Open-access Papel dos fatores sociodemográficos e da autoeficácia na percepção de apoio social de graduandos de enfermagem

RESUMO

Objetivo:  Analisar o papel dos fatores sociodemográficos e da autoeficácia na percepção de apoio social de estudantes dos anos iniciais da graduação em enfermagem.

Método:  Pesquisa transversal quantitativa, desenvolvida com 121 graduandos dos anos iniciais. Utilizou-se questionário sociodemográfico, a Escala de Autoeficácia no Ensino Superior e a versão abreviada do Questionário de Suporte Social. Foram empreendidos os testes de Correlação de Spearman e de Mann-Whitney por meio de software para análise estatística.

Resultados:  Identificou-se que os estudantes com melhor autoeficácia e que se autodeclararam pretos ou pardos referiram, respectivamente, maior satisfação com o apoio e menor número de apoiadores.

Conclusão:  Considerando que o fator raça/cor influenciou negativamente e a autoeficácia positivamente a percepção de apoio social, recomenda-se que sejam conduzidas estratégias de promoção da saúde mental que perpassem tanto as políticas afirmativas quanto melhorias do processo de ensino-aprendizagem, sobretudo nos primeiros anos do curso de enfermagem.

DESCRITORES Auto eficácia; Apoio social; Estudantes; Enfermagem; Saúde Mental; Promoção da Saúde

ABSTRACT

Objective:  To analyze the role of sociodemographic factors and self-efficacy in the perception of social support by nursing students of the first years of nursing school.

Method:  This is a quantitative cross-sectional research, developed with 121 undergraduate students from the early years of the course. A sociodemographic questionnaire, the Higher Education Self-Efficacy Scale and the abbreviated version of the Social Support Questionnaire were used. Spearman and Mann-Whitney correlation tests were performed using software for statistical analysis.

Results:  It was identified that students with better self-efficacy and who are self-declared black or brown reported, respectively, greater satisfaction with the support and a smaller number of supporters.

Conclusion:  Considering that the race/color factor had a negative influence and self-efficacy a positive influence in the perception of social support, it is recommended that mental health promotion strategies be conducted that permeate both affirmative action policies and improvements in the teaching-learning process, especially in the first years of the nursing course.

DESCRIPTORS Self Efficacy; Social Support; Students; Nursing; Mental Health; Health Promotion

RESUMEN

Objetivo:  Analizar el rol de los factores sociodemográficos y de la autoeficacia en la percepción de apoyo social de estudiantes de años iniciales de la graduación en enfermería.

Método:  Investigación transversal cuantitativa, desarrollada con 121 estudiantes de graduación de los años iniciales. Se utilizó encuesta sociodemográfica, la Escala de Autoeficacia en la Enseñanza Superior y la versión sucinta de la Encuesta de Soporte Social. Fueron emprendidos los testes de Correlación de Spearman y de Mann-Whitney a través de software para análisis estadístico.

Resultados:  Se identificó que los estudiantes con mejor autoeficacia y que se auto declararon negros o pardos relataron, respectivamente, mayor satisfacción con el apoyo y menor número de apoyadores.

Conclusión:  Teniendo en cuenta que el factor etnia/color influyó de forma negativa y la autoeficacia de forma positiva la percepción de apoyo social, se recomienda que sean conducidas estrategias de promoción de la salud mental que aporten tanto las políticas afirmativas como mejorías del proceso de enseñanza-aprendizaje, sobre todo en los primeros años del curso de enfermería.

DESCRIPTORES Auto eficacia; Apoyo Social; Estudiantes; Enfermería; Salud Mental; Promoción de la Salud

INTRODUÇÃO

O ingresso no ensino superior é marcado por inúmeros desafios de ordem afetiva, cognitiva e social, mas se configura também em importante propiciador de experiências úteis, tanto para o desenvolvimento pessoal quanto para a formação profissional(12).

