múltiplas notas relativas a emendas editoriais e um aparato crítico que contém todas as variantes reunidas a partir da colação de todos os testemunhos disponíveis, documentos sobre a génese da obra (como cartas e diários do escritor), elementos que precederam a redação do texto (rascunhos e esquemas preparatório) e explicações detalhadas sobre o impacto e receção da obra durante a vida do autor. Os principais expoentes deste método de preparação de texto são: a edição de Werke Goethes (projeto iniciado em 1887 continuamente atualizado) do poeta Johann Wolfgang von Goethe, pela Academia de Ciências de Berlim, e a edição de Sämtliche Werke (1975-2008) do filósofo e poeta Friedrich Hölderlin, da responsabilidade de D. E. Sattler e constituída por vinte volumes e três suplementos. Como se pode compreender pela explicação anterior, a vantagem primordial da utilização do modelo histórico-crítico nestes trabalhos é tornar possível “for the reader, not only to verify the editor’s, work but also to experience [the author’s] creative process step by step” ( George 1978 George, Emery. The ‘Frankfurter Hölderlin-Ausgabe’. Monatshefte, v. 70, n. 1, 1978, p. 58-67.: 60).

Antes de aprofundarmos o estudo dos conceitos e teorias que fundamentam o modelo histórico-crítico, é essencial enquadrar esta prática nas principais correntes de pensamento do século XX e entender como se procedia à edição crítica de textos modernos anteriormente. No que concerne ao enquadramento teórico, é de notar o impacto do Círculo Linguístico de Praga, um grupo de filólogos estruturalistas 5 5 No contexto da linguística, entende-se estruturalismo como o método de estudo inspirado nos trabalhos de Ferdinand de Saussure que explica que os fenómenos linguísticos só podem ser entendidos através da análise das relações fundamentais que estabelecem entre si. Estas relações constituem uma macroestrutura, a partir da qual se pode apreender toda a realidade social ( Cassirer 1945 : 104-106), sendo a linguística uma importante peça desse panorama. De acordo com o Dicionário de termos linguísticos (em linha) do Portal da Língua Portuguesa, o movimento estruturalista concebe as línguas como sistemas que devem merecer interesse em si e por si ( Correia; Ashby; Janssen n.d. e Janssen 2008), não necessitando de ser exploradas apenas como conhecimentos complementares aos estudos literários. fundado em 1928 que se debruçou especialmente sobre as funções da linguagem 6 6 No domínio das ciências da linguagem, o círculo de Praga visava conjugar o estruturalismo de Saussure com as ideias do psicólogo e linguista austríaco Karl Bühler (1879-1963), que determinou as seguintes funções da comunicação humana: expressão, chamamento e representação ( Medina 2007 : 10). Neste contexto, os linguistas de Praga desenvolveram investigações muito significativas sobre “as características da linguagem dos vários gêneros (particularmente os da comunicação estética) e [criaram] uma abertura importante para as questões do ensino [das línguas]” ( Ilari 2004 : 70). e sobre as diferentes formas de existência da arte literária. No campo da investigação acerca dos estudos literários, estes especialistas concluíram, de acordo com Hans Zeller, que “there are two attitudes towards the text: the attitude of the reader (…) and the attitude of the author” ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 258), na medida em que os leitores e os autores experienciam o mesmo texto de modos muito distintos. Apoiando-se nas propostas sobre a natureza autônoma da linguagem literária postuladas pelos formalistas russos ( Glanc 2021 Glanc, Tomás. Czech Russian Formalism. Revista de literatura e cultura russa, v. 12, n. 19, 2021, p. 68-92.: 72-73), os elementos do círculo de Praga defendiam que o leitor, à semelhança do editor de textos antigos, encara o texto como uma composição linear que deve ser interpretada com alguma desconfiança, já que é certo que se detetem erros de transmissão ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 258). Por oposição, para o autor, o texto é uma criação que tem por base a seleção de alguns elementos linguísticos em detrimento de outros, logo a escrita criativa é encarada como a possibilidade de variação e não como a necessidade de certos constituintes se seguirem uns aos outros ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 258). Segundo Hans Walter Gabler, as ideias dos estruturalistas são um dos pilares fundamentais para a conceção do ideal de edição histórico-crítica ( Gabler 1995 Gabler, Hans Walter. Introduction: Textual Criticism and Theory in Modern German Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995, p. 1-16.: 8). Tal ficará evidente, ao longo deste artigo, quando definirmos o conceito de versão e como cada uma das versões de um texto é parte constituinte de uma estrutura maior, através da qual se pode entender a globalidade da história do texto.

De modo a rematar a conjuntura intelectual que precedeu o surgimento do modelo histórico-crítico, importa esclarecer que, antes do estabelecimento do método alemão, a edição crítica académica era dominada pelo método anglo-americano também denominado teoria do copy-text. O termo copy-text foi cunhado por McKerrow na edição do segundo volume das obras de Thomas Nashe (1904), designando apenas o texto que o editor seleciona como base para o seu labor editorial ( Greg 1950 Greg, Walter. The rationale of copy-text. Studies in bibliography, v. 3, 1950, p. 19-36.: 19). Foi Walter Greg o primeiro a articular este termo num método destinado a avaliar qual o testemunho que, por um lado, na componente gráfica, por outro, na componente substantiva, deve servir de base a uma edição de texto moderno ( Greg 1950 Greg, Walter. The rationale of copy-text. Studies in bibliography, v. 3, 1950, p. 19-36.: 19-20). Esta técnica, à semelhança do que sucede no modelo alemão, visa expurgar o texto de distorções produzidas ao longo da transmissão e fixá-lo de acordo com o que o autor realmente teria redigido ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 231). Todavia, esta teoria e o modelo germânico divergem nalguns pontos fundamentais, uma vez que a proposta de Greg centra o foco na intenção final do autor, selecionando como texto-base, na dimensão gráfica, a primeira versão completa do texto (a primeira edição ou o manuscrito final enviado à imprensa) e corrigindo-a, no que diz respeito às lições substantivas 7 7 Para uma definição detalhada dos conceitos de lição substantiva e lição acidental, ver «The rationale of copy-text» ( Greg 1950 : 21-24). , com a última edição revista pelo autor ( Scott 2013 Scott, Patrick. Divergent Authenticities: Editing Scottish Literary Texts: Introduction: How Editorial Theories Have Changed. Studies in Scottish Literature, v. 39, n.1, 2013, p. 3-14.: 5-6). Desta forma, a edição crítica torna-se mais próxima do original do autor no que concerne às lições acidentais e, simultaneamente, possui as lições substantivas que correspondem à sua última vontade. Isto é assim porque o editor assume que as alterações de lições substantivas são, por norma, concretizadas pelo autor e as alterações de lições acidentais são geralmente da responsabilidade de copistas, compositores, editores ou revisores. Deste modo, produz-se um texto eclético, ou seja, o texto fixado agrega variantes de diversos testemunhos e, consequentemente, fundem-se nele os vários estágios de criação da obra literária ( Scott 2013 Scott, Patrick. Divergent Authenticities: Editing Scottish Literary Texts: Introduction: How Editorial Theories Have Changed. Studies in Scottish Literature, v. 39, n.1, 2013, p. 3-14.: 7). Posteriormente, as ideias de Greg foram expandidas e complementadas por Fredson Bowers, estudioso do impacto da imprensa na corrupção do texto na edição da obra de Shakespeare. O estudo deste impacto permitiu-lhe aprofundar a noção de intenção final do autor, incitando à discussão acerca do sentido operatório que lhe deveria estar associado, concluindo que “those who conceive intention to include expectation, or view authorship as social and collaborative, prefer a first edition to a manuscript” ( Tanselle 1985 Tanselle, Thomas. The Achievement of Fredson Bowers. The Papers of the Bibliographical Society of America, v. 79, n. 2, 1985, p. 175-190.: 188). Neste contexto, o surgimento de uma nova metodologia para editar textos modernos deveu-se à necessidade sentida pelos filólogos germânicos de complementar o método Greg-Bowers e colmatar algumas das suas alegadas falhas ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 232).

Tendo isto em conta, as principais críticas dos filólogos partidários do método histórico-crítico à teoria do copy-text prendem-se com o facto de que editores ingleses e alemães encaram os conceitos de intenção autoral e autoridade de modos muito distintos ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 232). Os primeiros determinam que a autoridade de um testemunho é sempre relativa face aos restantes elementos da tradição e nunca um representante absoluto do texto ou do documento em causa apenas por ser proveniente da pena do autor ( Greg 1950 Greg, Walter. The rationale of copy-text. Studies in bibliography, v. 3, 1950, p. 19-36.: 20). Portanto, um editor guiado pelo método Greg-Bowers opta por uma lição após ter avaliado a sua autoridade, comparando-a com a lição correspondente em outros testemunhos e valorizando sempre o que julga ser a intenção final do autor, ou seja, a variante que representa a sua última vontade deve ser sempre fixada. Por sua vez, os investigadores alemães concebem que todos os testemunhos atestadamente autógrafos ou autorizados possuem o mesmo nível de autoridade dentro da tradição do texto, uma vez que correspondem à vontade do autor em determinados momentos da história do texto ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 242). É importante não esquecer que as versões só possuem este estatuto de autoridade quando são selecionadas de maneira fiável, embora os idealizadores do modelo histórico-crítico não determinem critérios gerais para a seleção de versões e para a diferenciação destas face a outras formas textuais que incorporem correções autorais consideradas apenas emendas e não ocasionadoras de novas versões. Por outro lado, estes filólogos admitem que não é possível conhecer a intenção final de um autor através dos testemunhos da sua obra. Logo, “only the textual history is within the editor’s reach” ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 244), sendo a sua missão reconstituí-la através do estudo de cada uma das versões do texto. Além disso, Hans Walter Gabler afirma que o editor, ao selecionar um texto-base em detrimento de outros, está a pré-determinar muitas das decisões editoriais, pois esse mesmo editor tenderá a seguir, por conveniência, as lições do texto-base sempre que possível ( Gabler 1995 Gabler, Hans Walter. Introduction: Textual Criticism and Theory in Modern German Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995, p. 1-16.: 196). Esta atitude poderá toldar a capacidade de reflexão do editor, dificultando a sua habilidade de avaliar criticamente as variantes ausentes do texto-base, podendo este processo culminar numa valorização exagerada das lições que este transmite.

Estas questões tornaram-se particularmente problemáticas quando foram consideradas à luz da edição da obra completa de Goethe. Entre 1887 e 1919, foi publicada a célebre edição Weimar das obras completas de Goethe, com base na última edição revista pelo autor. Embora Goethe tenha tentado acompanhar a preparação das últimas edições em vida da sua obra, já se encontrava muito doente, e por isso as suas intervenções no processo editorial foram raras, sendo a sua autorização face às decisões dos editores maioritariamente passiva 8 8 Segundo Zeller, a autorização passiva ocorre quando o autor da obra, apesar de ainda estar vivo, não acompanha de perto a transmissão dos seus textos, relegando as decisões editorais a terceiros ( Zeller 1975 : 232). Assim, é responsabilidade do editor crítico, no seio do método histórico-crítico, detetar variantes inseridas no texto que apenas são fruto de autorização passiva e distingui-las das lições selecionadas ativamente pelo autor. ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 232). Deste modo, os responsáveis pela Academia de Ciências de Berlim consideraram que a edição Weimar veiculava um texto que, apesar de ter sido baseado num texto aparentemente aprovado pelo autor, possuía um fraco grau de autoridade, transmitindo várias distorções e corrupções, já que os editores não tinham realizado “a real recension of the text” ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 232). Em 1949, a Academia das Ciências de Berlim começou a projetar uma nova edição da obra de Goethe, liderada pelo filólogo Ernst Grumach. Este académico criticou severamente a edição Weimar, afirmando que os editores não tinham realizado uma verdadeira recensão e colação dos testemunhos, tendo seguido acriticamente as variantes da última edição revista pelo autor e somente se tendo afastado dela em caso de detecção de erros evidentes ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 232-233). Consequentemente, ao concretizar a nova edição, Grumach operou uma nova comparação entre os testemunhos que contêm a obra de Goethe e selecionou a edição de 1808 como substrato para o seu labor editorial por considerar que esta foi a última edição completa em que o autor, ativamente, interveio ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 233). No que diz respeito ao tratamento das emendas e das lições acidentais, os princípios seguidos inicialmente pela edição da Academia de Ciências de Berlim ainda eram similares aos postulados pela teoria do copy-text ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 235). Contudo, foi no seio deste projeto que começaram a surgir as questões que servem de eixo à edificação da teoria histórico-crítica 9 9 A bibliografia disponível não nos permitiu entender quem foram os responsáveis por mudar a trajetória da edição da Academia de Ciências de Berlim, em sentido divergente do seguido por Ernst Grumach. A única menção do tema encontra-se no texto de Hans Zeller (1975), que refere apenas que os critérios editoriais de Grumach foram, posteriormente, substituídos por novos “princípios básicos” ainda durante a edição da obra de Goethe ( Zeller 1975 : 235), não citando quaisquer fontes. Também não foram detetados vestígios de que as questões apresentadas por Zeller, em 1975, acerca da edição da Academia de Ciências de Berlim, tenham sido discutidas anteriormente por outros académicos. :