A aprovação no vestibular, sobretudo nas universidades públicas, representa uma importante conquista; contudo é também inevitável que o ingressante se defronte com dificuldades para lidar com situações como mudança de cidade para cursar a faculdade escolhida, saudade de casa, autonomia e responsabilidade ao lidar com finanças, adaptação ao novo ambiente, às novas pessoas e à nova rotina e modo de estudo, as quais exigirão maior dedicação e tomada de decisões mais independentes(12).

A despeito dos desafios de ordem geral, essa transição é única para cada estudante e o desenvolvimento de mecanismos saudáveis de enfrentamento é de suma importância. Nesse sentido, o apoio social e a autoeficácia têm sido descritos como facilitadores do processo de adaptação dos indivíduos durante períodos de transição, pois promovem melhorias na saúde mental e incrementam a sensação de segurança e bem-estar, além de favorecerem processos de resiliência(24).

As redes de apoio aos estudantes são de grande importância para o manejo de situações estressantes, tanto no período de transição quanto na adaptação acadêmica, e o déficit de apoiadores pode contribuir para pior manejo do tempo e menor planejamento e organização dos estudos, implicando questões relacionadas à autonomia, autorregulação, motivação acadêmica e sucesso no final do primeiro ano(57).

Diversas pesquisas com estudantes, nos âmbitos nacional e internacional, têm considerado tanto o papel do apoio social quanto da autoeficácia no bem-estar(4), na adoção de hábitos de vida saudáveis(56), enfrentamento de situações negativas(8), desempenho acadêmico(910), saúde física(11) e mental(3), sendo parte dessas pesquisas desenvolvidas com estudantes da educação básica ou do ensino médio(56,8). Dentre os estudos recentes que partem dessa noção de sinergia entre apoio social e autoeficácia e que foram desenvolvidos com estudantes universitários(34,911), alguns consideraram diversos cursos conjuntamente(4,9) ou estudantes de outros cursos que não o de enfermagem(3,1011).

Desse modo, a necessidade do incremento de estudos sobre esse tema, especificamente envolvendo estudantes de enfermagem, se apresenta como um aspecto importante, tendo em vista os estressores particulares desse curso, a saber, grade curricular que inclui atividades teóricas, práticas laboratoriais e imersão no cenário de prática, realização de ações assistenciais a diferentes populações, avaliações constantes, contato contínuo com o sofrimento humano e o ainda culturalmente baixo prestígio da profissão(1,8).

Outra especificidade a ser considerada consiste nas características dos primeiranistas do referido curso, uma vez que pesquisadores têm enfatizado o período de adaptação ao ambiente, estrutura curricular, grade horária e as nuances do trabalho em saúde como desafios importantes nos anos iniciais do curso(1213).

Ademais, essas pesquisas sobre o fenômeno em questão têm focado a sinergia dos construtos autoeficácia como um recurso interno e apoio social como um recurso externo, sem necessariamente contextualizarem tais recursos em relação ao background cultural (como a etnia) ou outros aspectos sociodemográficos (como o gênero e faixa etária dos estudantes).

Diante de tal lacuna, o presente estudo tem como objetivo analisar o papel dos fatores sociodemográficos e da autoeficácia na percepção de apoio social de estudantes dos anos iniciais da graduação em enfermagem.

MÉTODO

Tipo e Localdo Estudo

Trata-se de uma pesquisa transversal quantitativa, realizada em um campus de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo, Brasil.

População, Critérios de Seleção e Amostra

A população do estudo consistiu nos estudantes do primeiro e do segundo ano da graduação em enfermagem da referida instituição. Os critérios de elegibilidade foram: estudantes matriculados nos anos iniciais do curso de graduação em enfermagem e maiores de 18 anos. O convite para participação no estudo foi realizado pessoalmente nas salas de aula e por convite escrito entregue aos estudantes nos intervalos das aulas.