(1) Is contamination admissible, that is to say, may the editor transfer variants from one authorised version to another as happened in the Academy edition and as the Greg-Bowers principles require? (2) What is meant by the (final or non-final) intention of the author, and how may it be determined? (3) What should be regarded as textual error? ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 236).

Nas próximas seções desta discussão, procuraremos responder a estas interrogações. Para tal, discutiremos os contributos do trabalho de Hans Zeller para a idealização e concetualização do modelo histórico-crítico e a relação do filólogo alemão com a teoria anglo-saxônica do copy-text. Finalmente, refletiremos sobre a influência das ideias subjacentes à prática da edição histórico-crítica no panorama da atualidade editorial nacional.

2 Hans Zeller e o conceito de versão

Em 1973, desenrolou-se uma conferência na Villa Serbelloni, da Fundação Rockefeller, em Itália, com o objetivo de debater as diferenças entre as teorias que sustentavam a prática da crítica textual no século XX ( Gabler 1995 Gabler, Hans Walter. Introduction: Textual Criticism and Theory in Modern German Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995, p. 1-16.: 1). Neste encontro, participaram especialistas de toda a Europa e dos Estados Unidos da América, sendo que dois artigos para ele produzidos se destacaram: «Remarks on eclectic texts» de Fredson Bowers, em defesa da teoria do copy-text, e «A new approach to the critical constitution of literary texts» de Hans Zeller, apresentando a posição dos académicos alemães que já se vinham a afastar do método Greg-Bowers, como constatamos na secção anterior.

Hans Zeller (1926-2014) nasceu a 27 de fevereiro de 1926 na Suíça. Nos primeiros anos de formação superior, estudou física e química, acabando, porém, por se doutorar em filologia clássica e germânica, em 1953 ( Reuss 2021 Reuss, Roland. “Hans Zeller”, Historisches Lexikon der Schweiz (HLS online), versão de outubro de 2021. Disponível em: https://hls-dhs-dss.ch/de/articles/049025/2021-10-25. Acesso em 20/10/2022.
https://hls-dhs-dss.ch/de/articles/04902...
: 1). Entre 1953 e 1968, deu aulas numa escola secundária e, a partir de 1968, tornou-se professor de literatura germânica moderna na Universidade de Friburgo, tendo sido diretor da Faculdade de Filosofia nos anos de 1976 e 1977 ( Reuss 2021 Reuss, Roland. “Hans Zeller”, Historisches Lexikon der Schweiz (HLS online), versão de outubro de 2021. Disponível em: https://hls-dhs-dss.ch/de/articles/049025/2021-10-25. Acesso em 20/10/2022.
https://hls-dhs-dss.ch/de/articles/04902...
: 1). Este filólogo dedicou a sua vida académica ao estudo e edição da obra de Conrad Ferdinand Meyer (1825-1898), poeta e romancista ligado ao realismo. Além disso, Zeller foi um dos principais teóricos e defensores do método histórico-crítico para a produção de edições de textos modernos. Com base nisto, analisaremos o seu trabalho enquanto pilar essencial do desenvolvimento dos projetos de edição académica alemã posteriores e a sua relação com os filólogos seus contemporâneos.