No período de realização do estudo, o total de estudantes que cursava enfermagem era 591; desse montante, 240 estudantes compunham a população elencada. Todos os estudantes dessa população foram convidados a participar do estudo (N = 240), sendo que 8% deles eram menores de 18 anos e 54,8% dos elegíveis aceitaram o convite. Em relação às recusas, o motivo alegado foi falta de tempo ou participação em outra pesquisa no mesmo período. Assim, a amostra final consistiu em 121 estudantes.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada no período de abril a junho de 2019 por três estudantes de enfermagem (duas graduandas e uma doutoranda) previamente treinadas para esse fim. Os questionários autorrelatados foram distribuídos entre os estudantes da amostra (n = 121) juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os estudantes devolveram os questionários respondidos.

Foram coletadas informações sobre o perfil sociodemográfico, o suporte social e a autoeficácia por meio dos instrumentos: questionário sociodemográfico, a versão reduzida do Questionário de Suporte Social (SSQ6)(14) e a Escala de Autoeficácia na Formação Superior (AEFS)(15).

O questionário de dados sociodemográficos foi elaborado pelos pesquisadores considerando os indicadores mínimos descritos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(16) e continha informações sobre sexo, faixa etária e cor.

O SSQ6 é constituído por seis questões que analisam o número de pessoas que compõem a rede social do indivíduo (escore SSQN) e o grau de satisfação com o suporte social percebido (escore SSQS)(14). O indivíduo deve listar até nove pessoas por questão, podendo também responder “ninguém”, e classificar sua satisfação com o apoio em cada situação elencada nas questões a partir de uma escala Likert de seis pontos, na qual seis corresponde a “muito satisfeito” e um a “muito insatisfeito”. Esse instrumento apresenta valores elevados de consistência interna, avaliados pelo alfa de Cronbach, que variaram em 0,90 para o SSQN e 0,93 para o SSQS, e foi validado para o uso no Brasil(14).

A AEFS, desenvolvida e validada no Brasil, contém 34 itens referentes à confiança percebida pelo participante em cinco dimensões: acadêmica, regulação da formação, interação social, ações proativas e gestão acadêmica(15). O alpha de Cronbach obtido nas diferentes dimensões foram, respectivamente, 0,88; 0,87; 0,80; 0,85; e 0,80.

Cada item possui como opção de resposta uma escala Likert de 0 a 10. O cálculo da média dos itens correspondentes a cada dimensão compõe os escores por dimensão. O escore geral foi obtido a partir da média dos escores das diferentes dimensões, tendo como ponto médio o valor de 5,5. Isto é, as médias abaixo desse valor indicariam crenças de autoeficácia fracas; entre 5,5 e 6, crenças frágeis; e médias acima de 7 sugeririam crenças fortes(15). Foram obtidas as devidas autorizações para o uso das escalas pelo grupo de pesquisa.

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados obtidos foram tabulados em planilha do Excel for Windows e duplamente digitados pelos pesquisadores envolvidos, a fim de validar e obter dados fidedignos e livres de erros. Após essa primeira etapa, a planilha foi transportada para um banco de dados definitivo no software IBM® SPSS, versão 23.0, no qual foram conduzidas as análises.

Num primeiro momento, foi realizada a caracterização do perfil dos participantes, com a descrição dos dados sociodemográficos da população do estudo, utilizando estatística descritiva, como frequência simples, medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de variabilidade ou dispersão (desvio padrão, mínimo e máximo).

Posteriormente, foi realizado o teste de normalidade a fim de se obter a distribuição dos escores dos instrumentos utilizados. Dado que a distribuição das variáveis analisadas não era normal, foram utilizados testes não paramétricos, a saber: Correlação de Spearman, considerando os escores de apoio social (número e satisfação) e os escores global e das diferentes dimensões da escala de autoeficácia; e Teste de Mann-Whitney para os escores de apoio social (número e satisfação), idade (dicotomizada em até 20 anos e mais que 20 anos), cor (dicotomizada em branco/amarelo e preto/pardo) e sexo (masculino ou feminino). Foi adotado alfa de 0,05.

Aspectos Éticos

O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e aprovado pelo Parecer nº 20 de 06 de fevereiro de 2019. O desenvolvimento da pesquisa seguiu as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, conforme estabelece a Resolução n°466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Quanto às características sociodemográficas dos 121 participantes do estudo, houve predomínio de mulheres; a idade variou de 18 a 28 anos, com média de 20,1 anos (dp = 2,30); 76,9% se autodeclararam brancos e, em relação à dependência financeira, 95% (n = 115) dependiam dos pais para manterem-se no curso.

Os estudantes apresentaram em média 6,03 apoiadores (dp = 2,41) e escore médio de satisfação com o apoio de 5,21 (dp = 1,12). O número de apoiadores foi estatisticamente diferente apenas em relação à cor, isto é, os alunos que se autodeclararam pretos ou pardos tinham menos apoiadores (Tabela 1 ).

Tabela 1 -
Diferença entre os escores de apoio social de acordo com as características sociodemográficas dos participantes – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019 (n = 121).

Em relação à autoeficácia, a média do escore global foi de 8,14 (dp = 1,30) e valores mínimo e máximo, respectivamente, de 3 e 10. Os escores médios específicos de cada dimensão são apresentados na Figura 1.

Figura 1.
Média e desvio padrão do escore das dimensões da escala de autoeficácia – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019 (n = 121).

A autoeficácia, em todas as dimensões avaliadas, correlacionou-se positivamente com a satisfação com o apoio social (Tabela 2), com destaque para a dimensão acadêmica (confiança percebida na capacidade de aprender, demonstrar e aplicar o conteúdo do curso). Apesar disso, não houve correlação entre autoeficácia e o número de apoiadores (Tabela 3).

Tabela 2 -
Correlação entre o escore satisfação com o apoio social e as dimensões da escala de autoeficácia – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019 (n = 121).
Tabela 3 -
Correlação do número de apoiadores com as dimensões da escala de autoeficácia – Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2019 (n = 121).

DISCUSSÃO

A despeito de alguns autores apontarem que as relações interpessoais que conformam uma rede social tendem a ser homogêneas em diversos aspectos como sexo, idade, escolaridade, religião e etnia(1718), no grupo estudado, apenas a etnia dos participantes se mostrou relevante em relação à percepção de apoio social.

Considerando que o número de estudantes pretos/pardos nas universidades públicas ainda é reduzido, tal resultado pode refletir o achado de um estudo prévio desenvolvido com estudantes de medicina, no qual os autores identificaram uma tendência de “homofilia” na constituição da rede de apoio dos participantes, isto é, eles frequentemente nomeavam como parte de sua rede de apoio pessoas de sua própria etnia(17).

As relações interpessoais dos estudantes negros também foram apontadas, em estudo prévio, como fonte de estresse, uma vez que estes se sentiam pouco representados em relação às suas especificidades, bem como pela baixa sensibilidade por parte de funcionários e professores em relação às diferenças socioculturais relacionadas ao quesito raça/cor(18).

Assim, destaca-se que, na amostra estudada, apenas 23,1% dos participantes se autodeclararam pretos/pardos e, mesmo considerando o fato de a amostragem ter se dado por conveniência, urge à reflexão a inserção desse grupo na universidade, que ainda está aquém da representação dessa população, visto que 34,5% dos paulistanos são negros(19). Tais dados corroboram a premissa de que as políticas afirmativas relacionadas ao ingresso nas universidades públicas, bem como as políticas de permanência estudantil com priorização desse grupo, certamente promoveria aos estudantes negros o fortalecimento de sua identidade, contribuindo para o reconhecimento dos pares e, consequentemente, para a possível ampliação de suas redes de apoio.