No seu mais célebre artigo sobre a edição crítica de textos modernos, «A new approach to the critical constitution of literary texts» ( 1975Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.), Zeller reflectiu sobre a definição dos conceitos de Fassung (versão), intenção autoral e Textfehler (erro textual). Dado que estes termos constituem a estrutura basilar do modelo histórico-crítico e, por isso, são adotados por todos os partidários deste mesmo método, trataremos de os clarificar. Em primeiro lugar, convém relembrar que, segundo Hans Zeller, um texto “does not in fact consist of [only its] elements but of the relationships between them” ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 241). Logo, a introdução de uma variante é capaz de destabilizar zonas do texto que não foram alteradas 10 10 Por exemplo, quando o autor decide alterar o título de uma obra sem proceder a mais nenhuma emenda, podemos estar perante uma nova versão, já que um novo título reflete uma enorme mudança na vontade do escritor face à sua obra. Além disso, observa-se claramente que uma alteração de denominação de um livro tem influência sobre o restante conteúdo, possibilitando diferentes compreensões e interpretações por parte dos leitores face a um mesmo texto ( Zeller 1975 : 236-237). ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 241). Desta forma, podemos afirmar que basta que o autor introduza uma única variante para estarmos na presença de uma nova versão do texto, que não deve ser confundida com as restantes. Assim, uma versão nova de um texto corresponde a uma nova etapa da sua história e surge quando se detetam variantes autorais que conduzem à alteração das relações já estabelecidas entre os elementos textuais previamente existentes. Isto deve-se ao facto de que cada versão funciona como um sistema que não deve ser corrompido através da influência de versões anteriores ou posteriores. Em resumo, de acordo com esta proposta, uma nova versão do texto corresponde sempre a uma nova intenção por parte do autor, uma vez que este desestabiliza deliberadamente o sistema textual que instituiu anteriormente. Neste contexto, Zeller declara que o raciocínio que motiva um editor a preferir a intenção final do autor em detrimento de todas as outras se prende com o fato de que este encara o texto como uma entidade orgânica em desenvolvimento que vai amadurecendo e melhorando com o passar do tempo ou que o autor tem sempre um objetivo em vista com o seu trabalho e, consequentemente, que todas as suas intervenções resultam em melhorias na obra e numa aproximação a esse mesmo objetivo ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 242-243). Ao assumir o papel de historiador, pelo contrário, o editor crítico não demonstra preferência entre versões, pois reconhece que todas elas possuem autoridade intrínseca por corresponderem à intenção do escritor num dado momento histórico. No entanto, o filólogo alemão reconhece que, mesmo quando se trata de manuscritos autógrafos ou edições revistas pelo autor, existem erros de transmissão e alterações não autorais nas quais os editores partidários do método histórico-crítico devem intervir ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 258). Nestas situações, a autoridade da versão fica suspensa e a passagem do texto onde foi detectado o erro deve ser corrigida, devendo as corruptelas ser assinaladas no aparato em rodapé. Esta suspensão de autoridade só é justificada quando há suspeitas fundadas face à autoria da variante através de uma análise criteriosa do suporte ou da linguagem e do conteúdo da passagem textual em questão ( Zeller 1995b Zeller, Hans. Structure and Genesis in Editing: On German and Anglo-american Textual Criticism. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 95-123.: 113). Zeller denominou estas lições deturpadas de Textfehler ou erros textuais e explicou que “emendation is only permitted in the edited text when the correction is unequivocal” ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 263). Quando esta condição não se verifica, o filólogo recomenda que apenas se marquem no texto estas incorreções e que não se proceda a quaisquer alterações no texto, ou seja, lições que podem ou não ser tomadas como gralhas (e que o autor não tenha detetado no processo de revisão do seu trabalho) devem ser discutidas no aparato crítico, expondo-se ao leitor os problemas da elaboração de um edição crítica e oferecendo algumas soluções apontadas pelos editores para emendar essas zonas que aparentam estar distorcidas ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 263-264). Conforme escreve, “in this critical apparatus all problematic passages should be discussed in detail” ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 264), isto é, justificam reflexão todas as variantes que o editor julga não serem autorais, por resultarem de uma autorização passiva ou por apresentarem sinais de corrupção. Ao acolher a possibilidade de deteção de um Textfehler através da análise da linguagem utilizada pelo autor, Hans Zeller revela que para os editores alemães de texto moderno, o usus scribendi, sempre apoiado na análise da materialidade dos testemunhos, é um critério valioso para emendar o texto. Tal constatação pode ser corroborada, por exemplo, através da edição crítica dos poemas do escritor checo František Halas pelo filólogo Miroslav Červenka, que revela que “basic constants of the author’s individual style […] demonstrate the means by which the basic semantic intention is achieved”( Červenka 1995 Červenka, Miroslav. Textual Criticism and Semiotics. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995, p. 59-77.: 72). Dado que a deteção de mudança de intenção autoral é o critério que permite ao editor seguidor do modelo histórico-crítico identificar uma nova versão do texto, então a observação do estilo do autor também se torna essencial para a identificação de Textfehler, pois permite a distinção entre o surgimento de uma nova versão, a partir de uma nova variante textual, e um erro de transmissão (muitas vezes provocado por revisores ou compositores) que deve ser assinalado do aparato crítico e não ser interpretado como uma nova vontade do escritor 11 11 A atitude de encarar o usus scribendi como um dos fundamentos para proceder à emendatio assemelha-se à abordagem que observamos na edição de Poesias de Sá de Miranda de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, apesar de a valorização explicita do usus scribendi ser mais intensa nos trabalhos de Michäelis. Isto porque a filóloga não tem acesso a testemunhos autógrafos que lhe permitam ter a certeza de que uma lição que aparentemente contraria as expectativas do estilo autoral é, na verdade, produto da pena de Sá de Miranda. .

Embora Hans Zeller seja bastante claro ao estabelecer o papel do editor no seio do método alemão, o artigo analisado no parágrafo anterior obriga-nos a questionar as fronteiras que definem o fim de uma versão e o início de outra, já que o filólogo suíço não oferece princípios suficientemente circunstanciados para que um editor possa afirmar de maneira categórica quando está perante uma nova versão. Além disso, este académico parece ignorar que, ao comparar o ofício do editor com o do historiador, está a atribuir ao trabalho do primeiro uma enorme carga de subjetividade, uma vez que um historiador, aplicando as metodologias próprias da sua disciplina, nunca almeja estar apenas na posição de um observador neutro face ao seu objeto de estudo. Quando Giovanni Levi proclama que “o segundo momento do trabalho do historiador [é] reduzir” ( Levi 2014 Levi, Giovanni. O trabalho do historiador: pesquisar, resumir e comunicar. Revista Tempo, v. 20, 2014, p. 1-20.: 3) e que essa é talvez a etapa mais árdua do seu ofício, recorda-nos que o historiador seleciona entre o vasto material disponível aquele que considera mais relevante para fundamentar os resultados da sua investigação. O editor crítico é forçado a fazer uma seleção semelhante face ao seu objeto de estudo, uma vez que se torna impraticável editar todas as versões e todas as variantes de um texto de modo equivalente. É necessário, por exemplo, determinar que, para certas variantes, a identificação em aparato é suficiente. Atendendo a que estas escolhas, mesmo seguindo princípios rigorosos, possuem um elevado grau de parcialidade, interessa refletir sobre a função da subjetividade do editor na concretização de uma edição histórico-crítica.

De modo a resolver o aparente conflito entre subjetividade e objetividade no domínio da edição histórico-crítica, os leitores devem entender “which editorial measures come from the interpreter’s understanding of the text, and which are independent of the individuality of the editor” ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 19). Neste sentido, Zeller considera que, em primeiro lugar, os editores devem esforçar-se por aplicar os métodos objetivos definidos pelos princípios orientadores da edição em causa (desejavelmente, os preceitos teóricos do modelo histórico-crítico enunciados nos parágrafos anteriores) e, só posteriormente, quando estes se mostrarem insuficientes, proceder a decisões de carácter interpretativo que não devem contrariar os critérios definidos como base para a edição ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 20). Para cumprir esta orientação, o editor deve distinguir claramente o registo da interpretação que faz desse mesmo objeto físico: Befund e Deutung 12 12 Hans Zeller adverte a distinção entre record e interpretation a propósito da edição da Ilíada de Aristarco, na qual observou a separação material e conceptual da recensio e da emendatio, uma vez que as intervenções do editor no texto são transmitidas em comentários separados do texto fixado ( Zeller 1995a : 21). . Segundo Zeller, Befund é o testemunho material que transmite o texto (manuscrito, datiloscrito ou edição) e todas as propriedades tangíveis que o compõem (tinta, papel, estado de conservação…); por sua vez, a interpretação ( Deutung) é o tratamento editorial que é dado a esse mesmo Befund ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 21). No que concerne ao tratamento de manuscritos, por exemplo, pode concluir-se que a disponibilização de um fac-símile é uma reprodução do Befund e a sua transcrição, mesmo que paleográfica, é uma interpretação 13 13 Note-se que, para Zeller, a descrição de um manuscrito implica sempre subjetividade, porém nunca é tão interpretativa quanto a fixação do texto ( Zeller 1995a : 44). Sendo assim, a descrição dos testemunhos é mais um recurso útil para que o leitor possa examinar o trabalho do editor. . Esta visão de Hans Zeller reforça a afinidade da teoria que norteia as edições histórico-críticas e o estruturalismo de Saussure, já que se pode compreender um testemunho como sendo uma entidade bifacial composta por um Befund, que assume o papel de significante, e uma Deutung (interpretação), que seria o seu significado (cf. Saussure 2006 Saussure, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.: 79-81) 14 14 Almuth Grésillon, no artigo «Alguns pontos sobre a história da crítica genética» (1991), argumenta que a crítica genética francesa herdou do ideário estruturalista o rigor metodológico, aplicando-o à análise de manuscritos modernos ( Grésillon 1991: 11). Esta posição reforça a conceção acerca da relevância do estruturalismo enquanto enquadramento teórico partilhado por diversas correntes da crítica textual moderna, como por exemplo a crítica genética e o modelo de edição histórico-crítico. . Ao tornar deliberada esta separação entre a materialidade do testemunho e o tratamento do texto que este veicula, a edição torna-se um objeto que deve ser avaliado apenas de acordo com a verificabilidade do conteúdo que apresenta. Tal torna-se possível através da apresentação ao leitor dos critérios aplicados nas tomadas de decisões, da identificação das zonas de texto emendadas e da transparência ao comunicar dúvidas e dificuldades relacionadas com o processo editorial. Todavia, Zeller aponta que, ao contrário das máquinas tecnológicas com que lidamos no quotidiano, as edições críticas não surgem acompanhadas de manuais de instruções ou de regulamentos de segurança, sendo que esta falta de comunicação entre os editores e os leitores se pode traduzir, por vezes, em confusões acerca da natureza do conteúdo veiculado e do seu significado ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 17). Por isso, é essencial que estes empreendimentos editoriais surjam acompanhados de extensos elementos paratextuais explicativos que auxiliem o leitor a interpretar a simbologia adotada na edição e o modo como esta deve ser consultada.

Ainda assim, para o estabelecimento de uma edição histórico-crítica é, por norma, inevitável que o editor se depare com a necessidade de selecionar um texto a ser editado de entre a totalidade dos testemunhos disponíveis, que é constituída pelas versões que o compõem e estão disponíveis para o editor estudar. Isto nos obriga a responder à seguinte questão: como escolher a versão do texto que é representada na edição como o texto editado? Hans Zeller não nos oferece uma solução teórica concreta ou uma série de critérios rígidos para resolver este dilema 15 15 A resposta prática ao problema da seleção do texto a editar poderia ser mais facilmente acessível caso tivesse sido possível consultar as edições elaboradas por Zeller sobre a obra do poeta e novelista Conrad Ferdinand Meyer e, consequentemente, verificar de que modo o filólogo alemão aplicou a sua doutrina a casos concretos do universo literário. , reforçando a posição de que o editor pode escolher qualquer uma das versões que lhe parecer adequada, já que todas retratam a vontade do autor num determinado momento da história da criação do texto. Todavia, Siegfried Scheibe, seguidor do método histórico-crítico e influência atestada nos trabalhos de Zeller 16 16 No artigo «Record and Interpertation», contido na obra Contemporary German editorial theory ( 1995a), Zeller afirma que a definição de Textfehler (erro textual) que adota segue a ideia de Scheibe, que indica que estes erros só podem ser detetados em relação ao contexto em que ocorrem ( Zeller 1995a : 36). Apesar de Zeller ter estabelecido o escopo da utilização do termo Textfehler, aprofundando a sua definição, pode identificar-se a ideia de Scheibe como o ponto de partida da sua exploração deste conceito no seio da crítica textual alemã. , esclarece que, embora todas as versões do texto possuam o mesmo valor histórico e o mesmo grau de autoridade, há versões que apenas exibem pequenas correções e que, portanto, não será útil reproduzir inteiramente ( Scheibe 1995b Scheibe, Siegfried. Theoretical problems of the authorization and constitution of texts. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 171-191.: 202). Desta forma, o editor deve apresentar “versions of the text that are substantially different from another as edited text and […] favor those versions of the text that are representative of the work and of its various stages of development” ( Scheibe 1995b Scheibe, Siegfried. Theoretical problems of the authorization and constitution of texts. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 171-191.: 202). Tendo isto em conta, é impossível fixar critérios rígidos para a seleção das versões que merecem ser integralmente editadas e das que podem ser apenas representadas em aparato, pois as fronteiras entre variantes significativas e não significativas só podem ser definidas após uma análise profunda da obra de um escritor, não sendo possível generalizá-las. Scheibe defende ainda que, para a determinação de quais as versões que devem surgir na edição como texto editado, o editor deve atentar ao princípio da versão inicial já que, em muitos casos, esta versão ilustra o momento em que “[the] author´s changed attitude to a work becomes recognizable or visible for the first time” ( Scheibe 1995a Scheibe, Siegfried. On the Editorial Problems of the Text. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 193-208.: 190). Estas primeiras versões também correspondem à conceção original do autor face à sua obra ( Scheibe 1995a Scheibe, Siegfried. On the Editorial Problems of the Text. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 193-208.: 190) e, por isso, é comum exibirem drásticas discrepâncias face a outras versões mais tardias. Em consequência, a versão inicial deve ser reproduzida como uma das etapas essenciais para a representação do processo criativo do escritor e da história da construção da sua obra.