Tais políticas se legitimam pelo reconhecimento do racismo estrutural enquanto fator determinante que perpassa a história de vida desses estudantes. O racismo estrutural é decorrente do funcionamento normal da sociedade e se constitui nas relações políticas, econômicas, jurídicas e familiares(20). Desse modo, destaca-se a importância de se avaliar como a violência racial, consequência dessa estrutura social racista, pode refletir no estabelecimento de relações interpessoais que possam ser percebidas também como fonte de apoio social(21).

Além disso, considerando que a maioria dos participantes era mulher, faz-se necessário incluir nessa discussão a questão da interseccionalidade que diz respeito especificamente à forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas, estruturando posições sociais(22). Tal fato é evidenciado, uma vez que esses sistemas colocam estudantes pretas e pardas na encruzilhada, forjada por raça e gênero, da falta de apoio social.

Diante do exposto, entende-se que esse resultado pode refletir a inópia das redes de apoio dos estudantes pretos e pardos, evidenciando uma importante necessidade psicossocial a ser considerada no âmbito universitário, que pode se desdobrar em experiências negativas desse grupo ao longo de sua trajetória acadêmica e até mesmo se refletir em menos oportunidades quando na qualidade de egresso, tendo em vista os resultados que apontam a importância das redes de apoio também para a inserção no mercado de trabalho(2324). Assim, esse importante achado ressalta a relevância de mais pesquisas que busquem entender como se conformam as redes de apoio especificamente dos alunos pretos e pardos, bem como a proposição de estratégias de promoção da saúde mental que contemplem, de modo sensível, as especificidades desse grupo.

Por outro lado, ao considerar a amostra total, identificou-se que a maioria dos estudantes estava satisfeita com suas redes de apoio e, nesse quesito, não houve diferença entre os participantes de acordo com as características sociodemográficas analisadas. O fato de a variável “satisfação com o apoio” apresentar-se diferente do “número de apoiadores”, mesmo fazendo parte do mesmo construto, foi considerado controverso, tendo em vista que o número de apoiadores é descrito por pesquisadores clássicos desse tema como um importante preditor de satisfação com o apoio(14,25). Alguns estudos recentes com outras populações reforçam essa evidência, apontando que redes com mais apoiadores aumentam as chances de o indivíduo contar com mais pessoas confidentes, interessadas e menos diretivas(2627). Apesar disso, também há na literatura recente resultados similares aos do presente estudo, os quais têm sugerido que a satisfação com o apoio assume maior relevância como variável de análise nos estudos sobre qualidade de vida e saúde(8,28).

Desse modo, recomendam-se pesquisas futuras que aprofundem a identificação dos atuais preditores de satisfação com o apoio, considerando grupos específicos, sobretudo com estudantes de enfermagem pretos ou pardos que, no caso do presente estudo, se destacaram em relação ao número reduzido de apoiadores. Além disso, preconiza-se que as investigações sobre a temática considerem também outras características que possivelmente atuam como mediadoras ou moderadoras das variáveis adotadas neste estudo, tendo em vista as inúmeras evidências sobre a importância das relações de mediação e moderação nos processos relacionados à provisão e percepção de apoio social(7,2930).

Quanto à autoeficácia, a maioria dos estudantes apresentou escores com média acima de oito, indicando crenças fortes sobre suas capacidades de lidar com as demandas do cotidiano, corroborando os achados de outros estudos que identificaram boa percepção de autoeficácia na população de estudantes universitários em geral(12). Entende-se que esse é um importante indicador da saúde psicossocial dos estudantes de enfermagem no novo contexto de vida, visto que a autoeficácia é uma das dimensões que conformam os recursos psicológicos de enfrentamento e de resolução de problemas(12).

Os resultados do presente estudo também apontaram correlação positiva entre a satisfação com o apoio social e as dimensões da autoeficácia, sobretudo a acadêmica. Isto é, quanto maior a autoeficácia dos estudantes, maior a satisfação com o apoio social. Estudo desenvolvido com estudantes de medicina que analisou essas variáveis(3) não apresentou resultados sobre a correlação entre elas, enfatizando a necessidade de que estudos futuros empreendam tais análises a fim de contribuir para um corpo de evidências mais robusto.