3 Hans Zeller e a teoria do copy-text

Importa agora discutir de que modo Hans Zeller dialoga com os seus contemporâneos anglo-americanos. Em traços gerais, as críticas apontadas por Zeller ao modelo do copy-text estão sintetizadas na secção anterior deste trabalho. Contudo, interessa reiterar a perspetiva do filólogo suíço face à metodologia editorial de Fredson Bowers, já que a considera o processo editorial “most influential and successful […] in the history of modern language scholarly editing” ( Zeller 1995b Zeller, Hans. Structure and Genesis in Editing: On German and Anglo-american Textual Criticism. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 95-123.: 95). Segundo Zeller, os editores críticos alemães afastaram-se do método anglo-americano, dado que na Alemanha se começou a valorizar o estudo das versões iniciais da obra do autor em detrimento da sua intenção final, ou seja, os investigadores alemães começaram a interessar-se pelo estudo das primeiras versões que antecediam a publicação das obras que compõem o cânone literário germânico ( Zeller 1995b Zeller, Hans. Structure and Genesis in Editing: On German and Anglo-american Textual Criticism. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 95-123.: 96). Além disso, a discussão acerca das desvantagens do texto eclético produzido pelas emendas, realizadas a partir de vários testemunhos, ao copy-text mostrou a Zeller que “the sum of authorized variants need not to result in an authorized text” ( Zeller 1995b Zeller, Hans. Structure and Genesis in Editing: On German and Anglo-american Textual Criticism. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 95-123.: 106). Isto é, o texto fixado pelos filólogos anglo-americanos não possui qualquer autoridade, do ponto de vista do método histórico-crítico, pois, mesmo quando são selecionadas as lições indiscutivelmente autorizadas pelo escritor, o texto editado não corresponde a nenhuma etapa histórica da produção da obra e, consequentemente, não representa a vontade do autor em nenhum momento. Com o objetivo de prevenir este problema, Hans Zeller postula que os editores substituam o conceito de intenção autoral, oriundo da teoria do copy-text, pela ideia de avaliação da autoridade das versões do texto em causa ( Zeller 1995b Zeller, Hans. Structure and Genesis in Editing: On German and Anglo-american Textual Criticism. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995b, p. 95-123.: 113).

O estudo das edições histórico-críticas como foram concebidas por Zeller, em comparação com as baseadas no método Greg-Bowers, mostra-nos ainda que esta teorias opõem, respetivamente, as conceções de edição baseada na materialidade dos documentos que transmitem a história da criação da obra e de edição que visa a veiculação de apenas um texto que represente os desejos finais do autor face à sua produção literária ( Nutt-Kofoth 2016 Nutt-Kofoth, Rüdiger. “Variations in Understanding Variants: (Hidden) Concepts of Text in German Critical Editions”. Variants (online), n. 12-13, 2016, p. 148-162. Disponível em: https://doi.org/10.4000/variants.275. Acesso em 4/11/2022.
https://doi.org/10.4000/variants.275...
: 148). Neste sentido, é fundamental notar que o movimento de libertação do copy-text, simultaneamente excessivamente rígido nas regras que postula para a seleção do texto-base e demasiado flexível no que concerne à definição de vontade autoral (pois admite a construção e fixação de um texto híbrido que nunca foi efetivamente redigido pelo autor), já vinha a ser traçado desde a publicação da coleção de artigos Text und Varianten ( 1975Jackson, Margret. Texte und Varianten. Probleme ihrer Edition und Interpretation by Gunter Martens, Hans Zeller. Romance Philology, v. 28, n. 4, 1975, p. 678-683.), editada por Hans Zeller e Gunter Martens. Nesta compilação, o texto é definido como “the sum of all stages in its genesis; it is, therefore, something dynamic rather than static” ( Jackson 1975 Jackson, Margret. Texte und Varianten. Probleme ihrer Edition und Interpretation by Gunter Martens, Hans Zeller. Romance Philology, v. 28, n. 4, 1975, p. 678-683.: 680). Neste volume, encontra-se também um ensaio de Siegfried Scheibe onde se propõe que a edição de um texto moderno deve ser uma reflexão fidedigna de todos os estágios do trabalho do autor, permitindo, assim, que se entenda a sua posição face ao seu tempo histórico e ao ambiente de produção da sua escrita ( Jackson 1975 Jackson, Margret. Texte und Varianten. Probleme ihrer Edition und Interpretation by Gunter Martens, Hans Zeller. Romance Philology, v. 28, n. 4, 1975, p. 678-683.: 678). Apesar de não ter sido possível ter acesso a uma reprodução do texto de Scheibe, a recensão de Margret Jackson revela que as ideias expressas face aos conceitos de autorização e intenção final do autor correspondem às proposições de Hans Zeller em 1975, ponderadas na segunda secção do presente artigo.

Em suma, o legado de Hans Zeller, no âmbito do estabelecimento do modelo histórico-crítico, prendeu-se, sobretudo, com a clarificação dos conceitos de versão ( Fassung), autoridade e erro textual ( Textfehler). Munidos com estas definições essenciais, os seguidores deste método puderam produzir edições baseadas em premissas teóricas estáveis. Deste modo, pode afirmar-se que Zeller contribuiu com os pilares teóricos fundamentais para que as edições histórico-críticas fossem preparadas de acordo com princípios explícitos que respeitam e representam, de forma transparente, a história do texto desde a sua génese até a morte do autor ou até ao momento em que cessa a sua capacidade de exercer autoridade sobre a sua obra. O filólogo suíço almejava ainda que, a partir da leitura da sua produção científica, as edições críticas alemãs passassem a apresentar como lições problemáticas, devidamente assinaladas, todas as lições ou variantes que não são comprovadamente corretas ou incontestavelmente autorais. O objetivo de adotar esta posição é, através do estudo da materialidade e da história dos testemunhos da tradição do texto, “make visible the editorial shadow” ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 51), ou seja, expor os desafios relacionados com o processo editorial.

4 Reflexos na atualidade filológica alemã e além-fronteira

O modelo histórico-crítico, concebido na sequência das necessidades apresentadas pela complexa edição da obra de Goethe e teorizado por Hans Zeller, foi reconhecido, utilizado e adaptado nas edições académicas elaboradas por diversos filólogos, como por exemplo os trabalhos editorais de Bodo Plachta sobre as obras dos poetas Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781) e Friedrich Schiller (1759-1805) e a edição do romance Max Havelaar do escritor holandês Multatuli (1820-1887) pela filóloga Annemarie Kets-Vree. Contudo, é importante indicar que nem todas as diferentes contribuições para o método histórico-crítico foram unanimemente apreciadas. De acordo com Vilet ( 1999Vilet, Hendricus. German Editing Theory without Nuances. Text, v. 12, 1999, p. 191-196.), a obra Der Autortext in der historisch-kritischen Ausgabe: Ansätze zu einer Theorie der Textkritik (1998), de Stefan Graber, que descreve a história do desenvolvimento da crítica textual enquanto disciplina e visava a criação de uma teoria universal de edição de texto, foi alvo de comentários negativos por parte de Zeller, Scheibe e Martens ( Vilet 1999 Vilet, Hendricus. German Editing Theory without Nuances. Text, v. 12, 1999, p. 191-196.: 196). As convicções de Graber foram rapidamente descartadas pelos seus compatriotas, uma vez que procuraria alcançar uma falsa objetividade absoluta (impossível de obter no campo da crítica textual), não exibindo exemplos práticos de aplicação das teorias que defende e sendo pouco específico no modo como devem ser constituídos os aparatos de variantes ( Vilet 1999 Vilet, Hendricus. German Editing Theory without Nuances. Text, v. 12, 1999, p. 191-196.: 195). Este exemplo serve também para clarificar que, apesar de apresentarem diversas ideias coincidentes ou compatíveis, existem “many different points of view and movements to be distinguished within German editorial theory” ( Vilet 1999 Vilet, Hendricus. German Editing Theory without Nuances. Text, v. 12, 1999, p. 191-196.: 196). Neste estudo procuramos apenas apresentar os conceitos operatórios básicos e o panorama teórico que aparenta ser consensual, de modo a traçar uma tendência de pensamento no seio editorial alemão na segunda metade do século XX, não cabendo no âmbito deste trabalho a descrição pormenorizada das modalidades de edição histórico-crítica que representam as tentativas dos vários editores para adaptar o modelo em causa às especificidades dos espólios de alguns autores em particular.

Em resumo, o estudo dos contributos teóricos e pragmáticos de Hans Zeller para o estabelecimento do método histórico-crítico, tanto como da receção dos seus projetos e das suas ideias, possibilita-nos concluir que para estes editores é o processo histórico de transmissão do texto que determina o rumo do seu trabalho. Isto é, para Zeller não cabe ao investigador responsável pela edição fazer cumprir a última vontade do autor ou difundir um texto eclético sem prévia existência histórica comprovada. O editor histórico-crítico deve deixar-se guiar pelos documentos que acolheram intervenção autoral e, através do estudo das versões do texto, apresentar o processo criativo da sua construção. Este editor necessita ainda de ter em conta que este desenvolvimento começa na fase preparatória da ideia de texto, que pode ser percebida por meio de esquemas, listas e resumos que precedem a fase de redação, e termina com a morte do autor ou quando este já não se encontra capaz de operar enquanto fonte de autorização ativa.