No tocante à particularidade da população deste estudo, primeiranistas do curso de enfermagem, destaca-se que a relação candidato/vaga dos cursos da área da saúde tende a ser maior do que a de outras áreas, como humanas e exatas; logo, o baixo percentual de estudantes pretos ou pardos na amostra estudada pode refletir, de certo modo, a questão do acesso especificamente a esse curso de graduação. Por outro lado, considerando os estressores específicos desse curso, dessa fase do curso, e até mesmo dessa profissão, entende-se que os estudantes têm sobrepujado os desafios em detrimento dos recursos que possuem para enfrentá-los, denotando nuances de um perfil resiliente para essa fase do ciclo de vida. No entanto, identifica-se que os estudantes de enfermagem poderiam se beneficiar ainda mais de uma rede de apoio mais qualificada, tendo em vista seus desdobramentos na autoeficácia, bem como seu papel protetor em relação à saúde mental e ao enfrentamento das adversidades(57,911).

Importantes contribuições para a prática devem ser consideradas a partir do presente estudo, sobretudo no que tange a possíveis estratégias de caráter institucional voltadas para a melhoria das relações apoiadoras no contexto acadêmico.

Os achados apontam para a necessidade de se conhecer o perfil e a caracterização dos discentes, tanto em relação aos fatores sociodemográficos quanto aos fatores psicossociais (autoeficácia, rede de apoio social, dentre outros), pois os estudantes universitários possuem particularidades e estressores específicos relacionados ao contexto da graduação. As estratégias de promoção da saúde mental a tais estudantes devem ser sensíveis a tais fatores.

As limitações do estudo se referem à coleta de dados em uma única instituição e ao tamanho amostral decorrente do grande número de recusas. Para estudos futuros, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas com designs que permitam a comparação entre os estudantes das diferentes fases do curso de enfermagem, de modo a proporcionar evidências mais acuradas sobre as especificidades desses subgrupos, bem como a inclusão de etapa qualitativa que possa apurar os sentimentos e percepções dos estudantes de enfermagem negros sobre suas redes de apoio e saúde psicossocial nos contextos acadêmicos.

CONCLUSÃO

O presente estudo partiu da proposição de que autoeficácia, cor, gênero e idade assumiriam papel relevante na percepção de apoio social em uma amostra de estudantes dos anos iniciais da graduação em enfermagem. Identificou-se que a melhor autoeficácia e o quesito raça-cor assumiram papel relevante em relação à percepção de apoio social do grupo estudado. Isto é, os estudantes com melhor autoeficácia e que se autodeclararam pretos/pardos referiram, respectivamente, maior satisfação com o apoio e menos apoiadores. Depreende-se que propostas focadas na melhoria do apoio social dos estudantes em questão devem perpassar tanto as políticas afirmativas quanto ações que promovam o incremento da capacidade de aprender, demonstrar e aplicar o conteúdo do curso.

  • Apoio financeiro
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq [422244/2018-0] e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Código de Financiamento 001.