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    Universidade de Lisboa, Departamento, Alameda da Universidade, Lisboa, Lisboa, 1649-004, Portugal. Email: te.ineshm@gmail.com. ORCID: 0000-0002-1516-5014.
  • 2
    Embora Karl Lachmann e Franz Muncker tenham sido responsáveis pela edição crítica dos trabalhos completos do filósofo e poeta Gotthold Lessing (1729-1781), não aplicaram o método estemático, tendo sido priorizada a última edição revista pelo autor na fixação do texto ( Hertz 1851 Hertz, Martin. Karl Lachmann: eine Biographie. Berlim: Verlag von Wilhelm Hertz, 1851.: XVII-XXIII). Este é um sinal claro de como Lachmann e Muncker estavam cientes das necessidades impostas pela edição de textos modernos, incompatíveis com a orientação estemática.
  • 3
    Embora estes filólogos não se ocupem do estudo das técnicas aplicadas a textos antigos, Hans Zeller considera que, na presença sugerida por um stemma de um texto transmitido por vários testemunhos não autógrafos que descendem do mesmo manuscrito original, é aceitável aplicar as regras de Lachmann e reconstituir esse mesmo texto através da combinação de lições dos vários testemunhos ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 236). Por outro lado, os defensores do método histórico-crítico não preveem nem discutem a aplicação do método de Lachmann em situações similares à que se observa em Poesias de Sá de Miranda de Carolina Michaëlis, já que, apesar de se tratar de uma tradição totalmente apógrafa, os testemunhos não possuem todos um ascendente comum.
  • 4
    Embora ao longo deste trabalho se reproduza a ideia de que um editor seguidor do modelo histórico-crítico não deve demonstrar preferência entre versões de um mesmo texto ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 244), esta conceção muitas vezes é apenas um princípio teórico que deve nortear o filólogo durante o processo de fixação do texto, não se observando, muitas vezes, na prática. Isto deve-se ao facto de que, por razões inerentes ao custo de impressão e produção de livros, nem sempre é possível ou se justifica do ponto de vista financeiro apresentar todas as versões do texto de modo paralelo com o mesmo nível de destaque na edição. Um exemplo disto é a edição da obra Max Havelaar (1860) do escritor holandês Multatuli pela filóloga Annemarie Kets-Vree, na qual a editora, que assume explicitamente que este é um projeto baseado no modelo de edição alemão, seleciona como base para o seu trabalho a última edição revista pelo autor ( Kets-Vree 2000:140 Kets-Vree, Annemarie. Dutch scholarly editing: The historical-critical edition in practice. Text, v. 13, 131-149, 2000.). Contudo, não contamina esta versão do texto com variantes de outras versões, preferindo apresentá-las separadamente em aparato, explicando que, nesta edição histórico-crítica, a função do texto-base é somente servir de suporte para o aparato de variantes ( Kets-Vree 2000 Kets-Vree, Annemarie. Dutch scholarly editing: The historical-critical edition in practice. Text, v. 13, 131-149, 2000.: 140).
  • 5
    No contexto da linguística, entende-se estruturalismo como o método de estudo inspirado nos trabalhos de Ferdinand de Saussure que explica que os fenómenos linguísticos só podem ser entendidos através da análise das relações fundamentais que estabelecem entre si. Estas relações constituem uma macroestrutura, a partir da qual se pode apreender toda a realidade social ( Cassirer 1945 Cassirer, Ernst. Structuralism in Modern Linguistics. Word, v. 1, n. 2, 1945, p. 99-120.: 104-106), sendo a linguística uma importante peça desse panorama. De acordo com o Dicionário de termos linguísticos (em linha) do Portal da Língua Portuguesa, o movimento estruturalista concebe as línguas como sistemas que devem merecer interesse em si e por si ( Correia; Ashby; Janssen n.d. Correia, Margarita; Ashby, Simone; Janssen, Maarten. “Estruturalismo”, Dicionário de Termos Linguísticos – Portal da Língua Portuguesa. Disponível em: http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=terminology&act=view&id=3549. Acesso em 27/11/2022.
    http://www.portaldalinguaportuguesa.org/...
    e Janssen 2008), não necessitando de ser exploradas apenas como conhecimentos complementares aos estudos literários.
  • 6
    No domínio das ciências da linguagem, o círculo de Praga visava conjugar o estruturalismo de Saussure com as ideias do psicólogo e linguista austríaco Karl Bühler (1879-1963), que determinou as seguintes funções da comunicação humana: expressão, chamamento e representação ( Medina 2007 Medina, José. Linguagem: conceitos-chave em filosofia. Rio Grande do Sul: Artmed, 2007.: 10). Neste contexto, os linguistas de Praga desenvolveram investigações muito significativas sobre “as características da linguagem dos vários gêneros (particularmente os da comunicação estética) e [criaram] uma abertura importante para as questões do ensino [das línguas]” ( Ilari 2004 Ilari, Rodolfo. O estruturalismo linguístico: Alguns caminhos. In: Mussalin, F; Bentes, A. (org.) Introdução à linguística: Fundamentos epistemológicos. 1º ed. São Paulo: Cortez, 2004, p. 53-92.: 70).
  • 7
    Para uma definição detalhada dos conceitos de lição substantiva e lição acidental, ver «The rationale of copy-text» ( Greg 1950 Greg, Walter. The rationale of copy-text. Studies in bibliography, v. 3, 1950, p. 19-36.: 21-24).
  • 8
    Segundo Zeller, a autorização passiva ocorre quando o autor da obra, apesar de ainda estar vivo, não acompanha de perto a transmissão dos seus textos, relegando as decisões editorais a terceiros ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 232). Assim, é responsabilidade do editor crítico, no seio do método histórico-crítico, detetar variantes inseridas no texto que apenas são fruto de autorização passiva e distingui-las das lições selecionadas ativamente pelo autor.
  • 9
    A bibliografia disponível não nos permitiu entender quem foram os responsáveis por mudar a trajetória da edição da Academia de Ciências de Berlim, em sentido divergente do seguido por Ernst Grumach. A única menção do tema encontra-se no texto de Hans Zeller (1975), que refere apenas que os critérios editoriais de Grumach foram, posteriormente, substituídos por novos “princípios básicos” ainda durante a edição da obra de Goethe ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 235), não citando quaisquer fontes. Também não foram detetados vestígios de que as questões apresentadas por Zeller, em 1975, acerca da edição da Academia de Ciências de Berlim, tenham sido discutidas anteriormente por outros académicos.
  • 10
    Por exemplo, quando o autor decide alterar o título de uma obra sem proceder a mais nenhuma emenda, podemos estar perante uma nova versão, já que um novo título reflete uma enorme mudança na vontade do escritor face à sua obra. Além disso, observa-se claramente que uma alteração de denominação de um livro tem influência sobre o restante conteúdo, possibilitando diferentes compreensões e interpretações por parte dos leitores face a um mesmo texto ( Zeller 1975 Zeller, Hans, A New Approach to the Critical Constitution of Literary Text. Studies in Bibliography, v. 28, 1975, p. 231-264.: 236-237).
  • 11
    A atitude de encarar o usus scribendi como um dos fundamentos para proceder à emendatio assemelha-se à abordagem que observamos na edição de Poesias de Sá de Miranda de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, apesar de a valorização explicita do usus scribendi ser mais intensa nos trabalhos de Michäelis. Isto porque a filóloga não tem acesso a testemunhos autógrafos que lhe permitam ter a certeza de que uma lição que aparentemente contraria as expectativas do estilo autoral é, na verdade, produto da pena de Sá de Miranda.
  • 12
    Hans Zeller adverte a distinção entre record e interpretation a propósito da edição da Ilíada de Aristarco, na qual observou a separação material e conceptual da recensio e da emendatio, uma vez que as intervenções do editor no texto são transmitidas em comentários separados do texto fixado ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 21).
  • 13
    Note-se que, para Zeller, a descrição de um manuscrito implica sempre subjetividade, porém nunca é tão interpretativa quanto a fixação do texto ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 44). Sendo assim, a descrição dos testemunhos é mais um recurso útil para que o leitor possa examinar o trabalho do editor.
  • 14
    Almuth Grésillon, no artigo «Alguns pontos sobre a história da crítica genética» (1991), argumenta que a crítica genética francesa herdou do ideário estruturalista o rigor metodológico, aplicando-o à análise de manuscritos modernos ( Grésillon 1991: 11). Esta posição reforça a conceção acerca da relevância do estruturalismo enquanto enquadramento teórico partilhado por diversas correntes da crítica textual moderna, como por exemplo a crítica genética e o modelo de edição histórico-crítico.
  • 15
    A resposta prática ao problema da seleção do texto a editar poderia ser mais facilmente acessível caso tivesse sido possível consultar as edições elaboradas por Zeller sobre a obra do poeta e novelista Conrad Ferdinand Meyer e, consequentemente, verificar de que modo o filólogo alemão aplicou a sua doutrina a casos concretos do universo literário.
  • 16
    No artigo «Record and Interpertation», contido na obra Contemporary German editorial theory ( 1995aZeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.), Zeller afirma que a definição de Textfehler (erro textual) que adota segue a ideia de Scheibe, que indica que estes erros só podem ser detetados em relação ao contexto em que ocorrem ( Zeller 1995a Zeller, Hans. Record and Interpretation: Analysis and Documentation as Goal and Method of Editing. In: Gabler, Hans Walter (org.). Contemporary German Editorial Theory. 1º ed. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1995a, p. 17-58.: 36). Apesar de Zeller ter estabelecido o escopo da utilização do termo Textfehler, aprofundando a sua definição, pode identificar-se a ideia de Scheibe como o ponto de partida da sua exploração deste conceito no seio da crítica textual alemã.

Editado por

Editor:

Helmut Galle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2023
  • Aceito
    27 Jul 2023
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