Referências bibliográficas

  • 1. Ribeiro RM, Bragiola JVB, Eid LP, Pompeo DA. Impact of self-esteem and of the sociodemographic factors on the self-efficacy of udergraduate nursing students. Texto Contexto Enferm. 2020;29:e20180429. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0429
    » http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0429
  • 2. Sanner-Stiehr E. Responding to disruptive behaviors in nursing: A longitudinal, quasi-experimental investigation of training for nursing students. Nurse Educ Today. 2018;68:105-11. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2018.05.029
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2018.05.029
  • 3. Hakimi S, Talepasand S. The structural relations of self-efficacy and social support with subjective well-being in medical students: mediator role of emotional exhaustion and academic engagement. Medical Education and Development Spring [Internet] 2018 [cited 2020 Apr 10];13(1):43-58. Available from: https://www.sid.ir/en/journal/ViewPaper.aspx?ID=612437
    » https://www.sid.ir/en/journal/ViewPaper.aspx?ID=612437
  • 4. Matias RC, Martinelli SC. Um estudo correlacional entre apoio social e autoconceito de estudantes universitários. Avaliação (Campinas). 2017;22(1):15-33. DOI: https://doi.org/10.1590/s1414-40772017000100002
    » https://doi.org/10.1590/s1414-40772017000100002
  • 5. Campos JG, Bacil EDA, Piola TS, Silva MP, Pacífico AB, Campos W. Social support, self-efficacy and level of physical activity of students aged 13-15 years. Rev bras cineantropom desempenho hum. 2019;21:e58684. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-0037.2019v21e58684
    » https://doi.org/10.1590/1980-0037.2019v21e58684
  • 6. Hamilton K, Warner LM, Schwarzer R. The Role of Self-Efficacy and Friend Support on Adolescent Vigorous Physical Activity. Health Educ Behav. 2016;44(1):175-81. DOI: https://doi.org/10.1177/1090198116648266
    » https://doi.org/10.1177/1090198116648266
  • 7. Araújo AM, Santos AA, Noronha AP, Zanon C, Ferreira JA, Casanova JR, et al. Anticipated adaptation difficulties to higher education: a study with first-year students. Revista de Estudios e Investigación en Psicología y Educación. 2016;3(2):102-11. DOI: http://dx.doi.org/10.17979/reipe.2016.3.2.1846
    » http://dx.doi.org/10.17979/reipe.2016.3.2.1846
  • 8. Almeida LY, Carrer MO, Souza J, Pillon SC. Evaluation of social support and stress in nursing students. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03405. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017045703405
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017045703405
  • 9. Liu YC, Yun YH. Self-efficacy as the moderator: Exploring driving factors of perceived social support for mainland Chinese students in Taiwan. Comput Human Behav. 2016;64:455-62. DOI: https://doi.org/10.1016/j.chb.2016.07.018
    » https://doi.org/10.1016/j.chb.2016.07.018
  • 10. Pereira CM, Souza GM, Costa NVM, Rossini RP, Gomes AM, Batista EC. Autoeficácia percebida por estudantes do primeiro período de um curso de pedagogia. Revista Científica FAEST. 2018;6(1):13-23.
  • 11. Jackson ES, Tucker CM, Herman KC. Health value, perceived social support, and health self-efficacy as factors in a health-promoting lifestyle. J Am Coll Health. 2007;56(1):69-74. DOI: https://doi.org/10.3200/JACH.56.1.69-74
    » https://doi.org/10.3200/JACH.56.1.69-74
  • 12. Aini N. Identifying the Sources of Academic Stress and Coping Strategies in New Nursing Students. Advances in Health Sciences Research (AHSR). 2017;2:73-81. DOI: https://doi.org/10.2991/hsic-17.2017.11
    » https://doi.org/10.2991/hsic-17.2017.11
  • 13. Alsaqri SH. Stressors and coping strategies of the Saudi nursing students in the clinical training: a cross-sectional study. Education Research International [Internet]. 2017 [cited 2021 May 01];1-9. Available from: https://www.hindawi.com/journals/edri/2017/4018470/
    » https://www.hindawi.com/journals/edri/2017/4018470/
  • 14. Sarason IG, Sarason BR, Shearin EN, Pierce GR. A brief measure of social support: Practical and theoretical implications. J Soc Pers Relat. 1987;4:497-510. DOI: https://doi.org/10.1177/0265407587044007
    » https://doi.org/10.1177/0265407587044007
  • 15. Polydoro SAJ, Guerreiro-Casanova DC. Higher education self-efficacy scale: Construction and validation research. Aval. Psicol [Internet]. 2010 [cited 2019 Oct 03];9(2):267-78. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712010000200011
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712010000200011
  • 16. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores. Rio de Janeiro: IBGE; 2016.
  • 17. Vaughan S, Sanders T, Crossley N, O’Neill P, Wass V. Bridging the gap: the roles of social capital and ethnicity in medical student achievement. Med Educ. 2015;49:114-23. DOI: https://doi.org/doi:10.1111/medu.12597
    » https://doi.org/doi:10.1111/medu.12597
  • 18. Morrison N, Machado M, Blackburn C. Student perspectives on barriers to performance for black and minority ethnic graduate-entry medical students: a qualitative study in a West Midlands medical school. BMJ Open. 2019;9:e032493. DOI: https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-032493
    » https://doi.org/10.1136/bmjopen-2019-032493
  • 19. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010: população residente, por raça cor, segundo situação de domicilio, o sexo e a idade. In: Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sidra: sistema IBGE de recuperação automática. [Internet]. 2010 [cited 2020 May 26]. Available from: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado
    » https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175#resultado
  • 20. Almeida SL. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento; 2018.
  • 21. Fanon F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EdUFBa; 2008.
  • 22. Crenshaw K. Background paper for the expert meeting on the gender-related aspects of race discrimination. Rev Estud Fem. 2002;10(1): 171-88. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011
  • 23. Choi HJ, Jung KI. Moderating Effects of Career Decision-making Self-efficacy and Social Support in the relationship between Career Barriers and Job-seeking Stress among Nursing Students Preparing for Employment. J Korean Acad Fundam Nurs. 2018;24(1):61-72. DOI:https://doi.org/10.11111/JKANA.2018.24.1.61
    » https://doi.org/10.11111/JKANA.2018.24.1.61
  • 24. Hou C, Wu Y, Liu Z. Career decision-making self-efficacy mediates the effect of social support on career adaptability: A longitudinal study. Social Behavior and Personality: an international journal. 2019;47(5):1-13. DOI: https://doi.org/10.2224/sbp.8157
    » https://doi.org/10.2224/sbp.8157
  • 25. Stokes JP, Wilson DG. The Inventory of Socially Supportive Behaviors: dimensionality, prediction, and gender differences. Am J Community Psychol [Internet]. 1984 [cited 2021 June 30];12:53-69. Available from: https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/BF00896928.pdf
    » https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/BF00896928.pdf
  • 26. Mc Cullagh C, Quinn K, Voisin DR, Schneider J. A longitudinal examination of factors associated with social support satisfaction among HIV-positive young Black men who have sex with men. AIDS Care. 2017;29(12):1598-604. DOI: https://doi.org/10.1080/09540121.2017.1332333
    » https://doi.org/10.1080/09540121.2017.1332333
  • 27. Geller J, Iyar M, Srikameswaran S, Zelichowska J, Dunn EC. Social support satisfaction in adults with eating disorders: Does stance matter? Int J Eat Disord. 2017;50:842-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/eat.22695
    » http://dx.doi.org/10.1002/eat.22695
  • 28. Winefield HR, Delfabbro PH, Winefield AH, Plueckhahn T, Malvaso CG. Adolescent predictors of satisfaction with social support six years later: an Australian longitudinal study. J Adolesc. 2015;44:70-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.adolescence.2015.07.004
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.adolescence.2015.07.004
  • 29. Beekman JB, Stock ML, Howe GW. Stomaching rejection: Self-compassion and self-esteem moderate the impact of daily social rejection on restrictive eating behaviours among college women. Psychol Health. 2017;32(11):1348-70. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/08870446.2017.1324972
    » http://dx.doi.org/10.1080/08870446.2017.1324972
  • 30. Wu ZH, Tennen H, Hosain GMM, Coman E, Cullum J, Berenson AB. Stress Mediates the Relationship Between Past Drug Addiction and Current Risky Sexual Behaviour Among Low-income Women. Stress and Health. 2016;32:138-44. DOI: https://doi.org/10.1002/smi.2587
    » https://doi.org/10.1002/smi.2587

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2021
  • Aceito
    26 Jul 2021
location_on
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro